Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02031/12.9BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/15/2013
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Catarina Almeida e Sousa
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL; SUSPENSÃO; PRESTAÇÃO DE GARANTIA; FIANÇA; SGPS; INTERPRETAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS
Sumário:I. Na interpretação das decisões judiciais, que constituem verdadeiros actos jurídicos, devem observar-se os princípios comuns à interpretação das leis e interpretação das declarações negociais, valendo, por isso, aquele sentido que, segundo o disposto nos artigos 9º e 236º do Código Civil, o declaratário normal ou razoável deva retirar das declarações escritas, tendo em conta não só a parte decisória como toda a sua fundamentação.
II. A expressão constante do nº 1 do artº 199º do CPPT “ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente”, não só não exclui a fiança como modalidade legal de prestação de garantia, como leva a incluí-la naquela expressão, já que constitui uma modalidade de garantia a favor do credor.
III. Ou seja, o artigo 199º do CPPT apresenta uma enumeração exemplificativa, que não um elenco fechado das garantias aí indicadas, pelo que não ocorre qualquer impedimento legalmente prescrito a que a garantia a prestar com vista à suspensão da execução fiscal seja constituída por fiança.
IV. O artigo 200.º, n.º 2 do CPPT não encerra nenhum pressuposto da idoneidade da fiança, mas as consequências da falta de pagamento do fiador. A citação e o decurso do prazo de pagamento voluntário do fiador não são pressuposto algum de que dependa a aceitação da garantia, mas pressuposto de que depende a execução dessa garantia.
V. Inexiste fundamento legal para afirmar que as SGPS, atenta a sua natureza, estão impedidas de prestar garantias às suas participadas
VI. A idoneidade em concreto da fiança oferecida como garantia para suspender a execução fiscal está sujeita a uma apreciação casuística pelo órgão competente da Administração Tributária, em face da susceptibilidade do património do fiador responder pelo integral pagamento da dívida exequenda e do acrescido.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:M..., S.A.
Decisão:Concedido parcial provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte

1- RELATÓRIO

A Fazenda Pública não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a reclamação que a M…, SGPS, SA apresentou contra o despacho proferido, em 30/04/12, pela Directora de Finanças Adjunta da Direcção de Finanças do Porto, no uso de competência delegada, que lhe indeferiu a prestação de garantia através de fiança, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3174201101094297 contra si instaurado no Serviço de Finanças do Porto 1, dela veio interpor o presente recurso.

Rematou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

“A - Julgou a douta sentença recorrida procedente a reclamação de atos do Órgão da Execução Fiscal interposta, nos termos do artigo 276.º do CPPT, do despacho proferido, em 30/04/2012, pela Diretora de Finanças Adjunta da DF do Porto, onde foi decidido não aceitar como garantia idónea a fiança constituída por M… - SGPS, SA (NIPC 5…), com vista à suspensão do processo de execução fiscal n.º 3174201101094297, por inidoneidade da mesma.

B - Ressalvado o devido respeito, com o que desta forma foi decidido, não se conforma a Fazenda Pública, sendo outro o seu entendimento, já que considera que a douta sentença sob recurso padece de erro de julgamento da matéria de facto, já que a douta sentença apreciou e valorou erradamente a prova produzida, visto que desta não se pode extrair a conclusão que:

i) o órgão decisor procurou demonstrar em concreto a falta de idoneidade da fiança ofertada, por via da análise da capacidade económica da fiadora [da M… SGPS, SA];

ii) a fiança apresentada se mostra idónea em virtude de: o resultado líquido da fiadora ter ascendido no exercício de 2011 a € 33.432.054,00 e, portanto, muito superior ao valor necessário para suster a execução por dívidas de IVA da Reclamante; o ativo da fiadora ascender os € 1.499.573.9444,00 e ter capitais próprios no montante de € 204.6353695,00.

B.1 - Padecendo ainda a douta sentença sub judicio de erro na aplicação do direito, por violação do disposto nos artigos 169.º, 197.º, 199.º e 200.º do CPPT, e no artigo 52.º da LGT, atendendo às razões que se passa a desenvolver (alterou-se a identificação da conclusão, atento o lapso manifesto constante do original).

C - Com efeito, e ressalvado o sempre devido respeito pelo labor do Tribunal a quo

D - a douta sentença recorrida errou ao ter entendido que o órgão decisor sustentou a inidoneidade da fiança em termos legais e também por via da análise da capacidade económica da fiadora, porquanto

E - resulta evidente dos autos e do próprio pedido da Reclamante/Recorrida que a Administração Tributária assentou o juízo sobre a falta de idoneidade da fiança apresentada apenas numa apreciação em abstrato da fiança, e não numa apreciação em concreto da capacidade económica do fiador.

F - Em nenhum momento a Administração Tributária procedeu a tal exercício no caso em apreço.

G - Aliás, a própria Reclamante/Recorrida alega como um dos fundamentos para a ilegalidade da decisão controvertida, o facto de essa análise em concreto não ter sido levada a cabo por quem de direito,

H - tendo inclusive requerido ao Tribunal a quo que proferisse uma injunção à Administração Fiscal para agir de acordo com o julgado, no sentido de a forçar a aceitar a fiança oferecida e suspender a execução fiscal em epígrafe.

I - Assim sendo, e sem prejuízo para melhor entendimento, não era possível que a decisão sob recurso procedesse à apreciação da garantia apresentada nos termos em que o fez, na medida em que a reclamação judicial de ato praticado na execução fiscal constitui uma verdadeira ação impugnatória incidental da execução fiscal, deduzida no decurso de execução pendente, a qual tem por objeto imediato determinado ato que nela foi praticado pelo órgão da execução e por finalidade a apreciação da validade desse ato.

J - Consequentemente, in casu, o ato alegadamente lesivo submetido à apreciação do Tribunal é o despacho de recusa da fiança ofertada por falta de idoneidade da mesma como garantia.

K - Por outro lado, a lei é clara ao estatuir que a entidade com competência para apreciar as garantias é a competente para autorizar o pagamento em prestações (cfr. artigo 199.º n.º 9 do CPPT).

L - Sendo que, por força do artigo 197.º do CPPT, a competência para autorizar o pagamento em prestações cabe ao órgão da execução fiscal, que é o órgão periférico local da Administração Tributária onde deva correr a execução (cfr. artigo 149.º do CPPT) se o valor da dívida exequenda não for superior a 500 Unidades de Conta e o órgão periférico regional se for superior.

M - Significando isto que, a lei não cria margem de manobra nesta matéria para o Tribunal se fazer substituir à Administração Tributária.

N - E uma vez que a Administração Tributária assentou o juízo sobre a idoneidade da fiança apresentada numa apreciação em abstrato da fiança, e não numa apreciação da capacidade económica do fiador, ao Tribunal a quo apenas competia verificar se aquele ato se encontrava conforme com a ordem jurídica, mais concretamente com o consagrado nos artigos 169.º, 199.º e 200.º do CPPT.

O - Nestes termos, uma vez que o Tribunal a quo entendeu que daquelas normas não resulta a exclusão da fiança como forma legalmente admissível de prestação da garantia, este poderia somente anular o despacho controvertido.

P - Pois, salvo melhor opinião, dado que a Administração Tributária não apreciou em concreto da idoneidade da fiança ofertada, em face da suscetibilidade do património do fiador responder pelo crédito exequendo e acrescido, o Tribunal a quo não podia pronunciar sobre os termos em que se deveria ter processado essa apreciação.

Q - Concludentemente, este órgão jurisdicional deveria ter pelo menos indeferido parcialmente o pedido formulado pela Reclamante/Recorrida, na parte respeitante à aceitação da fiança oferecida e ao decretamento da suspensão da execução, pelas razões anteriormente expostas e, concomitantemente, imputar as custas a ambas as partes na proporção do seu efetivo decaimento, nos termos do artigo 446.º n.º 1 e 2 do CPC e artigo 24.º do Regulamento das Custas Processuais. Sem prescindir

R - e mesmo que assim não se entenda, hipótese aventada à cautela por dever de representação, afigura-se-nos ainda, com o ressalvado respeito por diferente opinião, que a douta sentença incorreu em erro de julgamento da matéria de facto por ter privilegiado determinados factos dados como provados e decorrentes da IES de 2011 da entidade fiadora, designadamente o valor dos capitais próprios e do ativo, sem se pronunciar sobre muitos outros factos patrimoniais relevantes e também contidos naquele documento, como a valorimetria daquelas grandezas, o passivo, a liquidez ou as obrigações de curto prazo. Factos esses que não se mostram devidamente ponderados na decisão tomada.

S - Verificando-se, por isso, uma não ponderação da completa situação económica e financeira da entidade fiadora.

T - Com efeito, para aquilatar da idoneidade em concreto de determinada garantia pessoal é fundamental conhecer a saúde financeira do fiador, facto que nunca poderá ressaltar exclusivamente do valor dos capitais próprios e do ativo.

U - Ademais, ainda que a sentença sob recurso tenha sustentado a solidez da fiança ofertada no valor do ativo e do capital próprio da entidade fiadora, a verdade, é que para efeitos de aferição da idoneidade da garantia que se pretende que seja aceite o que será lógico prevalecer são os resultados da análise do ativo a curto prazo, mais concretamente de prazo inferior a 12 meses.

V - Desde logo, porque na eventualidade de ser necessário proceder à efetivação da fiança ofertada, o fiador tem apenas o prazo legal de 30 dias para pagar a dívida exequenda.

W - Consequentemente, o facto da entidade fiadora deter capitais próprios muito elevados, não significa que consiga obter o valor necessário à execução da garantia no espaço de tempo estipulado no n.º 2 do artigo 200.º do CPPT.

X - Assim sendo, a avaliação da robustez da garantia apresentada tem impreterivelmente de passar pela análise da gestão de risco financeiro da entidade fiadora, e não por uma avaliação patrimonial.

Y - Simultaneamente, a douta sentença sob recurso errou ainda na aplicação do direito, pois, decidindo como decidiu, fez errada subsunção da matéria considerada como provada às normas aplicáveis in casu.

Z - Com efeito, a suspensão da cobrança da prestação tributária em sede de execução fiscal depende de garantia idónea, que pode consistir em garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer meio suscetível de assegurar os créditos da Fazenda Pública (cfr. artigo 52.º n.ºs 1 e 2 da LGT e artigos 169.º n.º 1 e 199.º do CPPT).

AA - O conceito de garantia idónea depende de concreta avaliação pelo órgão da execução com respeito pelos princípios da vinculação à lei, na atividade administrativa tributária, da indisponibilidade dos créditos fiscais e da proibição da concessão de moratórias no seu pagamento, assumindo que a suspensão tem um caráter verdadeiramente excecional, por ser proibida nos casos não previstos da lei (cfr. artigo 36.º n.º 3 da LGT).

BB - A lei aponta preferencialmente para certos tipos de garantia, atento o seu maior grau de liquidez, autonomia e certeza inerente ao seu recebimento e, que, como tal, melhor asseguram o cumprimento da obrigação garantida. Encontrando-se essa hierarquização refletida na ponderação concretizada no despacho reclamado, em respeito pelo disposto no artigo 199.º do CPPT.

CC - Em contradição com o doutamente decidido, a enumeração do artigo 199.º do CPPT configura um preceito aberto, que é concretizado e regulamentado nos seus n.ºs 2 e 4. Pelo que além das garantias enunciadas no n.º 1, apenas são garantias idóneas as referidas nos n.ºs 2 e 4.

DD - Sustenta-se tal entendimento, por um lado, na utilização, no n.º 2 da redação desse artigo, da expressão a garantia idónea referida no número anterior poderá consistir, ainda (…), no sentido de que este ainda só pode significar para além da garantia bancária, caução e seguro-caução, sendo ilógico e contraditório entender esta expressão como para além de todos os meios suscetíveis de assegurar os créditos do exequente, onde já se incluíram o penhor e a hipoteca que o legislador de seguida repetia; quer, por outro lado, na redação do n.º 4, ao estabelecer que vale como garantia para efeitos do n.º 1 (…). Ao que acresce a impossível aplicação do n.º 3 do artigo 200º do CPPT no caso da fiança.

EE - Por outro lado, nos nºs 1, 2 e 4 do artigo 199.º do CPPT, para além de se elencar as garantias que a lei considera idóneas, consagra-se igualmente um regime de tratamento diferenciado relativamente a cada uma delas, que se justifica pela posição da Administração Fiscal em relação a cada uma, senão vejamos: a) Garantia bancária, caução e seguro-caução, estando a Administração Tributária vinculada à sua aceitação, sempre que o valor assegure o cumprimento da obrigação; b) Penhor e hipoteca voluntária, mediante concordância da Administração Tributária; c) Penhora, por atuação da própria Administração Tributária na constituição da garantia.

FF - Deste modo, constata-se que o n.º 1 do artigo 199.° do CPPT não confere à Administração Tributária qualquer possibilidade de escolha, estando essa vinculação, nos termos em que a lei a estabelece, apenas prevista para as garantias ali expressamente mencionadas (garantia bancária, caução, seguro-caução), pelo que terão que ser sempre aceites, desde que suficientes (neste sentido vide, entre outros, o douto acórdão do TCA Sul, de 2010/05/12, proferido no recurso n.º 03966/10).

GG - Aliás, é este o entendimento veiculado no recente artigo publicado pelos juristas Gonçalo Bulcão e Paulo Marques, in Revista do Ministério Público n.º 131, Julho-Setembro 2012, a fls. 159 a 184.

HH - Compreende-se que assim seja, porque no caso da garantia bancária e do seguro-caução, existem entidades de supervisão que controlam a atividade de emissão de garantias, exigindo a constituição de reservas, fundos de garantia ou fundos autónomos, que operam como contragarantias, que lhe conferem solidez absoluta.

II - Assim, a Administração Tributária está vinculada a aceitar a garantia bancária, a caução e o seguro-caução, desde que suficientes, não existindo fundamento legal para sustentar que está obrigada à aceitação de qualquer outra garantia, muito menos as de maior vulnerabilidade, como é o caso da fiança.

JJ - Consequentemente, sempre ressalvado o devido respeito por melhor opinião, com a expressão qualquer meio suscetível de assegurar os créditos exequendos o legislador terá pretendido aludir apenas a outras formas de garantia, como sejam produtos financeiros, que ofereçam o mesmo grau de liquidez, autonomia e certeza inerente ao seu recebimento que as garantias expressamente prevista no n.º 1 do artigo 199.° do CPPT e que, por isso, a Administração Tributária está vinculada a aceitar.

KK - E, ainda, em defesa da posição assumida pela Administração Tributária, refletida no despacho controvertido, argumenta-se que a redação do n.º 3 do artigo 200.º do CPPT, obriga a que, no processo de execução, se façam constar os bens que foram dados em garantia. Preceito impossível de cumprir no caso da fiança (uma vez que se trata da totalidade do património do fiador), indicador de que o legislador tinha em mente apenas aquelas garantias que expressamente enunciou.

LL - O escopo do processo judicial tributário de execução é sempre de assegurar a efetiva cobrança da dívida, designadamente no que às garantias a prestar para suspensão da sua tramitação respeita, independentemente da qualidade do prestador.

MM - Isto é, a lei aponta preferencialmente para certos tipos de garantia, dos quais se evidencia a vinculação de um concreto bem ou valor à segura realização da dívida exequenda, precavendo a indiferenciação ou depreciação inerente a outros modos de garantir e, dentre os valores concretos aqueles que, pela sua natureza financeira, tenham imediata ou mais rápida conversão em receita, como a garantia bancária, caução ou seguro-caução.

NN - De facto, o legislador fiscal assumiu sempre a conceção de que a garantia capaz de suspender o PEF não pode transportar em si um grau de debilidade ou fragilidade decorrente das variações patrimoniais que venham eventualmente a ocorrer no património geral daquele que assume a posição de garante, como ocorre na fiança.

OO - Ademais, atendendo ao seu regime legal, existe o risco de oscilação do património do fiador que responde perante os seus próprios credores assim como perante os credores do(s) afiançado(s), a possibilidade de o fiador, se recusar ao cumprimento, podendo opor ao credor tanto os meios de defesa que competem ao devedor principal, bem como aqueles que lhe são próprios, e

PP - consequentemente conclui-se que esta forma de garantia não assegura de forma suficiente e eficaz os créditos do exequente no prazo de 30 dias o pagamento após citação previsto no nº 2 do artigo 200.º do CPPT.

QQ - Acontece que, a fiança representa uma garantia pessoal dada por um terceiro - o fiador – com o conteúdo da obrigação principal – cfr. artigos 627.º e segs. do CPC.

RR - No plano cível, prevalece a noção de que a fiança - negócio jurídico pelo qual o fiador se compromete, pessoalmente, a pagar uma dívida de outrem -, não é prestada no interesse do devedor, mas sim no do credor, que tem a faculdade de aceitar as que lhe sejam oferecidas, nomeadamente segundo um juízo casuístico de conveniência, pois que o credor não pode ser constrangido a receber de terceiro a prestação se a substituição o prejudicar (artigo 767.º n.º 2 do CC).

SS - Por via da prestação da fiança é, pois, suposto o credor passar a ter como garantia de cumprimento da obrigação dois patrimónios - o do devedor que responde por uma dívida própria e o do fiador que responde por uma dívida alheia (cfr. artigo 627.º do CC).

TT - Não obstante, em relação a ambos os patrimónios, o credor tem de concorrer com os restantes credores, sem que, para segurança da mesma dívida, haja garantia real constituída Como acontece, por exemplo, no caso da aceitação de fianças, para garantia de dívidas, por entidades bancárias, as quais se garantem com a constituição de hipotecas sobre o património do fiador., pois, embora se trate de uma garantia especial das obrigações, a fiança, quando constituída, concede ao credor apenas uma garantia geral sobre o património de terceiro, sem qualquer situação de privilégio,

UU - o que, por si só, pode significar que a massa patrimonial do fiador é insuficiente para o cumprimento das sua obrigações, desconhecendo-se os restantes credores detentores de garantia geral sobre esse mesmo património.

VV - Acresce que, a idoneidade da garantia reporta-se à sua suscetibilidade para determinar o pagamento da dívida a curto prazo (em tempo útil), após citação para o efeito (n.º 2 do artigo 200.º do CPPT), entendendo-se como pagamento da dívida a entrega do correspondente montante em dinheiro ou equivalente.

WW - Isto é, a exigência de garantia, nos termos previstos no artigo 199.º do CPPT, visa assegurar a boa cobrança dos créditos tributários, pelo que lhe é intrínseca uma exigência de liquidez num período de tempo limitado.

XX - E, constituindo a fiança uma garantia geral sobre o património de um terceiro, sem incidir diretamente sobre determinado bem, não se vislumbra passível de ter um efeito suspensivo de execução fiscal, independentemente do seu valor.

YY - Estas razões têm ainda maior acuidade para efeitos de avaliar a prestação de garantia tendente a suspender um processo de execução fiscal, atendendo à índole pública e indisponível da obrigação de imposto legalmente liquidado.

ZZ - Acresce que, o legislador não admite como garantia suscetível do suspender a execução o mero património da devedora — que no caso concreto existe — exigindo as já mencionadas garantias.

AAA - Logo, torna-se pertinente colocar a seguinte questão: não sendo idóneo o património do executado para suspender a execução, porque atribuiria o legislador o pretendido efeito suspensivo à oneração do património do fiador?

BBB - Parece-nos que a conclusão óbvia é que o legislador não pretende que a fiança, atenta a sua natureza jurídica intrínseca, constitua em abstrato garantia idónea capaz de provocar a desejada suspensão da execução fiscal.

CCC - Ou seja, se a fiança constituí uma garantia geral sobre o património de um terceiro, e o legislador entende que garantia geral sobre o património do devedor de que a Administração Tributária beneficia, nos termos do artigo 50.º da LGT, não constitui garantia suficiente, por maioria de razão também a garantia geral sobre o património do fiador, sem constituição de qualquer garantia real sobre o mesmo, não será suficiente.

DDD - Para esta conclusão, além da interpretação literal do artigo 199.° do CPPT, concorrem os princípios constitucionais da legalidade fiscal, da igualdade e da proporcionalidade.

EEE - Acresce que, o n.° 3 do artigo 9.º do Código Civil obriga o intérprete a presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas. O que inibe, pela sua incoerência, uma interpretação que admita que a massa patrimonial de um executado fiscal (sem garantia especial sobre ela constituída) seja incapaz de suspender o seu próprio processo executivo, mas tenha esse alcance em relação a um processo executivo de um terceiro.

FFF - No mesmo sentido, poderia este terceiro, incapaz de suspender os próprios processos, utilizar o mesmo expediente para suspender o processo do seu fiador, se a ele prestar fiança. E assim se poderia obter a suspensão de diversos processos executivos, sem a existência de qualquer acréscimo à probabilidade de cobrança por parte do credor tributário, apenas se cruzando diversas apresentações de fianças.

GGG - Ora, não é aceitável que possa esta mera ficção ter sido acolhida pelo legislador, não sendo crível que este tenha consagrado legislativamente um sistema de garantias claramente estéril para a salvaguarda da posição creditícia do Estado.

HHH - Deste modo, do disposto no artigo 199.° n.° 2 do CPPT, decorre que a Administração Tributária, expondo a falta de idoneidade da garantia concretamente apreciada, poderá recusá-la (em consonância com o douto acórdão do TCAS, de 2010/05/12, processo nº 03966/10), uma vez que o critério pelo qual se há de aferir da idoneidade, diante dos preceitos legais aplicáveis, é o de que, para funcionar como garantia, a lei sugere que o meio concretamente oferecido terá de incidir sobre bens ou valores suficientes para assegurar o pagamento da dívida exequenda e respetivo acrescido em tempo útil.

III - O que implicará sempre um ato de avaliação ou apuramento do valor da garantia concretamente oferecida ou dos bens sobre que esta incida, sempre numa perspetiva de adequação ao montante do crédito do exequente e de mais fácil realização do crédito (cfr., por igualdade de razões, o artigo 219.º n.º 1 do CPPT).

JJJ - Também por isso a exigência de idoneidade para garantia da dívida e acrescido terá de ser colocada em busca da mais fácil e imediata realização do crédito e de ser diretamente proporcional ao quantitativo em causa, afastando qualquer suscetibilidade de variação ou indefinição dos valores em que traduza.

KKK - Acresce ainda que, toda a argumentação aqui vertida pela Fazenda Pública, em reforço da posição defendida pela Administração Tributária no despacho reclamado, ganha maior relevo pelo tipo de sociedade proposta como garante da dívida. Pois, figurando como fiadora uma sociedade gestora de participações sociais (SGPS), cujo objeto social, nos termos do DL n.º 495/88, de 30/12 (com as alterações introduzidas pelos DL n.º 318/94, de 24/12, e n.º 378/98, de 27/11 e pela Lei n.º 109-B/2001, de 27/12) é a gestão de participações sociais de outras sociedades, o seu ativo – regra geral – é constituído por participações financeiras e créditos sobre empresas participadas, caracterizada pela ausência de estrutura física e humana de suporte.

LLL - Está-lhes desde logo vedado, em termos gerais, adquirir ou manter na sua titularidade imóveis ou alienar ou onerar as participações detidas antes de decorrido um ano sobre a sua aquisição (vide artigo 5.º n.º 1, al.s a) e b) do DL n.º 495/88), assim como conceder crédito a sociedades por ela dominadas ou em que detenham participações se o crédito concedido exceder o valor da participação espelhada no último balanço aprovado ou não for objeto de contrato de suprimento (cfr. artigo 5.º n.º 1 als. c) e n.º 2 do DL n.º 495/88), pois não se verifica com segurança que essa ordem de atos corresponda tipicamente à atividade legalmente autorizada, à adequada prossecução do objeto social.

MMM - E, é sabido que estas sociedades não detêm, muitas vezes, outro património que não seja as participações sociais nas sociedades participadas, as quais constituem um tipo de ativos altamente volátil, não só devido à sua oscilação em termos de valor de mercado, mas também devido à sua possibilidade de liquidação e de transferência de património quase instantâneas.

NNN - Ou seja, em regra, as SGPS não apresentam estrutura física ou humana inerente, o que as torna sociedades meramente virtuais, isto é, sem substância física e que devem a sua existência à legislação vigente, auferindo apenas rendimentos de natureza passiva (lucros e juros).

OOO - Ademais, tendo a SGPS por ativo patrimonial relevante partes sociais noutras sociedades, inscrito por valores escriturais estáticos que apenas revelariam a verdadeira realidade se conjugados com os balanços de cada uma das sociedades participadas, não se mostram por si só capaz de demonstrar da suficiência ou insuficiência do património da fiadora para garantir os créditos da reclamante,

PPP - E, porque o fiador se apresenta como um verdadeiro devedor do credor, de acordo com o artigo 627.º n.º 1 do CC, obrigando-se a pagar a dívida de terceiro e respondendo pessoalmente, com o seu património, certo é que em nenhum momento anterior ao despacho reclamado o património da proposta fiadora foi determinado rigorosamente pela mesma ou pela afiançada reclamante, sem prejuízo do consabido risco financeiro normalmente atribuído à determinação do valor de participações sociais, sejam elas cotadas em bolsa ou não, e da transmissibilidade inerente à atividade da sociedade que as detém, que em abstrato poria sempre em causa a sua idoneidade.

QQQ - Em suma, ao decidir-se como se decidiu, sempre com o devido respeito pelo labor do Tribunal a quo, não se conformou a douta sentença com a factualidade que consideramos evidenciada nos autos e incorreu igualmente em erro de julgamento sobre a matéria de direito, porque fez errada interpretação e aplicação dos normativos legais sobreditos.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicável deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, com as legais consequências.”


*

A Recorrida apresentou contra-alegações, as quais finalizou com as seguintes conclusões:

“A - O recurso em que ora se contra-alega vem interposto da sentença de primeira instância, a qual julgou a reclamação judicial apresentada pela ora recorrida totalmente procedente. Em causa, estava a decisão da Autoridade Tributária de recusa da fiança oferecida no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3174201101094297, com vista à suspensão do mesmo, por alegada falta de idoneidade da mesma enquanto garantia.

B - O tribunal a quo decidiu – e bem –, que: (i) no âmbito do processo de execução fiscal, “a garantia pode ser constituída por qualquer meio susceptível de assegurar os créditos da entidade exequente”; Donde, “dispondo o artigo 627.º, n.º 1 do Código Civil que a fiança é uma das garantias especiais das obrigações em que o fiador garante a satisfação do crédito de outrem, e que se obriga pessoalmente perante o credor, julgamos que este instituto jurídico e no quanto o mesmo constitui para o que se aprecia nestes autos, é um meio susceptível de assegurar os créditos de uma entidade exequente, e desta forma, que pode ser prestada no âmbito de um processo de execução fiscal, com vista a obter a sua suspensão da sua tramitação executiva”.A fiadora “detém em 100% a reclamante, e que o resultado líquido do exercício da fiadora, em 2011, ascendeu no ano de 2011 a € 33.432.054,00 (...) – portanto, muito superior aos 515.859,57 euros que constitui o montante devido para suster a execução por dívidas de IVA da Reclamante. Por outro lado, no ano de 2011, a sociedade prestadora da fiança, a M... SGPS, SA, tinha um activo no valor de € 1.499.573.944,00, e capitais próprios de € 204.635.695,00”; Deste modo, “julgamos pela idoneidade da garantia prestada por fiança”, pelo que “mostrando-se a garantia oferecida pela Reclamante, idónea, para os efeitos previstos no artigo 199.º, n.º 1 do CPPT, o despacho reclamado não se pode manter na ordem jurídica, impondo-se por isso a sua anulação”.

C - O representante da Fazenda Pública (RFP), não se conformando com o sentido desta decisão, dela interpôs recurso, alegando, em síntese, que a fiança não pode, abstractamente, ser considerada uma garantia idónea. Por outro lado, e ainda que em abstracto a mesma fosse admitida, em termos concretos não seria idónea.

D - Ora, salvo o devido respeito, não assiste qualquer razão ao RFP, devendo, por conseguinte, manter-se a decisão de primeira instância.

E - A Fiadora, conforme se pode ver pela factualidade assente, é uma empresa sustentável e que acautela, com a garantia, segurança e liquidez necessárias, o cumprimento das dívidas da aqui recorrida e, tendo presente a enorme diferença entre o património oferecido em garantia e o valor fixado para a mesma, bem como a inequívoca capacidade da fiadora para, se para tal instada, solver imediatamente a dívida, é manifesta, como não se poderá deixar de reconhecer, a idoneidade da garantia prestada.

F - Por outro lado, e conforme se demonstrou sobejamente, a enumeração feita no n.º 1 do artigo 199.º do CPPT, não é taxativa, mas meramente exemplificativa, como resulta confessadamente da sua parte final, onde se prevê a possibilidade da garantia ser prestada por “qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente

G - Ou seja, resulta clara e inequivocamente do teor do n.º 1 do artigo 199.º do CPPT, pode a garantia ser constituída por qualquer outro meio que assegure o pagamento da dívida exequenda e do acrescido.

H - A acompanhar o teor do normativo em questão, está toda a já abundante jurisprudência dos tribunais superiores: veja-se, por todos, o acórdão do STA, datado de 14 de Março de 2012, proferido no âmbito do processo n.º 208/12, segundo o qual “Do art. 199.º do CPPT não resulta a exclusão da fiança como forma legalmente admissível de prestação da garantia e, pelo contrário, deve ser admitida por referência à previsão na parte final do seu n.º 1: «ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente».;II - Sendo oferecida fiança, a idoneidade da garantia deve ser apreciada pelo órgão competente da AT caso a caso, em concreto, em face da susceptibilidade do património do fiador responder pela dívida exequenda e pelo acrescido. III - A AT não pode recusar a constituição da garantia mediante fiança com o fundamento que esta não lhe dá segurança absoluta na cobrança do seu crédito e com absoluto desprezo pelos interesses legítimos do executado”.

I - O legislador, na definição da idoneidade legalmente necessária da garantia a prestar para efeito da suspensão do processo executivo, apenas exigiu que a mesma fosse suficiente para assegurar o pagamento dos créditos em cobrança e do acrescido, não dando margem à AT para estabelecer uma hierarquização das garantias, em conformidade com a sua maior ou menor liquidez imediata.

J - Para além do mais, conforme se teve oportunidade de confirmar, a Fiadora é uma empresa sólida e sustentável, com capitais próprios muito superiores aos da quantia exequenda da subsidiária, ora reclamante, e capaz de solver a dívida, se confrontada para o efeito.

K - Pelo exposto, outra conclusão não se pode retirar que não a da correcta interpretação dos factos e aplicação do direito pelo tribunal a quo, devendo, por conseguinte, improceder o recurso interposto pela recorrente.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado improcedente, com todas as consequências legais”.


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Neste Tribunal, o Exmo. Magistrado do Ministério Público (EMMP) emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.

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Com dispensa dos vistos legais, atenta a natureza urgente do processo [artigo 707º, nº 4 do Código de Processo Civil (CPC) e artigo 278º, nº 5 do CPPT], cumpre agora apreciar e decidir, visto que nada a tal obsta.

*

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Assim sendo, temos que a Recorrente pede a este Tribunal que aprecie e decida se:

1) A sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto, por errada apreciação e valoração da prova produzida, em concreto por dela não se poderem extrair as seguintes conclusões:

i) o órgão decisor procurou demonstrar em concreto a falta de idoneidade da fiança ofertada, por via da análise da capacidade económica da fiadora [da M... SGPS, SA];

ii) a fiança apresentada mostra-se idónea em virtude de o resultado líquido da fiadora ter ascendido no exercício de 2011 a € 33.432.054,00, muito superior ao valor necessário para suster a execução por dívidas de IVA da Reclamante; o ativo da fiadora ascender os € 1.499.573.9444,00 e ter capitais próprios no montante de € 204.6353695,00.

2) A sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito, por julgar idónea a garantia/fiança oferecida, com violação do disposto nos artigos 169º, 197º, 199.º e 200.º do CPPT e, bem assim, no artigo 52.º da LGT.


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2 - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. De facto

É a seguinte a matéria de facto fixada em 1ª instância cujo teor se reproduz:

“1 - Foi instaurado junto do Serviço de Finanças de Porto 1, o PEF n.° 3174201101094297, em que é executada a ora Reclamante, por dívidas de IVA dos exercícios económicos de 2007 e 2008, decorrentes de liquidações adicionais e respetivos juros compensatórios, no montante global de € 515.859.57 – Cfr. fls 5 e seguintes dos autos;

2 - Nessa sequência, a ora Reclamante veio deduzir Impugnação judicial contra essas liquidações, que corre ternos junto deste TAF sob o n.° 3812/11.0BEPRT - fato não controvertido;

3 - Após citação, a ora Reclamante veio apresentar garantia para efeitos de suspensão daquele PEF, através de fiança - Cfr. fls. 98 a 100 dos autos;

4 - A M...-SGPS, S.A., detém 100% do capital da ora Reclamante - fato não controvertido;

5 - Por despacho datado de 30 de Abril de 2012, foi indeferido o pedido de prestação de garantia através de fiança – Cfr. fls 157 e 158 dos autos;

6 - No ano de 2010, a fiadora tinha um activo no valor de € 1.499.573.944,00, e capitais próprios de € 204.635.695,00 - Cfr. doc 5 junto com a Petição inicial, em particular, fls. 396 dos autos;

7 - O resultado líquido do exercício de 2011 da fiadora, ascendeu no ano de 2011 a € 33.432.054,00 - Cfr. doc 5 junto com a Petição inicial, em particular, fls 396 dos autos;

8 - A Petição inicial que motiva os presentes autos foi entregue no Serviço de Finanças Porto 1 em 13 de Junho de 2012 - Cfr. fls. 226 dos autos.


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Fundamentação.

Os fatos dados como assentes supra, assim resultaram provados, atentos os documentos neles referenciados, ou que não resultaram controvertidos e/ou por decorrência da tramitação dos autos.


*

Inexistem outros fatos [provados ou não provados], com interesse para a decisão a proferir nos presentes autos”.

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Ao abrigo do disposto no artigo 712º do CPC, dada a sua relevância para a decisão da causa, adita-se a seguinte matéria de facto, que também resulta provada documentalmente:

9 – O despacho de indeferimento a que alude o ponto 5 supra, apresenta o seguinte teor integral – cfr. fls. 157 e 158 dos autos:

“Tendo sido oferecida como garantia pelo executado, em 2011/12/16, a fiança que consta de pág(s). 92 a 95 dos presentes autos, com vista à suspensão do processo de execução fiscal supra indicado, compete, nos termos do n.º 9 do art. 199º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), apreciar da idoneidade da mesma para poder produzir legalmente tal efeito.

Desde logo se verifica que a fiança não consta expressamente do artigo 199.° do CPPT. Solução que se compreende, pois se o património do devedor, que constitui a garantia geral dos créditos tributários, nos termos do artigo 50° da Lei Geral Tributária (LGT), inexistindo garantia real, em caso algum tem essa aptidão, ilógico seria conferir essa possibilidade ao património de um terceiro, sem constituição de qualquer garantia real sobre o mesmo. Acresce ainda, que uma interpretação lógico-sistemática dos números 1, 2 e 4 do artigo 199.° do CPPT conduz à conclusão de que a única razão plausível pela qual o legislador apenas vem exigir autorização administrativa tributária para a prestação do penhor e da hipoteca voluntária, se deve ao facto de não pretender incluir, como idóneas, outras formas de garantia consideradas mais débeis, como é o caso da fiança. Desta forma, verifica-se que as normas dos números 2 e 4 deste artigo surgem como densificação ou especificação da parte final do n. ° 1, como atesta a utilização da expressão «ainda» no n.o 2, e «para efeitos do n.º 1» no n.º 4, donde resulta que o elenco de garantias constante destes números é taxativo e não exemplificativo.

Nestes termos, apesar de o número 1 do artigo 199° do CPPT não conferir à Administração Tributária qualquer possibilidade de escolha entre tipos de garantias, a vinculação que do mesmo resulta está apenas determinada para as garantias ali expressamente elencadas (garantia bancária, caução, seguro-caução), pelo que estas terão que ser sempre aceites, desde que de valor suficiente. Mas apenas essas, sendo ilógico e insustentável entender que a Administração Tributária está vinculada à aceitação de qualquer outra garantia, ainda que de maior fragilidade, como se verifica com a fiança. O motivo subjacente à inclusão expressa daquelas garantias terá sido a sua liquidez, autonomia e certeza inerente ao seu recebimento. Efectivamente, estas três figuras apresentam regulamentação própria e controlo por parte das entidades de supervisão (Banco de Portugal e Instituto de Seguros de Portugal), pelo que a sua liquidez e pagamento imediato se encontram assegurados pelo próprio legislador, com a regulamentação específica a que estão sujeitas, o que as faz distinguir positivamente das restantes garantias pessoais.

O regime legal a que está sujeita a fiança tem especificidades próprias que diminuem a sua eficácia garantística, nomeadamente:

i) A natureza pessoal deste tipo de garantia, que consiste apenas na possibilidade de o património de outra pessoa servir de garantia ao pagamento de uma dívida. Trata-se de uma garantia idêntica à garantia geral das obrigações, dado que também o património do devedor é a garantia geral da obrigação deste e a Lei não lhe confere a qualificação de garantia susceptível de poder suspender a execução;

ii) A possibilidade de oscilação do património do fiador (o calcanhar de Aquiles da fiança, no dizer de Antunes Varela), que responde perante o(s) seu(s) próprio(s) credor(es); assim como perante o(s) credor(es) do(s) afiançado(s);

iii) A possibilidade de o fiador se recusar ao cumprimento, podendo opor ao credor tanto os meios de defesa que competem ao devedor principal, bem como aqueles que lhe são próprios;

As especificidades enunciadas podem conduzir à conclusão de que esta forma de garantia não assegura de forma suficiente os créditos do exequente no curto prazo (30 dias) que se encontra legalmente previsto para pagamento após citação (art. 200.°, n.º 2 do CPPT), pelo que não deverá ser considerada idónea. No mesmo sentido, a redacção do número 3 do artigo 200° do CPPT, que obriga a que, no processo de execução se façam constar os bens que foram dados em garantia, preceito impossível de cumprir no caso da fiança (uma vez que se trata da totalidade do património do fiador), indicador de que o legislador tinha em mente apenas aquelas garantias que expressamente enunciou.

Tendo ainda em atenção que a sociedade fiadora é uma Sociedade Gestora de Participações Sociais, não se pode ignorar o facto de estas não deterem, muitas vezes, outro património que não seja as participações sociais nas sociedades participadas. Esta ausência de estrutura física (e humana) de suporte, assim como o facto de as participações sociais constituírem um tipo de activos altamente volátil, tendo em conta a sua oscilação em termos de valor de mercado, traduz-se numa possibilidade de liquidação quase instantânea deste tipo de sociedades. Deste ponto de vista, a fiança prestada por uma sociedade deste género poderá surgir como especialmente inadequada e inidónea para assegurar, com algum grau de segurança, os créditos afiançados. De notar ainda que, com a prestação da garantia em análise, apenas fica vinculado, em caso de execução, o património da sociedade garante propriamente dito, e não o do grupo de empresas que encabeça, motivo pelo qual apenas podem relevar as contas individuais e não as consolidadas, uma vez que estas últimas reflectem não apenas o património da sociedade garante propriamente dita mas também o valor e património das restantes empresas que compõem o grupo de consolidação.

Por tudo o supra exposto, em obediência ao princípio da legalidade e na prossecução do interesse público, recusa-se a fiança oferecida pelo executado nos presentes autos de execução fiscal, por falta de idoneidade da mesma como garantia, com os fundamentos anteriormente expressos, razão pela qual é insusceptível de produzir o efeito suspensivo pretendido.

Notifique-se.

(…)”

2.2. O direito

Tal como deixámos enunciado, a primeira questão que nos foi colocada vem configurada como erro de julgamento de facto por errada apreciação e valoração da prova produzida.

Com efeito, para a Recorrente o Tribunal a quo errou quando concluiu que: (i) o órgão decisor procurou demonstrar em concreto a falta de idoneidade da fiança ofertada, por via da análise da capacidade económica da fiadora [da M... SGPS, SA], e, bem assim, ao concluir que a (ii) fiança apresentada mostra-se idónea em virtude de o resultado líquido da fiadora ter ascendido no exercício de 2011 a € 33.432.054,00, muito superior ao valor necessário para suster a execução por dívidas de IVA da Reclamante; o ativo da fiadora ascender os € 1.499.573.9444,00 e ter capitais próprios no montante de € 204.635.695,00 – conclusão B, (i) e (ii).

É, pois, a partir deste “erro no julgamento de facto” que a Recorrente nas conclusões que se seguem, em concreto nas identificadas de D a X, se insurge contra a actuação do Tribunal a quo traduzida na apreciação em concreto da idoneidade da garantia oferecida com vista à suspensão da execução fiscal nº 3174201101094297.

Tal resulta claro quando a Recorrente refere, além do mais que: a douta sentença recorrida errou ao ter entendido que o órgão decisor sustentou a inidoneidade da fiança; a Administração Tributária assentou o juízo sobre a falta de idoneidade da fiança apresentada apenas numa apreciação em abstrato da fiança, e não numa apreciação em concreto da capacidade económica do fiador; a própria Reclamante/Recorrida alega como um dos fundamentos para a ilegalidade da decisão controvertida, o facto de essa análise em concreto não ter sido levada a cabo por quem de direito; não era possível que a decisão sob recurso procedesse à apreciação da garantia apresentada nos termos em que o fez; a reclamação judicial de ato praticado na execução fiscal constitui uma verdadeira ação impugnatória incidental da execução fiscal, deduzida no decurso de execução pendente, a qual tem por objeto imediato determinado ato que nela foi praticado pelo órgão da execução e por finalidade a apreciação da validade desse ato; a entidade com competência para apreciar as garantias é a competente para autorizar o pagamento em prestações; a lei não cria margem de manobra nesta matéria para o Tribunal se fazer substituir à Administração Tributária; uma vez que a Administração Tributária assentou o juízo sobre a idoneidade da fiança apresentada numa apreciação em abstrato da fiança, e não numa apreciação da capacidade económica do fiador, ao Tribunal a quo apenas competia verificar se aquele ato se encontrava conforme com a ordem jurídica; a Administração Tributária não apreciou em concreto da idoneidade da fiança ofertada, em face da suscetibilidade do património do fiador responder pelo crédito exequendo e acrescido, o Tribunal a quo não podia pronunciar-se sobre os termos em que se deveria ter processado essa apreciação.

Vejamos, então.

Sem prejuízo daquilo que ficou dito sobre os termos em que a primeira questão vem colocada a este Tribunal pela Recorrente, é para nós, absolutamente claro que a abordagem inicial daquilo que nos vem pedido passa necessariamente, atenta a economia do caso concreto, pela análise do conteúdo do acto reclamado e, sobretudo, pela interpretação que do mesmo foi feita pelo Tribunal a quo.

Com efeito, é imperioso que se perceba cabalmente o alcance da decisão reclamada – o despacho de indeferimento do pedido formulado pela ora Recorrida de prestação de garantia através de fiança prestada pela M... SGPS, SA - para que, a partir daí e desde logo, se possa concluir se o Tribunal a quo errou ao ter, não apenas considerado que ali foi efectuada uma análise da idoneidade em concreto da garantia oferecida e se, assim pressupondo, errou ao considerar, em concreto, a garantia idónea.

Foi com vista a esta apreciação inicial que, no aditamento que fizemos à matéria de facto, deixámos transcrito o teor integral do despacho reclamado (cfr. ponto 9 supra).

Ora, uma leitura atenta do despacho reclamado não deixa qualquer margem para dúvidas: a Administração Tributária, no caso, perante a garantia que lhe foi oferecida, na forma de fiança, limitou-se a emitir um juízo de natureza abstracta, recusando a aceitação da fiança com considerações de ordem geral sobre aquele tipo de garantia oferecida. Nessa apreciação, de resto, foi ponderado o facto de a fiança não constar de entre as garantias referidas no artigo 199º do CPPT, de se tratar de uma garantia de natureza pessoal sem o exigível grau de liquidez, a circunstância de a fiança não assegurar suficientemente os créditos do exequente no prazo de 30 dias e, ainda, os óbices apontados à fiança quando o fiador é uma sociedade gestora de participações sociais (SGPS).

Foi com base nestes argumentos – de carácter geral, insista-se – que a Administração concluiu que em obediência ao princípio da legalidade e na prossecução do interesse público, recusa-se a fiança oferecida pelo executado nos presentes autos de execução fiscal, por falta de idoneidade da mesma como garantia.

Isto, de resto, assim parece ter sido interpretado pela Reclamante, ora Recorrida, como resulta do teor da reclamação apresentada, quando aí refere, entre o mais, que:

“104. O órgão decisor nem sequer procedeu à avaliação em concreto do garantia oferecida, nomeadamente à análise real e actual do património e capacidade financeira da fiadora!

105. Rejeitou, simples e exclusivamente, com o fundamento que este tipo de garantia – fiança – não seria admissível, defendendo apenas e só o seu próprio interesse (liquidez imediata).

106. Note-se que a Administração fiscal deve pautar a sua actuação de acordo com o princípio da proporcionalidade (cfr. nº2 do artigo 266º da Constituição da República Portuguesa, artigo 55º da LGT, artigo 46º do CPPT e nº 2 do artigo 5º do Código de Procedimento Administrativo), o que aponta para a necessidade da ponderação dos interesses em jogo de molde a não sacrificar nenhum deles,

107. o que, confessadamente, também não ocorreu no presente caso.”

Em suma, quanto a esta primeira abordagem que nos propusemos, há que concluir que todos os elementos retirados do teor literal do acto reclamado mostram à saciedade que a Administração Tributária se limitou a analisar (e recusar) a fiança com base na apreciação da sua idoneidade em termos abstractos.

Contudo, não foi assim que o Mmo. Juiz interpretou o despacho objecto de reclamação, pois que, como da sentença fez constar, “o órgão decisor, para além de ter sustentado que a fiança não tem, em termos legais, idoneidade para efeitos de suspensão dos processos de execução fiscal, nos termos do artigo 169º do CPPT, procurou demonstrar, em concreto, a falta de idoneidade da fiança ofertada, pela via da análise da capacidade económica da fiadora [da M... SGPS, SA]…”. Ou seja, para o Tribunal recorrido, o despacho em causa procedeu não apenas à análise da idoneidade da fiança em termos abstractos, como do ponto de vista do caso concreto.

Já vimos, sem necessidade de nos repetirmos, as razões pelas quais não acompanhamos esta leitura do despacho reclamado e, portanto, nesta perspectiva, o Tribunal a quo errou na interpretação do conteúdo do acto em causa.

Foi, aliás, este erro de interpretação, um erro de julgamento, que levou o Tribunal, não apenas a fixar os factos que julgou relevantes para apreciar a idoneidade concreta da garantia oferecida (v.g. 6 e 7 dos factos provados), como, em consequência, a considerar-se habilitado a apreciar e decidir sobre a idoneidade em concreto da fiança, referindo, além do mais, que “a fiadora detém em 100% a Reclamante, e que o resultado líquido do exercício da fiadora, em 2011, ascendeu no ano de 2011 a € 33.432.054,00 (…), portanto, muito superior aos 515.859,57 euros que constitui o montante devido para suster a execução por dívidas de IVA da Reclamante” e, bem assim, que “no ano de 2011, a sociedade prestadora da fiança, a M... SGPS, tinha um activo no valor de € 1.499.573.944,00, e capitais próprios de € 204.635.695,00”.

Por conseguinte, foi atendendo à idoneidade em abstracto da fiança (questão que trataremos adiante) mas, também, à sua idoneidade em concreto, que o Tribunal a quo pôde concluir que “os pedidos deduzidos a final pela Reclamante, devem proceder na sua totalidade”, sendo certo que tais pedidos eram, conforme se extrai da p.i de reclamação, a revogação da decisão reclamada e demais consequências legais, nomeadamente a aceitação da fiança oferecida e a suspensão imediata da execução” (realçado nosso).

Ora, como está bem de ver, por tudo quanto ficou exposto, o assim decidido, quanto à aceitação da concreta garantia oferecida, não se pode manter, o que, porém, não implica que o acto reclamado não deva ser anulado, como foi.

É que, no âmbito da reclamação apresentada, o que cabia ao Tribunal era, unicamente, apreciar a legalidade do acto à luz dos fundamentos contemporâneos da sua prática e, se fosse esse o caso, anulá-lo por verificação de qualquer dos vícios invocados. Tudo o que vai para além desta análise da (in)validade do acto, tal como ele foi praticado, traduz-se na prática de administração activa por parte do Tribunal, traduz-se, afinal, na substituição do Tribunal à Administração Tributária, o que, como é sobejamente aceite, lhe está vedado.

Da mesma forma que não é permitido à Administração fundamentar a posteriori um acto administrativo, alterando a fundamentação expressa no mesmo, também o Tribunal não pode, como vimos, substituir-se, como aconteceu, à Administração, anulando o acto em causa com fundamentos que não estiveram na base da sua emissão. No caso, o indeferimento da aceitação da fiança não foi sustentado na inidoneidade em concreto da mesma mas tão-

-somente na sua inidoneidade em abstracto. Era apenas nos contornos desta fundamentação externada que a análise da sentença recorrida se devia ter movido.

Portanto, e concluindo quanto ao que vínhamos analisando, dir-se-á que procedem as conclusões de recurso na parte que atacam a sentença quanto à análise da idoneidade em concreto da fiança prestada pela M... SGPS, com vista à suspensão do PEF nº 3174201101094297 e, nessa medida, na parte em que a sentença veio a considerar procedente o pedido respeitante à aceitação da fiança oferecida e à suspensão imediata da execução.

A terminar esta primeira questão em análise, e a este propósito, importa esclarecer que, não obstante o segmento decisório da sentença recorrida referir expressamente “Termos em que, julgo a presente Reclamação procedente, anulando o acto reclamado, da autoria da Diretora de Finanças do Porto Adjunta, datado de 30 de Abril de 2012”, a verdade é que tal não pode deixar de ser interpretado tendo presente o que acima deixámos dito, ou seja, que na sentença se fez igualmente constar que os pedidos deduzidos a final pela Reclamante, devem proceder na sua totalidade, sendo que, como vimos, tais pedidos consistiram, não apenas na revogação da decisão reclamada mas, também, nas “demais consequências legais, nomeadamente a aceitação da fiança oferecida e a suspensão imediata da execução (sublinhado nosso)”.

Ora, como é sabido, na interpretação das decisões judiciais, que constituem verdadeiros actos jurídicos, devem observar-se os princípios comuns à interpretação das leis e interpretação das declarações negociais, valendo, por isso, aquele sentido que, segundo o disposto nos artigos 9º e 236º do Código Civil, o declaratário normal ou razoável deva retirar das declarações escritas, tendo em conta não só a parte decisória como toda a sua fundamentação – cfr. acórdão do STA, de 16/05/12 (processo nº 0212/12). Neste mesmo sentido, também os acórdãos do STA, de 26 de Junho de 2002 (processo n.º 502/02), de 24 de Fevereiro de 2011 (processo n.º 1053/10) e de 24 de Agosto de 2011 (processo n.º 446/11).

Aqui chegados, e retomando a ideia já atrás avançada quanto à circunstância de, apesar de não se poder manter o decidido quanto à aceitação da concreta garantia prestada com efeitos na imediata suspensão da execução fiscal, tal não implicar que o acto reclamado se deva manter com base na fundamentação dele contemporânea, importa, assim sendo, analisar se a sentença padece de erro de julgamento de direito, ao ter concluído que a garantia sob a forma de fiança é legalmente admissível e se foram violados, designadamente, os artigos 169º, 199º e 200º do CPPT e o artigo 52º da LGT – conclusões Y e ss.

Estamos, pois, confrontados com a questão de saber se o Tribunal errou ao considerar, contrariamente ao despacho recorrido, que garantia prestada sob a forma de fiança é uma garantia idónea e admissível à face do quadro legal aplicável.

Vejamos, então, referindo, desde já, que esta questão tem sido reiteradamente objecto de análise jurisprudencial, razão pela qual, sempre que possível, limitar-nos-emos a seguir o que tem sido a posição unânime dos Tribunais Superiores relativamente a cada um dos fundamentos avançados no despacho recorrido para não aceitar a fiança por falta de idoneidade da mesma como garantia.

Desde logo, sustenta a Recorrente, na linha do despacho reclamado, que a fiança não constitui forma admissível de prestação da garantia, uma vez que não está, como tal, prevista no artigo 199.º do CPPT.

Esta questão – de saber se o artigo 199º do CPPT exclui a fiança como modalidade legal de prestação de garantia – tem merecido resposta de sentido unívoco por parte dos Tribunais Superiores, a qual se pode resumir nos seguintes termos: a expressão constante do nº 1 do artº 199º do CPPT “ou qualquer meio suscetível de assegurar os créditos do exequente”, não só não exclui a fiança como modalidade legal de prestação de garantia, como leva a incluí-la naquela expressão, já que constitui uma modalidade de garantia a favor do credor (cfr. Ac. do STA, de 19/09/12, processo nº 0909/12).

Recordemos, no que para aqui importa, o teor do artigo 199º do CPPT. Assim:

«1. Caso não se encontre já constituída garantia, com o pedido deverá o executado oferecer garantia idónea, a qual consistirá em garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente.

2. A garantia idónea referida no número anterior poderá consistir, ainda, a requerimento do executado e mediante concordância da administração tributária, em penhor ou hipoteca voluntária, aplicando-se o disposto no artigo 195.º, com as necessárias adaptações.

[…]

4. Vale como garantia, para os efeitos do n.º 1, a penhora já feita sobre os bens necessários para assegurar o pagamento da dívida exequenda e acrescido ou a efectuar em bens nomeados para o efeito pelo executado no prazo referido no n.º 7».

Ora, tratando-se de temática, como dissemos, tantas e tantas vezes objecto de apreciação pelos Tribunais Superiores [(vejam-se, entre outros, os acórdãos do STA de 19/09/12 (processo nº 0897/12), de 12/09/12 (processos nºs 0908/12 e 0866/12) e de 14/03/12 (processo nº 0208/12) e do TCAN, de 18/01/12 (processo nº 02615/11.2BEPRT) e de 30/11/11 (processo nº 01423/11.5 BEPRT)], a qual tem aqui inteira aplicação, lançamos mão, transcrevendo, o que a este propósito o STA deixou plasmado no recente acórdão de 19/09/12 (processo nº 0909/12):

“(…)

A leitura do artigo revela inequivocamente que a enumeração feita no n.º 1 não é taxativa, mas meramente exemplificativa, como resulta da sua parte final, onde expressamente se prevê a possibilidade da garantia ser prestada por «qualquer meio suscetível de assegurar os créditos do exequente».

Salvo o devido respeito, não faz sentido sustentar, como o faz a Recorrente, que naquele conceito aberto cabem apenas as formas de prestação de garantia previstas nos n.ºs 2 – penhor ou hipoteca voluntária – e 4 – penhora já efetuada ou a efetuar em bens suficientes para assegurar o pagamento da dívida exequenda e do acrescido – do mesmo artigo. A ser assim, o legislador por certo teria optado por outra redação que traduzisse essa sua intenção e não faria sentido algum a referência feita no n.º 1 do preceito a «qualquer meio suscetível de assegurar os créditos do exequente», sobretudo antecedida da conjunção disjuntiva ou (cfr. Artº. 8.º, n.º 3, do Código Civil (CC)). Na verdade, na interpretação que a Recorrente preconiza para o art. 199.º, de que as únicas formas de prestação de garantia legalmente admissíveis são as aí expressamente aludidas, por que teria o legislador incluído no n.º 1 tal referência? A aceitar-se a tese da Recorrente, essa referência seria absolutamente redundante, pois a interpretação do artigo sempre seria a mesma, ainda que no n.º 1 não se tivesse incluído aquela passagem. Por outro lado, que sentido faria o recurso ao conceito aberto em face da completa determinação das situações fácticas suscetíveis de o preencherem, ademais tão escassas?

Manifestamente, a lei, apesar de especificar algumas das formas por que pode ser prestada a garantia, fá-lo a título meramente exemplificativo, enunciando as mais comuns; mas, como resulta clara e inequivocamente do teor do n.º 1 do art. 199.º do CPPT, podendo a garantia ser constituída por qualquer outro meio que assegure o pagamento da dívida exequenda e do acrescido (…)

Nesse conceito aberto – «qualquer meio suscetível de assegurar os créditos do exequente» – cabe, designadamente, a fiança.

Pela fiança, que é uma das garantias especiais das obrigações, o fiador obriga-se pessoalmente perante o credor a satisfazer o direito de crédito que este tem sobre o devedor, constituindo-se, assim, o fiador como verdadeiro devedor do credor e respondendo, em princípio, com todo o seu património (cfr. Artº. 627.º, n.º 1, do CC).

A obrigação do fiador é acessória da do devedor, o que significa que a obrigação daquele tem o mesmo conteúdo da obrigação deste, como resulta do disposto no art. 634.º do CC, que dispõe: «A fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor».

Por outro lado, embora, por regra, a fiança tenha natureza subsidiária, o que significa que o fiador tem o direito de se opor à execução dos seus bens enquanto não estiver excutido o património do devedor principal pode o fiador renunciar a esse benefício, como resulta do disposto no artº. 640.º, alínea a), do CC e como sucedeu no caso subjudice (cfr. n.ºs 5 e 11 dos factos provados).

Note-se, no entanto, que a característica da subsidiariedade da fiança nunca conflitua com a sua característica essencial – a acessoriedade –, pois o fiador nunca deixa de ser pessoalmente obrigado a garantir com o seu património a satisfação do crédito (cfr. o já referido artº. 627.º do CC), podendo ser chamado a cumprir mesmo antes mesmo do devedor (cfr. art. 641.º do CC.

Assim, em abstrato e na medida em que a fiança constitui um meio de assegurar convenientemente o pagamento da quantia exequenda e do acrescido, temos que admiti-la como um meio legalmente admissível de constituição de garantia.…

Isto, obviamente, sem prejuízo do juízo que venha a ser efetuado em concreto relativamente à capacidade e idoneidade do fiador (cfr. art. 633.º, n.º 1, do CC).

Não podemos, pois, concordar com a Recorrente quando esta sustenta que o artº. 199.º do CPPT exclui a possibilidade da garantia se constituir mediante a prestação de fiança.

Note-se ainda que, como bem salientou a Recorrida, quando o legislador entendeu restringir as formas de garantia admissíveis, enumerou clara e taxativamente as que eram aceites, como sucede no artº. 193.º do Código Aduaneiro Comunitário, e nem aí excluiu a fiança.

Aliás, como bem se salientou no referido acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 30 de novembro de 2011, mal se compreenderia que se privilegiasse a garantia bancária, a caução ou o seguro-caução de entidade bancária, instituição financeira de crédito, sociedade financeira, seguradora ou outra legalmente habilitada a exercer a atividade de concessão de garantias, que se encontrasse em situação de grandes dificuldades financeiras, sobre uma fiança prestada por pessoa de reconhecida solvabilidade e grande robustez económica, apenas porque ali se oferece uma forma de caução e aqui temos uma fiança. Na verdade, como aí ficou dito, não é a forma abstrata da prestação da garantia ou a atividade prosseguida por quem a presta que, por si só, atesta a sua idoneidade.

Esta há de resultar, isso sim, da avaliação que for efetuada em concreto sobre a suscetibilidade de assegurar o pagamento da quantia exequenda e do acrescido”.

Em conclusão, na linha da jurisprudência que repetidamente se tem debruçado sobre esta questão, há que sublinhar que o artigo 199º do CPPT apresenta uma enumeração exemplificativa, que não um elenco fechado das garantias aí indicadas, pelo que não ocorre qualquer impedimento legalmente prescrito a que a garantia a prestar com vista à suspensão da execução fiscal seja constituída por fiança.

Assim sendo, o Tribunal a quo, perfilhando este entendimento jurisprudencial, andou bem.

Visto que está que a fiança, com as especificidades que lhe são inerentes tal, como aponta a Recorrente (e que o acórdão transcrito não deixou de observar), é uma garantia legalmente admissível, para os efeitos previstos no artigo 199º do CPPT, importa agora apreciar se, como se defende do despacho recorrido, e é corroborado pela Recorrente, é possível afastar a idoneidade deste tipo de garantia pelo facto de a fiança “não assegurar de forma suficiente os créditos do exequente no curto prazo (30 dias) que se encontra legalmente previsto para o pagamento após a citação (art. 200º, nº2 do CPPT)”.

Surpreende-se nesta argumentação aquilo a que muitas vezes a Administração Tributária tem designado como capacidade financeira de curto prazo da fiadora. A aferição desta capacidade financeira está relacionada, do ponto de vista da Administração, com a necessidade de atender ao disposto no artigo 200º, nº 2 do CPPT, nos termos do qual a entidade que tiver prestado a garantia será citada para, no prazo de 30 dias, efectuar o pagamento da dívida ainda existente e acrescido até ao montante da garantia prestada, sob pena de ser executada no processo.

Mais uma vez, esta argumentação é de afastar.

Como bem se assinalou a este propósito no acórdão do TCAN, proferido em 11/10/12, no processo nº 944/12.7 BEPRT, “a idoneidade da fiadora não se afere pelo seu património líquido e muito menos pela capacidade de pagamento no prazo fixado no artigo 200.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Em primeiro lugar, o artigo 200.º, n.º 2, citado não encerra nenhum pressuposto da idoneidade da fiança, mas as consequências da falta de pagamento do fiador (como, de resto, anuncia a sua epígrafe). A citação e o decurso do prazo de pagamento voluntário do fiador não são pressuposto algum de que dependa a aceitação da garantia, mas pressuposto de que depende a execução dessa garantia.

Mal se compreenderia, de resto, que fosse pressuposto da garantia um incidente da sua execução que nem sequer afeta a sua subsistência: a administração tributária continua a beneficiar da extensão de garantia, quer o fiador pague quer não pague no prazo do pagamento voluntário.

Em segundo lugar, e a despeito do que se anuncia no artigo 52.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária, os pressupostos da idoneidade da fiança não se aferem «nos termos das leis tributárias», mas nos termos da legislação subsidiária para que remete o artigo 2.º, alínea d) da mesma Lei. Havendo, por isso, que recorrer ao artigo 633.º do Código Civil, do qual decorre que a idoneidade do fiador depende da sua capacidade para se obrigar e da existência de bens suficientes no seu património. De salientar que a lei não alude à existência de suficiente património líquido, mas à existência de bens suficientes, que abrange todo o seu património, líquido e ilíquido.

Mal se compreenderia, também, que valesse como garantia a penhora de bens do devedor necessários para assegurar o pagamento da dívida, antes da sua liquidação através da venda (artigo 199.º, n.º 4, do Código de Procedimento e de Processo Tributário), mas já não pudesse valer para garantia o património do fiador que, não sendo líquido, fosse suscetível de penhora.

Absurdo ainda maior seria não dispensar o executado da prestação da garantia por ser detentor de património suficiente, ainda que ilíquido (cfr. n.º 4 do artigo 52.º da Lei Geral Tributária), e não admitir a fiança que este apresentasse porque o património suficiente do fiador não é líquido”.

Portanto, não é de sufragar o entendimento defendido pela AT segundo o qual a idoneidade da fiança deve ser avaliada com base na sua capacidade financeira de curto prazo, nem há que fazer apelo ao disposto no artigo 200º, nº2 do CPPT.

Também a invocação do artigo 200, nº3 do CPPT - No processo far-se-ão constar os bens que foram dados em garantia - não é, como considera o despacho recorrido e sustenta a Recorrente, um indicador de que a fiança não é uma garantia aceitável para os fins aqui visados, já que tal preceito é impossível de cumprir no caso da fiança (uma vez que se trata da totalidade do património do devedor).

Como é medianamente compreensível, no caso da fiança, que, já vimos, não é afastada pelo artigo 199º do CPPT, a indicação a que alude o 200º, nº3 terá necessariamente que ser interpretada com as necessárias adaptações a essa forma de garantia, pelo que no processo de execução far-se-á constar a prestação da garantia sob a forma de fiança, de modo a que a mesma possa ser accionada se, e quando, tiver que o ser.

Por último, temos um outro argumento no qual assentou a recusa da garantia e que se prende com a circunstância de a fiança ser prestada por uma SGPS, portanto, uma sociedade cujo objecto social é a gestão de participações sociais de outras sociedades.

Realça a Recorrente que se trata, afinal, de sociedades sem estrutura física ou humana inerente, o que as torna sociedades meramente “virtuais”, isto é, sem substância física e que devem a sua existência à legislação vigente, auferindo apenas rendimentos de natureza passiva (lucros e juros) e cujo activo - regra geral - é constituído por participações financeiras e créditos sobre empresas participadas.

Em abono da sua tese, prossegue a Recorrente sustentando que a tais sociedades está vedado, em termos gerais, adquirir ou manter na sua titularidade imóveis ou alienar ou onerar as participações detidas antes de decorrido um ano sobre a sua aquisição, assim como conceder crédito a sociedades por ela dominadas ou em que detenham participações se o crédito concedido exceder o valor da participação espelhada no último balanço aprovado ou não for objecto de contrato de suprimento.

Também esta linha argumentativa da Recorrente é de repudiar.

Sobre este argumento, a sentença recorrida pronunciou-se realçando que a sociedade em causa, sendo uma SGPS, não deixa, por isso de não deter património próprio, que, reflexa ou imediatamente, são as suas participações nas sociedades que constituem o seu substrato patrimonial.

Uma vez mais, socorremo-nos da jurisprudência que tem sido prolatada a este propósito.

Veja-se, a título de exemplo, a fundamentação expendida no já citado acórdão do TCAN, de 11/10/12 (processo nº 944/12.7 BEPRT), segundo a qual inexiste fundamento legal para afirmar que as SGPS, atenta a sua natureza, estão impedidas de prestar garantias às suas participadas. Em tal aresto ficou dito, sobre este aspecto, o seguinte:

“(…)

Na decisão reclamada considerou-se que as sociedades gestoras de participações sociais não poderiam prestar garantias pessoais, por serem contrárias ao seu fim e atento o disposto no artigo 6.º, n.º 3, do Código das Sociedades Comerciais.

No entanto, o próprio dispositivo citado ressalva a existência de justificado interesse próprio da sociedade garante ou existência de uma relação de domínio ou de grupo entre a fiadora e a afiançada. E não só não é de excluir um interesse próprio de uma “S.G.P.S.” em garantir o pagamento de um a dívida da sociedade participada, como forma de intervenção ativa na respetiva gestão, como também resulta dos autos que existe uma incontestável relação de domínio entre a sociedade executada (ora Recorrida) e a indicada fiadora: da própria decisão reclamada se extrai que esta detém 100% na participação no capital social da outra.

A questão poderia colocar-se noutro plano, o de saber se as “S.G.P.S.” podem prestar garantias à luz do seu regime próprio, desenhado no Decreto-Lei n.º 495/88, de 30.12. No entanto, este diploma não contém qualquer ressalva quanto à admissibilidade de prestação de garantias às sociedades participadas. E admite expressamente a concessão de crédito a essas sociedades, sem qualquer limite quando exista uma relação de domínio [cfr. o artigo 5.º, n.º 1, alínea c), deste diploma, na redação que lhe foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 318/94, de 24.12], que envolve (ao contrário da garantia) a disponibilização imediata do seu próprio património. Sendo, por isso, e nesse sentido, mais gravosa do ponto de vista dos direitos dos sócios e dos demais credores.

Pelo que não existe nenhuma razão legal para defender que as “S.G.P.S.” não podem prestar garantias às sociedades participadas”.

Portanto, e aqui chegados, podemos concluir que, sem margem para dúvidas, nenhum dos argumentos que serviram de fundamentação ao acto reclamado é justificativo da recusa da fiança como garantia idónea, em abstracto, aos fins visados, isto é, à suspensão da execução fiscal.

Tudo estará em saber se, em concreto, este juízo de idoneidade se mantém, ou não.

Ora, a idoneidade em concreto da fiança oferecida como garantia para suspender a execução fiscal está sujeita a uma apreciação casuística pelo órgão competente da Administração Tributária, em face da susceptibilidade do património do fiador responder pelo integral pagamento da dívida exequenda e do acrescido – cfr. acórdão do STA, de 10/10/12, proferido no processo nº 0916/12.

No caso, como dissemos, e ao contrário do entendido pelo Tribunal a quo, o órgão administrativo competente não procedeu a tal apreciação, pelo que não cabia ao Tribunal fazê-

-lo, nem, claro está, a este Tribunal de recurso. A este propósito, deixa-se transcrita uma passagem do acórdão citado no parágrafo anterior, no qual o despacho reclamado apreciado se apresentava com um teor exactamente igual àquele que nestes autos foi reclamado. Aí se referiu, com inteira aplicação ao entendimento que aqui sufragámos e que começamos por expor, o seguinte:

“(…)

Resta salientar que não tendo a Administração Tributária procedido, no acto reclamado, à avaliação em concreto da garantia oferecida – como, aliás, bem salienta a sentença recorrida ao realçar que do «referido despacho nada consta que comprove que o fiador não dispõe de património ou liquidez suficiente para suportar o pagamento do valor da fiança caso tal seja necessário» e que «cada situação deve ser analisada e comprovada casuisticamente, o que in casu não foi feito» - não há que analisar, em sede de recurso, se se encontra ou não provada, em concreto, a idoneidade da garantia oferecida através desta fiança a prestar pela sociedade B………, S.A. para efeitos de suspensão da execução fiscal n.º (…), matéria que só à Administração Tributária cabe analisar”.

Face a tudo quanto ficou dito, improcedem as conclusões da alegação de recurso que vínhamos analisando (Y e ss) devendo, nesta medida, confirmar-se a sentença, na parte em que a mesma determinou a anulação do acto reclamado - o despacho proferido, em 30/04/12, pela Directora de Finanças Adjunta da Direcção de Finanças do Porto, no uso de competência delegada, que indeferiu a prestação de garantia através de fiança, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3174201101094297.


*

3. DECISÃO

Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCAN em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência:

- Manter a sentença recorrida na parte em que determinou a anulação do despacho proferido, em 30/04/12, objecto de reclamação;

- Revogar a sentença recorrida na parte em que aí se determinou a aceitação da garantia concretamente oferecida e, em consequência, a suspensão da execução fiscal n.º 3174201101094297.

Custas por ambas as partes, na proporção do decaimento que se fixa em 2/3 para a Fazenda Pública e 1/3 para a ora Recorrida.

Porto, 15 de Fevereiro de 2013

Ass. Catarina Almeida e Sousa

Ass. Nuno Bastos

Ass. Irene Neves