Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02217/17.0BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/10/2023
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:NULIDADE DE SENTENÇA – JULGAMENTO DE FACTO;
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL - ACIDENTE DE VIAÇÃO;
CONCORRÊNCIA DE CULPAS – SUB-ROGAÇÃO;
Sumário:I- O não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido não se traduzem em vícios de omissão ou de excesso de pronúncia, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 95º, nº. 1 do C.P.T.A..

II- A alteração da tecido fáctico fixado em 1ª instância encontra-se reservada para as situações em que a prova produzida imponha decisão diversa, o que não sucede quando o Tribunal ad quem, apreciada essa prova, propende antes para uma diferente convicção, contudo, não imposta pela prova produzida.

III- À míngua de submissão da situação descrita nos autos ao leque de hipóteses elencadas na Lei nº 24/2007, é de aplicar o regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas previsto na Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro.

Legitimando os autos a aquisição processual de que a Autora, no cumprimento das obrigações emergentes do contrato de seguro do ramo automóvel, procedeu ao pagamento dos danos emergentes do sinistro automóvel até ao montante de € 14.050,49€, valor pelo qual ficou legalmente sub-rogada, deve assumir-se que lhe assiste o direito de reclamar o pagamento da mesma, embora reduzida a 50%, atenta a concorrência de culpas entre os intervenientes no acidente.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
* *
I – RELATÓRIO
G..., S.A., melhor identificada nos autos à margem referenciados de AÇÃO ADMINISTRATIVA por esta intentados contra A..., S.A, vem interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença promanada nos autos que julgou improcedente a presente ação e, em consequência, absolveu a Ré do pedido.
Alegando, a Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…)
I- Na douta sentença sob censura a Meritíssima Sra. Juiz não se pronunciou sobre os factos alegados pela Autora nos pontos 13° a 21°, 24°, 25°, 35°, 39°, 42°, 49° a 53°, 55° a 58°, 60°, 61°, 63°, 64°, 66°, 79°, 80°, 84°, 85°, 87° a 89°, 91°, 92°, 102° a 104°, 106° a 125°, 154° a 166°, 168° a 178°, 187°, 192°, 193°, 195° da Petição Inicial, não os tendo dado como provados ou não provados.
II- Os factos acima indicados, sobre os quais o julgador não se pronunciou, eram relevantes para a boa decisão da causa e inseriam-se nos temas da prova, tal qual foram enunciados.
III- Não se tendo pronunciado sobre esses factos, incorreu o julgador em omissão de pronúncia, o que determina a nulidade da douta sentença, nos termos do disposto no artigo 1° do CPTA e 615° n.° 1 alínea d) do CPC, vício esse que, expressamente se invoca e deve determina, a anulação da douta sentença e o regresso dos autos ao Tribunal de Primeira Instância, de forma a que seja proferida nova decisão que supra essa nulidade, o que, expressamente, se requer.
IV- A Autora impugna, por considerar incorretamente julgados, a decisão proferida quanto aos factos dos pontos 6, 7 e 16 da matéria considerada provada e (i), (iii), (iv) e (v) da matéria dada como não provada.
V- Da audição do depoimento da testemunha AA (gravado no ficheiro “GravacaoAudiencias 21-10-2021 09-38-48.wma”, no dia 21/10/2021, entre a 01h12m43s e 01h38m52s, nas passagens dos minutos 1h17m18s a 1h18m12s, 1h18m18s a 1h18m23s, 1h19m31s a 1h19m44s e 1h23m57s a 1h24m18s) não resulta, salvo melhor opinião, que o “..-..-SD”, ou mesmo o veículo conduzido pelo próprio AA, circulassem a uma velocidade não inferior à de 120k/h.
VI- A referência que a testemunha em causa fez à circulação a uma velocidade de entre 100 e 120 km/h, não pode ser entendida como rigorosa, nem pode ser, sem mais, atendida pelo Tribunal como correspondendo à exata velocidade a que seguia o “..-..-SD”, já que a testemunha indicou esse andamento por aproximação, dizendo que seguia a "100,120, mais ou menos
VII- Por outro lado, no que toca à velocidade a que circulava no momento do acidente, a testemunha BB, declarou que circulava a uma velocidade moderada, que estimou entre 80 e 90 km/h (cfr as suas declarações gravadas no ficheiro Áudio "GravacaoAudiencias 21-10-2021 09-38-48.wma”, no dia 21/10/2021, entre os 00h25m18s e 01h12m43s, nas passagens dos minutos 32m49s a 32m55s, 39m04s a 39m23s) e a testemunha CC, ocupante do veículo confirmou que seguiam a um andamento moderado (cfr depoimento gravado no ficheiro “GravacaoAudiencias 21-10-2021 09-38-48.wma”, no dia 21/10/2021, entre a 1h38,52s e as 2h06m06s, nas passagens dos minutos 1h50m59s a 1h51m13s, 1h53m07s a 1h53m14s)
VIII- Ora, salvo melhor opinião, tendo em conta o caráter manifestamente impreciso da indicação feita pela testemunha AA - como seria, de resto, expectável - quanto à velocidade a que seguia o "..-..-SD", bem como tendo em atenção as declarações das testemunhas BB e CC, entende a recorrente que apenas se pode ter como certo que esse veículo circularia a velocidade situada dentro do limite máximo indicado pelo condutor daquele automóvel, ou seja, 90 km/h.
IX- Assim, tendo em conta o depoimento da testemunha AA (nas passagens dos acima referidas, entre as 1h1718s a 1h18m12s, 1h18m18s a 1h18m23s, 1h19m31s a 1h19m44s e 1h23m57s a 1h24m18s), da testemunha BB (nas passagens dos minutos 32m49s a 32m55s, 39m04s a 39m23s) e da testemunha CC (nas passagens dos minutos 1h50m59s a 1h51m13s e 1h53m07s a 1h53m14s), todos constantes do ficheiro áudio "GravacaoAudiencias 21-10-2021 09-38-48.wma", do dia 21/10/2021, impunha-se que, quanto à matéria do ponto 6 dos factos dados como provados, se tivesse dado como provado, apenas, que
6. No dia 02 de novembro de 2014, cerca das 18h10m, quando chovia e estava nevoeiro, o veículo de matrícula ..-..-SD circulava na A...1 (na via de circulação da esquerda), ao Km 28,700, no sentido .../..., a uma velocidade não superior à de 90 km/h. sem que tivesse efetuado manobra de ultrapassagem ou tivesse sido obrigado a desviar-se para tal via esquerda
Ou, se assim não se entendesse, considerando os mesmos elementos de prova, sempre deveria ser alterada a redação do ponto 6 dos factos provados, considerando-se provado que:
6. No dia 02 de novembro de 2014, cerca das 18h10m, quando chovia e estava nevoeiro, o veículo de matrícula ..-..-SD circulava na A...1 (na via de circulação da esquerda), ao Km 28,700, no sentido .../..., a uma velocidade de cerca de 100 a 120 km/h. sem que tivesse efetuado manobra de ultrapassagem ou tivesse sido obrigado a desviar-se para tal via esquerda
X- Os factos dos pontos 7 e 16 da matéria dada como provada e (i), (iii), (iv) e (v) da matéria considerada não provada estão interligados e constituem o cerne da matéria que esteve em discussão nesta ação, mais precisamente a relacionada com a causa do despiste do veículo com a matrícula ..-..-SD, ocorrido no dia 02/11/2014 e, concretamente, se foi consequência de uma deficiência da tampa de uma caixa de saneamento existente no limite esquerdo da via onde circulava aquele automóvel.
XI- Do Auto de participação do acidente, elaborado pela GNR ... (Doc 5 junto com a PI) resulta confirmado que, logo após o acidente, a caixa de saneamento existente no limite esquerdo da via, atento o sentido do “..-..-SD” estava sem tampa e que esta foi encontrada na hemifaixa de rodagem contrária, do outro lado do separador central da via
XII- Ainda com relevo para a análise da decisão proferida quanto a estes factos, importa ter em consideração as fotografias que constam de fls. 110 destes autos (Doc 7 junto com a PI), das quais se retira que a tampa de saneamento existente no local ocupava não só a berma, como também a totalidade da largura da linha delimitadora da berma, o que também resulta das fotografias juntas como Doc 9 e 9A com a PI, decorrendo destas últimas imagens que existe um desnível na zona de ligação entre essa caixa e a via de circulação, onde o asfalto está mais e ainda que o cimento que forma as bordas internas dessa caixa está desgastado
XIII- Ainda com interesse para a análise da decisão proferida quanto a estes factos importa salientar a fotografia junto com a PI como Doc 9D, referente ao rodado traseiro esquerdo do “..-..-SD”, em cuja jante é perfeitamente visível a marca da sua passagem num objeto que a “escavou” e danificou, como o que ocorreria perante a sua passagem numa aresta (nomeadamente da caixa de saneamento já sem tampa)
XIV- Perante estes elementos, por si sós, é forçoso concluir, desde logo, que, logo após o acidente, a caixa de saneamento existente no limite esquerdo da via não tinha a respetiva tampa colocada e que esta estava na berma esquerda da via contrária (cfr. sobretudo, o Auto de ocorrência e registo fotográfico).
XV- Ou seja, no essencial, sendo absolutamente seguro que a caixa de saneamento não tinha a sua tampa colocada logo após a ocorrência do acidente, temos como certo que uma de duas hipóteses se verificou: ou a caixa de saneamento não tinha a sua tampa colocada no momento em que o “..-..-SD” por ela passou, ou essa tampa saiu com a passagem desse carro.
XVI- No seu depoimento gravado, o agente da GNR responsável pela elaboração do auto de ocorrência, DD, confirmou que, à sua chegada ao local, a tampa da caixa de saneamento, que era da cor do asfalto e pouco percetível, não estava colocada no respetivo lugar, encontrando-se antes ou junto do separador central, ou na outra hemifaixa de rodagem (cfr ficheiro áudio “GravacaoAudiencias 21-10-2021 09-38-48.wma”, no dia 21/10/2021, entre os 00h00m50s a 00h25m18s, nas passagens dos minutos 4m42s a 7m23s, 13m40s a 14m46s)
XVII- A testemunha EE reconheceu, que, quando circulava a uma velocidade de entre 80 e 90 km/h, se distraiu momentaneamente, calcando a linha delimitadora existente no limite esquerdo da via e ocupando parcialmente a berma desse lado da estrada, altura em que passou por cima de uma caixa de saneamento que gerou o descontrolo do carro que conduzia e consequente despiste (cfr ficheiro “GravacaoAudiencias 21-10-2021 09-38-48.wma”, no dia 21/10/2021, entre os 00h25m18s e 01h12m43s, nas passagens dos minutos 32m25s a 32m49s, 32m59s a 33m04s, 33m12s a 33m13s, 33m39s a 34m00s, 34m42s a 34m52s, 35m12s a 35m19s, 36m14s a 36m54s, 38m13s a 38m22s, 39m42s a 42m51s, 50m56s a 53m29s, 55m16s a 55m18s, 56m52s a 58m26s, 1h00m50s a 1h01m07s)
XVIII- O BB explicou, de forma clara, que o acidente se ficou a dever à passagem sobre a tampa de saneamento existente na berma e limite esquerdo da via, sendo que, quando passou com o seu rodado traseiro sobre essa caixa ouviu um estrondo, o que o fez perder o controlo do carro, o qual, de seguida, entrou em despiste, que nessa altura não embateu no separador central e que isso só sucedeu cerca de 100 metros adiante, num momento em que já se encontrava em despiste; referiu, ainda, que, depois do acidente, voltou ao local e constatou a ausência da tampa na caixa de saneamento, a qual fotografou.
XIX- Estas declarações do BB foram, no essencial, confirmadas pela testemunha AA no seu depoimento prestado em audiência de julgamento, no qual referiu que, a dado passo, o “..-..-SD” o ultrapassou pela sua esquerda e que, metros adiante, o viu como que a “voar”, que achou estanho, pelo que voltou atrás e constou que existia a já referida caixa de saneamento, sem tampa (cfr depoimento gravado no ficheiro “GravacaoAudiencias 21-10-2021 09-38-48.wma”, no dia 21/10/2021, entre a 01h12m43s e 01h38m52s, nas passagens dos minutos 1h18m38s a 1h19m27s, 1h20m26s a 1h20m59s, 1h22m54s a 1h23m11s, 1h30m10s a 1h31m17s)
XX- Ainda sobre a dinâmica do acidente depôs a testemunha CC, que era ocupante do automóvel no momento da respetiva ocorrência, a qual corroborou, no essencial, o depoimento do seu marido, condutor da viatura, esclarecendo que, de repente, ouviu um barulho e, quando deram por ela, estavam com o veículo com as rodas “para o ar”, sendo que, logo após o acidente, um condutor que circulava atrás do “..-..-SD” lhe mencionou que o despiste se tinha ficado a dever à ausência de uma tampa de saneamento (cfr depoimento gravado no ficheiro “GravacaoAudiencias 21-10-2021 09-38-48.wma”, entre a 1h38,52s e as 2h06m06s, nas passagens dos minutos 1h43m39s a 1h43m42s, 1h49m14s a 1h50m02s).
XXI- Ainda com relevo para a análise da decisão proferida quanto a estes pontos da matéria de facto, há a assinalar o depoimento da testemunha FF, perito averiguador da Autora, que se deslocou ao local do acidente, o qual mencionou que, quando ali esteve, a tampa estava colocada na caixa de saneamento, mas existia um desnível no asfalto adjacente, na zona voltada para a via de circulação. manifestou, também, a sua opinião de que a saída da tampa do respetivo lugar se deveu ao facto de não estar devidamente fixada e de estar já degradada a estrutura dessa caixa de saneamento e referiu, ainda, que o eixo traseiro esquerdo do “..-..-SD” tinha danos mecânicos relevantes, suscetíveis de causar o despiste desse veículo (cfr ficheiro áudio “GravacaoAudiencias 21-10-2021 09-38-48.wma”, no dia 21/107/2021, entre as 03h49m30s e as 04h06m51s, nas passagens dos minutos 3h27m29s a 3m28m06s, 3h29m02s a 3h30m48s, 3h31m16s a 3h31m49s, 3h32m15s a 3h33m57s, 3h35m09s a 3h37m33s, 3h38m04s a 3h41m06s, 3h43m14s a 3h43m50s, 3h44m34s a 3h45m01s, 3h45m01s a 3h46m39s)
XXII- Conjugando os elementos acabados de elencar, é possível formular um juízo seguro no sentido de que se provou que o despiste do “..-..-SD” se ficou a dever à existência da caixa de saneamento na via e ao estado da respetiva tampa.
XXIII- Efetivamente, é um dado assente e adquirido que, na berma esquerda da via e sobre a linha delimitadora desta existia uma caixa de saneamento, a qual deveria ser dotada de uma tampa.
XXIV- Por outro lado, tendo por base o Auto de ocorrência elaborado pela GNR, a fotografia junta como Doc 9A e ainda o depoimento das testemunhas DD, BB e AA, nas passagens acima assinaladas, ficou provado que, logo após o acidente, a dita caixa de saneamento não tinha a sua tampa colocada e que esta estava em local onde não era suposto estar, mais precisamente a hemifaixa contrária da estrada.
XXV- Por outro lado, por via do depoimento das testemunhas BB e AA, nas passagens acima assinaladas, sabemos que o “..-..-SD”, no decurso da sua circulação, calcou a linha delimitadora da berma esquerda e ocupou essa mesma berma.
XXVI- Numa outra banda, foi referido pela testemunha FF, nas passagens acima assinaladas, e resulta, ainda, da fotografia que se juta como Doc 9D com a PI, que, depois do acidente, o “..-..-SD” apresentava estragos no seu eixo traseiro esquerdo e na jante traseira esquerda, passíveis de causar o descontrolo desse carro.
XXVII- Ademais, quer o BB, quer a sua esposa CC, nas passagens dos seus depoimentos acima assinaladas, referiam ter sentido um “estrondo” na parte traseira esquerda do veículo, logo seguida de uma perda de controlo desse carro, o qual só 100 metros adiante veio a embater no separador central.
XXVIII- A própria descrição do despiste dada pelo BB e pelo AA as passagens dos seus depoimentos acima transcritas, evidenciam que o “..-..-SD” quase que “voou”, tendo o AA referido que achou estranho aquele acontecimento, o que o fez deslocar-se até à caixa, detetando que não tinha tampa.
XXIX- Por fim, o depoimento da testemunha FF, nas passagens acima transcritas, foi, também, relevante na parte em que mencionou que a zona situada à volta da tampa e ainda sob ela, estava desgastada e em estado propício à movimentação daquela tampa.
XXX- Quer a testemunha BB, quer o AA, quer mesmo o FF, atribuem à saída da tampa a causa do acidente.
XXXI- Ora, salvo melhor opinião, conjugando estes depoimentos, considera a Ré que ficou, cabalmente, provado que, no momento do acidente, a tampa da caixa de saneamento não estava no seu local, ou, pelo menos, dele saiu com a passagem do “..-..-SD”.
XXXII- Por outro lado, com base naqueles mesmos elementos de prova, ficou, cabalmente, demonstrado que foi a movimentação ou ausência da tampa na caixa de saneamento que deu causa ao despiste do “..-..-SD”.
XXXIII- Efetivamente, para além de ser certo e seguro que o dito veículo calcou a zona da caixa de saneamento e ainda que esta não tinha tampa depois do evento, a menção à existência de um estrondo na parte traseira esquerda do carro, os danos da jante traseira esquerda e da suspensão desse lado do carro e até o capotamento, evidenciam que o “..-..-SD” se despistou por ter calcado aquele obstáculo e a respetiva tampa se ter movimentado.
XXXIV- Por outro lado, um despiste não causaria danos no eixo traseiro esquerdo do “..-..-SD” nem, sobretudo, a deformação “triangular”, ou de “depressão” existente na jante traseira esquerda desse automóvel, a qual só é compatível com o ingresso do rodado desse lado no buraco e passagem sobre a aresta deste, já sem tampa.
XXXV- Atendendo aos elementos de prova acima assinalados, conjugados com as regras da experiência comum, tem de se concluir que a ausência, ou saída da tampa do seu lugar aquando da passagem do “..-..-SD” sobre a caixa de saneamento foi a única ou principal causa do despiste desse veículo.
XXXVI- Essa é uma conclusão que decorre, diretamente, dos elementos de prova acima enunciados e, pelo menos, sempre resultaria de uma presunção judicial que se retira dos factos - que se deverem ter como provados - que o ..-..-SD calcou com os seus rodados a caixa de saneamento, e que, logo após o acidente, a caixa de saneamento não dispunha de tampa.
XXXVII- Se tivermos, ainda, em consideração os já falados danos no eixo traseiro e jante traseira esquerda do ..-..-SD, bem como a descrição do AA de que o veículo “voou”, podemos concluir, com absoluta segurança, que foi a ausência ou a saída e projeção da tampa da caixa de saneamento que deu causa ao acidente.
XXXVIII- Assim, considera a Autora que, tendo em conta o Auto de participação do acidente (doc 5 junto com a PI, do qual resulta comprovado que, logo após o acidente, a caixa de saneamento existente na berma da estrada não dispunha de tampa e que esta estava na hemifaixa contrária da via), as fotografias que compõem o Doc 7 junto com a PI (que revelam que a caixa de saneamento e sua tampa ocupavam a totalidade da largura da linha delimitadora da berma), as fotografias que compõem os Docs 9 e 9A juntos com a PI (que revelam, não só, que a caixa de saneamento e sua tampa ocupavam a totalidade da largura da linha delimitadora da berma, mas também que logo após o acidente essa tampa estava ausente do local e o asfalto à volta da tampa estava desgastado, tal como o estava o próprio cimento existente sob o local onde esta assentava), a fotografia do Doc 9D junto com a PI (que evidencia os danos da jante traseira esquerda do “..-..-SD”, compatíveis com a sua produção numa aresta, como a que existiria depois de a tampa sair do buraco), o depoimento da testemunha DD (gravado no ficheiro “GravacaoAudiencias 21-10-2021 09-38-48.wma”, no dia 21/10/2021, entre os 00h00m50s a 00h25m18s,nas passagens dos minutos, nas passagens dos minutos 04m42s a 7m23s, 13m40s a 14h46s, o qual corroborou a ausência da tampa na caixa de saneamento logo após a ocorrência do acidente), o depoimento da testemunha BB (gravado no ficheiro “GravacaoAudiencias 21-10-2021 09-38-48.wma”, no dia 21/10/2021, entre os 00h25m18s e 01h12m43s, nas passagens dos minutos 32m25s a 32m49s, 32m59s a 33m04s, 33m12s a 33m13s, 33m39s a 34m00s, 34m42s a 34m52s, 35m12s a 35m19s, 36m14s a 36m54s, 38m13s a 38m22s, 39m42s a 42m51s, 50m56s a 53m29s, 55m16s a 55m28s, 56m52s a 58m26s, 1h00m50s a 1m01m07s, no qual confirmou que o acidente se ficou a dever à passagem sobre a caixa de saneamento existente no limite esquerdo da via, o qual gerou o seu despiste), da testemunha AA (gravado no ficheiro “GravacaoAudiencias 21-10-2021 09-38-48.wma”, no dia 21/10/2021, entre a 01h12m43s e 01h38m52s, nas passagens dos minutos 1h18m38s a 1h19m27s, 1h20m26s a 1h20m59s, 1h22m54s a 1h23m11s, 1h30m10s a 1h31m17s, na parte em que este descreveu a dinâmica do acidente e assinalou que viu o “..-..-SD” praticamente a voar, tendo, de seguida, constatado a ausência de tampa na caixa de saneamento), da testemunha CC (gravado no ficheiro “GravacaoAudiencias 21-10-2021 09-38-48.wma”, entre a 1h38,52s e as 2h06m06s, nas passagens dos minutos 1h43m39s a 1h43m42s, 1h49m14s a 1h50m02s) e da testemunha FF (gravado no ficheiro áudio “GravacaoAudiencias 21-10-2021 09-38-48.wma”, no dia 21/107/2021, entre as 03h49m30s e as 04h06m51s, nas passagens dos minutos 3h27m29s a 3h28m06s, 3h29m02s a 3h30m48s, 3h31n16s a 3h31m49s, 3h32m15s a 3h33m37s, 3h35m09s a 3h36m16s, 3h36m35s a 3h37m33s, 3h38m04s a 3h41m06s, 3h43m14s a 3h43m50s, 3h44m34s a 3h45m01s, 3h46m29s a 3h46m39s, na parte em que este referenciou a existência de desgaste na zona envolvente à caixa de saneamento e sua tampa, bem como na zona onde esta assentaria, a existência de danos no eixo traseiro esquerdo do “..-..-SD”), conjugados com as presunções judiciais que decorrem da comprovada ausência de tampa na caixa de saneamento logo após a ocorrência do acidente, impunha-se que, quando aos factos agora impugnados, se tivesse dado como provado que:
Quanto ao facto do Ponto 7 da matéria dada como provada, provado que,
“Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 6), o veículo de matrícula ..-..-SD era conduzido por BB que, após se ter distraído, fletiu o volante ainda mais à sua esquerda, calcando a linha contínua delimitadora da faixa de rodagem e circulando com as rodas da viatura do lado esquerdo pela berma esquerda, onde passou sobre a caixa de saneamento ali existente, o que o fez perder o controlo da viatura, entrando em despiste, depois enviesado à direita e de seguida à esquerda e embatendo com a sua frente e lateral esquerda no separador central da via (ao km 28,525), tendo capotado a cerca de 25 metros à frente do embate em tal separador central e ficado imobilizado ao km 28,500, da A...1, sentido .../...
Quanto ao facto do Ponto 16 da matéria dada como provada, provado que
“Na data referida em 6), ao km 28,625, da A...1, sentido .../..., existia, na berma esquerda e ocupava a totalidade da largura da linha contínua [que dividia (separava) a faixa de rodagem relativamente a tal berma], uma “caixa de saneamento” com 50 cms de diâmetro (com a respectiva tampa colocada), estando o pavimento irregular e desgastado nas suas bordas
Quanto ao facto do ponto (i) da matéria dada como não provada, provado que:
(i) Em 02 de novembro de 2014, na A...1, ao km 28,625, sentido .../...,pelas 18h10m, no limite esquerdo da plataforma da via destinada à circulação (berma esquerda), a “caixa de saneamento” circular aí existente não tinha a respectiva tampa em ferro nem o aro circular onde deveria encaixar essa tampa
Quanto ao facto do ponto (iii) da matéria dada como não provada, provado que:
(i) Ao calcar a linha delimitadora da berma esquerda e ao ocupar, parcialmente, esta o condutor do veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-SD calcou com os rodados esquerdos do carro a linha contínua que delimitava a berma esquerda da faixa de rodagem (ocupando também, em parte, essa berma) e ouviu um estrondo proveniente da parte inferior do seu veículo, entrando em despiste
Quanto ao facto do ponto (iv) da matéria dada como não provada, provado que
(iv) O condutor do veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-SD com um dos rodados esquerdos de tal veículo calcou a tampa da “caixa de saneamento” e, em acto contínuo, essa tampa foi projetada contra a jante de uma das rodas do carro e contra algum órgão mecânico da direcção e suspensão do veículo, tornando tal veículo ingovernável e tendo o seu condutor perdido o controlo da viatura e entrado em despiste
Quanto ao facto do ponto (v) da matéria dada como não provada, provado que
(v) Após o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-SD ter embatido na tampa da “caixa de saneamento” referida em (iv), esta foi projetada, saltando o separador central e ficando caída na berma esquerda da faixa de rodagem da auto-estrada destinada à circulação no sentido .../....
XXXIX- Caso venha a ser atendida a impugnação da decisão proferida quanto à matéria de facto (no seu todo ou, pelo menos, se se der como provada a ausência de tampa na caixa de saneamento e, ou que esta saiu do seu lugar aquando da passagem sobre a mesma do “..-..-SD”) impõe-se a revogação da douta sentença e a prolação de outra decisão que condene a Ré no pagamento à Autora das prestações por esta reclamadas.
XL- Com efeito, é indiscutível que a existência no pavimento de uma via de uma caixa de saneamento sem tampa, ou com uma tampa que não está devidamente fixa, constitui um obstáculo à circulação rodoviária.
XLI- Competia à Ré assegurar as decidas condições de segurança na via, recaindo sobre si, enquanto concessionária da estrada, uma presunção legal de culpa (cfr. artigo 493° n.°1 e 799° n.° 1 do Código Civil e 12° n.° 1, alínea b) da Lei 24/07, de 18/07).
XLII- Obrigação essa que não cumpriu, atendendo às circunstâncias do caso concreto, incorrendo em responsabilidade civil.
XLIII- Por outro lado, salvo o muito e devido respeito, não se pode considerar que o simples facto de o ..-..-SD ter ingressado na berma esquerda e - caso não seja atendida, nessa parte, a impugnação da decisão proferida quanto à matéria de facto - circular a velocidade ligeiramente superior à permitida no local, deu causa ao acidente.
XLIV- A caixa de saneamento e sua tampa não ocupavam, apenas, a berma da estrada, mas sim, também, a linha divisória dessa berma.
XLV- Por outro lado, apesar de ser certo que os veículos não devem circular nas bermas, não é menos verdade que estas podem ser usadas, nomeadamente, em caso de necessidade de desvio, ou para realização de uma manobra de recurso.
XLVI- Havendo, como há, a possibilidade de os veículos ocuparem a berma no decurso da circulação, nomeadamente para alguma manobra de desvio, ou tendente a evitar um risco, compete à concessionária manter, também essa parte da via, em condições de nela se poder circular em condições de segurança,
XLVII- Assim, o simples facto de o obstáculo em questão estar parcialmente na berma e esta ter sido, também parcialmente, ocupada pelo “..-..-SD”, não surge, no caso, como causa do dano, o qual é resultado, apenas, da existência daquela caixa de saneamento e do estado em que se encontrava a sua tampa.
XLVIII- No que toca à velocidade a que seguia o “..-..-SD”, não se provou, também, que tenha dado causa ao despiste e capotamento desse veículo, pelo que tão pouco fica, por essa via, afastada a responsabilidade da Ré.
XLIX- Por outro lado, tão pouco releva a circunstância de se ter provado que a Ré procedeu à regular vigilância da dita caixa de saneamento.
L- De facto, em rigor, apenas se provou que a uma patrulha da Ré passou no local pelas 17h30m do dia do acidente, sem que tenha detetado qualquer anomalia na caixa e pavimento adjacente e que a demandada, sempre que tem conhecimento de algum fator que possa por em risco a circulação rodoviária, atua imediatamente.
LI- O facto de uma patrulha da Ré ter passado no local e não ter detetado qualquer anomalia na caixa e pavimento não significa que estes não existissem.
LII- Competia à Ré provar - se algum interesse tivesse nisso - que, pelas 17h35m do dia do acidente não existia, efetivamente, qualquer anomalia nessa caixa, facto distinto daquele que se provou.
LIII- Por outro lado, a demonstração, genérica, de que a Ré age sempre que tem conhecimento de um fator que ponha em risco a segurança rodoviária, não tem, salvo melhor opinião, qualquer significado jurídico.
LIV- Ademais - e ainda com mais relevo - a Ré não provou ter procedido à devida manutenção e conservação da dita caixa de saneamento, facto que nem sequer alegou.
LV- No caso, quer a ausência da tampa, quer a sua projeção aquando da passagem dos rodados de um veículo sobre a mesma, consubstanciam evidentes falhas de segurança, decorrentes de omissão do dever de conservação e manutenção dessa mesma estrutura.
LVI- Em face das presunções de culpa estabelecidas no artigo 493° n.° 1 do Cód Civil e no artigo 12°, n.° 1, alínea a) da Lei 24/2007, impunha-se à Ré que tivesse provado que procedeu, regularmente, a trabalhos de conservação e reparação da dita caixa de saneamento e sua tampa, que esta se encontrava devidamente fixa e presa ao solo e todos os factos que evidenciariam o efetivo cumprimento do dever de vigilância e conservação, o que não fez.
LVII- Não tendo a Ré logrado ilidir essa presunção e em face das circunstâncias em que ocorreu o acidente, recai sobre a Ré a obrigação de indemnizar a Autor.
LVIII- Assim, face a tudo o exposto, impõe-se a revogação da douta sentença e a inerente condenação da Ré a pagar à Autora todas as quantias peticionadas
LIX- Em todo o caso, ainda que se viesse a entender que a atuação do condutor do “..-..-SD” contribuiu para a ocorrência do acidente - o que apenas se admite por mera hipótese - jamais se poderia afastar, por completo, a responsabilidade da Ré.
LX- Com efeito, a única infração detetável na atuação do condutor do “..-..-SD” será o facto de ter invadido, parcialmente, a berma esquerda da via (e, se não for atendida, nessa parte, a impugnação da decisão proferida quanto à matéria de facto, a eventual circulação a velocidade ligeiramente superior à permitida no local).
LXI- Essas eventuais infrações não foram causa adequada do sinistro, o qual se ficou a dever ao estado em que se encontrava a tampa de saneamento.
LXII- Logo, ainda que se entendesse ser de repartir a responsabilidade pela produção do acidente, esta sempre seria de atribuir, em maior medida, à Ré, na proporção de, pelo menos, 75%.
LXIII- Assim, se não for atendido o que acima se expôs, sempre se imporia a revogação da douta sentença e a condenação da Ré a pagar à Autora, pelo menos, 75% das quantias reclamadas e devidamente provadas, o que, subsidiariamente, se requer.
LXIV- E se se considerar inadequada essa repartição, sempre se deveria atribuir, pelo menos parte, da responsabilidade à Ré, condenando-a a pagar à Autora as quantias reclamadas, na proporção que se entender adequada.
LXV- Como já acima se salientou, o Tribunal não se pronunciou sobre um conjunto de factos que a Ré alegou na sua contestação e que, juntamente com os demonstrados (e que se espera que sejam dados como provados em resultado da procedência da impugnação da decisão proferida quanto à matéria de facto), sustentariam, de forma mais evidente, a procedência das pretensões que formulou nesta ação.
LXVI- Se este Tribunal Superior entender que aquela factualidade era indispensável à procedência do pedido formulado pela Ré, ainda mais reforçada se mostra a necessidade de anulação da douta sentença por omissão de pronúncia ou, pelo menos, que seja anulada a decisão proferida quanto à matéria de facto
LXVII- A douta sentença sob censura violou as normas dos artigos 483°, 493° n.° 1, 799.° do Cód Civil e 12° n.° 1 alínea b) da Lei 24/07, de 18/07 (…)”.
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Notificada da interposição do recurso jurisdicional, a Recorrida contra-alegou, tendo rematado com o seguinte quadro conclusivo:”(…)
A) A culpa pela deflagração do sinistro dos autos é total e inequivocamente imputável ao motorista do veículo seguro na A., posto que este não logrou, por manifesta distração (confessada, aliás), “limitar” a circulação do veículo à via/faixa esquerda de rodagem (isto sem esquecer que rodava em claríssimo excesso de velocidade e - tudo o indica - que transitava naquela via/faixa esquerda de rodagem sem ter de o fazer), tendo permitido que o ..-..-SD invadisse, sem qualquer necessidade e sem “largura” que o impusesse, a linha delimitadora da berma esquerda e separadora daquela via/faixa esquerda de rodagem;
B) Por tal motivo, é absolutamente seguro concluir que aquele motorista do ..-..-SD violou pelo menos o disposto no artigo 13° n° 1 do Cód. da Estrada, bem como o previsto no artigo 24° n° 1 do mesmo diploma legal (e até o artigo 14° n° 1, ainda do Cód. da Estrada), razão pela qual é aplicável o que se prevê no n° 2 do artigo 570° do Cód. Civil, ou seja, está excluída uma eventual obrigação de indemnizar por parte da R./recorrida;
C) E é igualmente seguro assentar que o sinistro dos autos jamais teria deflagrado se o dito motorista tivesse logrado rodar dentro da via destinada à circulação do tráfego (tal como, aliás, os 1,85 m de largura do veículo por comparação com os disponíveis 3,50 m de via/faixa esquerda de circulação permitem facilmente concluir) (…)”.
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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.
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O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito a que se alude no nº.1 do artigo 146º do C.P.T.A.
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Com dispensa de vistos prévios, cumpre apreciar e decidir.
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II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, as questões essenciais a dirimir são as seguintes: (i) nulidade de sentença, por omissão de pronúncia; (ii) erro de julgamento de facto, por incorreto julgamento da “(…) decisão proferida quanto aos factos dos pontos 6, 7 e 16 da matéria considerada provada e (i), (iii), (iv) e (v) da matéria dada como não provada (…)”; e (iii) erro de julgamento de direito, por ofensa das “(…) dos artigos 483º, 493º n.º 1, 799.º do Cód Civil e 12º n.º 1 alínea b) da Lei 24/07, de 18/07 (…)”.
E na resolução de tais questões que consubstancia a matéria que a este Tribunal Superior cumpre solucionar.
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III- DO MÉRITO DA INSTÂNCIA DE RECURSO
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III.1 – Da invocada nulidade de sentença
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1. A Recorrente começa por invocar que a sentença recorrida incorreu em omissão de pronúncia no que concerne aos factos que foram alegados “(…) nos pontos 13º a 21º, 24º, 25º, 35º, 39º, 42º, 49º a 53º, 55º a 58º, 60º, 61º, 63º, 64º, 66º, 79º, 80º, 84º, 85º, 87º a 89º, 91º, 92º, 102º a 104º, 106º a 125º, 154º a 166º, 168º a 178º, 187º, 192º, 193º, 195º da Petição Inicial, não os tendo dado como provados ou não provados (…)”.
2. Não obstante as doutas alegações, falece-lhe, porém, razão.
3. Na verdade, o não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido não se traduzem em vícios de omissão ou de excesso de pronúncia, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC.
4. Efetivamente, segundo o ensinamento de Alberto dos Reis [In Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, 1981, pp. 144-146.]: «(…) quando o juiz tome conhecimento de factos de que não pode servir-se, por não terem sido, por exemplo, articulados ou alegados pelas partes (art. 664.º), não comete necessariamente a nulidade da 2.ª parte do art. 668.º. Uma coisa é tomar em consideração determinado facto, outra conhecer de questão de facto de que não podia tomar conhecimento; o facto material é um elemento para a solução da questão, mas não é a própria questão (…)”.
5. Tais situações reconduzem-se antes a erros de julgamento passíveis de ser superados nos termos do artigo 607.º, n.º 4, 2.ª parte, aplicável aos Acórdãos dos Tribunais Superiores por via dos artigos 663.º, n.º 2, e 679.º do CPC.
6. Com efeito, e ainda de acordo com o supra citado Autor “(…) uma coisa é o erro de julgamento, por a sentença se ter socorrido de elementos de que não podia socorrer-se, outra a nulidade de conhecer questão de que o tribunal não podia tomar conhecimento. Por a sentença tomar em consideração factos não articulados, contra o disposto no art. 664.º, não se segue, como já foi observado, que tenha conhecido de questão de facto de que lhe era vedado conhecer.» [idem].
7. Por conseguinte, não ocorre a invocada omissão de pronúncia quando aferida na perspetiva de existência de nulidade de sentença.
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III.2 - Do[s] imputado[s] erro[s] de julgamento de facto
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8. A segunda questão decidenda consubstancia-se em saber se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto nos pontos indicados pela Recorrente.
9. Realmente, a Recorrente sustenta que se mostra incorretamente efetuada “(…) a decisão proferida quanto aos factos dos pontos 6, 7 e 16 da matéria considerada provada e (i), (iii), (iv) e (v) da matéria dada como não provada (…)”.
10. Estriba tal convicção no entendimento de que, da concatenação da prova documental produzida – concretamente do auto de participação do acidente e dos docs. nº.s 7, 9 e 9-A - e dos depoimentos produzidos pelas testemunhas DD, BB, AA, CC e FF, impunha-se que se desse como provado que: “(…)
6. No dia 02 de novembro de 2014, cerca das 18h10m, quando chovia e estava nevoeiro, o veículo de matrícula ..-..-SD circulava na A...1 (na via de circulação da esquerda), ao Km 28,700, no sentido .../..., a uma velocidade não superior à de 90 km/h. sem que tivesse efetuado manobra de ultrapassagem ou tivesse sido obrigado a desviar-se para tal via esquerda
Ou, se assim não se entendesse, considerando os mesmos elementos de prova, sempre deveria ser alterada a redação do ponto 6 dos factos provados, considerando-se provado que:
6. No dia 02 de novembro de 2014, cerca das 18h10m, quando chovia e estava nevoeiro, o veículo de matrícula ..-..-SD circulava na A...1 (na via de circulação da esquerda), ao Km 28,700, no sentido .../..., a uma velocidade de cerca de 100 a 120 km/h. sem que tivesse efetuado manobra de ultrapassagem ou tivesse sido obrigado a desviar-se para tal via esquerda.
(…)
Quanto ao facto do Ponto 7 da matéria dada como provada, (…) que,
“Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 6), o veículo de matrícula ..-..-SD era conduzido por BB que, após se ter distraído, fletiu o volante ainda mais à sua esquerda, calcando a linha contínua delimitadora da faixa de rodagem e circulando com as rodas da viatura do lado esquerdo pela berma esquerda, onde passou sobre a caixa de saneamento ali existente, o que o fez perder o controlo da viatura, entrando em despiste, depois enviesado à direita e de seguida à esquerda e embatendo com a sua frente e lateral esquerda no separador central da via (ao km 28,525), tendo capotado a cerca de 25 metros à frente do embate em tal separador central e ficado imobilizado ao km 28,500, da A...1, sentido .../...
Quanto ao facto do Ponto 16 da matéria dada como provada, provado que
“Na data referida em 6), ao km 28,625, da A...1, sentido .../..., existia, na berma esquerda e ocupava a totalidade da largura da linha contínua [que dividia (separava) a faixa de rodagem relativamente a tal berma], uma “caixa de saneamento” com 50 cms de diâmetro (com a respectiva tampa colocada), estando o pavimento irregular e desgastado nas suas bordas
Quanto ao facto do ponto (i) da matéria dada como não provada, provado que:
(i) Em 02 de novembro de 2014, na A...1, ao km 28,625, sentido .../...,pelas 18h10m, no limite esquerdo da plataforma da via destinada à circulação (berma esquerda), a “caixa de saneamento” circular aí existente não tinha a respectiva tampa em ferro nem o aro circular onde deveria encaixar essa tampa
Quanto ao facto do ponto (iii) da matéria dada como não provada, provado que:
(i) Ao calcar a linha delimitadora da berma esquerda e ao ocupar, parcialmente, esta o condutor do veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-SD calcou com os rodados esquerdos do carro a linha contínua que delimitava a berma esquerda da faixa de rodagem (ocupando também, em parte, essa berma) e ouviu um estrondo proveniente da parte inferior do seu veículo, entrando em despiste
Quanto ao facto do ponto (iv) da matéria dada como não provada, provado que
(iv) O condutor do veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-SD com um dos rodados esquerdos de tal veículo calcou a tampa da “caixa de saneamento” e, em acto contínuo, essa tampa foi projetada contra a jante de uma das rodas do carro e contra algum órgão mecânico da direcção e suspensão do veículo, tornando tal veículo ingovernável e tendo o seu condutor perdido o controlo da viatura e entrado em despiste
Quanto ao facto do ponto (v) da matéria dada como não provada, provado que
(v) Após o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-SD ter embatido na tampa da “caixa de saneamento” referida em (iv), esta foi projetada, saltando o separador central e ficando caída na berma esquerda da faixa de rodagem da auto-estrada destinada à circulação no sentido .../... (…)”.
11. Apreciando, assentando-se, desde já, que, para este efeito, procedeu-se à audição na sua integralidade dos depoimentos indicados pelo Recorrente, para além da ponderação dos elementos documentais aportados aos autos.
12. Cientes deste enquadramento, cabe notar que a alteração da tecido fáctico fixado em 1ª instância encontra-se reservada para as situações em que a prova produzida imponha decisão diversa, que não sucede quando o Tribunal ad quem, apreciada essa prova, propende antes para uma diferente convicção, contudo, não imposta pela prova produzida.
13. Realmente, inexistindo uma convicção inevitável quanto à prova produzida, o Tribunal Superior terá que conceder na prevalência da decisão proferida pela 1ª Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova.
14. Pois bem, no caso do ponto 6) do probatório coligido nos autos, isso, claramente, não sucede.
15. Na verdade, no que tange à velocidade em que circulava o veículo automóvel ..-..-SD, revela, sobretudo - até perante o caráter interessado do testemunho do Autor -, o depoimento prestado pela testemunha AA, que presenciou toda a dinâmica do acidente de viação visado nos autos, oferecendo um depoimento credível e isento de reparo nesta matéria.
16. Ora, o depoimento prestado por esta testemunha foi inequívoco na afirmação de que o veículo automóvel ..-..-SD circulava a uma velocidade de “(…) 100, 120, mais ou menos (…)”, o mesmo sucedendo com o carro por si conduzido.
17. Este depoimento, nos termos em que foi produzido, constitui elemento mais do que suficiente para que, de acordo com as regras de experiência, a normalidade da vida e a razoabilidade das coisas, se assumir que o veículo ..-..-SD, para ultrapassar o carro conduzido por AA – que seguia imediatamente à frente daquele –, teria que imprimir uma velocidade superior à desenvolvida por este no mínimo de 20km/h, donde resulta legítimo e seguro concluir que o veículo ..-..-SD circulava, no mínimo, a uma velocidade de 120 km/h no momento da ultrapassagem.
18. Daí nada haja a objetar no que tange à convicção positiva do Tribunal a quo no tocante à factualidade reportada no ponto 6) dos factos provados da sentença recorrida.
19. Idêntica asserção já não é atingível no tocante ao tecido fáctico vertido no ponto 7) e 16) dos factos provados da sentença recorrida no particulares conspectos da (i) alegada contribuição de uma caixa de saneamento na via e ao estado da respetiva tampa para a produção do acidente descrito nos autos e, bem assim, (ii) da largura da referida caixa de saneamento e da sua ocupação da totalidade da linha delimitadora da berma esquerda.
20. Efetivamente, o depoimento da testemunha AA, a par da identificação da velocidade de circulação do veículo ..-..-SD, descreveu com algum pormenor a existência de existência de uma tampa de saneamento situada na hemifaixa de rodagem contrária, o que foi constatado logo após a produção do acidente.
21. Esta realidade - que foi, aliás, corroborada no depoimento prestado pelo Guarda da GNR que se deslocou ao local aquando da notícia do acidente -, leva-nos a concluir que a tampa de saneamento, embora colocada na caixa de saneamento, não se mostrava devidamente fixada à mesma, tendo-se soltado com a passagem do veículo ..-..-SD, o que o fez perder o controlo da viatura, entrando em despiste, dessa forma contribuindo para a produção do acidente descrito nos autos.
22. Com efeito, a representação de que a caixa de saneamento já se mostrava desprovida da respetiva tampa aquando da passagem do veículo ..-..-SD revela-se, segundo critérios de normalidade e razoabilidade, incompatível com a aquisição do tecido fáctico vertido nos pontos 17) e 18) do probatório, o que contribuiu decisivamente para a posição ora assumida por este Tribunal Superior no que diz respeita a esta matéria.
23. Por outra banda, os elementos documentais disponíveis a este propósito, mormente os docs. ..., ... e ... junto com a PI, são claros na representação da ocupação total da linha delimitadora da berma esquerda por parte da caixa de saneamento existente na faixa de rodagem onde eclodiu o acidente visado nos autos.
24. Houve assim, nas partes que se vêm de assinalar, uma errada apreciação e valoração das provas, o que se reconduz a um erro de julgamento da matéria de facto, verificável pela ponderação concertada das provas produzidas e respectivo exame crítico, de onde não resulta a formulação do juízo efetuado pela instância sindicada.
25. A decisão do Tribunal a quo, nas matérias supra elencadas do tribunal recorrido, desprezou uma interpretação e valoração que, baseada em meios de prova credíveis e seguros, apresentam força bastante para desenharem, com a consistência necessária, um juízo de censuro quanto ao tecido fáctico que se vem de analisar, razão pela qual, merecendo essa censura, deve ser alterado.
26. No demais, refira-se que a prova produzida não habilitaram este Tribunal Superior a concluir, com a segurança e a certeza exigíveis, para além do já adquirido nos pontos 7) e 16) do probatório, pela demonstração da realidade não provada [em parte ou no seu todo] sob os pontos (i), (iii), (iv) e (v).
27. Por conseguinte, em consonância com a lógica que se vem supra de expor, vinga parcialmente nos termos e com o alcance que se vem de explicitar o primeiro fundamento do recurso em análise.
28. Ponderado o acabado de julgar e o que demais se mostra fixado na decisão judicial recorrida temos, então, como assente o seguinte quadro factual: “(…)
1. A empresa “SEGURADORAS UNIDAS, S.A.” (actualmente, denominada “G..., S.A.”), ora Autora, dedica-se à atividade de seguradora; tendo celebrado, no âmbito da sua atividade, com BB, um contrato de seguro do ramo automóvel, titulado pela apólice n.° ...14, nos termos do qual, segurou a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula ..-..-SD, de marca Audi, modelo Allroad Quattro 2.5 TDI [propriedade do tomador do seguro], bem como, os danos próprios sofridos pelo mesmo em virtude de choque, colisão, ou capotamento (sendo que o capital da cobertura pelo “choque, colisão e capotamento” constante da apólice era de € ...00, ...0 e a respectiva franquia de € 500,00) [cf. documentos (docs.) n.° 1 a n.° 3 e n.° 13 juntos com a petição inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].

2. No âmbito da apólice referida em 1), foi subscrita a cobertura de “Proteção dos Ocupantes e Condutor”, que incluía as sub-coberturas de despesas de tratamento de ocupantes e a de “Morte ou Invalidez Permanente” do condutor e ocupantes (sendo que o capital da cobertura pelas “despesas de tratamento dos ocupantes” prevista na apólice era de € ...00, ...0, ao passo que o capital da cobertura de “Morte ou Invalidez Permanente” era de € 25.000,00) [cf. documentos (docs.) n.° 1 a n.° 3 juntos com a petição inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].

3. A empresa “A..., S.A.”, ora Ré, é uma entidade concessionária, tendo celebrado um Contrato de Concessão com o Estado Português, quanto à manutenção da A...1 [cf. Bases da Concessão aprovada pelo Decreto-Lei n.° 248-A/99, de 06 de julho e alterado pelo Decreto-Lei n.° 44-E/ 2010, de 05 de maio].

4. A Ré é concessionária do Estado Português para a exploração, manutenção e conservação, com cobrança de portagem aos urentes, da A...1, nos termos do respectivo Contrato de Concessão [cf. Bases da Concessão aprovada pelo Decreto-Lei n.° 248-A/99, de 06 de julho e alterado pelo Decreto-Lei n.° 44-E/2010, de 05 de maio].

5. Das Bases da concessão Norte - aprovadas pelo Decreto-Lei n.° 248-A/99, de 06 de julho e alterado pelo Decreto-Lei n.° 44-E/2010, de 05 de maio - consta o seguinte, a saber: “(…)
Base XXXVIII - Alterações nas obras realizadas e instalações suplementares
1 - A Concessionária pode, mediante autorização do Concedente, introduzir alterações nas obras realizadas e, bem assim, estabelecer e pôr em funcionamento instalações suplementares.
2 - De igual forma, a Concessionária tem de efetuar e de fazer entrar em serviço as alterações nas obras realizadas que sejam determinadas pelo Concedente, sem prejuízo do seu direito à reposição do equilíbrio financeiro da Concessão nos termos da base LXXXIV, salvo se as alterações determinadas pelo Concedente tiverem a natureza de correções resultantes do incumprimento, pela Concessionária, do disposto da base XXXVI.
[...]
Base XLIV - Manutenção das Autoestradas
1 - A Concessionária obriga-se a manter, durante a vigência do Contrato de Concessão, e a expensas suas, as Autoestradas e os demais bens que constituem o objeto da Concessão em funcionamento ininterrupto e permanente, em bom estado de conservação e em perfeitas condições de utilização e de segurança, realizando, oportunamente e de acordo com o disposto no Plano de Controlo de Qualidade e no Manual de Operação e Manutenção, as reparações, as renovações e as adaptações que para o efeito se tornem necessárias e que, nos termos do Contrato de Concessão, sejam da sua responsabilidade, e todos os trabalhos e alterações necessários para que os mesmos satisfaçam cabal e permanentemente os fins a que se destinam.
[...]
3 - Constitui ainda responsabilidade da Concessionária a manutenção e conservação do sistema de iluminação, de sinalização e de segurança nos troços das vias nacionais ou urbanas que contactam com os nós de ligação, até aos limites estabelecidos nos projetos aprovados pelo Concedente.
4 - A Concessionária deve respeitar os padrões de qualidade, designadamente para a regularidade e aderência do pavimento, conservação da sinalização e do equipamento de segurança e apoio aos utentes, fixados no Manual de Operação e Manutenção e no Plano de Controlo de Qualidade.
[...]
7 - No Plano de Controlo de Qualidade são estabelecidos os critérios a verificar, a respetiva periodicidade de verificação, os padrões mínimos a respeitar e o tipo de operação de reposição, designadamente nos seguintes componentes: a) Pavimentos flexíveis; b) Obras de arte correntes; c) Obras de arte especiais; e) Drenagem; f) Equipamentos de segurança; g) Sinalização; h) Integração paisagística e ambiental; i) Iluminação; j) Telecomunicações; (...)
[...]
9 - O estado de conservação e as condições de exploração dos Lanços e demais bens que integrem ou estejam afetos à Concessão são verificados pelo Concedente de acordo com um plano de ações de fiscalização por este definido, competindo à Concessionária proceder, nos prazos que lhe forem fixados, às reparações e beneficiações necessárias à manutenção dos padrões de qualidade previstos no Contrato de Concessão e no Plano de Controlo de Qualidade.
[...]
Base LV - Operação e manutenção
1 - Para cumprimento das obrigações assumidas em matéria de operação e de manutenção do Empreendimento Concessionado, a Concessionária celebrou com a Operadora, na Data da Assinatura do Contrato de Concessão, o Contrato de Operação e Manutenção.
[...]
4 - A Concessionária obriga-se a elaborar e respeitar um Manual de Operação e Manutenção das Autoestradas, que submete à aprovação do Concedente no prazo de seis meses a contar da Data de Assinatura do Contrato de Concessão, e no qual são estabelecidas as regras, os princípios e os procedimentos a observar em matéria de operação e de manutenção do Empreendimento Concessionado, designadamente: a) Funcionamento de portagens; b) Informação e normas de comportamento para com os utentes; c) Segurança dos trabalhadores portageiros; d) Normas de atuação no caso de restrições de circulação nas Autoestradas; e) Segurança dos utentes e das instalações; f) Funcionamento dos serviços de vigilância e socorro, com definição das taxas a cobrar aos utentes e sua forma de atualização; g) Monitorização e controlo ambiental; h) Estatísticas; i) Áreas de Serviços.
5 - O Manual de Operação e Manutenção considera-se tacitamente aprovado 60 dias após a sua apresentação ao Concedente, caso dentro desse prazo não seja solicitada qualquer alteração ao mesmo, solicitação essa que suspende o prazo de aprovação.
6 - O Manual de Operação e Manutenção apenas pode ser alterado mediante autorização do Concedente, a qual se considera tacitamente concedida se não for recusada, por escrito, no prazo de 20 dias úteis.
[...]
Base LVII - Disciplina de tráfego
1 - A circulação pelas Autoestradas obedece ao disposto no Código da Estrada e nas demais disposições legais ou regulamentares aplicáveis, nomeadamente ao disposto na Lei n.° 24/2007, de 18 de julho, e respectiva regulamentação.
2 - A Concessionária é obrigada, salvo caso de força maior devidamente verificado, que a impeça de cumprir tal obrigação, a assegurar permanentemente, em boas condições de segurança e de comodidade, a circulação nas Autoestradas, sem prejuízo do disposto na Lei n.° 24/2007, de 18 de julho, e respectiva regulamentação.
3 - A Concessionária deve estudar e implementar os mecanismos necessários para garantir a monitorização do tráfego, a deteção de acidentes e a consequente e sistemática informação de alerta ao utente, no âmbito da rede concessionada, em articulação com as ações a levar a cabo na restante rede nacional.
4 - Deve também a Concessionária submeter-se, sem direito a qualquer indemnização, a todas as medidas adotadas pelas autoridades com poderes de disciplina de tráfego, no domínio da respectiva competência, nomeadamente em ocasiões de tráfego excecionalmente intenso, com o fim de obter o melhor aproveitamento para todas as categorias de utentes do conjunto da rede viária.
Base LVIII - Assistência aos utentes
1 - A Concessionária é obrigada a assegurar a assistência aos utentes das Autoestradas, nela se incluindo a vigilância das condições de circulação, nomeadamente no que respeita à sua Fiscalização e à prevenção do acidente.
2 - A assistência a prestar aos utentes nos termos do número anterior consiste no auxílio sanitário e mecânico, devendo a Concessionária instalar para o efeito uma rede de telecomunicações ao longo de todo o traçado das Autoestradas, organizar um serviço destinado a chamar do exterior os meios de socorro sanitário em caso de acidente e promover a prestação de assistência mecânica.
3 - O serviço referido no número anterior funciona nos centros de assistência e manutenção que a Concessionária deve criar, e que compreendem também as instalações necessárias aos serviços de conservação, exploração e policiamento das Autoestradas.
4 - Pela prestação do serviço de assistência a Concessionária pode cobrar aos respectivos utentes taxas cujo montante deve constar do Manual de Operação e Manutenção. (...)
[...]
Base LXXIII - Pela culpa e pelo risco
A Concessionária responde, nos termos da lei geral, por quaisquer prejuízos causados a terceiros no exercício das atividades que constituem o objecto da Concessão, pela culpa ou pelo risco, não sendo assumido pelo Concedente qualquer tipo de responsabilidade neste âmbito” [cf. Alteração às Bases da Concessão Norte aprovada pelo Decreto-Lei n.° 44-E/2010, de 05 de maio] (…)”.

6. No dia 02 de novembro de 2014, cerca das 18h10m, quando chovia e estava nevoeiro, o veículo de matrícula ..-..-SD circulava na A...1 (na via de circulação da esquerda), ao Km 28,700, no sentido .../..., a uma velocidade não inferior a 120 km/h, sem que tivesse efetuado manobra de ultrapassagem ou tivesse sido obrigado a desviar-se para tal via esquerda.

7. Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 6), o veículo de matrícula ..-..-SD era conduzido por BB que, após se ter distraído, fletiu o volante ainda mais à sua esquerda, calcando a linha contínua delimitadora da faixa de rodagem, assim passando por uma caixa de saneamento ali existente, cuja tampa de saneamento soltou-se aquando da passagem do veículo ..-..-SD, o que o fez perder o controlo da viatura, depois enviesado à direita e de seguida à esquerda, perdendo o controlo da viatura, entrando em despiste e embatendo com a sua frente e lateral esquerda no separador central da via (ao km 28,525), tendo capotado a cerca de 25 metros à frente do embate em tal separador central e ficado imobilizado ao km 28,500, da A...1, sentido .../....

8. Após o despiste referido em 7), o veículo de matrícula ..-..-SD ficou imobilizado no local e incapaz de sair dali sem auxílio de reboque [cf. depoimento prestado pelas testemunhas BB, AA e DD].

9. Após a imobilização do veículo de matrícula ..-..-SD, AA (i) parou a sua viatura na berma da direita, (ii) auxiliou a esposa (CC) e os filhos de BB a saírem do veículo de matrícula ..-..-SD e, (iii) chamou o INEM (porque a esposa de BB apresentava ferimentos) e a Guarda Nacional Republicana (GNR) - que compareceu no local do sinistro, tomou as declarações de BB, elaborou a respectiva participação de acidente de viação e comunicou tal circunstancialismo fáctico à Ré [cf. depoimento prestado pelas testemunhas AA e DD; cf. documento (doc.) n.° 5 junto com a petição inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].

10. Da Participação de Acidente de Viação referida em 9) consta o seguinte, a saber:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
...” [cf. documento (doc.) n.° 5 junto com a petição inicial e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido; cf. depoimento prestado pela testemunha DD].

11. Na sequência de ter sido alertado pelo Operador de Central de Comunicações da Ré, o Oficial de Assistência e Vigilância da Ré deslocou-se até ao local referido em 6) e em 7)), tendo ido ao encontro do condutor do veículo de matrícula ..-..-SD [cf. depoimento prestado pela testemunha GG; cf. documentos (docs.) n.° 1 e n.° 5 juntos com a contestação e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].

12. O local do despiste descrito em 7), configurava uma curva à direita, com piso asfaltado em bom estado de conservação que se encontrava molhado pela chuva que caía, sendo aí o limite máximo de velocidade de 90 km/hora [cf. documento (doc.) n.° 1 junto com a contestação e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido; cf. depoimento prestado pelas testemunhas AA e DD; cf. documento (doc.) n.° 5 junto com a petição inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].

13. Em consequência direta e necessária do despiste referido em 7), (a) o veículo automóvel de matrícula ..-..-SD sofreu estragos (mormente, na sua carroçaria, em várias componentes mecânicas e elétricas, etc.) que tornaram a sua reparação inviável, e (b) CC (esposa de BB que era transportada gratuitamente no banco dianteiro direito no veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..- ..-SD) sofreu lesões corporais (mormente, sofreu traumatismo do cotovelo direito, com ferida corto-contusa, tendo de receber imediato tratamento hospitalar) [cf. depoimento prestado pelas testemunhas HH, BB e CC].

14. Em consequência direta e necessária do circunstancialismo fáctico descrito em 7), a Autora - na sequência da apólice referida em 1) e em 2) ter sido acionada - despendeu a quantia total de € 14.050,49 (catorze mil e cinquenta euros e quarenta e nove cêntimos), nos seguintes termos: (a) pagou a BB o montante de € 11.490,00 respeitante ao valor dos danos sofridos pelo veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-SD (que correspondem ao seu valor comercial de € 13.000,00, deduzido dos salvados de € 1.010,00 e da franquia contratual de € 500,00); (b) pagou diretamente aos serviços clínicos contratualizados o valor de € 560,49 respeitante às despesas com consultas, observações médicas, e tratamentos vários (entre eles de fisioterapia (30 sessões)) de CC; e (c) pagou a CC a quantia global de € 2.000,00 (sendo (i) € 127,90, a título de reembolso das despesas em deslocações para tratamentos, (ii) € 47,05, a título de reembolso do custo de medicamentos, (iii) € 275,05, a título de reembolso de despesas em consultas e tratamentos, e (iv) € 1.550,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais (quantum doloris e dano estético)) [cf. depoimento das testemunhas BB, CC, II, JJ, KK, LL, e HH; cf. documentos (docs.) n.° 10 a n.° 22 juntos com a petição inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].

15. Na sequência dos pagamentos referidos em 14), BB e a sua esposa CC declararam, além do mais, sub-rogar a Autora “...nos correspondentes direitos, ações e recursos contra quaisquer outras pessoas, eventualmente responsáveis pelo sinistro... ” [cf. depoimento das testemunhas BB e CC; cf. documentos (docs.) n.° 14 e n.° 22 juntos com a petição inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].

16. Na data referida em 6), ao km 28,625, da A...1, sentido .../..., existia, na berma esquerda e ocupava a totalidade da linha contínua [que dividia (separava) a faixa de rodagem relativamente a tal berma], uma “caixa de saneamento” com 50 cms de diâmetro (com a respectiva tampa colocada), estando o pavimento regular.

17. Até à presente data (mês de outubro de 2021), nunca ocorreu qualquer acidente no local referido em 6) e em 7) nem muito menos com a dinâmica descrita em (i) a (v) [cf. depoimento prestado pela testemunha MM que trabalha para a Ré há cerca de 21 anos e que depôs com conhecimento de causa relativamente a tal factualidade, tendo demonstrado isenção e razão de ciência].

18. Os últimos patrulhamentos realizados pela Ré, antes da ocorrência do sinistro descrito em 6) e em 7), passaram, na A...1, nesse local, cerca das 17h30m/17h35m, não tendo detetado qualquer anomalia ou irregularidade nem na “caixa de saneamento” nem no pavimento adjacente referidos em 16), encontrando-se em bom estado de conservação [cf. depoimento prestado pelas testemunhas GG e MM que, não obstante trabalharem para a Ré, prestaram um depoimento isento, com razão de ciência e sem incongruências - motivo, pelo qual, mereceram credibilidade por parte deste Tribunal. Cf. documentos (docs.) n.° 1 e n.° 5 juntos com a contestação e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].

19. Os patrulhamentos referidos em 18) são efetuados pelos funcionários da Ré, nos termos estipulados no Contrato de Concessão, com passagens de vigilância no mesmo local com o intervalo máximo de 3 (três) horas, durante as 24 horas do dia, em todos os dias de cada ano [cf. Base BV do Decreto-Lei n.° 248-A/99, de 06 de julho, alterado pelo Decreto-Lei n.° 44-E/2010, de 05 de maio; cf. documento (doc.) n.° 4 junto com a contestação e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido; cf. depoimento prestado pela testemunha MM que, não obstante trabalhar para a Ré, prestou um depoimento isento, com razão de ciência e sem incongruências - motivo, pelo qual, mereceu credibilidade por parte deste Tribunal].

20. No momento em que a Ré tem conhecimento de algum factor que possa colocar em risco a segurança e a normal circulação automóvel da A...1 - seja por si própria, seja por informações das autoridades policiais ou até de utentes -, atua de forma imediata e diligente, de modo a manter a segurança dos utentes na circulação da via [cf. depoimento prestado pelas testemunhas GG e MM que, não obstante trabalharem para a Ré, prestaram um depoimento isento, com razão de ciência e sem incongruências - motivo, pelo qual, mereceram credibilidade por parte deste Tribunal].
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IV – DO MÉRITO DO RECURSO
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27. A Autora intentou a presente ação contra a Ré, peticionando o provimento do presente meio processual por forma a ser esta condenada no pagamento da quantia de € 14.050,49, acrescida de juros de mora à taxa legal contados desde a citação até integral pagamento.
28. Fundamentou a sua pretensão, brevitatis causae no direito de indemnização emergente da sub-rogação decorrente do pagamento, ao abrigo da cobertura de danos do contrato de seguro do ramo automóvel, da quantia de € 14.050,49, respeitante à reparação dos danos emergente do acidente de viação ocorrido automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula ..-..-SD pela A..., no sentido ..., no dia 02.11.2014, cuja ocorrência imputa à Ré por violação das obrigações de manutenção, conservação e fiscalização da via, com o particular encargo de manter a plataforma da A...1 em perfeitas condições de circulação, segurança e com sinalização apropriada para os utentes.
29. O T.A.F. de Braga, como sabemos, julgou esta ação improcedente.
30. Fê-lo, sobretudo, por considerar que não resultou ”(…) demonstrada, no caso em apreço, a atuação ilícita e culposa da Ré [(i) Na data do despiste, os últimos patrulhamentos realizados pela Ré, antes da ocorrência do mesmo, passaram, na A...1, nesse local, cerca das 17h30m/17h35m, não tendo detetado qualquer anomalia ou irregularidade nem na “caixa de saneamento” nem no pavimento adjacente, encontrando-se em bom estado de conservação; (ii) A Ré faz patrulhamentos, na A...1, que são efetuados pelos seus funcionários, nos termos estipulados no Contrato de Concessão, com passagens de vigilância no mesmo local com o intervalo máximo de 3 (três) horas, durante as 24 horas do dia, em todos os dias de cada ano; (iii) sempre que a Ré tem conhecimento de qualquer factor que possa colocar em risco a segurança e a normal circulação automóvel da A...1 - seja por si própria, seja por informações das autoridades policiais ou até de utentes -, atua de forma imediata e diligente, de modo a manter a segurança dos utentes na circulação da via; e, (iv) até à presente data (mês de outubro de 2021), nunca ocorreu qualquer acidente no local referido pela Autora nem muito menos com a dinâmica por si alegada e descrita na factualidade supra julgada não provada em (i) a (v) - cf. factualidade supra julgada provada em 17) a 20)] e tendo, ao invés, sido demonstrada a culpa censurável do condutor do veículo de matrícula ..-..-SD que contribuiu exclusivamente para o seu próprio despiste na A...1; a Ré não incorre, de todo, na obrigação de indemnizar a Autora (…)”
31. É sabido que o objeto do presente recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações.
27. Nas suas conclusões, o Recorrente impetra ao juízo decisório firmado pelo TAF de Braga erro de julgamento de direito, por violação das “(…) normas dos artigos 483º, 493º n.º 1, 799.º do Cód. Civil e 12º n.º 1 alínea b) da Lei 24/07, de 18/07 (…)”.
28. Adiante-se, desde já, que, após exame dos argumentos esgrimidos pelos Recorrentes e bem vistos os contornos fácticos da situação trazida a juízo, que o presente recurso irá proceder parcialmente.
29. Explicitemos pormenorizadamente esta nossa convicção, sublinhando, desde já, que, à míngua da submissão da situação caraterizador do sinistro automóvel no leque de hipóteses elencados na Lei nº 24/2007, de 18 de julho, é de aplicar aqui o regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas que tem consagração constitucional no art. 22º e encontra, no âmbito infraconstitucional, regulamentação legislativa no Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado [constante do Anexo à Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, em diante, somente designado por RRCEE].
30. Dispõe o art. 7º, n.º 1 do RRCEE que “(…) o Estado e as demais pessoas coletivas de direito público são exclusivamente responsáveis pelos danos que resultem de ações ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, no exercício da função administrativa e por causa desse exercício (…)”.
31. Os pressupostos de verificação da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas por factos ilícitos têm, assim, uma correspondência com aqueles que encontramos no regime civilista de responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, regulado nos arts. 483º e seguintes do Código Civil.
32. Deste modo, a responsabilidade do Réu pela prática de factos ilícitos, está sujeita à verificação dos seguintes pressupostos: facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano.
33. Estes pressupostos são de verificação cumulativa, incumbindo aos Autores, de acordo com as regras do ónus da prova, invocar e provar os factos constitutivos dos mesmos.
34. Volvendo ao caso recursivo em análise, cabe notar que se mostra provado, de entre outro tecido fáctico, que, no dia 02 de novembro de 2014, cerca das 18h10m, quando chovia e estava nevoeiro, o veículo de matrícula ..-..-SD circulava na A...1 (na via de circulação da esquerda), ao Km 28,700, no sentido .../..., a uma velocidade não inferior a 120 km/h, sem que tivesse efetuado manobra de ultrapassagem ou tivesse sido obrigado a desviar-se para tal via esquerda.
35. Mais cabe notar que se mostra provado que, nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 35), o veículo de matrícula ..-..-SD era conduzido por BB que, após se ter distraído, fletiu o volante ainda mais à sua esquerda, calcando a linha contínua delimitadora da faixa de rodagem, assim passando por uma caixa de saneamento ali existente, cuja tampa de saneamento soltou-se aquando da passagem do veículo ..-..-SD, o que o fez perder o controlo da viatura, depois enviesado à direita e de seguida à esquerda, perdendo o controlo da viatura, entrando em despiste e embatendo com a sua frente e lateral esquerda no separador central da via (ao km 28,525), tendo capotado a cerca de 25 metros à frente do embate em tal separador central e ficado imobilizado ao km 28,500, da A...1, sentido .../....
36. Ora, tal circunstancialismo fáctico é de imputar, desde logo, ao condutor do veículo automóvel de matrícula ..-..-SD, por (i) circular a uma velocidade nunca inferior a 120Km/h - atuação essa objetivamente inadequada e reprovável face às condições do local existentes à data [cfr. ponto 12) do probatório] -, e, bem assim, (ii) por ter circulado sobre a linha contínua delimitadora da faixa de rodagem, em clara contravenção do regime legal preconizado no Código Estradal.
37. Mas também é de imputar à entidade com o particular encargo de manter a plataforma da A...1 em perfeitas condições de circulação, segurança e com sinalização apropriada para os utentes, ou seja, à Ré.
38. Com efeito, resultando apurado que a tampa de saneamento não estava devidamente afixada na caixa de saneamento, verifica-se com toda a evidência a violação do dever objectivo de cuidado.
39. O facto dos serviços da Ré terem procedido à instalação da referida tampa de saneamento, deixando-a instalada daquela forma, isto é, sem condições seguras de adesão à caixa de saneamento aquando da passagem de veículos automóveis, levava-a a poder prever o acidente em causa, assim como qualquer outro em idênticas condições.
40. Só uma desatenção por parte dos serviços da Ré perante a incorreta e deficiente instalação da referida tampa de saneamento e as suas obrigações técnicas e legais levou a que estes não tivessem previsto a ocorrência de acidentes no local e è eventual necessidade de colocação de sinalização adequada ao obstáculo que criaram na via de trânsito em causa – já referia ANTUNES VARELA que “perigo eminente exige atenção redobrada” [in “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 7ª edição, Almedina, 1993, pág. 566].
41. Por conseguinte, tal violação das regras técnicas e omissão dos deveres legais não pode deixar de se qualificar como negligentes e exclusivamente imputáveis à Ré.
42. Por esse motivo, entende este Tribunal Superior ter também ficado demonstrada nos autos a omissão culposa dos deveres de fiscalização, manutenção e conservação daquela tampa de saneamento por parte da Ré a esta exclusivamente imputável, pois que não pode deixar de se considerar que tal omissão não é, em abstrato, indiferente à produção de um acidente.
43. A culpa apurada, portanto, é do tipo efectiva e não presumida, situação que tem um verdadeiro efeito de implosão em relação à necessidade de apuramento da eventual elisão da presunção de culpa.
44. Temos, assim, que o acidente dos autos é, assim, de imputar, quer ao A. quer à R., autores de contravenções causais do sinistro.
45. Estamos, portanto, perante uma situação típica de concorrência de culpas subjacente no artigo 570º do Código Civil.
46. Tendo em consideração o peso relativo de cada dos comportamentos supra descritos, entende-se como razoável concluir que cada um deles contribuiu para o sinistro em percentagens iguais [50%].
47. Nesta medida, e definido que está o sinistro e estabelecido o nexo de imputação com a conduta do R., realiza-se a previsão do art. 7º, nº. 1 da Lei nº. 67/2007, de 31.12, impondo-se agora extrair a correspetiva consequência legal, ou seja, apurar os danos resultantes da violação e determinar a medida da correspondente obrigação de indemnizar que impende sobre o lesante.
48. Constitui princípio geral do nosso direito positivo, consagrado no artigo 562° do Código Civil que a obrigação de indemnizar se oriente no sentido da reconstituição da situação que existiria na esfera do lesado se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação [teoria da diferença].
49. Mas, determinar os danos decorrentes do facto em causa implica uma operação mental tendente a estabelecer o nexo de causalidade entre os danos verificados e a lesão sofrida, a qual se deverá nortear pelo critério da causalidade adequada, subjacente ao artigo 563.° do Código Civil, de acordo com o qual, “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.
50. À luz desse critério, só serão de considerar os danos que, cumulativamente, constituam efeito natural, necessário da lesão e consequência normal da mesma, desencadeada por um processo factual típico, dentro das regras da experiência comum.
51. A este propósito, importa ter em conta a factualidade dada como provada e supra descrita nos pontos 1), 2), 7), 13), 14), 15) do probatório coligido nos autos, da qual resulta que:
(i) A empresa “SEGURADORAS UNIDAS, S.A.” (actualmente, denominada “G..., S.A.”), ora Autora, dedica-se à atividade de seguradora; tendo celebrado, no âmbito da sua atividade, com BB, um contrato de seguro do ramo automóvel, titulado pela apólice n.° ...14, nos termos do qual, segurou a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula ..-..-SD, de marca Audi, modelo Allroad Quattro 2.5 TDI [propriedade do tomador do seguro], bem como, os danos próprios sofridos pelo mesmo em virtude de choque, colisão, ou capotamento (sendo que o capital da cobertura pelo “choque, colisão e capotamento” constante da apólice era de € ...00, ...0 e a respectiva franquia de € 500,00).
(ii) No âmbito da apólice referida em (i), foi subscrita a cobertura de “Proteção dos Ocupantes e Condutor”, que incluía as sub-coberturas de despesas de tratamento de ocupantes e a de “Morte ou Invalidez Permanente” do condutor e ocupantes (sendo que o capital da cobertura pelas “despesas de tratamento dos ocupantes” prevista na apólice era de € ...00, ...0, ao passo que o capital da cobertura de “Morte ou Invalidez Permanente” era de € 25.000,00).
(iii) No dia 02 de novembro de 2014, cerca das 18h10m, o veículo de matrícula ..-..-SD era conduzido por BB que, após se ter distraído, fletiu o volante ainda mais à sua esquerda, calcando a linha contínua delimitadora da faixa de rodagem, assim passando por uma caixa de saneamento ali existente, cuja tampa de saneamento soltou-se aquando da passagem do veículo ..-..-SD, o que o fez perder o controlo da viatura, depois enviesado à direita e de seguida à esquerda, perdendo o controlo da viatura, entrando em despiste e embatendo com a sua frente e lateral esquerda no separador central da via (ao km 28,525), tendo capotado a cerca de 25 metros à frente do embate em tal separador central e ficado imobilizado ao km 28,500, da A...1, sentido .../....
(iv) Em consequência direta e necessária do despiste referido em (iii), (a) o veículo automóvel de matrícula ..-..-SD sofreu estragos (mormente, na sua carroçaria, em várias componentes mecânicas e elétricas, etc.) que tornaram a sua reparação inviável, e (b) CC (esposa de BB que era transportada gratuitamente no banco dianteiro direito no veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..- ..-SD) sofreu lesões corporais (mormente, sofreu traumatismo do cotovelo direito, com ferida corto-contusa, tendo de receber imediato tratamento hospitalar).
(v) Em consequência direta e necessária do circunstancialismo fáctico descrito em (iii), a Autora - na sequência da apólice referida em (i) e em (ii) ter sido acionada - despendeu a quantia total de € 14.050,49 (catorze mil e cinquenta euros e quarenta e nove cêntimos), nos seguintes termos: (a) pagou a BB o montante de € 11.490,00 respeitante ao valor dos danos sofridos pelo veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-SD (que correspondem ao seu valor comercial de € 13.000,00, deduzido dos salvados de € 1.010,00 e da franquia contratual de € 500,00); (b) pagou diretamente aos serviços clínicos contratualizados o valor de € 560,49 respeitante às despesas com consultas, observações médicas, e tratamentos vários (entre eles de fisioterapia (30 sessões)) de CC; e (c) pagou a CC a quantia global de € 2.000,00 (sendo (i) € 127,90, a título de reembolso das despesas em deslocações para tratamentos, (ii) € 47,05, a título de reembolso do custo de medicamentos, (iii) € 275,05, a título de reembolso de despesas em consultas e tratamentos, e (iv) € 1.550,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais (quantum doloris e dano estético)).
(vi) Na sequência dos pagamentos referidos em (v), BB e a sua esposa CC declararam, além do mais, sub-rogar a Autora “...nos correspondentes direitos, ações e recursos contra quaisquer outras pessoas, eventualmente responsáveis pelo sinistro. .. ”.
52. Conforme emerge grandemente do que se vem de expor, a Autora, no cumprimento das obrigações emergentes do contrato de seguro do ramo automóvel, procedeu ao pagamento dos danos emergentes do sinistro automóvel até ao montante de € 14.050,49€, valor pelo qual ficou legalmente sub-rogada, assistindo-lhe, por isso, o direito de reclamar o pagamento da mesma.
53. Atenta, porém, a concorrência de culpas entre os intervenientes no acidente e considerado que aquela é igualmente repartida, ao abrigo do estatuído pelo artigo 570º do C.C. decide-se pela redução a 50% daquela indemnização, isto é, pelo valor de € 7.025,25.
54. Deste modo, não tendo sido este o caminho trilhado na sentença recorrida, é mandatório concluir que esta não fez correta subsunção do tecido fáctico apurado nos autos ao bloco legal e jurisprudencial aplicável, sendo, portanto, merecedora da censura que a Recorrente lhe dirige.
55. Mercê de tudo o quanto ficou exposto, deverá ser concedido parcial provimento ao presente recurso jurisdicional, revogada a sentença recorrida, e julgada parcialmente procedente a presente ação, condenando-se a Ré a pagar à Autora a quantia de € 7.025,25, ao que acrescem juros de mora vencidos desde a citação, nos termos do estatuído nos art.º s 804.º, 805.º, n.º s 1 e 3, e 806.º, todos do Código Civil.
56. Ao que se provirá em sede de dispositivo.
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V – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em CONCEDER PARCIAL PROVIMENTO ao presente recurso, revogada a sentença recorrida, e julgada parcialmente procedente a presente ação, condenando-se a Ré a pagar aos Autores a quantia de € 7.025,25, ao que acrescem juros de mora vencidos desde a citação, nos termos do estatuído nos art.º s 804.º, 805.º, n.º s 1 e 3, e 806.º, todos do Código Civil.
Custas a cargo da Recorrente e Recorrida, na proporção do decaimento.
Registe e Notifique-se.
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Porto, 10 de fevereiro de 2023,

Ricardo de Oliveira e Sousa
Rogério Martins
Luís Migueis Garcia