Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00850/06.4BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/18/2014
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Pedro Vergueiro
Descritores:OPOSIÇÃO
NOTIFICAÇÃO POSTAL
CARTA REGISTADA
FORMALIDADE AD PROBATIONEM
ÓNUS DA PROVA
REGISTO INFORMÁTICO
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
DÉFICE INSTRUTÓRIO
Sumário:I) É a administração tributária que tem o ónus de demonstrar que efectuou a notificação de forma correcta, cumprindo os requisitos formalmente exigidos pelas normas procedimentais.
II) O «recibo de aceitação» e o «recibo de entrega» da carta registada pelos serviços postais, previstos nos n°s 2 e 4 do artigo 28° do Regulamento do Serviço Público de Correios são documentos idóneos para provar que a carta foi registada, remetida e colocada ao alcance do destinatário.
III) - Trata-se, porém, de uma formalidade simplesmente probatória ou «ad probationem», cuja falta pode ser substituída por outros meios de prova.
IV) - O registo informático dos mesmos dados de facto existente em entidades diferentes, o emissor (Administração Tributária) e o distribuidor da carta (CTT), é uma circunstância concreta que, num sistema de livre apreciação das provas, ainda que limitado pelo principio da persuasão racional, justifica suficientemente que se dê como provado que o registo foi efectivamente realizado.
V) Com este pano de fundo, tal discussão apenas pode ter sentido útil na presença de tais elementos, de modo que, se o presente processo não exibe qualquer matéria relacionada com o site dos CTT, mas constam dos autos todo o conjunto de elementos vertidos nas informações da AT, sendo ponto assente que as liquidações foram remetidas para a morada da devedora originária através dos registos apontados, constando também agora dos autos cópia das guias de expedição de Registos, o que significa que tem de entender-se que a matéria relacionada com a sorte dos registos postais descritos nos autos e bem assim a correspondência entre as liquidações descritas e os correspondentes registos não está suficientemente esclarecida quer em relação ao alcance que a decisão recorrida lhe confere quer no que diz respeito à pertinência da crítica formulada pela Recorrente neste âmbito.
VI) Nestas condições, cabe concluir encontrar-se o julgamento da matéria de facto, inscrito na sentença, inquinado por défice instrutório, porquanto existe a possibilidade séria de a produção da prova em falta implicar o estabelecimento de outro, sobretudo, mais alargado cenário factual, capaz de, pela sua amplitude, esclarecer melhor todos os acontecimentos, com repercussão no sentido da decisão do mérito da causa e no âmbito dos poderes consignados nos art. 13º do CPPT e 99º da LGT competia ao Juiz realizar as diligências para apuramento da situação concreta e só após isso conhecer da oposição. Não o tendo feito, verifica-se insuficiência de instrução determinante de anulação da decisão tal como se prevê no art. 712 do CPC (actual art. 662º).*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:G...
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública, devidamente identificada nos autos, inconformada veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 26-06-2014, que julgou procedente a pretensão deduzida por G... na presente instância de OPOSIÇÃO com referência à execução fiscal nº 3468200501063049 instaurada pelo Serviço de Finanças de Gondomar 2 para cobrança coerciva da quantia de € 26.016,02 (vinte e seis mil e dezasseis euros e dois cêntimos) referente a IRS de 2001.

Formulou as respectivas alegações (cfr. fls. 218-224 ), nas quais enuncia as seguintes conclusões:
“(…)
A. Vem o recurso interposto da sentença proferida em 2014/06/26, que julgou procedente a oposição deduzida no processo de execução fiscal n.º 3468200501063049, para cobrança coerciva de uma dívida de IRS do ano de 2001, no montante global de € 26.016,02 (quantia exequenda), por considerar que a Fazenda Pública não logrou provar a notificação ao oponente da liquidação subjacente à dívida exequenda.
B. Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente decidido, porquanto considera existir erro de julgamento, por incorreta avaliação da prova documentalmente produzida pela AT e pela violação do principio do inquisitório e da investigação plasmado nos artigos 99º n.º 1 da LGT, 13º n.º 1 do CPPT e 436.º do Código de Processo Civil.
C. Considerou o Tribunal a quo que a AT não demonstrou a existência da notificação da liquidação do IRS de 2001, dado que dos autos apenas constam prints informáticos da AT, que não têm a virtualidade de comprovar a notificação, julgando, consequentemente, a oposição procedente.
D. Todavia, e ao contrário do decidido, entende a Fazenda Pública, com a ressalva pelo devido respeito, que a AT logrou carrear para os autos acervo documental bastante para evidenciar o envio sob registo da notificação dos documentos relativos à liquidação subjacente à dívida exequenda, mediante prova proveniente das aplicações informáticas “Gestão de fluxos financeiros”, que indicam expressamente que os documentos relativos à liquidação adicional de IRS do ano de 2001, foram levados ao conhecimento do contribuinte por cartas remetidas sob registo com o números dos CTT, RY317496525PT (liquidação), RY317534648PT (juros) e RY317267791PT (nota de compensação).
E. Sendo certo que, caso assim não entendesse, teria o Tribunal ao seu dispor o poder-dever de requisitar novos documentos, realizando e promovendo as diligências ou atos úteis ao apuramento da verdade (em face da prova levada ao autos pela AT - prints informáticos), que complementariam os já existentes.
F. Este poder-dever do Tribunal a quo está devidamente assumido quer pela jurisprudência, bastando para o efeito observar os Acórdãos acima citados (T.C.A. Sul, de 6/11/2012 – Proc. 05529/12 e TCA Norte, de 13/03/2014 – Proc. 176/10 e de 2014/06/12, proc. 01369/10), quer pela doutrina, conforme o entendimento vertido nas obras acima referidas dos autores José Lebre de Freitas e José Lopes de Sousa.
G. Resulta dos autos, que o Tribunal a quo perante a prova oferecida pela AT, sobre a demonstração de que a notificação foi efetuada, antes de decidir pela sua insuficiência e afastar a presunção de que as mesmas haviam sido recebidas – arts. 38.º, n.º 3 e 39.º, n.º 1 e 2 do CPPT, teria que proceder a diligências adicionais (em abono do princípio da descoberta da verdade material e em respeito ao princípio do inquisitório) e só depois proceder à sua valoração (manifestando a sua posição mediante a qualificação deste facto como provado ou não provado).
H. Pelo exposto, violou a sentença recorrida o disposto no n.º 1 do artigo 99.º da LGT, n.º 1 do artigo 13.º do CPPT e, ainda, o disposto nos artigos 411.º e 436.º, ambos do CPC, o que se traduziu a final por um défice instrutório, com repercussão no sentido da decisão do mérito da causa o que, nos termos da aliena c) do n.º 2 do atual artigo 662.º do CPC implica anulação da sentença recorrida.
Termos em que,
deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, com as devidas consequências legais.

O recorrido G... apresentou contra-alegações, nas quais enuncia as seguintes conclusões:
“(…)
1. Apesar de, no processo tributário, vigorar o princípio do inquisitório, com vista ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhe seja lícito conhecer, o juiz não tem que se substituir às partes a quem compete provar os factos constitutivos do direito alegado.
2. Assim, era à Fazenda Pública que competia juntar aos autos os originais dos CTT comprovativos dos registos efectuados das notificações bem como os respectivos avisos de recepção, o que esta não fez, e que nem sequer constam do processo de execução, como é obrigatório, já que se trata de formalidades essenciais.
3. Por outro lado, durante mais de 8 anos, a Autoridade Tributária nunca solicitou ao Mº juiz a quo que indagasse junto dos CTT o ocorrido com os alegados registos.
4. Pelo que, salvo o devido respeito por melhor opinião, não pode vir agora, alegar tal facto, a que deu causa, não colaborando com a justiça para a descoberta da verdade já que tais documentos deveriam estar na sua posse, nem solicitando através do tribunal a investigação do sucedido, querer anular a sentença sub judice já que seria um verdadeiro abuso de direito na modalidade do venire contra factum proprium, face aos princípios da eficácia e da racionalidade do processo tributário
5. Pois, o ónus de demonstrar a correcta efectivação da notificação, cabe à Fazenda Pública (cfr.ac.T.C.A.Sul, 17/5/2011, proc.4631/11; ac.T.C.A.Sul, 2/10/2012, proc.5673/12; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P. Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.382; João António Valente Torrão, C.P.P.Tributário anotado e comentado, Almedina, 2005, pág.202 e seg.).
6. O «recibo de aceitação» e o «recibo de entrega» da carta registada pelos serviços postais, previstos nos n°s 2 e 4 do artigo 28° do Regulamento do Serviço Público de Correios são documentos idóneos para provar que a carta foi registada, remetida e colocada ao alcance do destinatário.
7. Neste caso, o registo da carta liberta a Administração Tributária do ónus de provar que a mesma ficou em condições de ser recebida pelo destinatário em três dias, sendo sobre este que incide o ónus de provar que, na situação concreta, a recebeu posteriormente ou que nunca a recebeu (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 2/3/2011, rec.967/10; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 16/5/2012, rec.1181/11).
8. Acresce que, a notificação poderá eventualmente ter sido enviada e recepcionada pela ex-mulher do Oponente que nunca lha comunicou, já que estavam separados de facto e a dívida relaciona-se com a venda de um bem próprio da mesma, na qual o Oponente não participou nem teve conhecimento.
9. Motivo pelo qual a ex-mulher do Oponente assumiu a responsabilidade total pela divida exequenda, no processo de divórcio, conforme documento junto aos autos.
TERMOS EM QUE deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente por não provado, mantendo-se a decisão recorrida, fazendo-se assim JUSTIÇA.”

O Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se pela procedência do presente recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a questão suscitada resume-se, em suma, em analisar, no caso concreto, da notificação ou não ao oponente da liquidação subjacente à dívida exequenda.
3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
A. O processo de execução fiscal nº 3468200501063049 foi instaurado a 16 de Dezembro de 2005 pelo Serviço de Finanças de Gondomar 2 para cobrança coerciva da quantia de € 26.016,02 (vinte e seis mil e dezasseis euros e dois cêntimos) referente a IRS de 2001 contra o Oponente e I…– cfr. fls. 31;
B. A 15 de Março de 2001 foi celebrada escritura pública designada de “Compra e Venda” a qual se considera aqui integralmente reproduzida – cfr. fls. 14 a 17;
C. A 01 de Setembro de 2000, o oponente emitiu procuração a favor e I…, procuração essa que se considera aqui integralmente reproduzida – cfr. fls. 19;
D. Por carta com registo nº RO515493314PT enviada a 30 de Janeiro de 2006, e cujo aviso de recepção foi assinado a 31 de Janeiro de 2006, foi o Oponente citado – cfr. fls. 46 e 47;
E. O oponente casou catolicamente com I… a 12 de Setembro de 1976, o qual foi dissolvido por divórcio decretado por sentença a 14 de Fevereiro de 2008 – cfr. certidão de fls. 165 e 166;
F. A dívida exequenda referida em A), resulta da emissão de liquidação de IRS para o ano de 2001, liquidação nº 2005 5004289791;
G. Os presentes autos deram entrada a 01 de Março de 2006 – cfr. fls. 2
Factos não provados
Dos demais factos alegados, nenhuns mais têm interesse para a boa decisão da causa.
Motivação da decisão de facto
A decisão da matéria de facto, consonante ao que acima ficou exposto, efectuou-se com base unicamente nos documentos e informações constantes do processo, mostrando-se inútil a prova testemunhal realizada atento os fundamentos invocados - falta de notificação, caducidade e prescrição.”
Ao abrigo do disposto no art. 712º nº 1 al. a) do C. Proc. Civil (actual art. 662), adita-se ao probatório o seguinte:
H. Na aplicação informática “Gestão de fluxos financeiros”, que consta de fls. 77 são apontados os seguintes elementos:
Consultar Notas de Cobrança - Demonstração de Compensação
Contribuinte A: 1… I…
Contribuinte B: 1…G...
Identificação da Nota: 2005 1194224
Situação da Nota: Activa/Emitida Data de Emissão: 2005-10-20
Data da Situação da Nota: 2005-10-22 Valor Emitido: 26.016,02
Período de Tributação: 2001-01-01 a 2001-12-31 Valor Anulado: 0,00
Tipo de Imposto: IRS Valor Regularizado: 0,00
Identificação da Compensação: 2005 12687522 Valor em Dívida: 26.016,02
Data da Compensação: 2005-10-20
Data Limite de Pagamento: 2005-11-28 Data de Registo: 2005-10-26
Natureza dos Valores
Natureza Valor Emitido Valor Anulado Valor Regularizado Valor em Dívida
Imposto 22.358,33 0,00 0,00 22.358,33
Juros Compensatórios 3.657,69 0,00 0,00 3.657,69
Movimentos de Compensação
Período de Data de Data
Imposto Tributação Movimento Valor Descrição Valor Saldo
2001-01-01 a 2005-10-20 2005-10 Total de acerto de liquidação sem juros - 21.343,75
IRS 2001-12-31 20 Liquidação 2005 5004289791
2001-01-01 a 2005-10-20 2005-10 Juros Compensatórios – Liquidação 2005 -3.657,69
IRS 2001-12-31 20 2341898
2001-01-01 a 2005-10-20 2005-10 Estorno - Liquidação 2002 5002263801 -1.014,58
IRS 2001-12-31 20
26.016,02
Total: -26.016,02
(fls. 77 dos autos).
I. Na aplicação informática “Gestão de fluxos financeiros”, que consta de fls. 78 são apontados os seguintes elementos:
Dados de Emissão
Contribuinte A: 1…I…
Contribuinte B: 1…G...
Identificação da Nota: 2005 1194224
… Nova Data
Nº Data Data Ref. Limite Linha
Documento Tipo Emissão Registo Registo Pagamento Tipo Assinatura Pagamento Óptica
D. 2005-10 RY317267791PT 2005-10 104 105 001 CTT sem aviso -
2005 Compensação 20 26 194 224
1194224 - Nota
D. Liquidação 2005-10 RY317496525PT 2005-10 CTT 2005-10-27 2005-11-26 -
2005 - Sem Doc. 20 26 RF0R524
12687522 Cobrança
2005-10 RY317534648PT 2005-11 CTT sem aviso -
2005 D. Liquidação 20 02
12687522 de Juros
(fls. 78 dos autos).
«»
3.2. DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, então, antes de mais, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal, está cometida a tarefa de analisar, no caso concreto, da notificação ou não ao oponente da liquidação subjacente à dívida exequenda.
Na sentença recorrida, a pretensão do ora Recorrido colheu abrigo, apontando-se, além do mais, que:
“…
Nos presentes autos está em causa a liquidação oficiosa de IRS, a qual, alega a Fazenda Pública foi remetida por carta registada.
Porém, nos autos, não resulta demonstrado ter sido efectuada ao oponente qualquer notificação da liquidação subjacente à dívida exequenda, já que os documentos juntos - prints dos Serviços de Finanças a fls. 77 a 80 - não têm a virtualidade de comprovar a notificação.
E, como o oponente sustenta não ter recebido qualquer notificação para pagamento voluntário de tal liquidação, o ónus da prova de que a notificação (interpelação) havia sido efectuada e, bem assim, de que o oponente havia recebido a carta, incumbia à Fazenda Pública, o que não logrou efectuar.
Concluindo, não tendo a Fazenda Pública logrado provar ter o oponente sido notificado da liquidação subjacente à execução referente a IRS do ano de 2001, não se verifica a falta de cumprimento voluntário da obrigação, pelo que a dívida nos autos não lhe é exigível. …”.

Nas suas alegações, a Recorrente defende que, ao contrário do decidido, a AT logrou carrear para os autos acervo documental bastante para evidenciar o envio sob registo da notificação dos documentos relativos à liquidação subjacente à dívida exequenda, mediante prova proveniente das aplicações informáticas “Gestão de fluxos financeiros”, que indicam expressamente que os documentos relativos à liquidação adicional de IRS do ano de 2001, foram levados ao conhecimento do contribuinte por cartas remetidas sob registo com o números dos CTT, RY317496525PT (liquidação), RY317534648PT (juros) e RY317267791PT (nota de compensação), sendo certo que, caso assim não entendesse, teria o Tribunal ao seu dispor o poder-dever de requisitar novos documentos, realizando e promovendo as diligências ou actos úteis ao apuramento da verdade (em face da prova levada ao autos pela AT - prints informáticos), que complementariam os já existentes, poder-dever este do Tribunal a quo que está devidamente assumido quer pela jurisprudência, bastando para o efeito observar os Acórdãos acima citados (T.C.A. Sul, de 6/11/2012 – Proc. 05529/12 e TCA Norte, de 13/03/2014 – Proc. 176/10 e de 2014/06/12, proc. 01369/10), quer pela doutrina, conforme o entendimento vertido nas obras acima referidas dos autores José Lebre de Freitas e José Lopes de Sousa, de modo que, resultando dos autos, que o Tribunal a quo perante a prova oferecida pela AT, sobre a demonstração de que a notificação foi efectuada, antes de decidir pela sua insuficiência e afastar a presunção de que as mesmas haviam sido recebidas – arts. 38.º, n.º 3 e 39.º, n.º 1 e 2 do CPPT, teria que proceder a diligências adicionais (em abono do princípio da descoberta da verdade material e em respeito ao princípio do inquisitório) e só depois proceder à sua valoração (manifestando a sua posição mediante a qualificação deste facto como provado ou não provado), o que significa que a sentença recorrida violou o disposto no n.º 1 do artigo 99.º da LGT, n.º 1 do artigo 13.º do CPPT e, ainda, o disposto nos artigos 411.º e 436.º, ambos do CPC, o que se traduziu a final por um défice instrutório, com repercussão no sentido da decisão do mérito da causa o que, nos termos da aliena c) do n.º 2 do actual artigo 662.º do CPC implica anulação da sentença recorrida.
Que dizer?
Nesta matéria, e com referência à matéria do probatório, é possível aponta que:
H. Na aplicação informática “Gestão de fluxos financeiros”, que consta de fls. 77 são apontados os seguintes elementos:
Consultar Notas de Cobrança - Demonstração de Compensação
Contribuinte A: 1…I…
Contribuinte B: 1…G...
Identificação da Nota: 2005 1194224
Situação da Nota: Activa/Emitida Data de Emissão: 2005-10-20
Data da Situação da Nota: 2005-10-22 Valor Emitido: 26.016,02
Período de Tributação: 2001-01-01 a 2001-12-31 Valor Anulado: 0,00
Tipo de Imposto: IRS Valor Regularizado: 0,00
Identificação da Compensação: 2005 12687522 Valor em Dívida: 26.016,02
Data da Compensação: 2005-10-20
Data Limite de Pagamento: 2005-11-28 Data de Registo: 2005-10-26
Natureza dos Valores
Natureza Valor Emitido Valor Anulado Valor Regularizado Valor em Dívida
Imposto 22.358,33 0,00 0,00 22.358,33
Juros Compensatórios 3.657,69 0,00 0,00 3.657,69
Movimentos de Compensação
Período de Data de Data
Imposto Tributação Movimento Valor Descrição Valor Saldo
2001-01-01 a 2005-10-20 2005-10 Total de acerto de liquidação sem juros - 21.343,75
IRS 2001-12-31 20 Liquidação 2005 5004289791
2001-01-01 a 2005-10-20 2005-10 Juros Compensatórios – Liquidação 2005 -3.657,69
IRS 2001-12-31 20 2341898
2001-01-01 a 2005-10-20 2005-10 Estorno - Liquidação 2002 5002263801 -1.014,58
IRS 2001-12-31 20
26.016,02
Total: -26.016,02
(fls. 77 dos autos).
I. Na aplicação informática “Gestão de fluxos financeiros”, que consta de fls. 78 são apontados os seguintes elementos:
Dados de Emissão
Contribuinte A: 1…I…
Contribuinte B: 1…G...
Identificação da Nota: 2005 1194224
… Nova Data
Nº Data Data Ref. Limite Linha
Documento Tipo Emissão Registo Registo Pagamento Tipo Assinatura Pagamento Óptica
D. 2005-10 RY317267791PT 2005-10 104 105 001 CTT sem aviso -
2005 Compensação 20 26 194 224
1194224 - Nota
D. Liquidação 2005-10 RY317496525PT 2005-10 CTT 2005-10-27 2005-11-26 -
2005 - Sem Doc. 20 26 RF0R524
12687522 Cobrança
2005-10 RY317534648PT 2005-11 CTT sem aviso -
2005 D. Liquidação 20 02
12687522 de Juros
(fls. 78 dos autos).
Neste domínio, cabe ter presente o exposto no Ac. do T.C.A. Sul de 10-07-2012, Proc. nº 05672-12 Em que o Relator neste processo é o mesmo, ao que se crê ainda inédito, onde se apontou que:
“…
Sobre a matéria essencial que envolve os autos, crê-se pertinente aludir ao recente Ac. do S.T.A. de 16-05-2012, Proc. nº 01181/11, www.dgsi.pt, que analisa todo o percurso relativo à matéria que também interessa para estes autos, onde se aponta que:
“A questão jurídica a resolver consiste, pois, em determinar se o registo postal da carta que contém a notificação do imposto apenas pode ser provado pelo recibo emitido e entregue ao remetente pelos CTT ou também pode ser demonstrado por outros meios de prova, designadamente os registos informáticos da emissão, distribuição e entrega daquela correspondência existentes nos respectivos serviços.
Tem-se presente que a notificação é um acto independente e com vida própria relativamente ao acto a notificar. Todo o acto tributário necessita de ser notificado para produzir plenos efeitos na esfera jurídica do destinatário, erigindo-se a notificação em corolário da eficácia do acto (cfr. nº 6 do art. 77° da LGT e nº 1 do art. 36º do CPPT). O acto que se notifica deve cumprir determinados requisitos legais para ser válido, mas esses requisitos não dão eficácia ao acto notificado. A eficácia produz-se mediante a notificação, através da qual se dá a conhecer aos interessados os actos que os afectam. A separação nítida entre acto notificado – o que deve cumprir os requisitos de legalidade para ser válido – e acto de notificação, o veículo que dá a conhecer o acto notificado, significa que ambos tomam caminhos jurídicos diversos quanto à sua configuração e respectivo regime jurídico.
Deste modo, podemos assinalar às notificações tributárias algumas características básicas que as distinguem no universo dos demais actos jurídicos: (1) é um acto independente do acto que notifica, ainda que praticado em função dele; (ii) é um acto externo de comunicação, uma vez que põe em relação a administração tributária com o contribuinte; (iii) é um acto expresso, com destinatário perfeitamente individualizado; (iv) é um acto de trâmite, mas que se efectua no âmbito de um (sub)procedimento autónomo; (v) é um acto documental, uma vez que se realiza de forma a colocar o acto tributário na esfera de perceptibilidade do seu destinatário; (vi) é um acto regulado por normas de procedimento, que fixam os requisitos formais da sua produção; (vii) e é um acto que se produz de modo oficial e oficioso.
O facto da notificação corresponder ao exercício de uma actividade documentada, em virtude da qual se comunica oficiosamente ao interessado um determinado acto tributário e que lhe dá a eficácia desejada, tem como consequência que a prova da sua existência pertence à Administração. É a administração tributária quem toma a iniciativa de dirigir a notificação ao contribuinte e por isso é ela quem tem o ónus de demonstrar que o fez de forma correcta, cumprindo os requisitos formalmente exigidos pelas normas procedimentais.
No caso dos autos, a notificação respeita a liquidações adicionais do IVA apuradas na sequência de inspecção tributária, onde a recorrente exerceu o direito de audição. O artigo 92º do CIVA estabelece que a notificação dessas liquidações é feita nos termos do CPPT. Por sua vez, o nº 3 do artigo 38º do CPPT prescreve que as liquidações que resultem de «correcção à matéria tributável que tenha sido objecto de notificação para efeitos do direito de audição, são efectuadas por carta registada».
O procedimento de notificação por carta registada, regulado nos artigos 35º a 39º do CPPT e no artigo 28º do Regulamento do Serviço Público de Correios (RSPC), aprovado pelo DL nº 176/88 de 18/5, compreende os seguintes actos: (i) a emissão de uma carta, que incorpora a notificação do acto tributário, com a respectiva fundamentação (ii) o registo nos serviços postais, através da apresentação da carta em mão, mediante recibo; (iii) e a entrega no domicílio fiscal do respectivo destinatário, comprovada por recibo.
Em princípio, do ponto de vista formal, estes actos colocam a informação ao alcance do sujeito passivo, fazendo depender o respectivo conhecimento exclusivamente da sua vontade.
O «recibo de aceitação» e o «recibo de entrega» da carta registada pelos serviços postais, previstos nos nºs 2 e 4 do artigo 28º do Regulamento do Serviço Público de Correios são documentos idóneos para provar que a carta foi remetida e colocada ao alcance do destinatário. Para a administração tributária é suficiente exibir o recibo da apresentação em mão da carta expedida sob registo, pois, não tendo sido devolvida a carta, o nº 1 do artigo 39º do CPPT presume que a notificação se efectuou no 3º dia posterior ao registo. Porque a comunicação é efectuada através dos serviços postais, que podem levar algum tempo a colocar a carta em condições do destinatário ter possibilidade de conhecer a sua existência, através de uma regra de experiência (id quod plerumque accidit), a lei presume que a comunicação postal demora três dias posteriores ao registo, que se transfere para o 1º dia útil, se o último dia não for dia útil.
Deste modo, o registo da carta faz presumir que o seu destinatário provavelmente a receberá, ou terá condições de a receber, três dias após a data registo. Trata-se pois de uma presunção legal destinada a facilitar à administração tributária a prova de que a notificação foi introduzida na esfera de cognoscibilidade do notificando. Mas a «presunção» que tem por base o registo postal, não existe se o registo não for feito.
No caso concreto, a recorrida Fazenda Pública não juntou aos autos o recibo da expedição da carta sob registo. Perante essa omissão, a recorrente conclui que não está provado o dia em que foi efectuado o registo postal da notificação, o que é impeditivo do funcionamento da presunção do nº 1 do artigo 39º do CPPT. A tese da recorrente parece ser no sentido de que o recibo de apresentação da carta é único meio de prova de que a mesma foi expedida sob registo, não admitindo que os “prints internos” da administração fiscal e dos CTT sejam documentos idóneos para provar que o registo foi feito.
Não se dúvida que o recibo da apresentação da carta nos serviços de correio é de grande importância probatória do registo postal e por isso mesmo pode questionar-se se o recibo tem preponderância absoluta como meio de prova ou se é possível prová-lo por outros meios.
O registo postal, com ou sem aviso de recepção, apenas se justifica por uma questão de segurança probatória. É uma formalidade que a lei prevê para melhor garantir a certeza jurídica da cognoscibilidade do acto notificado, evitando o risco de se invocar a falta de notificação. E resulta claramente do artigo 28º do RSPC que a finalidade tida em vista ao se exigir o recibo foi apenas a de obter prova segura acerca do registo e não qualquer outra finalidade. Assim sendo, e aplicando o critério do nº 2 do artigo 364º do Código Civil, deve considerar-se o recibo do registo da carta como uma formalidade simplesmente probatória ou «ad probationem», cuja falta pode ser substituída por outros meios de prova. …
Do confronto entre os dois registos pode concluir-se, com elevado grau de probabilidade, que as notificações das liquidações foram remetidas à recorrente através de registo postal. A circunstância de constar nos registos informáticos de entidades diferentes os mesmos números de registo das notificações, a mesma indicação de que foi conseguida a entrega das cartas e as mesmas datas, segundo as regras da lógica e da experiência, que nos indicam não ser credível uma hipotética combinação entre ambas as entidades, pode considerar-se prova bastante, ainda que seja por meio de presunção judicial, de que o registo das cartas ocorreu efectivamente …”.
Com este pano de fundo, tal discussão apenas pode ter sentido útil na presença de tais elementos, sendo que o presente processo não exibe qualquer matéria relacionada com o site dos CTT, mas constam dos autos todo o conjunto de elementos vertidos nas informações da AT acima descritas, os quais sustentam a alegação de que o ora Recorrido e esposa foram notificados em 27-10-2005, impondo-se ainda evidenciar que a liquidação em apreço foi enviada através daquele registo para a morada do oponente e esposa.
Ora, o art. 712.º do C. Proc. Civil (actual art. 662º), ao fixar perspectiva e orientação para o julgamento, por parte do tribunal de recurso, da decisão proferida em 1.ª instância sobre a matéria de facto, prevê, no respectivo nº 4, a hipótese de esta ser anulada sempre que se “repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando (se) considere indispensável a ampliação desta”. Trata-se da conferência de uma faculdade processual, coberta pela força das decisões proferidas por tribunais de grau hierárquico superior, tendente a, por princípio, permitir buscar todos os dados factuais disponíveis, com potencial interesse e relevo para um julgamento o mais acertado possível das pretensões formuladas pelas partes numa concreta demanda judicial, que, no âmbito específico da jurisdição tributária, pressupõe particular enfoque e atenção, por virtude do privativo ónus que impende sobre os juízes dos tribunais tributários de realizar ou ordenar todas as diligências consideradas úteis ao apuramento da verdade material - cfr. arts. 13º n.º 1 CPPT e 99º nº 1 LGT. Não se olvide, ainda, que é no estabelecimento da matéria de facto relevante que o juiz exercita o núcleo, a excelência, do seu múnus, é nesse momento que tem de fazer jus à sua condição de julgador, que se lhe impõe o acertado e responsável exercício do poder de julgar, aqui ao serviço da melhor, mais justa e equitativa, apreensão e tradução da realidade, da verdade, dos factos, com relação aos quais importa, sequentemente, aplicar o direito, tarefa, sobretudo, de cariz e apuro técnico (acessível, pois, a qualquer cultor do direito), determinada, condicionada, pelo quadro factual previamente traçado.
A partir daqui, e perante o que ficou exposto, tem de entender-se que a matéria relacionada com a sorte dos registos postais descritos nos autos e bem assim a correspondência entre a liquidação descrita de IRS e os correspondentes registos não está suficientemente esclarecida quer em relação ao alcance que a decisão recorrida lhe confere quer no que diz respeito à pertinência da crítica formulada pela Recorrente neste âmbito.
Nestas condições, cabe concluir encontrar-se o julgamento da matéria de facto, inscrito na sentença, inquinado por défice instrutório, porquanto existe a possibilidade séria de a produção da prova em falta implicar o estabelecimento de outro, sobretudo, mais alargado cenário factual, capaz de, pela sua amplitude, esclarecer melhor todos os acontecimentos, com repercussão no sentido da decisão do mérito da causa.
E no âmbito dos poderes consignados nos art. 13º do CPPT e 99º da LGT competia ao Juiz realizar as diligências para apuramento da situação concreta e só após isso conhecer da oposição. Não o tendo feito, verifica-se insuficiência de instrução determinante de anulação da decisão tal como se prevê no art. 712 do CPC (actual art. 662º).
Não se pode, pois, manter o decidido que terá que ser anulado volvendo os autos à 1ª instância para a realização das diligências tendentes a apurar da real situação relacionada com a sorte dos registos postais descritos nos autos e bem assim a correspondência entre a liquidação apontada de IRS e os aludidos registos conforme já referido e, posteriormente, ser aí proferida decisão em face dos elementos de prova recolhidos.
4. DECISÃO
Nestes termos, na improcedência da questão da prescrição, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso e anular a sentença recorrida, devolvendo-se o processo ao Tribunal de 1ª instância para instrução e demais termos de acordo com o que fica exposto.
Sem custas.
Notifique-se. D.N..
Porto, 18 de Dezembro de 2014
Ass. Pedro Vergueiro

Ass. Mário Rebelo

Ass. Cristina da Nova