Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00544/08.6BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/29/2017
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:OPOSIÇÃO
CULPA
REVERSÃO DA EXECUÇÃO
DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Sumário:I - Somente a falta absoluta de fundamentação da decisão pode consubstanciar nulidade da sentença.
II - Nos termos do artigo 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT, existe uma presunção legal de culpa, recaindo sobre o administrador ou gerente o ónus da prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento ou de entrega da prestação tributária.
III - Esta presunção legal de culpa só pode ser ilidida com a prova do contrário, isto é, a prova das iniciativas empreendidas para evitar, ou minimizar, o impacto negativo de factos adversos.
IV - Operada a reversão nos termos da referida alínea b), desacompanhada da ilisão da presunção da culpa por parte do oponente, pela insuficiência do património da sociedade para satisfazer as dívidas fiscais da devedora originária, o ora recorrente apresenta-se como parte legítima na execução.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:G...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

G..., melhor identificado nos autos, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, proferida em 18/05/2010, que julgou a Oposição ao Processo de execução fiscal n.º 3476200501073583 e apensos, instaurado contra a firma “G..., Unipessoal Lda.”, para cobrança coerciva de IVA respeitante aos períodos de 0509T, 0603T, IRS dos meses de 10-2005, 02-2006 e 04-2006, e coimas fiscais, revertidos contra o oponente/recorrente na qualidade de gerente e responsável subsidiário, procedente quanto às dívidas provenientes de coimas, e, em consequência, declarou o recorrente parte ilegítima nessa parte da execução, absolvendo-o da instância executiva, e improcedente na parte restante.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
“1) Salvo melhor opinião e o devido respeito, não andou bem o Mmo. Juiz a quo, ao julgar a oposição apenas parcialmente procedente, absolvendo o Oponente apenas das dívidas provenientes das coimas, uma vez que deveria ter sido a mesma julgada totalmente procedente por provada. O presente recurso incide apenas e só sobre a parte restante em que a oposição foi julgada improcedente
2) Salvo o devido respeito, não andou bem o Mmo. Juiz a quo, na sua Douta sentença, que salvo melhor viola o estatuído no disposto na alínea b) do artigo 688° do Código de Processo Civil.
3) Apesar da deficiente fundamentação da sentença não constituir fundamento de anulação da decisão sobre a matéria de facto, nem o reenvio do processo para novo julgamento no Tribunal de Primeira instância, dando lugar isso sim, à remessa dos autos à primeira instância para que o Tribunal fundamente a sentença não devidamente fundamentada, o que ora expressamente se requer.
4) Salvo o devido respeito, não andou bem o Mmo. Juiz a quo, na sua Douta sentença uma vez que não levou em consideração, tudo aquilo que o Oponente alegou na impugnação por si efectuada.
5) De facto, não foi levado em consideração, nem consta sequer da sentença aquilo que o Oponente alegou de que o não pagamento resultou igualmente do incumprimento de três dos seus clientes, o que levava a um afastamento da culpa.
6) Aliás tal alegação poderia ter sido confirmada pela inquirição das testemunhas arroladas e que depuseram de igual forma no âmbito do processo n° 535/08.7BEBRG desta unidade orgânica e deste Tribunal, pelo que o depoimento da testemunha Vitor Silva foi conclusivo ao afirmar quando perguntado se houve clientes que não pagaram, disse “(…) sim a Têxtil…, Lda (...) P…, Lda e L…, Lda (...)” - cassete n.º 1, Lado A, 0070-0145.
7) Pelo exposto, e salvo melhor opinião, para além do mais não existe igualmente o elemento subjectivo caracterizador da culpa no comportamento do interessado, tanto mais que não diminuiu intencionalmente o património da sociedade em termos de impossibilitar o pagamento de dívidas de contribuições e impostos, bem como a falta de mais bens penhoráveis não procede de culpa sua, o que, aliás, foi confirmado, pelas testemunhas apresentadas.
8) A Douta sentença violou o disposto nos artigos 659°, 665° e 688° todos do Código de Processo Civil e artigo 82° e 87° do Código do IVA.
Termos em que, pelo que vem de expor-se e pelo muito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve dar-se provimento ao recurso e em consequência:
a) julgar-se procedente o recurso, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-a por outra, que julgue a oposição totalmente procedente por provada ou quando assim não se entenda se julgue procedente o recurso por nulidade da mesma por falta de fundamentação, devendo a mesma ser remetida a primeira instância para ser devidamente fundamentada;
b) conheça este Venerando Tribunal da sentença, de facto e de direito, admitindo para tanto a renovação da prova a final requerida, por verificação de erro notório na apreciação da prova, nos termos do disposto no n° 2 do art° 712° do Código de Processo Civil ex vi do artigo 1° do Código de Procedimento e Processo Tributário;
c) na hipótese de se considerar que apesar da verificação do referido erro na apreciação da prova, não sendo possível decidir a causa, determine este Venerando Tribunal o reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do disposto no artigo 712° do Código de Processo Civil.
Assim se fazendo, uma vez mais, JUSTIÇA!”

Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa analisar se a sentença recorrida incorreu em nulidade, por falta de fundamentação, e em erro de julgamento, por desconsideração de factos invocados e erro na apreciação da prova.

III. Fundamentação

1. Matéria de facto
Na sentença prolatada em primeira instância, consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Matéria de facto provada:
1 - Os processos executivos em causa nos autos foram instaurados contra a firma “G..., Unipessoal Ldª”, para cobrança de dívidas de IVA respeitantes aos períodos de 0509T, 0603T, IRS dos meses de 10-2005, 02-2006 e 04-2006, e coimas fiscais, totalizando a dívida à data da reversão o montante global de €33.704,24.
2 - A executada originária constituiu-se a 28/08/2001, com o capital social de €5.000,00, tendo como único sócio o ora oponente;
3 - O oponente foi nomeado gerente da sociedade desde a sua constituição, qualidade que detinha à data do vencimento das dívidas tributárias em execução, sendo apenas necessária a sua assinatura para obrigar a sociedade.
4 - Realizadas as diligências necessárias constatou-se que a executada originária não dispunha de bens susceptíveis de penhora;
5 - O oponente foi citado por ofício datado de 28/01/2008.
6 - Da citação consta, sob a epígrafe “Fundamentos da reversão”, o seguinte:
“n.º 1 do artigo 24º LGT e quanto às coimas do art.º 8º RGIT dada a insuficiência de bens penhoráveis à executada originária onde exerceu a gerência”
7 - Juntamente com a citação foi remetida ao oponente cópia das certidões de dívida em execução.
8 - Das referidas certidões de dívida consta a menção da entidade emissora e a sua assinatura, a data em que foi emitida, o nome e domicílio do devedor, a natureza e proveniência da dívida e indicação, por extenso, do seu montante.
9 - Após finais de 2001, a sociedade G…, Unipessoal, Lda., passou por um período de forte quebra de vendas.
10 - A referida sociedade ficou com créditos por cobrar sobre dois dos seus principais clientes, as sociedades “P…, Ld.ª”, e “L…, Ld.ª”, em montante que não foi possível apurar.
11 - O seu melhor cliente denominado “Têxteis…, S.A.”, interpôs uma acção de recuperação de empresa que correu termos no Tribunal Judicial de Guimarães.
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Matéria de facto não provada:
Inexiste.
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Fundamentação da matéria de facto provada e não provada:
A matéria de facto dada como provada nos pontos 1 a 8 assenta nos documentos juntos aos autos. A restante matéria de facto dada como provada assenta na prova testemunhal produzida que, nessa parte, se revelou segura e coerente.
Inexiste matéria dada como não provada, por nada mais que não seja incompatível com os factos dados como provados ter sido alegado com interesse para a decisão da causa.”

2. O Direito

Começa o Recorrente por arguir a violação do estatuído no artigo 668.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil (CPC).
A sentença/decisão pode padecer de vícios de duas ordens:
1-Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e, então, a consequência é a sua revogação;
2-Por outro lado, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artigo 615.º, do Código de Processo Civil, na redacção da Lei n.º 41/2013, de 26/6, à data da decisão artigo 668.º.
Nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil (CPC) – correspondente ao anterior artigo 668.º, n.º 1, alínea b) do CPC – é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
A jurisprudência tem-se mostrado reiterada no sentido de a nulidade ínsita na alínea b) apenas se verificar quando haja absoluta falta de fundamentos e não quando a justificação seja apenas deficiente, medíocre ou errada, visto o tribunal não se encontrar adstrito à obrigação de apreciação de todos os argumentos das partes. Por outro lado, apenas abrange a falta de motivação da própria decisão e não a falta de justificação dos respectivos fundamentos – cfr. Acórdão do S.T.A., de 16-11-2011, Proc. n.º 0802/10; sendo que tal como refere o Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, página 140, “há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.”.
Encontramo-nos perante um corolário lógico da exigência legal de fundamentação das decisões judiciais em geral consagrado no artigo 158.º, agora artigo 154, nº. 1 do Código de Processo Civil.
Porém, como refere Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 5ª ed., Vol. I, pág. 909, “deverão considerar-se como falta absoluta de fundamentação os casos em que ela não tenha relação perceptível com o julgado ou seja ininteligível, situações em que se está perante uma mera aparência de fundamentação.
Com efeito, a fundamentação destina-se a esclarecer as partes, primacialmente a que tiver ficado vencida, sobre os motivos da decisão, não só para ficar convencida de que não tem razão, mas também porque o conhecimento daqueles é necessário ou, pelo menos, conveniente, para poder impugnar eficazmente a decisão em recurso ou arguir nulidades, designadamente a derivada de eventual contradição entre os fundamentos e a decisão.
Por isso, quando a fundamentação não for minimamente elucidativa das razões que levaram a decidir como se decidiu deverá entender-se que se está perante uma nulidade por falta de fundamentação”.
Compulsando o teor da decisão em crise, manifestamente, não é o caso.
Em jeito de conclusão, tem sido uniformemente entendido no Supremo Tribunal Administrativo (STA), com apoio no texto da disposição invocada, só se verificar nulidade quando ocorra falta absoluta de fundamentação.
Ora, o próprio Recorrente reconhece, nas suas alegações de recurso, existir, afinal, uma deficiente fundamentação, que dará lugar à remessa dos autos à primeira instância para que o tribunal recorrido proceda à devida fundamentação.
Contudo, não obstante não se verificar a arguida nulidade da sentença, caberá verificar da suficiência da decisão da matéria de facto para o conhecimento das questões colocadas nos autos, em concatenação com a factualidade invocada na petição de oposição e com a sua fundamentação, na medida em que o Recorrente alega desconsideração de factos invocados e erro na apreciação da prova.
No âmbito do presente recurso está apenas em apreciação a eventual ilegitimidade do revertido quanto às dívidas de IVA e IRS, na dimensão do afastamento da sua culpa.
Efectivamente, alega o Recorrente que não existe o elemento subjectivo caracterizador da culpa no comportamento do interessado, tanto mais que não diminuiu intencionalmente o património da sociedade em termos de impossibilitar o pagamento de dívidas de contribuições e impostos, bem como a falta de mais bens penhoráveis não procede de culpa sua, o que, aliás, foi confirmado pelas testemunhas apresentadas.
É sabido que o regime da responsabilidade subsidiária aplicável é o vigente no momento em que se verifica o facto gerador da responsabilidade (artigo 12.º do Código Civil), pelo que sendo a dívida exequenda referente a IVA e IRS, de 2005 e 2006, dúvidas não restam que é de aplicar o regime previsto no artigo 24.º da LGT.
Este artigo 24.º, n.º 1 da LGT estabelece o seguinte:
“1. Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento. (…)”.
Não resulta questionada a aplicabilidade do disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT na situação concreta, tendo a sentença recorrida julgado da seguinte forma a invocada falta de responsabilidade do Oponente pelas dívidas:
“(…) invoca o oponente a sua falta de culpa na insuficiência patrimonial verificada.
Como acima se referiu, essa culpa presume-se, verificada a gerência de facto da devedora originária, que, in casu, não é contestada.
Para demonstrar que a falta de cumprimento da obrigação tributária não é devida a culpa sua, tem o devedor subsidiário de demonstrar:
a) Que aquele não cumprimento é, de forma causalmente adequada, devido a outrem (responsabilidade de terceiro, caso fortuito ou caso de força maior); ou
b) Que se verifica algum tipo de causa de exclusão da culpa ou de justificação (erro desculpável, estado de necessidade desculpante, obediência indevida desculpante).
Em suma, deverá ser feita prova que, concretamente e relativamente a cada obrigação tributária em causa, o responsável não podia ou não devia proceder ao seu cumprimento.
Nos presentes autos tal prova não foi feita, sendo certo que os factos dados como provados não integram qualquer uma daquelas situações. (…)”
A lei onera com a presunção de culpa na insuficiência do património da empresa para satisfação dos créditos fiscais o gerente da devedora original.
Sendo uma presunção legal de culpa, ela só pode ser ilidida mediante a prova do contrário (artigo 350.º/2 do Código Civil). Não basta a mera contraprova destinada a tornar duvidosa a sua culpa (artigo 346.º do Código Civil) exigindo-se, antes, a demonstração de que a situação de insuficiência se ficou a dever exclusivamente a factores exógenos e que, no exercício da gerência, usou da diligência de um bonus pater familiae no sentido de evitar essa situação (cfr., entre outros, os Acórdãos deste TCAN, de 09/02/2012 e de 06/04/2006, proferidos no âmbito dos processos n.º 00415/05.8BEBRG e n.º 00021/02 – PORTO, respectivamente).
Para ilidir a presunção legal de culpa, deverá o oponente alegar os factos relevantes e demonstrativos das iniciativas que um gestor diligente sempre empreenderia em circunstâncias adversas de modo a evitar, ou minimizar, o impacto negativo de eventuais factores externos no desenvolvimento da actividade social.
Para afastar a presunção, não exige a lei o sucesso total dessas diligências em evitar o encerramento da sociedade, ou da constituição das dívidas, pois nem tudo é previsível ou controlável e não cabe aos tribunais avaliar o mérito técnico da gestão desenvolvida pelos gerentes nem as capacidades inatas ou técnicas que cada sujeito é portador.
O que se exige é tão-só o empenho e actividade dedicada do gestor no pagamento dos créditos fiscais e/ou na preservação do património que há-de, a final, garantir o seu pagamento (o património do devedor constitui a garantia geral dos créditos tributários – art.º 50.º/1 LGT e 601.º do Código Civil).
E se porventura esse pagamento se tornar impossível, que o gestor demonstre, pelo menos, ter feito tudo o que estava ao seu alcance para que os créditos fiscais não fossem defraudados.
Esta exigência é o que se reputa de «condição mínima» para «desculpabilizar» a falta de pagamento de qualquer imposto, sem distinguir as repercussões e características próprias de cada um – cfr. Acórdão do TCAN, de 18/09/2014, proferido no âmbito do processo n.º 1126/06.2BEBRG.
Como havíamos referido anteriormente, a figura da culpa só tem sentido quando reportada a omissões ou acções específicas, sendo imprescindível a alegação de medidas concretas que demonstrem a diligência empreendedora do gestor em face das adversidades a que a actividade ficou exposta.
Contudo, compulsando a petição inicial, não se vislumbra a invocação de qualquer medida, diligência, ou empreendimento desenvolvidos pelo Oponente com vista à satisfação das dívidas fiscais.
Nos artigos 31.º e 32.º da petição inicial, o Oponente afirma que a sociedade G… Unipessoal, Lda. passou por um período de forte quebra de vendas, aliado ao facto de dois dos seus principais clientes, nomeadamente P…, Lda. e L…, Lda., os quais apesar de ter havido, quanto ao primeiro, execução que correu termos sob os n.ºs 2943/06.9TBGMR do Juízo de Execução do Tribunal de Guimarães, nada se tendo conseguido receber em virtude de a empresa se encontrar encerrada, e quanto à segunda, a mesma veio a ser declarada insolvente no processo n.º 1235/05.5TJVNF do 2.º Juízo Cível do Tribunal de Vila Nova de Famalicão, sendo que, por último, o seu melhor cliente denominado Têxteis…, S.A., interpôs uma acção de recuperação de empresa que correu termos sob o n.º 3772/04.0TBGMR do 4.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Guimarães, o que inviabilizou qualquer possibilidade de cobrança dos seus créditos.
Esta factualidade, com carácter algo genérico, resultou apurada, tendo assentado na prova testemunhal produzida, mostrando-se espelhada nos pontos 9, 10 e 11 da decisão da matéria de facto.
No caso especial do IVA, bem como nos impostos retidos na fonte, a falta da sua entrega ganha particular gravidade, na medida em que se trata de impostos que traduzem um fluxo monetário na empresa que, ao não serem entregues nos cofres do Estado, estão a ser «desviados» do seu destino legal único, em proveito de «objectivos» alheios à sua finalidade.
Quando o gestor procede ao «desvio» da destinação das verbas recebidas (estamos a falar do IVA) não pode, assim, deixar de indiciar um comportamento censurável. E quanto mais censurável é o comportamento indiciado, mais esforço se exige na demonstração de factos positivos bastantes que contrariem aqueles indícios, sob pena de não afastar a presunção de culpa que a lei lhe atribui.
Como escreve Saldanha Sanches, «(…) No caso do IVA, a existência desse fluxo financeiro cria um forte indício de comportamento censurável que só em casos muito particulares pode ser objecto de uma demonstração de ausência de culpa por parte dos particulares. É uma demonstração difícil, mas não impossível, uma vez que a empresa não é o fiel depositário da quantia cobrada. Embora tenha o dever de entregar as quantias cobradas na aplicação do IVA no prazo previsto pela lei, a empresa pode considerá-las como uma receita normal, cabendo-lhe a devida diligência para que o pagamento seja feito. Pode haver justificação, pela verificação de um facto imprevisto e razoavelmente imprevisível, para que a entrega se não tenha verificado» (cfr. Manual de Direito Fiscal, Coimbra Editora, 3ª edição, pp. 274).
In casu, o Recorrente diz, genericamente, “nada se tendo conseguido receber” dos seus (principais) clientes. Todavia, não especificou qualquer facto concreto a esse respeito, tendo inviabilizado a sua prova, designadamente, se não terá recebido o IVA que teve que entregar, os montantes ou os períodos específicos em causa.
No fundo, o Recorrente invocou na petição inicial a impossibilidade de cobrança dos créditos sobre clientes.
Ora, o Recorrente descreve um cenário de forte quebra de vendas, sem que identifique, em concreto, os referidos créditos dos clientes. E, sobre estes, sempre haveria de ser provada a sua subsistência e que diligências foram efectuadas para sua cobrança, o que foi muito parcamente alegado.
Fundamenta o presente recurso alegando que não foi levado em consideração, nem consta sequer da sentença, aquilo que o Oponente alegou de que o não pagamento resultou igualmente do incumprimento de três dos seus clientes, o que levava a um afastamento da culpa.
Reitera que tal alegação poderia ter sido confirmada pela inquirição das testemunhas arroladas, pois o depoimento da testemunha V… foi conclusivo ao afirmar, quando perguntado se houve clientes que não pagaram, “(...) sim a Têxtil…, Lda. (...) P…, Lda. e L…, Lda. (...)”, remetendo para a cassete n.º 1, Lado A, 0070—0145.
No entanto, já resulta da decisão da matéria de facto que os dois principais clientes não pagaram – cfr. ponto 10.
Globalmente, estão provados todos os factos alegados pelo Recorrente, mas, como se julgou no tribunal recorrido, deverá ser feita prova que, concretamente e relativamente a cada obrigação tributária em causa, o responsável não podia ou não devia proceder ao seu cumprimento. Nos presentes autos, tal prova não foi feita, sendo certo que os factos dados como provados não integram qualquer uma daquelas situações.
Afinal, não se sabe o que é que o Recorrente fez, em concreto, para evitar a falta de pagamento das dívidas. Nada foi alegado de concreto que tivesse sido realizado para evitar o incumprimento fiscal, nem diligências tendentes ao cumprimento.
Relembramos que o Oponente não identificou os créditos incobráveis e os seus montantes, os motivos do incumprimento dos clientes e respectivas datas.
Embora tenha alegado que a sociedade executada passou por um período de forte quebra de vendas, não concretizou em que circunstâncias ocorreu, em que período e em que é que se traduziu.
Ora, tais referências genéricas não são suficientes para se concluir que houve uma boa e criteriosa gestão, que lhe é exigida por força do artigo 64.º do Código das Sociedades Comerciais. A este respeito impõe-se alertar que são factos simples os susceptíveis de produção probatória. Se ocorrer inexistência de alegação de factos, existe impossibilidade objectiva de qualquer prova incidir sobre factualidade que não conste dos autos – cfr. artigos 264.º e 664.º do CPC.
Assim, se a factualidade alegada pelo Oponente não permite concluir que a situação de insuficiência de património tenha resultado de uma qualquer alteração inesperada e incontrolável de circunstâncias externas, nada alegando no sentido de demonstrar que agiu com cuidado e prudência, não pode considerar-se ilidida a presunção de culpa que sobre ele recai por força do referido artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT.
Logo, tendo presente esta presunção de culpa, mostra-se forçoso concluir que o Recorrente não cumpriu o ónus de demonstrar o inverso do ali legalmente presumido, pelo que essa presunção de culpa na insuficiência do património da originária devedora para satisfazer os créditos tributários subsiste, tal como foi decidido na sentença recorrida.
Em face do exposto, impõe-se negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida na ordem jurídica.

Conclusões/Sumário

I - Somente a falta absoluta de fundamentação da decisão pode consubstanciar nulidade da sentença.
II - Nos termos do artigo 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT, existe uma presunção legal de culpa, recaindo sobre o administrador ou gerente o ónus da prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento ou de entrega da prestação tributária.
III - Esta presunção legal de culpa só pode ser ilidida com a prova do contrário, isto é, a prova das iniciativas empreendidas para evitar, ou minimizar, o impacto negativo de factos adversos.
IV - Operada a reversão nos termos da referida alínea b), desacompanhada da ilisão da presunção da culpa por parte do oponente, pela insuficiência do património da sociedade para satisfazer as dívidas fiscais da devedora originária, o ora recorrente apresenta-se como parte legítima na execução.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas a cargo do Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.
Porto, 29 de Junho de 2017
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Mário Rebelo