Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00104/03-Porto
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/12/2014
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Pedro Nuno Pinto Vergueiro
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.
CONTRIBUIÇÃO ESPECIAL.
PRINCÍPIO DA NÃO RETROACTIVIDADE DA LEI FISCAL.
Sumário:I) O facto tributário gerador da obrigação de pagamento da contribuição, é o aumento de valor dos prédios, resultante da realização de determinadas obras públicas, de modo que, ocorrendo o facto tributário integralmente sob a égide do diploma criador do tributo, não se verifica qualquer ofensa ao princípio da não retroactividade da lei fiscal.
II) Com efeito, não violam o princípio constitucional da não retroactividade dos impostos, consagrado no nº 3 do artº 103º da CRP, as normas dos artºs 1º, nº 2 e 2º do Regulamento da Contribuição Especial, anexo ao Decreto-Lei 43/98, de 3 de Março, na interpretação segundo a qual, como é o caso da situação analisada nos autos, os factos descritos nos autos ocorreram em data posterior a essa entrada em vigor.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:S..., Lda.
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública, devidamente identificada nos autos, inconformada veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 23-02-2011, que julgou procedente a pretensão deduzida por “sociedade “S…, Lda.”, na presente instância de IMPUGNAÇÃO, relacionada com a liquidação de contribuição especial do ano de 1999, no valor de € 24.681,96 e respectivos juros compensatórios relativa ao terreno destinado a construção urbana sito no Campo Alegre, Lordelo do Ouro, Porto.

Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 94-101), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“ (…)
I. A douta sentença sob recurso ao julgar procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de “Contribuição Especial”, relativa ao ano de 1999, e respectivos juros compensatórios, anulou a liquidação visada e reconheceu à impugnante o direito aos juros indemnizatórios sobre o montante pago,
II. por haver concluído ser de “desaplicar, ao caso concreto, os artºs 1º nº 2 e 2º do Regulamento da Contribuição Especial anexo ao Decreto-Lei 43/98 de 03/03, nos termos do 204º da CRP, não podendo, por isso, manter-se a liquidação em causa, por assentar designadamente nos normativos desaplicados.
III. Em causa está o enquadramento em sede de incidência em “Contribuição Especial” de um prédio urbano - terreno para construção - sito na Rua do Campo Alegre, …, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Lordelo do Ouro, concelho do Porto, sob o nº ….
IV. O Tribunal alicerçou a sua convicção dando como assente no probatório, com relevância para a decisão do presente recurso, os seguintes factos:
“(…)
3 - A impugnante em 16.12.999 apresentou a declaração modelo 1 nos termos constantes de fls 18 e 19 e que aqui se dão por reproduzidas.
6- Em 12 de Outubro de 1999 foi emitido o alvará de licença de construção nos termos de fls 22 e 23 que aqui se dão por reproduzidas
V. Na subsunção do Direito aos factos, entendeu a Mmª Juiz “O Tribunal Constitucional no seu Acórdão nº 63/2006, já declarou a inconstitucionalidade com força obrigatória geral da norma constante do Decreto-Lei 43/98 de 3.03, na interpretação segundo a qual, sendo a licença de construção requerida antes da entrada em vigor deste diploma seria devida a contribuição especial por este instituída que, assim, incidiria sobre a valorização do terreno ocorrida entre 1.01.1994 e a data daquele requerimento com fundamento em violação do princípio da não retroactividade dos impostos consagrado no art 103º nº3 da CRP”.
VI. Estriba-se a douta sentença no seguinte argumentação: “(...) nos termos da própria lei, a Contribuição Especial criada pelo Dec-Lei 43/98, de 03/03, incide sobre a valorização das terrenos ocorrida entre 01.01.1994 e a data do requerimento da respectiva licença de construção” (…) ou seja, prevê-se nas normas conjugadas dos artºs 1º nº 2 e 2º do Regulamento da Contribuição Especial a tributação de um facto que ocorreu antes da entrada em vigor da lei que a determinou, tratando-se, portanto de normas fiscais retroactivas”.
VII. Para, assim, concluir: “...no caso concreto, um dos elementos do facto tributário complexo, ou seja, a data da aquisição, não se concretiza no domínio da vigência do Dec-Lei 43/98 de 03.03, ou seja, 01.01.1994”
VIII. Entende a Fazenda Pública, com a ressalva do sempre devido respeito, que face aos elementos constantes dos autos, não é de extrair a conclusão que serviu de base à decisão proferida, padecendo a mesma de erro na análise da matéria de facto e na aplicação do direito.
Isto porque,
IX. No caso concreto que ora nos ocupa, a emissão da licença de construção ou de obra e a emissão do alvará da licença de construção ocorreram, respectivamente, em 17/09/1999 e 12/10/1999.
Todavia,
X. Como o douto Acórdão do TC (que aqui nos serve de fundamento), não deixa de salvaguardar, “sendo objecto da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, uma determinada dimensão normativa dos preceitos em apreciação, os Tribunais não ficam naturalmente impedidos de aplicar os mesmos preceitos, com outra interpretação que não contrarie a CRP”.
XI. Nesse sentido, a douto decisão, não teve em consideração que a presente situação fática não se encontra plasmada naquela dimensão normativa sobre a qual se pronunciou em concreto o Tribunal Constitucional,
ou seja
XII. tanto a “licença de construção”como o “alvará para licença de obra” foram emitidos em dato posterior à entrada em vigor do Decreto-Lei 43/98 de 3 de Março,
XIII. facto incontornável perante os documentos juntos aos autos e que são o suporte da decisão sob recurso, dados como assentes no probatório.
XIV. A decisão de anulação da liquidação fundamentada na desaplicação das normas dos artºs 1º nº 2 e 2º do RCE, por violação do princípio da não retroactividade (103º CRP),
XV. colide com a decretada inconstitucionalidade, por não se encontrar em conformidade com a dimensão normativa que foi objecto de desaplicação com força obrigatória geral, no douto Acórdão do Tribunal Constitucional.
XVI. A consideração do princípio da proibição da retroactividade dos impostos, consagrado no artº 103º nº 3 da CRP, funda-se, como naquele douto Acórdão se declara, no princípio da protecção da confiança, inerente à ideia de Estado de Direito Democrático e no princípio da capacidade contributiva.
Donde,
XVII. Não violam o princípio constitucional da não retroactividade dos impostos, consagrado no nº 3 do artº 103º da CRP, as normas dos artºs 1º, nº 2 e 2º do Regulamento da Contribuição Especial, anexo ao Decreto-Lei 43/98, de 3 de Março, na interpretação segundo a qual, ocorrendo a emissão do alvará da licença de construção bem como a emissão da licença de construção em data posterior a essa entrada em vigor, como é o caso dos presentes autos.
XVIII. A decisão sob recurso, ao concluir pela anulação da liquidação com fundamento na desaplicação dos referidos normativos, por violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal, errou na subsunção do Direito à matéria de facto.
Termos em que, deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, com as legais consequências.”

A recorrida “S…, Lda.” não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 112 e 113 dos autos, suscitando a questão da incompetência em razão da hierarquia deste Tribunal para conhecer do recurso.
Notificadas as partes para se pronunciarem, veio a FP pugnar pela remessa dos autos ao STA.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO –QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, impondo-se analisar a questão do erro de julgamento ao nível da apontada inconstitucionalidade por violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal, sendo que previamente à matéria apontada importa apreciar da excepção suscitada nos autos a fls. 112-113.

3. FUNDAMENTOS
3.1 DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
1 - A ora impugnante, foi notificada para proceder ao pagamento da contribuição especial (doravante designada de CE), por ofício datado de 11.04.2003 e nos termos constantes de fls. 16 e que aqui se dá por reproduzida.
2 - A determinação da matéria colectável encontra-se apurada a fls. 17 destes autos e que aqui se dá por reproduzida.
3 - A impugnante em 16.12.1999 apresentou a declaração modelo
1 nos termos constantes de fls. 18 e 19 e que aqui se dão por reproduzidas.

4 - Dá-se aqui por reproduzido o documento nº 3 junto com a petição inicial.
5 - Dá-se aqui por reproduzido o documento n 4 junto com a petição inicial.
6 - Em 12 de Outubro de 1999 foi emitido o alvará de licença de construção nos termos constantes de fls. 22 e 23 que aqui se dão por reproduzidas.
7 - A contribuição especial ora impugnada foi paga em 30.05.2003, cfr. fls. 24 destes autos e que aqui se dá por reproduzida.
Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração da matéria de facto dada como assente, nos factos alegados e não impugnados, na análise dos documentos acima identificados.
FACTOS NÃO PROVADOS:
Inexistem, com interesse para a presente decisão.”
Ao abrigo do disposto no art. 712º nº 1 al. a) do C. Proc. Civil (actual art. 662º), adita-se ao probatório o seguinte:
8 - Com referência à contribuição id. em 1. e 2., foram considerados os seguintes elementos:
“…
Concelho:___ Porto___ Freguesia:___ Lordelo do Ouro___
A . Determinação da matéria colectável:
1 – Valor actual (reportado a _30/06/1998):...__ 1.377.136,00__€
2 – Valor reportado a 94/01/01:…__ 1.177.148,00__€
2.1 – Coeficiente de desvalorização monetária (a):_1,10_ …
2.2 – Valor reportado a 94/01/01 corrigido (2*2.1)…__ 1.294.862,80__€
3 – Valor Tributável (1-2.2):………………………………..__ 82.273,20__€
B . Apuramento do Imposto:
4 – Importância da matéria colectável (3):…………………..__ 82.273,20__€
5 – Taxa (20 ou 30%):__30__%
6 – Contribuição Especial (4*5):……………………………__ 24.681,96__€ …
(fls. 16 dos autos).
9 - A construção inerente ao Alvará de Licença de Construção nº 287 de 99 foi aprovada por despacho do Sr. Vereador do Pelouro do Urbanismo e Planeamento de 04-02-1999 (fls. 22 dos autos).
3.2 DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, então, antes de mais, entrar na análise da excepção suscitada.
A competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de outra matéria - art. 13º do C. P. T.A., aplicável “ex vi” art. 2º, al. c), do C. P. P. Tributário.
Significa isto que é um pressuposto de conhecimento oficioso, quer se trate de incompetência absoluta (em razão da matéria ou da categoria do tribunal) quer se trate de incompetência relativa (em razão do território) e que o seu conhecimento tem prioridade sobre qualquer outro assunto.
A incompetência em razão da hierarquia determina a incompetência absoluta do tribunal, a qual é do conhecimento oficioso e pode ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão final ( cfr. art. 16º do C.P.P. Tributário ).
Ora, nos termos do art. 280º nº 1 do C.P.P.T., das decisões dos Tribunais Tributários de 1.ª Instância cabe recurso a interpor, em primeira linha, para os Tribunais Centrais Administrativos, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que tal recurso tem de ser interposto para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
Deste modo, para aferir da competência, em razão da hierarquia, do STA, há que olhar para as conclusões da alegação do recurso e verificar se, perante elas, as questões controvertidas se resolvem mediante uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação de normas jurídicas, ou se, pelo contrário, implicam a necessidade de dirimir questões de facto - seja porque o recorrente defende que os factos levados ao probatório não estão provados, seja porque diverge das ilações de facto que deles se devam retirar, seja porque invoca factos que não vêm dados como provados e que não são, em abstracto, indiferentes para o julgamento da causa.
Confrontando a matéria tratada na decisão recorrida com a matéria vertida nas conclusões, as conclusões VIII e IX envolvem a consideração de elementos de facto, sendo ainda de notar o aditamento realizado por este Tribunal, que obstam à conclusão de que a apreciação e decisão do recurso passa, em exclusivo, pelo tratamento de conceitos jurídicos, de matéria jurídica ou de direito, de modo que, é manifesto que não procede a matéria de excepção invocada pelo Exmo. Magistrado do Ministério Público.
Pelo que somos levados a concluir, sempre com o devido respeito por contrária opinião, que o presente recurso não tem por exclusivo fundamento matéria de direito, mas, também, matéria de facto, sendo, por isso, competente para o seu conhecimento esta Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte.

A partir daqui, cumpre, então, entrar na análise da realidade em equação nos autos e que se prende com apreciação da bondade da decisão recorrida que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de “Contribuição Especial”, relativa ao ano de 1999, e respectivos juros compensatórios, anulou a liquidação visada e reconheceu à impugnante o direito aos juros indemnizatórios sobre o montante pago, por haver concluído ser de “desaplicar, ao caso concreto, os artºs 1º nº 2 e 2º do Regulamento da Contribuição Especial anexo ao Decreto-Lei 43/98 de 03/03, nos termos do 204º da CRP, não podendo, por isso, manter-se a liquidação em causa, por assentar designadamente nos normativos desaplicados.

Neste domínio, a decisão recorrida ponderou, além do mais, que:
“…
O Tribunal Constitucional no seu Acórdão nº 63/2006, publicado no Diário da República 1 Série - A de 03.03.2006, já declarou a inconstitucionalidade com força obrigatória geral da norma constante dos artºs 1º nº 2 e 2º do Regulamento da Contribuição Especial anexo ao Dec.Lei 43/98 de 03.03, na interpretação segundo a qual, sendo a licença de construção requerida antes da entrada em vigor deste diploma, seria devida a contribuição especial por este instituída que, assim, incidiria sobre a valorização do terreno ocorrida entre 01.01.1994 e a data daquele requerimento, com fundamento em violação do princípio da não retroactividade dos impostos consagrado no artº 103 nº 3 da CRP.
Nos termos da própria lei, a contribuição especial criada pelo Dec.Lei 43/98 de 03.03, incide sobre a valorização dos terrenos ocorrida entre 01.01.1994 e a data do requerimento da respectiva licença de construção.
Ou seja, prevê-se nas normas conjugadas dos artºs 1 nº 2 e 2º do Regulamento da Contribuição Especial, a tributação de um facto que ocorreu antes da entrada em vigor da lei que a determinou, tratando-se, portanto de normas fiscais retroactivas.
Na verdade, esta norma ainda que relativa à determinação da matéria colectável, é uma verdadeira norma de incidência uma vez que define o valor sobre que recai o imposto: de que valor se trata, que verbas entram na sua composição, não se limitando apenas a estabelecer o processo daquela determinação.
Estamos assim, perante uma norma de incidência real ou seja, um dos elementos essenciais do imposto (cfr. Cardoso da Costa, Curso de Direito Fiscal, pág. 242).
Trata-se em suma, de um facto tributário complexo, assim formado por uma pluralidade de elementos materiais, juridicamente unificados numa unidade objectiva.
Quanto aos factos tributários duradouros, a lei sente a necessidade de os fraccionar juridicamente no tempo, de modo a extrair de um facto naturalisticamente unitário e prolongado, uma pluralidade de efeitos jurídicos distintos. O período de imposto é precisamente o critério temporal pelo qual a lei fragmente no tempo um facto duradouro (…) período de imposto surge assim como elemento essencial do facto tributário(...), cfr. Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, volume 1, págs. 251/252.
E de um facto tributário balizado por dois elementos essenciais: o valor do prédio à data em que for requerido o licenciamento da construção ou obra, e o seu valor em 01 de Janeiro de 1994.
Ou seja, será pelo requerimento de licenciamento, ainda que tal pedido nada acrescente ao valor do prédio já que será a aprovação do licenciamento que terá a virtualidade de aumentar o dito valor, que se determinará se certo prédio ficou ou não sujeito à dita contribuição especial.
Ora, como vimos, o imposto incide sobre o aumento de valor, e o valor sujeito ao tributo, concretiza-se na diferença referida de que um dos elementos é o valor do prédio à data em que for requerido o licenciamento da construção ou da obra.
Trata-se pois, de um elemento material integrante do próprio facto tributário.
Mas assim sendo, também ele, e como todos, tem de situar-se no domínio de vigência da lei nova para que esta se lhe possa aplicar.
Ora, para que uma lei seja aplicável a um facto tributário complexo, é necessário que todos os seus elementos se concretizem no domínio da vigência da mesma, sob pena de retroactividade, ora postergada tanto pela LGT, artº 12º, como pela CRP, artº 103º nº 3.
Note-se que é o próprio artº 2º do Dec.Lei 43/98, que faz corresponder à data da aquisição a data de 01.01.94 e à da realização a data da emissão do alvará de licenciamento de construção ou de obra, pelo que, no caso concreto, um dos elementos do facto tributário complexo, ou seja, a data da aquisição, não se concretiza no domínio da vigência do Dec. Lei 43/98 de 03.03, ou seja, 01.01.1994.
Assim sendo, e em conformidade com o supra descrito, desaplicam-se ao caso concreto os artigos 1 nº 2 e 2º do Regulamento da Contribuição Especial, anexo ao Dec.Lei 43/98 de 03.03, nos termos do art° 204° da CRP, não podendo, por isso, manter-se a liquidação em causa, por assentar designadamente nos normativos desaplicados. …”.

Nas suas alegações, a Recorrente aponta que no caso concreto que ora nos ocupa, a emissão da licença de construção ou de obra e a emissão do alvará da licença de construção ocorreram, respectivamente, em 17/09/1999 e 12/10/1999.
Todavia, como o douto Acórdão do TC (que aqui nos serve de fundamento), não deixa de salvaguardar, “sendo objecto da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, uma determinada dimensão normativa dos preceitos em apreciação, os Tribunais não ficam naturalmente impedidos de aplicar os mesmos preceitos, com outra interpretação que não contrarie a CRP” e, nesse sentido, a douto decisão, não teve em consideração que a presente situação fática não se encontra plasmada naquela dimensão normativa sobre a qual se pronunciou em concreto o Tribunal Constitucional, ou seja, tanto a “licença de construção”como o “alvará para licença de obra” foram emitidos em dato posterior à entrada em vigor do Decreto-Lei 43/98 de 3 de Março, facto incontornável perante os documentos juntos aos autos e que são o suporte da decisão sob recurso, dados como assentes no probatório.
Ora, a decisão de anulação da liquidação fundamentada na desaplicação das normas dos artºs 1º nº 2 e 2º do RCE, por violação do princípio da não retroactividade (103º CRP), colide com a decretada inconstitucionalidade, por não se encontrar em conformidade com a dimensão normativa que foi objecto de desaplicação com força obrigatória geral, no douto Acórdão do Tribunal Constitucional.
A consideração do princípio da proibição da retroactividade dos impostos, consagrado no artº 103º nº 3 da CRP, funda-se, como naquele douto Acórdão se declara, no princípio da protecção da confiança, inerente à ideia de Estado de Direito Democrático e no princípio da capacidade contributiva.
Donde, não violam o princípio constitucional da não retroactividade dos impostos, consagrado no nº 3 do artº 103º da CRP, as normas dos artºs 1º, nº 2 e 2º do Regulamento da Contribuição Especial, anexo ao Decreto-Lei 43/98, de 3 de Março, na interpretação segundo a qual, ocorrendo a emissão do alvará da licença de construção bem como a emissão da licença de construção em data posterior a essa entrada em vigor, como é o caso dos presentes autos, de modo que, a decisão sob recurso, ao concluir pela anulação da liquidação com fundamento na desaplicação dos referidos normativos, por violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal, errou na subsunção do Direito à matéria de facto.

Que dizer?
Neste domínio, de acordo com a jurisprudência mais recente que se detecta do Tribunal Constitucional, a pretensão da Recorrente está condenada ao sucesso.

Na verdade, e como se ponderou no Ac. do T.C.A. Sul de 02-07-2013, Proc. nº 03862/10 Em que o Relator é o mesmo deste processo, www.dgsi.pt, “… Com efeito, e como se aponta no Ac. Tribunal Constitucional (Acórdão nº 579/2011) de 29-11-2011, www.dgsi.pt, em questão que aproveita aos presente autos, “… 8. A contribuição especial foi aprovada pelo Decreto-Lei n.º 43/98, de 3 de Março, com o objectivo de tributar a valorização de que beneficiaram os prédios rústicos e terrenos para construção situados nas zonas envolventes à CRIL, CREL, CRIP, CREP e respectivos acessos, bem como à travessia ferroviária do Tejo e outros investimentos. O valor sujeito a contribuição resulta da aplicação da fórmula prevista no referido artigo 2.º, n.º 1 do Regulamento, o qual resulta da diferença entre o valor do prédio à data em que é requerido o licenciamento de construção ou de obra, e o seu valor à data de 1 de Janeiro de 1994, corrigido por aplicação dos coeficientes de desvalorização da moeda.
A contribuição incide, portanto, sobre o aumento de valor dos prédios ou terrenos localizados em zonas delimitadas que beneficiaram, substancial e excepcionalmente, de investimentos públicos avultados, os quais originaram uma valorização extraordinária dos mesmos. O diploma considera que este valor - ou melhor, a sua realização tributariamente relevante - se consome uma vez verificadas determinadas condições específicas: utilização de prédios rústicos ou terrenos para construção urbana ou demolição de prédios urbanos já existentes para neles edificar novas construções, as quais saem valorizadas pelas acessibilidades resultantes das obras públicas identificadas pelo diploma (cfr. artigo 1.º, n.ºs 1 e 2 do RCE). O que se apresenta como fiscalmente relevante é o momento da realização da “mais-valia”, consubstanciado no requerimento do licenciamento de construção ou de obra. Este Tribunal analisou anteriormente as normas controvertidas sob o prisma da proibição da retroactividade fiscal em casos em que o requerimento da licença deu entrada antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 43/98.
Mas, tendo o requerimento (e a consequente emissão da licença) ocorrido após a entrada em vigor daquele diploma, é afastada a mobilização do parâmetro contido no artigo 103.º, n.º 1 da Constituição. Ao contrário do que entendeu o tribunal recorrido, a data de 1 de Janeiro de 1994 surge, na estrutura da contribuição especial, como um mero instrumento, relevando enquanto mecanismo operacional de determinação do aumento de valor que é tributável. Como se referiu no acórdão 63/2006, já citado, “a qualquer contribuição de melhoria subjaz a consideração de que ocorreu uma vantagem económica particular, o que só pode ser aferido por referência a uma situação patrimonial pretérita.”
9. O aumento de valor não é resultado do normal decurso do tempo verificado entre aquela data - 1 de Janeiro de 1994 - e o momento do requerimento da licença (ou da sua emissão). Este valor resulta de um outro facto, extraordinário e anormal, relacionado com investimentos públicos avultados em acessibilidades de diversa índole, as quais comportam benefícios consideráveis para os terrenos circundantes. A realização desses benefícios, resultantes não do normal decurso do tempo mas das acessibilidades entretanto executadas, que é consumada no requerimento da licença de construção, é que surge como o facto tributário o qual não é, portanto, ao contrário do que entendeu o tribunal recorrido, um facto complexo. Não se visa tributar uma valorização gradual dos imóveis, mas sim a valorização que ocorre no momento em que se efectiva a possibilidade de utilização dos terrenos para o fim de construção urbana, com um valor substancialmente acrescido por via das obras públicas previstas no Decreto-Lei n.º 43/98, as quais tornaram viável tal utilização para a construção ou reconstrução, daí resultando, para o beneficiário da licença, benefícios patrimoniais acrescidos.
Como salienta o artigo 1.º do RCE, o facto tributário gerador da obrigação de pagamento da contribuição, é o aumento de valor dos prédios, resultante da realização de determinadas obras públicas. A referência à data de 1 de Janeiro de 1994 não surge, por conseguinte, relacionada com o facto tributário em si mesmo considerado. A sua relevância é exclusivamente instrumental para a determinação do valor acrescido.
Deste modo, ocorrendo o facto tributário integralmente sob a égide do diploma criador do tributo, não se verifica qualquer ofensa ao princípio da não retroactividade da lei fiscal. …”.
Perante o que fica exposto, e tendo presente que a situação tem plena aplicação na situação dos autos, pois que o primeiro elemento considerado foi a data de 30-06-1998, sendo que o diploma em apreço entrou em vigor em 08-03-1998, é inequívoco que tem de acompanhar-se a Recorrente quando aponta que a consideração do princípio da proibição da retroactividade dos impostos, consagrado no artº 103º nº 3 da CRP, funda-se no princípio da protecção da confiança, inerente à ideia de Estado de Direito Democrático e no princípio da capacidade contributiva, sendo que não violam o princípio constitucional da não retroactividade dos impostos, consagrado no nº 3 do artº 103º da CRP, as normas dos artºs 1º, nº 2 e 2º do Regulamento da Contribuição Especial, anexo ao Decreto-Lei 43/98, de 3 de Março, na interpretação segundo a qual, como é o caso da situação analisada nos autos, os factos descritos nos autos ocorreram em data posterior a essa entrada em vigor, como é o caso dos presentes autos, o que significa que, neste âmbito, não pode concluir-se como decidido, havendo que revogar a sentença recorrida, baixando os autos à primeira instância para apreciação dos demais fundamentos da impugnação.
Com efeito, revogada a sentença recorrida em que não se conheceu de toda a matéria da impugnação, caberia a este Tribunal conhecer do mérito dessa realidade, em substituição, se os autos fornecessem os necessários elementos para o efeito.
Porém, como se decidiu no Acórdão do S.T.A. de 17-10-2001, Proc. nº 26.193, tal conhecimento em substituição, apenas pode ter lugar quando o tribunal recorrido tenha conhecido e fixado o competente quadro probatório atinente à matéria do fundo da causa, já que o Tribunal superior pode alterar a matéria de facto fixada no probatório da sentença recorrida mas não se pode substituir por completo, àquele, no julgamento de tal matéria - cfr. nº 1 do art. 712º do C. Proc. Civil (actual art. 662º) - pelo que no caso, não tendo a M. Juiz do tribunal “a quo” fixado na sentença recorrida, qualquer matéria relativa às demais questões suscitadas quanto ao mérito da presente impugnação judicial, apenas tendo apreciada a aludida questão de inconstitucionalidade (e mesmo aqui sem considerar toda a dimensão da questão nos termos propostos pela impugnante) e considerada a matéria de facto relativa ao conhecimento da citada questão e na dimensão descrita, tal conhecimento em substituição logra inviabilizado, pelo que os autos terão de baixar à 1.ª Instância para tal matéria de facto ser julgada e ser proferida nova decisão em conformidade, se outro fundamento, diverso do ora decidido, a tal não obstar.
4. DECISÃO
Nestes termos, na improcedência da questão prévia suscitada pelo Ministério Público, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, baixando os autos à primeira instância para apreciação dos demais fundamentos da impugnação.
Sem custas.
Notifique-se. D.N..
Porto, 12 de Junho de 2014
Ass. Pedro Vergueiro

Ass. Mário Rebelo

Ass. Fernanda Esteves