Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00902/19.2BEPNF-S1
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/03/2020
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Helena Canelas
Descritores:ARGUIÇÃO DE NULIDADE – FALTA DE CITAÇÃO – REPRESENTAÇÃO DO ESTADO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO
Sumário:I – Na atual versão dos dispositivos dos artigos 11º nº 1 e 25º nº 4 do CPTA, dada pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, resulta que a presentação do ESTADO nas ações em que este seja parte demandada (por a ele lhe pertencer a legitimidade passiva nos termos do artigo 10º do CPTA) fica agora apenas garantida a possibilidade da sua representação em juízo ser assegurada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, e não já, como acontecia anteriormente, que essa representação a si lhe pertença.

II - Simultaneamente, a citação do ESTADO deixou de se operar «na pessoa do magistrado do Ministério Público» na usual fórmula utilizada, e passou a ser dirigida ao Centro de Competências Jurídicas do Estado, serviço central da administração direta do Estado, dotado de autonomia administrativa, que se integra na Presidência do Conselho de Ministros e está sujeito ao poder de direção do Primeiro-Ministro ou do membro do Governo em quem aquele o delegar (cuja orgânica foi aprovada pelo DL. nº 149/2017, de 6 de dezembro, e posteriormente alterada pelo DL. nº 91/2019, de 5 de julho).

III – A representação orgânica da pessoa coletiva ESTADO nos tribunais administrativos, em defesa dos seus interesses patrimoniais, que são os que estão em causa nas ações sobre contratos e relativas à responsabilidade, não está constitucionalmente acometida ao MINISTÉRIO PÚBLICO.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Ministério Público
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA DEFESA NACIONAL e Outros
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial Urgente - DL n.º 503/99 - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RELATÓRIO
O Ministério Público (afirmando agir em nome próprio, como defensor da legalidade democrática - artigo 219º, nº 1 da CRP e artigos 2º e 4º, nº 1, al. a) e j) do EMP e como representante judiciário do Estado Português - artigo 219º, nº 1 da CRP e artigos 2º e 4º, nº 1, al. b) do EMP) inconformado com o despacho do Mmº Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel de 11/02/2020 proferido no Proc. nº 902/19.0BEPNF – a ação administrativa de caráter urgente (ao abrigo do artigo 48º do DL. nº 503/99, de 20 de novembro), destinada à efetivação de direitos decorrentes de acidente em serviço, instaurada por J. (devidamente identificado nos autos) e em que identificou como réus o (1) MINISTÉRIO DA DEFESA NACIONAL, a (2) CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, IP e o (3) ESTADO PORTUGUÊS – que indeferiu a arguição de nulidade da falta de citação do réu ESTADO PORTUGUÊS com a consequente anulação de todo o processado posterior à Petição Inicial e a determinação da citação do Estado no Ministério Público, não atendendo, assim, à invocação de inconstitucionalidade material das normas constantes do segmento final do nº 1 do artigo 11º e do nº 4 do artigo 25º do CPTA, na redação da Lei nº 118/2019, de 17 de setembro, dele interpôs o presente recurso de apelação, com subida imediata e em separado, pugnando pela sua revogação e sua substituição por outro que determine a recusa de aplicação, neste processo, das normas constantes do segmento final do nº 1 do artigo 11º e do nº 4 do artigo 25º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), na redação da Lei nº 118/2019, de 17 de setembro, por inconstitucionalidade material nos termos invocados e em consequência, que seja declarada a nulidade da falta de citação do réu ESTADO PORTUGUÊS com a consequente anulação de todo o processado posterior à Petição Inicial, formulando as seguintes conclusões nos seguintes termos:
1 – A presente ação foi intentada contra o Exército Nacional, integrado como órgão do Ministério da Defesa Nacional, a Caixa Geral de Aposentações, IP e o Estado Português, tendo, nos termos do disposto no artigo 25º, nº 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), a citação do Réu Estado Português sido dirigida unicamente para o Centro de Competências Jurídicas do Estado, e o Ministério Público não foi citado, nem sequer notificado da pendência da mesma, designadamente, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 85º, nº 1 do CPTA;
2 – A Lei nº 118/2019, de 17 de Setembro, que entrou em vigor no passado dia 16.11.2019, introduziu no CPTA nova norma acima referida, que estabelece que quando seja demandado o Estado já não é citado o Ministério Público, em representação deste, como até agora sempre esteve consagrado, mas sim o Centro de Competências Jurídicas do Estado, designado por JurisAPP, que é um serviço central da administração direta do Estado, integrado na Presidência do Conselho de Ministros;
3 – Sob a sua aparência puramente procedimental e regulamentar — o que bastaria para a considerar deslocada num diploma sobre processo administrativo —, trata-se de uma norma revolucionária, sobretudo quando conjugada com o disposto na parte final do nº 1 do artigo 11º do CPTA, na redação igualmente conferida pela mesma Lei nº 118/2019;
4 – Com efeito, onde na anterior redação desta norma se previa ¯(…) sem prejuízo da representação do Estado Pelo Ministério Público passou, com a referida alteração, a prever-se ¯(…) sem prejuízo da possibilidade de representação do Estado pelo Ministério Público, o que transformou numa exceção o que era uma regra, pois o possível tanto é o que pode ser como o que pode não ser vez alguma, sendo que não se vislumbra qualquer possibilidade de o Ministério Público ser eliminado, ao menos potencialmente, da representação do Estado no domínio do contencioso administrativo sem que daí resulte uma flagrante ofensa da primeira proposição do nº 1 do artigo 219º da CRP;
5 – Pelo que, esse conjunto normativo esvazia o essencial da função do Ministério Público nos tribunais administrativos, enquanto representante do Estado-Administração, mostrando-se desconforme ao parâmetro normativo consagrado na primeira proposição do nº 1 do artigo 219º da CRP;
6 – A norma do artigo 219º, nº 1 da CRP configura um imperativo constitucional, a observar pelo legislador ordinário, que contém a regra da atribuição de competência ao Ministério Público para representar o Estado;
7 – Em 1 de Janeiro de 2020 entrou em vigor o novo Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei nº 68/2019, de 27 de Agosto — i.e, menos de um mês antes da publicação da Lei nº 118/2019, de 17 de Setembro, que contém as normas cuja inconstitucionalidade se invoca, que continuou a confiar a representação do Estado ao Ministério Público (artigo 4º, nº 1, al. b)) e a prever a existência de “um departamento central de contencioso do Estado e interesses coletivos e difusos da Procuradoria-Geral da República”, o qual passará a intervir também em matéria tributária e não apenas na cível e administrativa (artigo 61º, nº 1 e 2);
8 – A Lei nº 114/2019, de 12 de Setembro, que procedeu à 12ª alteração no ETAF/2002, — i.e., menos de uma semana antes da edição da Lei nº 118/2019, a que pertencem as normas aqui questionadas —, não introduziu qualquer alteração ao disposto no artigo 51º;
9 – A representação do Estado em juízo foi sempre confiada, a nível constitucional e da lei ordinária, ao Ministério Público (com a única exceção da hipótese residual contemplada na parte final do nº 1 do artigo 24º do vigente CPC), estando essa representação, nas áreas cível, administrativa e até tributária, inequivocamente prevista em diplomas recentíssimos e de uma evidente centralidade na conformação dos nossos sistemas jurídico e judiciário;
10 – A norma do nº 1 do artigo 219º da CRP, que confia ao Ministério Público a representação judiciária do Estado-Administração (central), possui natureza auto-exequível, incondicionada, sem necessidade de densificação pela legislação ordinária, configurando-se como uma intencional e estrutural opção constitucional, em consonância com a tradição jurídica do país;
11 – Tanto o legislador constituinte originário como o derivado ponderaram os atributos do Ministério Público como magistratura dotada de ¯autonomia (artigo 219º, nº 2 da CRP), com a sua atuação sempre vinculada a ¯critérios de legalidade e objetividade (artigo 3º, nº 2 do EMP) e, em razão desses atributos, confiaram-lhe a tarefa representativa do Estado em juízo, justamente a título de representação e não como advogado, patrono ou mandatário judicial; sendo a representação do Estado nos tribunais por parte do Ministério Público é configurável como um verdadeiro princípio judiciário constitucional, com alcance material;
12 – Porém, em flagrante contradição sistémica e teleológica, a parte final do nº 1 do artigo 11º do CPTA, na redação conferida pelo artigo 6º da Lei nº 118/2019, vem reduzir a representação do Estado por parte do Ministério Público a uma pura eventualidade;
13 – A nova redação limita-se a acrescentar o substantivo ¯possibilidade, mas desse modo transforma a regra da ¯representação do Estado pelo Ministério Público em exceção, pois o possível tanto é o que pode ser como o que pode não ser vez alguma, não sendo inócuo que o conjunto de alterações legislativas no âmbito da jurisdição administrativa que ocorreram em 2019, de que faz parte aquele preceito, não tenha introduzido, paralelamente, o referido substantivo no artigo 51º do ETAF.
14 – Do confronto da fórmula usada no CPTA (parte final do nº 1 do artigo 11º “sem prejuízo da possibilidade de representação do Estado pelo Ministério Público”) com a acolhida no CPC (artigo 24º, nº 1: ¯O Estado é representado pelo Ministério Público, sem prejuízo dos casos em que a lei especialmente permita o patrocínio por mandatário judicial próprio…), resulta segura a conclusão de que, no âmbito do primeiro diploma, a representação do Estado por parte do Ministério Público tem caráter eventual e subsidiário, ao passo que no segundo constitui a regra, só passível de afastamento por lei concreta;
15 – A nova redação do artigo 11º, nº 1, in fine, do CPTA torna meramente eventual e subsidiária a intervenção do Ministério Público como representante do Estado no processo administrativo, pelo que, mesmo numa apreciação isolada, dificilmente a norma se compatibilizaria com o princípio judiciário constitucional da representação do Estado nos tribunais através do Ministério Público, imposta pelo primeiro segmento do nº 1 do artigo 219º da CRP;
16 – A desarmonia dessa norma com a Lex Fundamentalis torna-se ainda mais clara quando se proceda à sua interpretação conjugadamente com a do nº 4 do artigo 25º, também aditado pela referida Lei nº 118/20, que estabelece que quando seja demandado o Estado a citação é dirigida unicamente ao Centro de Competências Jurídicas do Estado;
17 – No que se reporta ao Estado, a norma destrói a mais elementar lógica de constituição da instância processual administrativa, visto que, por um lado, o réu Estado-Administração é ¯unicamente citado numa entidade que não possui poderes legais para a sua representação em juízo e, por outro, não é citado através do órgão que possui tais poderes, por força de disposição constitucional (e também legal);
18 – Por outro lado, nos termos do artigo 223º, nº 1 do CPC, subsidiariamente aplicável ao contencioso administrativo, a citação das pessoas coletivas — como é o caso indiscutível do Estado-Administração — realiza-se ¯na pessoa dos seus legais representantes;
19 – O único representante do Estado em juízo, pelo menos enquanto o Estado não manifestar a vontade de pretender ser patrocinado de outro modo (pressuposta, por necessidade de raciocínio, a validade dessa declaração), o seu representante natural é o Ministério Público, em quem deve ser realizada a citação;
20 – O mecanismo implementado pelo nº 4 do artigo 25º, conjugado com a parte final do nº 1 do artigo 11º do CPTA, ambos na redação da Lei nº 118/2019, conduz em linha reta, de forma necessária, a uma presença subsidiária e minimalista do Ministério Público como representante do Estado no processo administrativo;
21 – Acresce que a norma do nº 4 do art.º 25º CPTA, na redação da Lei nº 118/2019, vem atribuir ao Centro de Competências Jurídicas do Estado a competência para coordenar ¯os termos da (…) intervenção em juízo do ¯serviços a quem aquele entenda ¯transmitir a citação, que, no caso dos autos (tal como noutros), não a transmitiu ao Ministério Público, estando sob sua decisão escolher quem vai representar o Estado;
22 – Só um construtivismo artificial e pré-ordenado pode sustentar a legitimidade constitucional da opção do legislador ordinário, creditando-a na faculdade de a Assembleia da República definir a competência do Ministério Público (cfr. artigo 165º, nº 1, al. p) da CRP), pois é verdade elementar que a lei formal também deve obediência ao princípio da constitucionalidade;
23 – Apesar da sua falta de clareza e desarmonia com a arquitetura do sistema processual, resulta do preceito que o dito Centro pode, se e quando lhe aprouver, confiar a representação judiciária do Estado ao Ministério Público — tratado como mero ¯serviço administrativo — e coordenar ¯os termos da respetiva intervenção em juízo;
24 – Ou seja, o dito Centro passará a decidir, caso a caso, se o Ministério Público representa ou não o Estado, sem que haja qualquer indicação dos critérios que conformam tal decisão, sendo que o teor da norma constitucional constante do artigo 219º, nº 1 da CRP não permite a supressão do Ministério Público como representante do Estado (tal como sucedeu no caso concreto dos autos);
25 – Ao atribuir ao Centro de Competências Jurídicas do Estado, um serviço central da administração direta do Estado, a competência para proferir decisões que delimitam a intervenção do Ministério Público enquanto representante do Estado, a norma jurídica resultante das disposições conjugadas dos artigos 11º, nº 1 e 25°, n° 4 do CPTA configura, forma, uma inconstitucionalidade material, também por violação ao artigo 165°, n° 1, al. p) da CRP;
26 – A norma em causa prevê que, em vez do Estado, seja citado o referido Centro que transmitirá aos serviços competentes, e, se assim o entender (e quando o entender), a transmitirá ao Ministério Público. No entanto, o Ministério Público não é um serviço do Estado-Administração, mas sim um órgão constitucional da administração da justiça, pelo que o conhecimento da ação – a citação - quando seja demandado o Estado representado pelo Ministério Público não pode deixar de ter lugar no âmbito do contexto jurisdicional;
27 – No que concerne aos ¯termos da respetiva intervenção em juízo‖ a norma ínsita na parte final do novo nº 4 do artigo 25º do CPTA confere à JurisApp competência para coordenar os próprios ¯termos da intervenção do Ministério Público quanto a aspetos relativos à técnica do processo;
28 – Desse modo, sai gravemente ofendido o princípio da autonomia (externa) do Ministério Público, consignado no nº 2 do artigo 219º da CRP, degradando-se esta magistratura à condição de mera serventuária subordinada da vontade da Administração;
29 – Em face do exposto, é forçoso concluir que as normas constantes do segmento final do nº 1 do artigo 11º e do nº 4 do artigo 25º do CPTA, na redação da Lei nº 118/2019, de 17.09, são materialmente inconstitucionais, por violação do disposto no artigo 219º da CRP, nº 1, primeira proposição (¯Ao Ministério Público compete representar o Estado) e nº 2 (¯O Ministério Público goza de (…) autonomia…), violando igualmente o conteúdo material dos princípios e normas constitucionais do artigo 165°, n° 1 da CRP, pelo que são materialmente inconstitucionais, nos termos do artigo 277°, n° 1, da CRP;
30 – E, em consequência, verifica-se a nulidade emergente da falta de citação do Estado, por omissão completa do ato (artigos 188, nº 1, al. a) e 187, al. a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 1º do CPTA), uma vez que o Ministério Público não foi citado.

Termina pugnando pela revogação do despacho recorrido e sua substituição por outro que determine:
a) A recusa de aplicação, neste processo, das normas constantes do segmento final do nº 1 do artigo 11º e do nº 4 do artigo 25º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), na redação da Lei nº 118/2019, de 17.09, por inconstitucionalidade material da violação do parâmetro constante da primeira proposição do nº 1 do artigo 219º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e do nº 2 desta mesma disposição, bem como do conteúdo material dos princípios e normas constitucionais do artigo 165°, n° 1 da CRP;
b) E, em consequência, que:
- Seja declarada a nulidade da falta de citação do réu Estado (artigos 188, nº 1, al. a) e 187, al. a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 1º do CPTA), com a consequente anulação de todo o processado posterior à Petição Inicial, e
- Seja determinada a citação do Estado no Ministério Público.

Notificados, dos recorridos apenas o MINISTÉRIO DA DEFESA NACIONAL apresentou contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso, com manutenção do despacho recorrido, defendendo, em suma, que as normas ínsitas nos artigos nos artigos 11.º, n.º 1, e 25.º, n.º 4, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos não padecem de inconstitucionalidade, devendo por isso ser aplicadas em concreto; e, por conseguinte, inexiste qualquer nulidade processual por o Ministério Público não ter sido citado, devendo por isso manter-se o processado posterior à petição inicial, e formulando o seguinte quadro conclusivo, nos seguintes termos:
1.ª Na presente ação – intentada contra o ESTADO PORTUGUÊS, o EXÉRCITO NACIONAL e a CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, I.P. –, o Ministério Público foi notificado da citação por parte do Centro de Competências Jurídicas do Estado (JurisAPP), como determina o artigo 25.º, n.º 4, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e nos termos do artigo 85.º, n.º 1, do mesmo código.
2.ª Está, portanto, em juízo depois de devidamente notificado e em representação do ESTADO PORTUGUÊS.
3.ª Apesar disso mesmo, através do presente recurso jurisdicional, o Ministério Público veio, por um lado, arguir a nulidade por não ter sido citado, facto que seria determinante da anulação do processado posterior à petição, por força do artigo 187.º, alíneas a) e b), do Código de Processo Civil, aplicáveis subsidiariamente.
4.ª Bem como, por outro lado, alegar a inconstitucionalidade material das normas ínsitas nos artigos 11.º, n.º 1, e 25.º, n.º 4, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, na versão resultante da Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, cuja desaplicação com efeitos circunscritos ao caso concreto o Ministério Público também requer.
5.ª Fá-lo, contudo, sem razão.
6.ª Os argumentos que o Ministério Público elenca não logram demonstrar a inconstitucionalidade do disposto no artigo 11.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos por alegada violação do artigo 219.º, n.º 1, da Constituição.
7.ª Não só porque o acquis dos precedentes constitucionais e legislativos tem muito pouca relevância para aferir o sentido de uma norma,
8.ª como também porque improcede o entendimento, subjacente ao requerimento do Ministério Público, de que o n.º 1 do artigo 219.º não admitiria exceções a introduzir pelo legislador à representação dos interesses do Estado pelo Ministério Público e que não haveria outras normas legais a admitir a representação do Estado por outras entidades,
9.ª e, finalmente, também porque a norma do novo n.º 1 do artigo 11.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos está muito longe de implicar um completo esvaziamento das competências constitucionais reconhecidas ao Ministério Público para assegurar a representação do Estado em Tribunal.
10.ª Por um lado, a tradição jurídica e o precedente, só por si, não constituem um critério para sustentar um argumento de inconstitucionalidade de uma solução legislativa que quebre a regra que autoriza o Ministério Público a representar o Estado em tribunal.
11.ª A este propósito, importa convocar, desde logo, a posição da Comissão Constitucional, que, no seu Parecer n.º 8/82, de 9 de março de 1982, foi muito clara no sentido de evidenciar que o Ministério Público não tem o monopólio da representação do Estado em tribunal e que esta pode ser validamente atribuída a outros órgãos ou entidades.
12.ª Em qualquer caso, logo à partida, essa representação do Estado pelo Ministério Público, como se verá de seguida:
(i) Não tem, há muito, arrimo no direito comparado europeu;
(ii) Revela disfunções complexas na representação dos interesses do Estado;
(iii) É problemática do ponto de vista da responsabilização política do Governo pelos seus atos;
(iv) É objeto de exceções relevantes na própria ordem constitucional portuguesa; e
(v) Não se esgota no campo do contencioso administrativo.
13.ª Em primeiro lugar (i), o próprio Parecer n.º 8/82 da Comissão Constitucional dá nota de que, em 1982, a representação do Estado pelo Ministério Público em juízo ocorria, para além de Portugal, essencialmente em Estados da América Latina, como a Colômbia, a Venezuela e a Guatemala.
14.ª Daí que o modelo tradicional português seja uma exceção, que a doutrina e jurisprudência não configuram como “natural, própria, especifica ou típica” do Ministério Público e que pode inclusivamente ser tida como algo obsoleta, no universo comparado da representação do Estado em tribunal, tal como esta é garantida pelos restantes Estados europeus e até por Estados de expressão portuguesa como o Brasil, onde opera a nível federal a Advocacia Geral da União.
15.ª Em segundo lugar (ii), concede-se que, pese as experiências de direito comparado, o modelo português, assente na regra geral da representação do Estado pelo Ministério Público, poderia ter provado a sua eficiência na defesa em juízo dos interesses jurídicos da administração central, nomeadamente do Governo.
16.ª Mas nem sempre foi ou é assim: como refere a doutrina, por vezes é difícil assumir num dado processo a dupla natureza de protagonista de “uma intervenção imparcial para a promoção da legalidade” e o “patrocínio judiciário público da Administração estadual.
17.ª Desde logo, porque estão em causa duas perspetivas bem diferentes: o Ministério Público, enquanto responsável pela defesa da legalidade democrática, desempenha funções estritamente objetivistas, mas enquanto exerce a função de representação do Estado, exerce funções essencialmente subjetivistas.
18.ª E, estando em causa a sustentação de um ato ou de uma norma administrativa oriunda de um membro do Governo, este e o Ministério Público podem legitimamente divergir sobre a questão da sua legalidade ou podem pretender convocar argumentos e estratégias processuais muito diversas no tocante à sustentação dessa legalidade.
19.ª Basta pensar em casos em relação aos quais os órgãos competentes do Estado detenham margem de livre decisão administrativa, exercendo um conjunto de valorações próprias da função administrativa.
20.ª Ou em situações em que o Ministério Público, como titular da ação pública, pondera demandar o próprio Estado – caso em que, por absurdo, teria de atuar, por um lado, como autor, e por outro como representante do réu.
21.ª Pelo que facilmente se vê que o interesse público tal como é perspetivado e defendido em cada caso pelo Estado – e cuja prossecução também tem proteção constitucional não só no princípio da separação de poderes, mas também como um dos princípios constitucionais da atividade administrativa no n.º 2 do artigo 266.º da Constituição – nem sempre coincide com uma perspetiva de estrita legalidade.
22.ª Ora, em geral, mas em especial nestes últimos casos, o Governo não pode, na defesa
da licitude da sua atuação ficar, necessariamente, amarrado ou dependente da “dupla personalidade” do Ministério Público ou do seu argumentário.
23.ª Em terceiro lugar (iii), e na sequência do ponto anterior, entender que o Ministério Público representa sempre e necessariamente o Estado no quadro de uma autonomia que impede as entidades constitucionalmente competentes de fazer valer o interesse público tal como é por si perspetivado significa uma potencial aniquilação do esquema constitucional de responsabilização política.
24.ª Efetivamente, a autonomia de qualquer órgão de soberania – entre os quais se conta o Governo – não se pode esgotar na decisão de prática ou não adoção de um qualquer ato jurídico, devendo incluir também a sua defesa contenciosa, caso os mesmos sejam objeto de contestação judicial.
25.ª Sob pena de o Governo não mais poder ser responsabilizado pelo exercício das suas competências pela Assembleia da República, pelo Presidente da República e pelo povo se as opções estratégicas de defesa da posição do Estado forem necessariamente de um órgão a quem é constitucionalmente atribuída autonomia.
26.ª Em quarto lugar (iv), tomando em devida nota os problemas que advêm desta “dupla personalidade” do Ministério Público, o legislador foi, com o tempo e atentas as necessidades de defesa de interesses do Estado-administração protagonizados pelo Governo, criando exceções relevantes à representação do Estado por parte do Ministério Público.
27.ª A redação atual do artigo 219.º, n.º 1, da Constituição, que confere à lei ordinária a faculdade de definir os interesses que o Ministério Público pode ou deve defender no âmbito do Estado-administração, ou fora dele, encontra-se em maior consonância com a jurisprudência constitucional, mormente com o Parecer da Comissão Constitucional n.º 8/82 que, de uma forma lapidar, clarificou que o Ministério Público não monopoliza a representação em juízo do Estado-administração, podendo a lei conferir também essa representação a outros órgãos ou entidades.
28.ª Atente-se no seguinte passo do referido parecer, com sublinhados nossos:
O que, aqui, pois, está em causa é, tão-somente, a previsão de um representante permanente do Estado. De alguém que, sempre que necessário, assegure a defesa dos seus direitos, em juízo.
Essa representação não foi, contudo, pensada em termos de monopólio.
Neste domínio, se, por falta de conceitos capazes de exprimir com exatidão a realidade, se quiser lançar mão da ideia de uma reserva de competência, o máximo que, então, esta expressão significará é o seguinte: o legislador não pode privar, totalmente, o Ministério Público das funções de representação do Estado, em juízo, cometendo-as, por inteiro, a outras entidades.”
29.ª De resto, isto mesmo foi reconhecido já na Assembleia Constituinte. Como premonitoriamente afirmou o Deputado Constituinte Luís Catarino, “O Estado terá necessariamente múltiplas e cada vez mais variadas e importantes tarefas a cumprir; terá de intervir cada vez mais extensa e intensivamente nos vários setores da atividade social; terá cada vez maior necessidade de garantir a sua representação e a sua intervenção nas mais variadas zonas; terá ele, por isso, também na sua vida jurídica, a necessidade de assegurar a sua intervenção e a sua representação”.
30.ª E o facto é que sucessivos atos legislativos atribuíram a outras entidades a representação de interesses públicos inerentes ao Estado-administração:
(a) Nos termos do artigo 15.º, n.º 1, do Código de Procedimento e Processo Tributário e do artigo 53.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, há muito que a Fazenda Pública tem os seus próprios representantes, cingindo-se a legitimidade do Ministério Público em processo tributário à “[…]defesa da legalidade, [na] promoção do interesse público e representação dos ausentes, incertos e incapazes” (artigo 14.º, n.º 1, do Código de Procedimento e Processo Tributário);
(b) Desde as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro, ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos que, no seguimento do seu artigo 11.º, que o Estado, enquanto entidade pública, não está, como anteriormente, exclusivamente representado pelo Ministério Público nas ações de responsabilidade civil ou sobre contratos;
(c) O artigo 24.º do Código de Processo Civil também criou desvios à regra geral de representação do Estado pelo Ministério Público; e
(d) Por fim, em sede de representação do Estado em juízo perante tribunais arbitrais, entendeu a própria Procuradoria-Geral da República não ter o Ministério Público competências legais para tal efeito.
31.ª Em quinto lugar (v), a concretização da norma constitucional em causa não se esgota no âmbito do contencioso administrativo – aliás, o seu texto não refere sequer o contencioso administrativo especificamente, mas faz apenas referência à representação do Estado em geral, devendo aferir-se o seu respeito ou a sua violação de uma perspetiva global.
32.ª Sendo assim, mesmo com a configuração que resulta da Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, o Ministério Público continua a representar o Estado:
(4) Em contencioso administrativo, nos termos abaixo descritos;
(5) Em processo civil, nos casos previstos no artigo 24.º do Código de Processo Civil; e
(6) Em processo do trabalho, em exclusivo, nos termos do artigo 6.º do Código de Processo do Trabalho.
33.ª De resto, tanto assim é que nem a Procuradoria-Geral da República nem o Conselho Superior do Ministério Público, no parecer que juntaram no procedimento legislativo que culminou na aprovação da Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, suscitaram a inconstitucionalidade da norma ínsita no n.º 1 do artigo 11.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos – ou de qualquer outra norma do mesmo diploma.
34.ª Por outro lado, a norma do novo n.º 1 do artigo 11.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos é insuscetível de implicar um completo esvaziamento das competências constitucionais reconhecidas ao Ministério Público para assegurar a representação do Estado em Tribunal.
35.ª A escassa jurisprudência constitucional vertida no domínio da representação do Estado pelo Ministério Público tem uma aceção minimalista do núcleo dessas competências, o que é demonstrado pelo Parecer n.º 8/82 da Comissão Constitucional, de acordo com o qual:
(i) No que respeita ao preceito constitucional relativo à representação do Estado pelo Ministério Público, “[…] o que, aqui, pois, está em causa é, tão-somente, a previsão de um representante permanente do Estado. De alguém que, sempre que necessário, assegure a defesa dos seus direitos, em juízo. Essa representação não foi, contudo, pensada em termos de monopólio”;
(ii) “Neste domínio, se, por falta de conceitos capazes de exprimir com exatidão a realidade, se quiser lançar mão da ideia de uma reserva de competência, o máximo que, então, esta expressão significará é o seguinte: o legislador não pode privar, totalmente, o Ministério Público das funções de representação do Estado, em juízo, cometendo-as, por inteiro, a outras entidades”;
(iii) “A representação do Estado pelo Ministério Público terá que constituir sempre a regra. O que, decerto, se não imporá já é que a representação do Estado por outras entidades tenha que ser, sempre, uma representação concorrencial ou subsidiária da do Ministério Público”;
(iv) “Pode, por isso, muito bem aceitar-se que, em certos domínios, essa função de representação do Estado seja atribuída, em exclusivo, a entidades diferentes […]. Será, assim, uma representação de substituição. Questão é que existam razões que, seriamente, aconselhem uma tal solução. Razões que podem arrancar do propósito de se conseguir uma maior eficácia na defesa dos interesses do Estado”.
36.ª Impõe-se, assim, confrontar diretamente o teor do n.º 1 do artigo 11.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos com o n.º 1 do artigo 219.º da Constituição, na linha interpretativa esboçada pela justiça constitucional portuguesa.
37.ª Em primeiro lugar, e na generalidade, regista-se que o essencial da redação do preceito foi introduzido pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro, cuja inconstitucionalidade não foi anteriormente contestada pelo Ministério Público: a Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, manteve intocada essa redação, tendo apenas acrescentado o termo “possibilidade”.
38.ª Em segundo lugar, o aditamento do vocábulo “possibilidade” ao n.º 4 do artigo 25.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos pela sobredita Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, não mais fez do que positivar ou “fotografar” normativamente uma realidade não só jurídica mas também existencial, dando uma maior clareza aos termos e ao âmbito da representação do Estado em juízo pelo Ministério Público, como uma regra geral sujeita a exceções, ditadas pela conveniência dos órgãos soberanos do mesmo Estado.
39.ª Por outras palavras, a junção do termo “possibilidade” (“sem prejuízo da possibilidade de representação do Estado pelo Ministério Público”) pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, e que é agora sindicada pelo Ministério Público no requerimento em exame, nada mais fez do que concretizar no Código de Processo nos Tribunais Administrativos algo que já estava consagrado, pelo menos desde 2015.
40.ª Em terceiro lugar, partindo da interpretação da jurisprudência constitucional sobre os termos da representação do Estado pelo Ministério Público – que exclui, assertivamente, um monopólio dessa representação e da qual a nova redação do n.º 1 do artigo 219.º se aproximou, reforçando o papel do legislador na definição dos interesses que a nível estadual ou extra-estadual o Ministério Público pode representar em juízo –, conclui-se, que o sobredito n.º 1 do artigo 11.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos nem priva “totalmente” o Ministério Público das competências de representação do Estado, nem as comete “por inteiro” a outras entidades.
41.ª Antes pelo contrário: declarando que nos tribunais administrativos é obrigatória a constituição de mandatário, o preceito admite que as entidades públicas, incluindo o Estado-administração, possam “fazer-se patrocinar em todos os processos por advogado, solicitador ou licenciado em direito ou em solicitadoria com funções de apoio jurídico”.
42.ª Trata-se de uma faculdade e não de uma imposição (clarificada pelo uso da expressão “podendo”) e que será solucionada, a nível do Governo, caso a caso, em razão na natureza dos processos e das particularidades da defesa do interesse público, tal como esta é perspetivada pelos órgãos que o compõem.
43.ª A intervenção do Ministério Público não é, de modo algum, arredada e continua como regra geral, como o demonstra a fórmula “sem prejuízo da possibilidade de representação do Estado pelo Ministério Público”.
44.ª Ora, em boa verdade, esse caráter pontualmente subsidiário da intervenção do Ministério Público – que o Recorrente considera inconstitucional – é expressamente admitido pelo Parecer n.º 8/82 da Comissão Constitucional, que o admite na medida em que considera que o atual artigo 219.º da Constituição “não imporá […] que a representação do Estado por outras entidades tenha que ser, sempre, uma representação concorrencial ou subsidiária da do Ministério Público”.
45.ª Por outras palavras: sempre que o Governo não incumba outrem do seu patrocínio judiciário, aplica-se a regra de que é representado pelo Ministério Público.
46.ª Em quarto lugar, no que diz respeito às alterações introduzidas pelo novo Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei n.º 68/2019, de 27 de agosto, deve assinalar-se, em boa verdade, que as mesmas têm um alcance bastante menor do que é alegado no recurso.
47.ª Em boa verdade, a criação do referido departamento de contencioso do Estado e interesses coletivos e difusos como um dos departamentos centrais da Procuradoria-Geral da República determina a necessidade de inclusão de normas de competência interna.
48.ª Esta parte do Estatuto do Ministério Público consubstancia, portanto, e essencialmente, um diploma de organização interna do próprio Ministério Público – no fundo, como acontece com os demais órgãos e serviços com autonomia, trata-se de uma verdadeira lei orgânica do Ministério Público.
49.ª Por conseguinte, o n.º 1 do artigo 11.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos em nada ofende o disposto no n.º 1 do artigo 219.º da Constituição.
50.ª A outro tempo, o artigo 25.º, n.º 4, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos – ao determinar que o Centro de Competências Jurídicas do Estado seja citado quando seja demandado o Estado ou vários ministérios na mesma ação – é plenamente conforme com a Constituição, como se verá.
51.ª Sendo que apenas a norma constante do último segmento do preceito deva, por natureza, ser considerada inaplicável ao Ministério Público – ainda que essa norma seja irrelevante no presente processo, porque não foi aplicada e consiste, assim, numa interpretação meramente hipotética, irrelevante para efeitos de fiscalização incidental da constitucionalidade ao abrigo do artigo 204.º da Constituição. Senão vejamos.
52.ª O Ministério Público considera inconstitucional, por violação do n.º 1 do artigo 219.º da Constituição, o segmento normativo do n.º 4 do artigo 25.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, na redação dada pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, que determina que quando “seja demandado o Estado, ou na mesma ação sejam demandados diversos ministérios, a citação é dirigida unicamente ao Centro de Competências Jurídicas do Estado, que assegura a sua transmissão aos serviços competentes”.
53.ª Isto, porque não faria sentido que, em ações relativamente às quais o Estado seja demandado e cuja representação o artigo 219.º da Constituição comete ao Ministério Público, a citação não seja dirigida ao Ministério Público, mas “unicamente” ao Centro de Competências Jurídicas do Estado, sendo que o ato legislativo relativo à sua organização e funcionamento (n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 149/2017, de 6 de dezembro), não lhe atribui a competência genérica para representar o mesmo Estado em juízo.
54.ª Procurando precisar o sentido da norma sindicada, cumpre tecer as considerações que se seguem.
55.ª Em primeiro lugar, o segmento do preceito em crise que se encontra em análise não atribui diretamente poderes funcionais ao Centro de Competências Jurídicas do Estado para assegurar a representação do Estado, como alega o Recorrente, mas antes para operar como órgão responsável pela receção e encaminhamento de citações judiciais sempre que seja demandado o Estado ou mais de um ministério.
56.ª O que o preceito determina, no que respeita à receção de citações e canal de remessa de processos, é apenas a necessidade de os tribunais, em sede de contencioso administrativo e nos dois casos que nele se encontram previstos, dirigirem a citação, unicamente, ao Centro de Competências Jurídicas do Estado, que as encaminhará aos órgãos e entidades competentes para assumirem essa representação.
57.ª O referido centro funcionará, apenas, como uma espécie de balcão ou estrutura estadual de receção e encaminhamento de processos, em representação do Estado, função processual de natureza instrumental que lhe pode ser pacificamente atribuída por lei, como é o caso do n.º 4.º do artigo 25.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
58.ª Trata-se de uma escolha compreensível, na medida que, encontrando-se muito frequentemente nas referidas demandas envolvidos ministérios, resulta ser essencial que seja o Governo a ter uma perceção de conjunto da ratio dessas demandas e a definir uma estratégia processual para certas categorias de ações que de algum modo o envolvem.
59.ª De resto, constituindo a representação do Estado pelo Ministério Público um caso de representação legal, bem se compreende que assim seja.
60.ª É que o Ministério Público não é um órgão do Estado-administração – que é a pessoa coletiva que é representada nas ações administrativas.
61.ª É antes um órgão da atividade judiciária do Estado – como resulta claramente da sua inserção sistemática no título V da Constituição, dedicado aos Tribunais.
62.ª Nestes termos, não sendo nem sujeito da relação material controvertida, nem um órgão da pessoa coletiva que representa, não exerce representação orgânica, mas sim representação legal.
63.ª E, no quadro desta, tratando-se de uma mera opção do legislador democrático e ão de uma decorrência ontológica, pode por aquele ser livremente determinada a entidade que é citada.
64.ª De resto, a Comissão Constitucional, no seu Parecer n.º n.º 8/82, afirmou mesmo que “A representação do Estado em juízo pelo Ministério Público apenas se justifica por razões de pragmatismo, não se descobrindo fundamento material para uma reserva de tal competência. Ao invés, o que a autonomia do Ministério Público poderia reclamar seria que lhe não cometessem essas funções de representação”.
65.ª Em segundo lugar, conclui-se no sentido de que o facto de o Centro de Competências Jurídicas do Estado constituir o destinatário das citações relativas a processos do contencioso administrativo em que o mesmo Estado seja demandado em nada afetará a competência constitucional genérica do Ministério Público de representação do Estado em juízo.
66.ª Isto porque o regime procedimental de citação e encaminhamento processual deve ser, naturalmente, distinguido do poder funcional de representação do Estado, constante do n.º 1 do artigo 11.º.
67.ª Efetivamente, o Centro de Competências Jurídicas do Estado não substitui o Ministério Público na sua competência genérica de representação do mesmo Estado (exceto nos casos em que a lei lhe comete funções de representação em juízo do Primeiro-Ministro, do Conselho de Ministros e de qualquer outro membro do Governo organicamente integrado na Presidência do Conselho de Ministros ou que beneficie dos respetivos serviços partilhados), não dispondo de competência geral para representar o Estado junto dos tribunais como indica o recorrente, questão irrelevante no presente caso já que o preceito sindicado não lhe confere esse poder funcional.
68.ª O que não deixa de ser curioso é a prática do Ministério Público de, quando assegura a representação do Estado, solicitar ao referido Centro de Competências Jurídicas do Estado e a outros departamentos de contencioso dos Ministérios, que lhe preparem no todo ou em parte a argumentação (em formato Word para poder ser objeto de cópia ágil nas contestações), transformando estes órgãos, respetivamente, da Presidência do Conselho de Ministros e das outras áreas governativas, em unidades de consulta ou de apoio do próprio Ministério Público.
69.ª Só nos dez anos compreendidos entre 2010 e 2019, o Ministério Público solicitou, designadamente, ao Centro Jurídico da Presidência do Conselho de Ministros/Centro de Competências Jurídicas do Estado, 353 informações técnicas (essencialmente em ações de responsabilidade e ações de contratos), bem como 8 relativas ao contencioso constitucional e 13 documentos da mesma natureza com outras designações.
70.ª Em terceiro lugar, e em conclusão do que se disse antes, de facto, “nunca seria de aplicar ao caso em análise o disposto nos artigos 187.º, alínea a), e 188.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil, pois, como resulta do processado, in casu, não se verifica qualquer omissão do ato de citação”.
71.ª Pelo que se pode asseverar que a norma sindicada que consta do n.º 4 do artigo 25.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos não viola as competências do Ministério Público na representação do Estado em juízo, não havendo, assim, qualquer inconstitucionalidade por suposta violação do artigo 219.º da Constituição.
72.ª Podendo ser vários os significados da fórmula “coordenação administrativa”, um primeiro significado possível e hipotético que se pode extrair desta disposição no que respeita à relação estabelecida entre o Centro de Competências Jurídicas do Estado e o Ministério Público é o de que, sempre que for demandado o Estado, a citação é dirigida ao Centro que, se for o caso, a transmitirá ao Ministério Público e coordenará com este os termos da respetiva intervenção em juízo.
73.ª E, no contexto dessa faculdade de coordenação, não estaria afastada a hipótese, no plano administrativo, de uma forma de coordenação supra-ordenadora, o que neste caso implicaria a consagração da faculdade de o mesmo dar orientações ao Ministério Público, de entre outras entidades, sobre o modo como este último deveria assegurar a defesa dos interesses do Estado em juízo.
74.ª Ora, semelhante sentido interpretativo conferido ao preceito seria inconstitucional.
75.ª O Ministério Público, no exercício das suas competências, goza de autonomia, uma garantia institucional expressamente consagrada no n.º 2 do artigo 219.º da Constituição.
76.ª Deste modo, seria violador da autonomia do Ministério Público um sentido normativo que atribua ao Centro de Competências Jurídicas do Estado, um órgão técnico e administrativo auxiliar do Governo, a faculdade de exercer poderes de coordenação supra-ordenadores sobre o Ministério Público na condução do processo em que este representa o Estado em tribunal.
77.ª Isto, sem prejuízo de as duas entidades poderem, caso o entendam por útil, celebrar protocolos, através dos quais possam articular-se equiordenadamente, em termos de troca de informações de ordem factual e técnica que permitam ao Ministério Público uma melhor condução da defesa dos interesses do Estado.
78.ª Por conseguinte, deve proceder uma interpretação alternativa da relação de sentido normativo do preceito, nos termos da qual a “coordenação” da “intervenção em juízo” apenas se aplica, como é natural, aos serviços jurídicos dos diversos ministérios, com os quais o Centro se encontra articulado, nomeadamente através da Rede de Serviços Jurídicos da Administração Pública.
79.ª Logicamente, o preceito sindicado só pode ser lido e interpretado nestes exatos termos, não envolvendo essa coordenação equiordenada o Ministério Público, o qual não integra a administração pública, contrariamente aos citados ministérios.
80.ª O que se expôs evidencia também inexistir qualquer violação do artigo 220.º da Constituição, ao contrário do que vem alegado pelo Ministério Público.
81.ª Em qualquer caso, no que a este segmento do artigo 25.º, n.º 4, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos concerne, a questão não é suscetível de ser aplicada no caso concreto – na medida em que o Centro de Competências Jurídicas do Estado não coordenou, de forma alguma, a atividade do Ministério Público.
82.ª Nem o Ministério Público alega que isso tenha ocorrido.
83.ª Desta forma, não competindo aos tribunais controlar, de forma incidental, interpretações meramente hipotéticas de normas jurídicas em sentidos que não sejam efetivamente aplicados em concreto ao abrigo do artigo 204.º da Constituição, a mesma é irrelevante para o presente caso.

Admitido o recurso por despacho do Mmº Juiz a quo, com subida imediata e em separado, e formado o apenso com a certidão das peças do processo que instruem o presente recurso, subiu o mesmo a este Tribunal Central Administrativo.
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Sem vistos, foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.
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II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/das questões a decidir
É objeto do presente recurso o despacho de 11/02/2020 do Mmº Juiz do Tribunal a quo que indeferiu a arguição de nulidade da falta de citação do réu ESTADO PORTUGUÊS suscitada pelo Digno Magistrado do MINISTÉRIO PÚBLICO junto daquele Tribunal.
Sendo o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo, ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA, a questão essencial a decidir é a de saber se as normas constantes do segmento final do nº 1 do artigo 11º e do nº 4 do artigo 25º do CPTA, na redação dada pela Lei nº 118/2019, de 17 de setembro, deviam ter sido desaplicadas porque materialmente inconstitucionais, em termos que ao invés da citação ter sido dirigida ao CENTRO DE COMPETÊNCIAS JURÍDICAS DO ESTADO devia ter sido dirigida ao MINISTÉRIO PÚBLICO por ser este quem deve representar na ação o demandado ESTADO PORTUGUÊS.
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III. FUNDAMENTAÇÃO

A – De facto
Com relevo para a apreciação do presente recurso importa considerar os seguintes elementos essenciais, patenteados nos autos, com os quais foi instruído o presente recurso, que assim se fixa:
1.) J. (devidamente identificado nos autos) instaurou em 05/11/2019 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel ação administrativa de caráter urgente (a que alude o artigo 48º do DL. nº 503/99, de 20 de novembro), destinada à efetivação de direitos decorrentes de acidente em serviço, ali distribuída sob Proc. nº 902/19.0BEPNF, em que identificou como réus (na sequência de convite ao aperfeiçoamento da PI) o (1) MINISTÉRIO DA DEFESA NACIONAL, a (2) CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, IP e o (3) ESTADO PORTUGUÊS, peticionando a procedência a ação e por via dela ser:
«1. O 1º R condenado a reconhecer o acidente a que se reportam os autos como um acidente de serviço, com todas as consequências legais, designadamente, a sua obrigação de proceder à reparação do mesmo assim como de comunicar tal acidente à CGA de modo a que esta realize a competente Junta Médica e passe a pagar ao A. a pensão anual e vitalícia devida ou o correspondente capital de remição;
2. O 1º R. condenado a efectuar ao A. todas as prestações reparatórias do seu acidente de serviço que não caibam à CGA, designadamente, facultando-lhe os medicamentos, consultas médicas e sessões de fisioterapia e, eventualmente, as cirurgias que se revelem necessárias e/ou convenientes ao restabelecimento da sua saúde e da sua capacidade de trabalho;
3. A 2ª R. CGA condenada a realizar JUNTA MÉDICA à pessoa do A. e, na sequência do resultado da mesma, a pagar-lhe as pensões agravadas e considerando a totalidade da retribuição auferida pelo A., como resulta dos Arts. 34º nº 1 Dl 503/99 e dos Arts. 18º e 79º da Lei 98/2009;
4. Caso se entenda que a 2ª R. CGA apenas pode responder pelas prestações normalmente previstas na lei, deve esta ser condenada no pagamento das pensões devidas ao A. calculadas de modo normal, sem agravamento (mas mesmo aí considerando a totalidade da retribuição e não apenas a que estava sujeita a descontos para a segurança social – cfr. Arts. 34º nº 1 DL 503/99 e 71º Lei 98/2009) ou no pagamento do respectivo capital de remição, devendo o 1º R. ser responsabilizado pelo pagamento d parte correspondente ao agravamento de tais pensões/capital de remição.
5. O 1º R. condenado a pagar ao A. a quantia de € 20.000,00 a título de compensação pelos danos morais que para si decorreram do acidente dos autos;
6. Caso se entenda que o pedido de prestações agravadas assim como de compensação de danos morais, extravasa a reparação de acidentes de serviço como prevista no DL 503/99 -o que não se aceita e apenas para efeitos de raciocínio se concebe – sempre deverá então o 3º R., ESTADO PORTUGUÊS – responder pelas prestações agravadas requeridas assim como pela compensação dos danos morais do A..
7. Tudo acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos, desde a data de vencimento de cada uma das prestações reclamadas e até integral pagamento, nos termos dos artigos 9º, nº 5 do art.20º, 34º e 38º do Decreto-Lei 503/99 de 20 de Novembro.»
- cfr. certidão de fls. SITAF do presente apenso (fls. 1 ss. do autos).
2.) A citação dos réus para a ação foi efetuada por ofício postal datado de 27/11/2019, dirigido ao CENTRO DE COMPETÊNCIAS JURÍDICAS DO ESTADO, sito na Rua Professor Gomes Teixeira, 2, 1º andar, 1399-022 Lisboa.
- cfr. certidão de fls. SITAF do presente apenso (fls. 53 do autos)
3.) Por requerimento de 28/11/2019 o MINISTÉRIO PÚBLICO, afirmando agir «em nome próprio e como representante judiciário do Estado» arguiu ocorrer nulidade por falta de citação do ESTADO PORTUGUÊS, sustentando, em suma, a inconstitucionalidade material das normas do artigo 11º nº 1 parte final do artigo 25º nº 4 do CPTA, na redação dada pela Lei n.º 118/2019, por violação do disposto na primeira proposição do n.º 1 do art. 219.º da Constituição e no n.º 2 desta mesma disposição, devendo, com tal fundamento, ser recusada a sua aplicação, e por via dela, dever ser a citação do ESTADO PORTUGUÊS efetuada através do MINISTÉRIO PÚBLICO, por ser este o representante do Estado
- cfr. certidão de fls. SITAF do presente apenso (fls. 55 do autos)
4.) Por despacho de 11/02/2020 o Mmº Juiz a quo, concluindo não ocorrer a invocada inconstitucionalidade material das indicadas normas, indeferiu a arguição de nulidade da falta de citação.
- cfr. certidão de fls. SITAF do presente apenso (fls. 151 do autos)
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B – De direito

1. Da decisão recorrida
Pelo despacho recorrido, de 11/02/2020, o Mmº Juiz do Tribunal a quo que indeferiu a arguição de nulidade da falta de citação do réu ESTADO PORTUGUÊS suscitada pelo Digno Magistrado do MINISTÉRIO PÚBLICO junto daquele Tribunal.
Decisão que assentou na seguinte fundamentação, assim ali externada:
“(…)
Como dito, o requerimento apresentado pelo MP tem como pressuposto a inconstitucionalidade do último segmento do n.º 1 do art.º 11.º quando lido em conjugação com o n.º 4 do art.º 25.º do CPTA.
Em ambos os casos, está em causa a redação que foi recentemente introduzida pela Lei n.º 118/2019, de 17.09, que operou diversas alterações ao CPTA.
Ora, antes da alteração indicada, o art.º 11.º, n.º 1, do CPTA dizia o seguinte:
"Nos tribunais administrativos é obrigatória a constituição de mandatário, nos termos previstos no Código do Processo Civil, podendo as entidade públicas fazer-se patrocinar em todos os processos por advogado, solicitador ou licenciado em direito ou em solicitadoria com funções de apoio jurídico, sem prejuízo da representação do Estado pelo Ministério Público."
Com a alteração concretizada pela Lei n.º 118/2019, de 17.09, passou a ler-se o seguinte no mesmo preceito:
"Nos tribunais administrativos é obrigatória a constituição de mandatário, nos termos previstos no Código do Processo Civil, podendo as entidades públicas fazer-se patrocinar em todos os processos por advogado, solicitador ou licenciado em direito ou em solicitadoria com funções de apoio jurídico, sem prejuízo da possibilidade de representação do Estado pelo Ministério Público." - o sublinhado é nosso.
Como se vê, e mesmo antes de tecer qualquer espécie de consideração sobre a conformidade constitucional do preceito, a alteração efetuada é muito ligeira; mas não deixa de se poder desde já ter como significativa, no sentido de que passa a configurar a representação do Estado pelo MP como uma simples possibilidade, quando no regime anterior essa representação era configurada de modo perentório.
Adiante, no que diz respeito ao art.º 25.º do CPTA, antes da redação introduzida pela Lei n.º 118/2019, de 17.09, não existia qualquer n.º 4, pelo que, na realidade, trata-se mais de um aditamento do que de uma simples alteração de um preceito já existente.
Em todo o caso, sempre é de adiantar que a norma tem por epígrafe "citações e notificações", nada se tendo alterado quanto a esse aspeto. Assim sendo, e em princípio, será de esperar que a norma em causa verse unicamente sobre a matéria das citações e das notificações, não tomando qualquer espécie de posição sobre a representação em juízo das partes.
Assim, no novel n.º 4 do art.º 25.º do CPTA pode então ler-se o seguinte:
"4 - Quando seja demandado o Estado, ou na mesma ação sejam demandados diversos ministérios, a citação é dirigida unicamente ao Centro de Competências Jurídicas do Estado, que assegura a sua transmissão aos serviços competentes e coordena os termos da respetiva intervenção em juízo."
Segundo o requerimento apresentado pelo MP, não está somente em questão a conformidade constitucional de cada uma das normas lidas de modo isolado, mas sim o sentido que delas se retira pela sua aplicação conjugada, no sentido de esvaziar os poderes de representação do Estado pelo MP.
Impõe-se, então, aferir antes de mais o que resultava do regime anterior à alteração introduzida pela Lei n.º 118/2019, de 17.09.
**
O regime do art.º 11.º, n.º 1, anterior à alteração introduzida pela Lei n.º 118/2019, de 17.09
Referimo-nos aqui somente ao art.º 11.º, n.º 1, do CPTA pela circunstância de não existir norma paralela à do atual n.º 4 do art.º 25.º do mesmo código, como aliás se assinalou aquando da exposição dos normativos em análise. Daí que este ponto da análise fique circunscrito ao que resultava do art.º 11.º, n.º 1, do CPTA.
Pois bem, da redação da norma vigente até à data da entrada em vigor da alteração legal em discussão, julga-se que era nítido o respetivo sentido hermenêutico, no sentido de atribuir ao MP, e apenas a este, a representação do Estado em juízo nos processos relativos ao contencioso administrativo. Falamos aqui, naturalmente, da função representativa do MP, ou seja, aquela que vai para além de outras intervenções processuais admitidas na lei processual administrativa.
Esta conclusão não invalidava o regime dualista de representação do Estado, nos casos específicos em que era atribuída legitimidade passiva aos Ministérios; mas, neste caso, por força da lei, a parte no processo era o próprio Ministério, e não a pessoa coletiva Estado - sobre o assunto, cf. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA; CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, "Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos,", 4.ª Edição, Almedina, 2017, págs. 129/130 [anotação 4 ao art.º 11.º].
O que se discute, porém, é a representação do próprio Estado nos casos em que é este quem deve figurar como parte.
Sobre o assunto, os mesmos AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA escrevem o seguinte (op. cit., págs. 130/131):
"A representação processual do Estado é uma das atribuições estatutárias do MP (artigos 219.º, n.º 1, da CRP e 5.º, n.º 1, alínea a), do EMP) e não se confunde com as demais tarefas que, no âmbito do contencioso administrativo, lhe são conferidas em vista à defesa do interesse geral da legalidade e à realização do interesse público. O quadro genérico das funções do MP está definido no artigo 51.º do ETAF, de tal modo que, para além da representação processual do Estado, cabe ao Ministério Público o exercício da ação pública e da ação popular, bem como a intervenção processual em processos em que não seja parte e nos recursos jurisdicionais que não tenha interposto, ao que acresce a interposição de recursos jurisidicionais de decisões ilegais, de recursos para uniformização de jurisprudência e de recursos de revisão (cfr. artigos 9.º, n.º 2, 55.º, n.º 1, alínea b), 62.º, 68.º, n.º 1, alínea b), 73.º, n.ºs 1 e 4, 77.º, 85.º, 104.º, n.º 2, 141.º, n.º 1, 146.º e 152.º, n.º 1, do CPTA).
Por outro lado, a representação processual do Estado, a que alude o artigo 11.º, n.º 1, deve processar-se nos termos estatutariamente previstos, com aplicação do disposto no artigo 5.º, n.º 1, alínea a), do EMP - que prevê uma intervenção a título principal -, e a possibilidade de constituição, no âmbito da PGR, de departamentos de contencioso do Estado, segundo o disposto nos artigos 51.º a 53.º do mesmo diploma. O artigo 24.º do CPC, atribuindo em termos idênticos a representação judiciária do Estado ao MP, ressalva os casos em que a lei especialmente permita o patrocínio por mandatário judicial próprio, hipótese em que cessa a intervenção principal do MP."
Perante este quadro normativo, apesar de a alteração do texto legal ter sido bastante ligeira, a verdade é que traz consigo alguma confusão sobre o seu real significado, concretamente quanto a saber se representa uma efetiva mudança de regime quanto à representação do Estado nos processos que correm termos nos tribunais administrativos. E daí a sua significância.
Com efeito, não se suscitam particulares dificuldades para concluir que, ao abrigo do regime previsto no art.º 11.º, n.º 1, do CPTA na redação anterior à Lei n.º 118/2019, de 17.09, era apenas ao MP que cabia representar o Estado em juízo, no âmbito dos processos de contencioso administrativo.
Agora, a nova redação fala apenas na possibilidade de o Estado ser representado pelo MP.
Retiramos, assim, e para concluir este capítulo da análise do problema suscitado, as seguintes conclusões intermédias: (i) antes da alteração do CPTA, a representação do Estado, enquanto parte processual, cabia apenas ao MP; (ii) depois da alteração ao art.º 11.º, n.º 1, do CPTA, essa representação é configurada pelo legislador como uma simples possibilidade, abrindo assim a hipótese de representação do Estado por outrem que não o MP.
Deste modo, e ainda antes de avançar para a interpretação do novo regime, cumpre ainda analisar o regime constitucional.
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Quanto ao art.º 219.º da CRP
O MP vem dizer que a leitura conjugada dos preceitos do CPTA em análise esvazia por completo o seu papel enquanto representante do Estado como parte processual, daí resultando violação do art.º 219.º, n.ºs 1 (primeiro inciso) e 2 da CRP, e a inerente inconstitucionalidade material do novo regime jurídico.
Atente-se, então, na redação literal do art.º 219.º, n.ºs 1 e 2, da CRP, epigrafado "funções e estatuto", e sistematicamente incluído no capítulo referente ao MP:
"1 - Ao Ministério Público compete representar o Estado e defender os interesses que a lei determinar, bem como, com observância do disposto no número seguinte e nos termos da lei, participar na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania, exercer a ação penal orientada pelo princípio da legalidade e defender a legalidade democrática.
2 - O Ministério Público goza de estatuto próprio e de autonomia, nos termos da lei."
Esta redação resultou da Lei Constitucional n.º 1/97, dado que, na sua versão inicial, o art.º 219.º versava sobre o Tribunal de Contas, e, com a Lei Constitucional n.º 1/89, passou a respeitar à nomeação, colocação, transferência e promoção de juízes. Só em 1997 a norma passou a versar sobre as funções e o estatuto do MP, com a redação atual.
Originalmente, a matéria regulada no atual art.º 219.º da CRP constava do art.º 221.º do mesmo diploma fundamental, em termos não muito distintos, dizendo-se desde logo no n.º 1 que ao Ministério Público compete representar o Estado, exercer a ação penal, defender a legalidade democrática e os interesses que a lei determinar.
Pois bem, a resenha histórica da evolução do papel do MP enquanto representante do Estado encontra-se profundamente abordada no requerimento em análise, quer quanto às normas de processo civil, de processo administrativo e também constitucionais. Algo que, na sua resposta, o Ministério veio considerar irrelevante, mas também se servindo da evolução legislativa (mas sobretudo da constitucional).
Na verdade, e não menosprezando a posição das partes sobre a evolução legislativa nesta matéria, o certo é que, como qualquer norma, também os preceitos constitucionais estão sujeitos a atividade hermenêutica; neste sentido, JORGE MIRANDA escreve o seguinte (cf. Manual de Direito Constitucional, vol. I, tomo II, 1.ª Edição, Coimbra Editora, 2014, págs. 311/315): “Há sempre que interpretar a Constituição como há sempre que interpretar a lei. Só através desta tarefa se passa da leitura política, ideológica ou simplesmente empírica para a leitura jurídica do texto constitucional, seja ele qual for. Só através dela, a partir da letra, mas sem se parar na letra, se encontra a norma ou o sentido da norma. Não é possível aplicação sem interpretação, tal como esta só faz pleno sentido posta ao serviço da aplicação. Não se interpretam normas constitucionais, como não se interpreta nenhuma norma. Interpretam-se, sim, as expressões, os preceitos verbais, os enunciados linguísticos as disposições, os preceitos, os artigos da Constituição e é o seu sentido que equivale a uma norma (ou, eventualmente, a um segmento de norma ou a mais de uma norma).” – Cf. Manual de Direito Constitucional, vol. I, tomo II, pág. 311/315.
Quid iuris, então, sobre o sentido da primeira proposição do art.º 219.º, n.º 1, da CRP?
Desde logo, essa tarefa não é tão fácil como, à partida, se poderia cogitar. Conforme explicam GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA [cf. Constituição da República Portuguesa Anotada, volume II, 4.ª Edição, Coimbra Editora, 2010, pág. 603]: "IV. Não é isenta de dificuldades hermenêuticas a obtenção de sentido da formulação linguística – ao Ministério Público compete representar o Estado. Em algumas definições correntes considera-se que o Ministério Público representa o Estado, exercendo a acção penal e defendendo a legalidade democrática. No texto constitucional estas funções aparecem diferenciadas, como se acaba de ver na anotação II. O Ministério Público representa também o Estado na defesa de interesses públicos que não se reconduzem ao exercício da acção penal ou à defesa de legalidade democrática (p. ex.: protecção de menores). Por outro lado,o Ministério Público não representa o Estado enquanto este actuar como pessoa privada (ex.: acções cíveis em que o Estado seja parte; cfr. EMP, art. 80º/ a e b). É em virtude desta ambiguidade em que o Ministério Público afivela duas máscaras - a de «advogado do Estado» e de «Procurador do Estado» - que noutros ordenamentos se estabelece uma clara diferenciação entre «advocacia do Estado» e «procuradoria do Estado». A representação do Estado significa, em termos jurídico-constitucionais e simbólicos, que lhe incumbe a tarefa de defesa dos interesses da comunidade (isto é, da República) em que se possa reconhecer cada um dos cidadãos e o povo em geral, não só porque se considera necessária essa incumbência, mas também porque ela se julga justa e adequada ao bem comum."
Os mesmos autores, em concreto sobre as funções do Ministério Público à luz deste preceito constitucional, afirmam o seguinte [cf. op. cit., pág. 602]: "II - São muito diversificadas as funções do MP (n.º 1), que se analisam em quatro áreas: (a) representar o Estado, nomeadamente nos tribunais, nas causas em que ele seja parte, funcionando como uma espécie de advogado do Estado; (b) exercer a acção penal, sendo todavia problemático se ele detém o exclusivo nessa matéria e se se trata de um poder vinculado ou se dispõe de alguma margem de liberdade; (c) defender a legalidade democrática, intervindo, entre outras coisas, no contencioso administrativo e fiscal e na fiscalização da constitucionalidade; (d) defender os interesses de determinadas pessoas mais carecidas de protecção, designadamente, verificados certos requisitos, os menores, os ausentes, os trabalhadores, etc.
O exercício simultâneo destas várias funções pode não ser isento de conflitos e incompatibilidades, pois nem sempre a defesa dos interesses privados do Estado pode ser harmonizável com, por exemplo, a defesa da legalidade democrática."
Assim, na sua aparente simplicidade, a letra da norma constitucional correspondente ao n.º 1 do art.º 219.º dá origem à possibilidade de múltiplas interpretações associadas ao seu sentido.
Entendemos, em todo o caso, que algumas conclusões são passíveis de ser retiradas.
Desde logo, julga-se que da letra e do sentido da lei constitucional resulta que o MP tem como função representar o Estado na veste de seu "advogado", ou seja, em juízo, para defesa dos respetivos interesses.
Mas, por outro lado, entende-se que do sentido da norma, decorrente da sua letra, não se retira qualquer espécie de reserva de representação absoluta do Estado pelo MP.
Ou seja, do texto constitucional, e do sentido que dele brota, não resulta que apenas ao MP esteja confiada a representação do Estado, nomeadamente no que à representação em juízo diz respeito.
No entanto, o outro extremo também não se coaduna com o texto constitucional; ou seja, se decorre do art.º 219.º, n.º 1, primeira parte, da CRP que nem só ao MP cabe representar o Estado, também daí decorre que, em princípio, é ao MP que cabe a representação do Estado.
Temos então que do art.º 219.º, n.º 1, primeira parte, da CRP resulta que: (i) em regra, é ao MP que compete a representação do Estado em juízo; (ii) em casos devidamente justificados, o Estado pode ser representado por outrem que não o MP.
Mister é que não se afaste in totum a função de representação do Estado pelo MP.
Este sentido normativo é aliás reforçado pelo mais recente estatuto do MP (Lei n.º 68/2019, de 27.08), em cujo art.º 4.º, n.º 1, al. b), se afirma que compete ao MP a representação do Estado.
E recorde-se ainda a propósito desta atribuição estatutária que se trata de matéria contida no âmbito da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República - cf. art.º 165.º, n.º 1, al. p), da CRP.
Além disso, no mencionado estatudo do MP não apenas se prevê em geral a representação do Estado pelo MP como ainda está prevista a existência de uma estrutura orgânica pensava exclusivamente para o contencioso do Estado - cf. artigos 61.º a 63.º do mencionado Estatuto.
Mas não se trata somente de uma questão de estatuto do MP; é igualmente matéria inerente ao estatuto dos próprios tribunais administrativos; com efeito, também neste caso o art.º 51.º do ETAF estabelece como competência do MP a representação do Estado.
Da mesma forma, no CPC, em concreto no seu art.º 24.º, e sob a epígrafe "representação do Estado", também se estabelece, no seu n.º 1, que o Estado é representado pelo Ministério Público, sem prejuízo dos casos em que a lei especialmente permita o patrocínio por mandatário judicial próprio, cessando a intervenção principal do Ministério Público logo que este esteja constituído. Adiante voltaremos a esta disposição, para comparação com a atual redação das normas do CPTA em discussão.
Todas estas disposições infraconstitucionais apontam no sentido de o legislador ordinário considerar o MP como o primordial representante do Estado. Sendo essa a regra, é de admitir a possibilidade de atribuir a representação do Estado a outrem que não o MP apenas em casos específicos e devidamente justificados.
Sintetizando o que vem de expor-se, e encerrando este capítulo da análise em curso, julgamos ser de retirar outras duas conclusões intermédias sobre o sentido da 1.ª parte do n.º 1 do art.º 219.º da CRP: 1.ª, o regime-regra é o de que a representação do Estado em juízo é assegurada pelo MP, mas daí não resulta qualquer reserva absoluta de representação do Estado pelo MP; 2.ª, é admissível a representação do Estado por mandatário ou outra entidade, cessando a do MP, em casos devidamente justificados e legalmente previstos.
Aqui chegados, importa prosseguir para a apreensão do sentido que resulta das alterações ao CPTA, tendo por base as normas antes transcritas.
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A interpretação ou sentido que resultou das alterações ao CPTA - e da sua conformidade constitucional Como logo ab initio se deixou escrito, o MP suscitou a questão da constitucionalidade dos preceitos em apreço quando lidos de modo conjugado, e não isoladamente, para daí extrair a ilação que dessa leitura conjunta resulta o esvaziamento do papel do MP enquanto representante do Estado.
Daqui decorre, desde logo e em primeiro lugar, que em certa medida a resposta apresentada pelo Ministério da Defesa Nacional (o único a pronunciar-se sobre o assunto) acaba por falhar o ponto, porque trata de analisar a constitucionalidade de cada uma das normas consideradas separadamente. Mas ainda assim não é totalmente irrelevante, nomeadamente no que respeita ao apuramento do sentido das normas em discussão.
Com efeito, o MP coloca a questão a partir da leitura conjugada das duas disposições legais, e é nessa perspetiva que o problema deve ser tratado, ao invés de aferir a conformidade de cada uma das normas com a CRP, de forma isolada.
Neste sentido, a questão que se coloca, e a que cumpre dar resposta, pode ser formulada nos seguintes termos: da leitura conjugada da parte final do n.º 1 do art.º 11.º com o n.º 4 do art.º 25.º do CPTA resulta que, no âmbito dos processos de contencioso administrativo, o MP deixa de representar o Estado?
Assinale-se, antes de prosseguir, que em matéria de interpretação dos preceitos em causa valem nesta sede as regras da hermenêutica constantes do art.º 9.º do Código Civil. Por isso, há que atender não apenas à letra, mas igualmente ao sentido da lei; mas nunca considerando qualquer sentido que não tenha correspondência verbal no texto legal. Tudo isto presumindo um legislador racional, capaz de se expressar de modo coerente e assertivo.
Pois bem, sistematicamente, de acordo com a organização do CPTA, apenas o art.º 11.º diz respeito à matéria da representação em juízo. Com a mais recente alteração, na parte final do preceito passou então a dizer-se: "sem prejuízo da possibilidade de representação do Estado pelo Ministério Público."
Se assim é, e do confronto com a anterior redação (nos termos supra expostos, para onde se remete) resulta que com a Lei n.º 118/2019, de 17.09, a representação do Estado pelo MP passou a ser uma mera possibilidade? Ou então a redação é simplesmente menos conseguida, destinando-se apenas a abrir a hipótese de o Estado ser representado por outra entidade que não o MP?
Comparemos esta redação com a do art.º 24.º do CPC, acima também transcrito. Nesta norma, a opção legislativa é exatamente a inversa no que respeita à redação, ou seja, estabelece-se como regra que "O Estado é representado pelo Ministério Público"; e como exceção "os casos em que a lei especialmente permita o patrocínio por mandatário judicial próprio."
Ou seja, no CPC a representação do Estado continua a pertencer ao MP, e apenas nos casos previstos em lei especial pode aquele fazer-se representar por mandatário próprio. Esta lei, de resto, terá mesmo de tratar-se de lei em sentido formal, ou decreto-lei autorizado, porquanto, em nosso entender, a matéria se acha ainda contida na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, ao abrigo do art.º 165.º, n.º 1, al. p), dado que está em causa a competência e o estatuto do MP (como já havíamos dito).
Pensando nas conclusões intermédias acima retiradas sobre a interpretação do art.º 219.º, n.º 1, 1.ª parte da CRP, temos para nós que a solução do CPC é conforme à lei fundamental, porque respeita a regra da representatividade do Estado pelo MP, estabelecendo como exceção os casos em que é possível a representação por mandatário próprio, e sempre ao abrigo de lei que especialmente permita.
Pelo menos em aparência, o CPTA, na sua recente alteração, faz precisamente o inverso: ao invés de estabelecer a representação do Estado pelo MP como regra, torna-a uma possibilidade, ao arrepio do que estabelece a CRP. Daí que esta literalidade não dê origem à legítima questão de um eventual desrespeito pela norma constitucional supra referida, no sentido em que parece retirar ao MP a representação do Estado, remetendo-o para o regime da subsidariedade.
Só que esta solução normativa nem sequer se coaduna com outros regimes legais que versam sobre o mesmo assunto, sobretudo o CPTA, o Estatuto do MP e o ETAF; é que estes últimos continuam a estabelecer a regra de representação do Estado pelo MP. Noutros termos, a solução do CPTA não se conforma (na sua literalidade) sequer com outras soluções plasmados em diplomas semelhantes, colocando em questão a própria unicidade e harmonia do ordenamento jurídico.
Não obstante, poderia cogitar-se a hipótese de este sentido normativo ser esclarecido ou corrigido por outro preceito legal que tornasse claro que a representação do Estado cabia ou, em primeira linha, ao MP.
Ao invés, o art.º 25.º, n.º 4, do CPTA vem, com efeito, introduzir nova dúvida quanto a saber se é ao MP que compete representar o Estado - pelo menos, materialmente. Aliás, ressalta desde logo estranha a colocação da última parte do preceito no art.º 25.º, norma que, segundo a epígrafe, apenas trataria de citações e notificações. De facto, ali se lê que passa a competir ao Centro de Competências Jurídicas do Estado a coordenação dos termos da respetiva intervenção em juízo.
Este último inciso já não diz respeito a meras questões de efetivação da citação, mas sim à definição da entidade responsável por coordenar a intervenção do Estado em juízo. De facto, nenhum problema se colocaria, julgamos, caso a norma findasse na parte em que se diz que a citação é dirigida àquele Centro; ou, já com alguma bonomia, se dissesse que aquele Centro se encarregaria da coordenação da representação em juízo, mas esclarecendo de modo expresso que o fazia submetido ao respetivo representante, ou seja, o MP. Mas nada disso sucede.
Neste sentido, continua então a perguntar-se: o que efetivamente resulta da interpretação conjugada das normas em apreço é que, no âmbito dos processos relativos ao contencioso administrativo, em termos materiais o MP deixa de representar o Estado? Essa representação é uma mera possibilidade, e a coordenação da representação em juízo passa a pertencer ao Centro de Competências Jurídicas do Estado?
O MP torna-se um mero expectador, sem qualquer poder funcional na definição dos termos em que o Estado intervém no processo?
Respondendo a esta questão, sempre se diga que se nos afigura assertiva a posição assumida pelo Ministério da Defesa Nacional quanto à questão do modelo de representação do Estado pelo MP, nomeadamente quanto às outras opções registadas em ordenamentos jurídicos diversos, e às dificuldades que a opção constitucional nacional pode gerar. De resto, esse tema ficou abordado acima; basta pensar em situações em que o MP, como titular da ação pública, pondera demandar o próprio Estado - nesse caso, a bem dizer por impossibilidade lógica, estava o MP condicionado a não atuar, mesmo que para defesa da legalidade democrática inerente à proteção de qualquer interesse público relevante, pois teria de atuar, por um lado, como autor, e por outro como representante do réu (o que, bem se vê, é racionalmente incompatível).
Mas não obstante estes constrangimentos do modelo nacional, o certo é que, como o próprio Ministério da Defesa Nacional acaba por dizer, trata-se ainda do modelo tradicional português, que continua expresso na CRP. Cada vez mais contestado por certos setores da doutrina, é certo; mas ainda assim continua a ser aquele que o legislador constitucional acolhe. O mesmo é dizer que, pelo menos por enquanto, a Constituição não acolheu as vozes que se levantam contra a representação do Estado pelo MP, mantendo a solução que já remonta, pelo menos, a 1933 (em termos constitucionais).
De certo modo, aquilo que o Ministério da Defesa se propõe justificar corresponde à mesma ideia que defendemos anteriormente, ou seja, a ausência de uma reserva absoluta de representação do Estado pelo MP. Não há melhor exemplo disso do que o próprio contencioso administrativo; referimo-nos aqui à questão dos atos ou omissões imputáveis aos Ministérios, enquanto órgãos governativos: o CPTA confere-lhes legitimidade própria nesses casos, definindo ainda regras próprias para a sua representação em juízo [cf. art.º 11.º, n.º 3, do CPTA]. Em estrito rigor, se a regra do art.º 219.º, n.º 1, 1.ª parte, da CRP fosse absoluta, já esta opção seria inconstitucional, porquanto sempre se trataria ainda assim de um ato do Estado, enquanto administração direta - e não consta que alguma vez tenha sido questionada essa norma em termos de conformidade com a CRP. Ou pense-se ainda no contencioso tributário, em que a Fazenda Pública (também ela Estado no sentido rigoroso do conceito) tem representação judiciária própria (através dos representantes da Fazenda Pública) reservando o CPPT outras tarefas ao MP.
E o nosso sentido interpretativo corresponde, além do mais, ao parecer da comissão constitucional mencionado no requerimento do Ministério da Defesa.
Diga-se ainda que o sentido argumentativo do Ministério da Defesa Nacional vertido nos artigos 70.º a 73.º do respetivo requerimento estaria correto, no caso de estar em causa a mera leitura isolada do art.º 11.º, n.º 1, do CPTA (exceto a desvalorização da alteração da redação do preceito, porque não é indiferente a circunstância de a representação pelo MP ser estabelecida como possibilidade). Mas em causa está a leitura conjugada dessa norma com o art.º 25.º, n.º 4, do CPTA, sendo desta norma que se poderia retirar de eventual submissão do MP à coordenação pelo Centro de Competência Jurídicas do Estado. Mas compete questionar: será realmente esse o sentido das normas (afastar do MP a representação do Estado? Não será possível salvar a norma com base em interpretação restritiva? Ou encontrar nela um sentido conforme à CRP, que afaste qualquer juízo de inconstitucionalidade? Por outras palavras, o que quer dizer afinal a última parte do art.º 25.º, n.º 4, do CPTA, conjugada com o art.º 11.º, n.º 1?
Com efeito, JORGE MIRANDA [cf. op. cit., volume III, Tomo VI, 1ª Edição, Coimbra Editora, 2014, pág. 84] refere que “Todo o tribunal e, em geral, todo o operador jurídico fazem interpretação conforme com a Constituição. Quer dizer: acolhem entre vários sentidos a priori configuráveis da norma infraconstitucional, aquele que lhe seja conforme ou mais conforme; e, no limite, por um princípio de economia jurídica, procuram um sentido que – na órbita da razoabilidade e com um mínimo de correspondência verbal na letra da lei (art. 9.º, n.º 2, do Código Civil) – evite a inconstitucionalidade.”
O Ministério da Defesa Nacional entende que deve ser feita essa interpretação restritiva ou conforme à CRP, pelo motivos que sumariamente se elencam: (i) o preceito não atribui diretamente poderes funcionais ao Centro de Competências Jurídicas do Estado, mas apenas para operar como órgão responsável pela receção e encaminhamento de citações judiciais sempre que seja demandado o Estado ou mais de um ministério; (ii) o facto de o referido Centro ser o destinatário das citações nos processos em que o Estado seja demandado em nada afetará a competência constitucional genérica de representação do Estado em juízo pelo MP.
Na verdade, e em primeiro lugar, não vislumbramos que a mera circunstância de a citação ser dirigida ao Centro de Competências Jurídicas do Estado possa afetar a representação do Estado pelo MP; trata-se, com efeito, de uma questão instrumental, de escolha do destinatário da citação, e nada mais. Aliás, o art.º 25.º do CPTA, até à mais recente alteração, nem sequer definia em quem devia ser feita a citação do Estado, retirando-se apenas do sentido normativo que deveria ser no seu representante, ou seja, o MP junto do tribunal em que o processo decorre. É que o MP não é um representante orgânico da pessoa coletiva Estado, mas apenas o seu representante em juízo, o que invalida o argumento avançado de "representação natural".
O problema que se podia suscitar reside então na última parte do art.º 25.º, n.º 4, em apreço, ou seja, em saber o que quer dizer a lei quando afirma que ao Centro de Competências Jurídicas do Estado cabe coordenar os termos da respetiva intervenção juízo.
Se entendermos por "coordenar" a possibilidade de controlar em termos efetivos a representação em juízo, tal equivalerá a dizer que o MP se transforma em mero representante formal, sujeito às diretrizes daquele Centro; mas se "coordenar" foi compreendido apenas como entidade responsável por garantir todo o apoio ao representante em juízo, então nenhum problema constitucional daí advirá.
Linguisticamente, coordenar quer dizer somente dispor ou organizar em obediência a certas relações tendo em vista certo fim; mas também pode querer dizer orientar. Em qualquer dos casos, o termo linguístico não encerra em si mesmo a prerrogativa de dar ordens, dirigir diretrizes ou exercer qualquer poder de superioridade.
Recordando que o intérprete deve presumir um legislador racional, que sabe exprimir-se de modo a melhor transmitir o significado das disposições normativas, a utilização da expressão "coordena" afasta desde logo qualquer espécie de poder de representação em juízo.
A favor da interpretação proposta pelo Ministério da Defesa Nacional milita ainda a diversa legislação ordinária para além do CPTA, que continua a estabelecer que é ao MP que compete a representação do Estado.
Nomeadamente, referimo-nos:
a) Ao art.º 51.º do ETAF, que não sofreu qualquer alteração, com ou após a Lei n.º 118/2019, de 17.09, mantendo a redação clara e inequívoca no sentido de ao MP competir a representação do Estado em juízo;
b) Ao novo Estatuto do MP, que mantém no seu art.º 4.º, n.º 1, al. b), como atribuição do MP representar o Estado;
c) Ao Decreto-Lei n.º 149/2017, de 06.12, que aprova a orgânica do Centro de Competências Jurídicas do Estado, e do qual (nomeadamente do seu art.º 2.º, não resulta para este Centro qualquer atribuição no sentido de representação do Estado em juízo, mas apenas de membros do Governo ou do próprio Conselho de Ministros);
d) Por fim, ao próprio CPTA, do qual, não obstante a menos conseguida redação dada ao atual art.º 11.º, n.º 1, não contém qualquer norma que disponha em concreto sobre a representação do Estado.
Todas estes diplomas e respetivas normas permitem assim dizer que, não obstante o sentido literal menos conseguido da redação do atual art.º 11.º, n.º 1, do CPTA, continua a ser o MP a entidade à qual incumbe representar o Estado nos processos que correm termos nos tribunais administrativos.
Ou seja, mesmo que de modo incorretamente expresso, o legislador do CPTA quis dizer o mesmo que diz no art.º 24.º do CPC, i.e., que pode ser admitida a representação do Estado pelo MP, como forma de abrir a possibilidade de a representação ocorrer por outra entidade, assim o venha a definir lei especial (porque o CPTA nada diz sobre o assunto).
E a coordenação por parte do Centro de Competência Jurídicas não representa qualquer atribuição de poder funcional a este último, mas apenas a definição da entidade à qual o MP se deve dirigir na preparação da representação do Estado (o que é relevante nos casos em que, nomeadamente, são necessários vários elementos de departamentos ministeriais distintos).
Assim, e concluindo, procedendo a uma interpretação conforme à CRP, à luz dos considerandos vindos de expender, o sentido que melhor resulta da conjugação da interpretação dos artigos 11.º, n.º 1, e 25.º, n.º 4, do CPTA é o seguinte:
1) Apesar de a parte final do n.º 1 do art.º 11.º do CPTA se referir agora à possibilidade de representação do Estado pelo MP, a verdade é que apenas a este incumbe tal representação, atendendo a que não existe norma que lhe retire essa função, subsistindo ainda outros preceitos normativos conexos que continuam a cometer essa tarefa ao MP em sentido positivo;
2) Da primeira parte do n.º 4 do art.º 25.º do CPTA apenas resulta que a citação feita ao Estado deve ser dirigida ao Centro de Competências Jurídicas do Estado, cabendo-lhe assegurar a sua transmissão aos serviços competentes, v.g., ao Procurador da República junto do TAF onde corre o processo, ou em obediência à respetiva lei orgânica do MP;
3) A coordenação mencionada na última parte do mesmo n.º 4 não confere ao Centro de Competências Jurídicas do Estado qualquer espécie de poder funcional sobre o MP, cabendo-lhe apenas cooperar com este último nos termos solicitados, designadamente recolhendo as informações e os elementos necessários junto dos diversos gabinetes ministeriais e preparando, de acordo com o solicitado e se tal suceder, os termos da defesa a apresentar pelo Estado.
Em face do que se conclui que não ocorre qualquer inconstitucionalidade, dado que o sentido das normas em causa não afeta a representação do Estado pelo MP, conforme exposto.
Com igual prejuízo para a requerida declaração de nulidade/falta de citação.

2. Da tese do recorrente MINISTÉRIO PÚBLICO
O recorrente MINISTÉRIO PÚBLICO pugna pela revogação do despacho recorrido e sua substituição por outro que determine a recusa de aplicação, neste processo, das normas constantes do segmento final do nº 1 do artigo 11º e do nº 4 do artigo 25º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), na redação da Lei nº 118/2019, de 17 de setembro, por inconstitucionalidade material da violação do parâmetro constante da primeira proposição do nº 1 do artigo 219º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e do nº 2 desta mesma disposição, bem como do conteúdo material dos princípios e normas constitucionais do artigo 165°, n° 1 da CRP; e que em consequência, seja declarada a nulidade da falta de citação do réu Estado (artigos 188, nº 1, al. a) e 187, al. a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 1º do CPTA), com a consequente anulação de todo o processado posterior à Petição Inicial, e seja determinada a citação do Estado no Ministério Público, renovando o essencial da argumentação que já havia expendido no seu requerimento de arguição de nulidade de falta de citação.

3. Da análise e apreciação do recurso
3.1 A questão essencial que vem colocada em recurso é a de saber se as normas constantes do segmento final do nº 1 do artigo 11º e do nº 4 do artigo 25º do CPTA, na redação dada pela Lei nº 118/2019, de 17 de setembro, deviam ter sido desaplicadas, por materialmente inconstitucionais, em termos que ao invés da citação ter sido dirigida ao CENTRO DE COMPETÊNCIAS JURÍDICAS DO ESTADO devia ter sido dirigida ao MINISTÉRIO PÚBLICO por ser este quem deve representar na ação o demandado ESTADO PORTUGUÊS, e se, assim, o Tribunal a quo devia ter deferido a arguição de nulidade da falta de citação do réu ESTADO PORTUGUÊS.
3.2 A questão surge na decorrência das alterações introduzidas ao CPTA pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro que a nova versão dada aos artigos 11º e 25º do CPTA operou no que toca à representação do ESTADO nos processos nos Tribunais Administrativos.
Sendo que, naturalmente, a aferição da eventual inconstitucionalidade daquelas normas por violação do artigo 219º nºs 1 e 2 da CRP, que foi suscitada na arguição da nulidade por falta de citação do réu ESTADO PORTUGUÊS, relevará apenas na medida em que se for de concluir pela invocada inconstitucionalidade das indicadas normas, a sua aplicação deve ser recusada (cfr. artigo 204º da CRP).
3.3 Atentemos, então, nas normas em causa.
3.4 Dispõe o seguinte o artigo 219º da CRP:
Artigo 219º
Funções e Estatuto
1. Ao Ministério Público compete representar o Estado e defender os interesses que a lei determinar, bem como, com observância do disposto no número seguinte e nos termos da lei, participar na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania, exercer a acção penal orientada pelo princípio da legalidade e defender a legalidade democrática.
2. O Ministério Público goza de estatuto próprio e de autonomia, nos termos da lei.
3. (…)
4. (…)
5. (…). ”

O artigo 11º do CPTA na sua versão original (a da Lei nº 15/2002, de 22 de fevereiro), dispunha o seguinte:
“Artigo 11º
Patrocínio judiciário e representação em juízo
1 - Nos processos da competência dos tribunais administrativos é obrigatória a constituição de advogado.
2 - Sem prejuízo da representação do Estado pelo Ministério Público nos processos que tenham por objecto relações contratuais e de responsabilidade, as pessoas colectivas de direito público ou os ministérios podem ser representados em juízo por licenciado em Direito com funções de apoio jurídico, expressamente designado para o efeito, cuja actuação no âmbito do processo fica vinculada à observância dos mesmos deveres deontológicos, designadamente de sigilo, que obrigam o mandatário da outra parte.
3 - Para o efeito do disposto no número anterior, e sem prejuízo do disposto nos dois números seguintes, o poder de designar o representante em juízo da pessoa colectiva de direito público ou, no caso do Estado, do ministério compete ao auditor jurídico ou ao responsável máximo pelos serviços jurídicos da pessoa colectiva ou do ministério.
4 - Nos processos em que esteja em causa a actuação ou omissão de uma entidade administrativa independente, ou outra que não se encontre integrada numa estrutura hierárquica, a designação do representante em juízo pode ser feita por essa entidade.
5 - Nos processos em que esteja em causa a actuação ou omissão de um órgão subordinado a poderes hierárquicos, a designação do representante em juízo pode ser feita por esse órgão, mas a existência do processo é imediatamente comunicada ao ministro ou ao órgão superior da pessoa colectiva.”

Com a revisão operada ao CPTA pelo DL. nº 214-G/2015, de 2 de outubro os nºs 1 e 2 daquele artigo 11º foram alterados e aditado ainda um novo nº 6, os quais passaram a dispor o seguinte:
“Artigo 11º
Patrocínio judiciário e representação em juízo
1 - Nos tribunais administrativos é obrigatória a constituição de mandatário, nos termos previstos no Código do Processo Civil, podendo as entidades públicas fazer-se patrocinar em todos os processos por advogado, solicitador ou licenciado em direito ou em solicitadoria com funções de apoio jurídico, sem prejuízo da representação do Estado pelo Ministério Público.
2 - No caso de o patrocínio recair em licenciado em direito ou em solicitadoria com funções de apoio jurídico, expressamente designado para o efeito, a referida atuação no âmbito do processo fica vinculada à observância dos mesmos deveres deontológicos, designadamente de sigilo, que obrigam o mandatário da outra parte.
3 – (…).
4 - (…).
5 - (…).
6 - Os agentes de execução desempenham as suas funções nas execuções que sejam da competência dos tribunais administrativos.”

A Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, que veio mais recentemente, modificar os regimes processuais no âmbito da jurisdição administrativa e tributária, procedendo a diversas alterações legislativas, alterou a redação do nº 1 do artigo 11º do CPTA, a qual passou a dispor o seguinte:
Artigo 11º
Patrocínio judiciário e representação em juízo
1 - Nos tribunais administrativos é obrigatória a constituição de mandatário, nos termos previstos no Código do Processo Civil, podendo as entidades públicas fazer-se patrocinar em todos os processos por advogado, solicitador ou licenciado em direito ou em solicitadoria com funções de apoio jurídico, sem prejuízo da possibilidade de representação do Estado pelo Ministério Público.
(…)
Simultaneamente também o artigo 25º do CPTA foi modificado.
Na versão original do CPTA (que veio a resultar da Lei nº 4-A/2003, de 19 de fevereiro) dispunha o seguinte:
Artigo 25º
Citações e notificações
Sem prejuízo do que, neste Código, especificamente se estabelece a propósito da citação dos contra-interessados quando estes sejam em número superior a 20, é aplicável o disposto na lei processual civil em matéria de citações e notificações.”

E com a revisão operada pelo DL. nº 214-G/2015 passou a dispor o seguinte:
“Artigo 25º
Citações e notificações
1 - Salvo disposição em contrário, as citações editais são realizadas mediante a publicação de anúncio em página informática de acesso público, nos termos a definir em portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.
2 - Em todas as formas de processo, todos os articulados e requerimentos autónomos e demais documentos apresentados após a notificação ao autor da contestação do demandado são notificados pelo mandatário judicial do apresentante ao mandatário judicial da contraparte nos termos da lei processual civil.
3 - A notificação determinada no número anterior pode realizar-se por meios eletrónicos, nos termos de portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.”

E com a Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, assumiu a atual versão, com a modificação da redação dos nºs 3 e 4, os quais passaram a dispor o seguinte:
1 – (…)
2 – (…)
3 - A notificação determinada no número anterior realiza-se por via eletrónica, nos termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.
4 - Quando seja demandado o Estado, ou na mesma ação sejam demandados diversos ministérios, a citação é dirigida unicamente ao Centro de Competências Jurídicas do Estado, que assegura a sua transmissão aos serviços competentes e coordena os termos da respetiva intervenção em juízo.

3.5 Na atual versão dos dispositivos do artigos 11º e 25º do CPTA resulta que a presentação do ESTADO nas ações em que este seja parte demandada (por a ele lhe pertencer a legitimidade passiva nos termos do artigo 10º do CPTA) fica agora apenas garantida a possibilidade da sua representação em juízo ser assegurada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, e não já, como acontecia anteriormente, que essa representação a si lhe pertença. Simultaneamente, a citação do ESTADO deixou de se operar «na pessoa do magistrado do Ministério Público» na usual fórmula utilizada, e passou a ser dirigida ao Centro de Competências Jurídicas do Estado, serviço central da administração direta do Estado, dotado de autonomia administrativa, que se integra na Presidência do Conselho de Ministros e está sujeito ao poder de direção do Primeiro-Ministro ou do membro do Governo em quem aquele o delegar (cuja orgânica foi aprovada pelo DL. nº 149/2017, de 6 de dezembro, e posteriormente alterada pelo DL. nº 91/2019, de 5 de julho).
3.6 A questão está em saber se estes dispositivos, na sua atual redação, atentam a Constituição nos termos invocados pelo MINISTÉRIO PÚBLICO.
3.7 Mas estão aqui em causa duas vertentes da representação da pessoa coletiva ESTADO no âmbito do contencioso administrativo: uma a vertente orgânica (funcional), outra na vertente de patrocínio judicial.
3.8 Ora, se o que importa aferir é se ocorreu a invocada falta de citação do ESTADO, por a citação ter sido dirigida ao Centro de Competências Jurídicas do Estado nos termos atualmente previstos no artigo 25º nº 4 do CPTA (e não ao MINISTÉRIO PÚBLICO, como acontecia na solução legal anterior), não relevam aqui, e para a utilidade do presente recurso, os argumentos tecidos em torno da questão da invocada subalternização do MINISTÉRIO PÚBLICO à vontade da Administração, nem da invocada afronta à autonomia do MINISTÉRIO PÚBLICO, decorrente do artigo 219º nº 2 da CRP e legalmente definida no respetivo Estatuto (à data da instauração da ação o aprovado pela Lei nº 47/86, de 15 de outubro, atualmente o aprovado pela Lei n.º 68/2019, de 27 de Agosto, cuja entrada em vigor ocorreu em 01/01/2020 – cfr. artigo 287º), os quais se prendem já com o papel do MINISTÉRIO PÚBLICO enquanto “advogado” do ESTADO.
Essa questão (atinente já ao patrocínio judiciário e representação em juízo) colocar-se-á a jusante da que agora nos interessa.
3.9 A que agora releva e importa é saber se a opção do legislador infra-constitucional, de fazer operar a citação da pessoa coletiva ESTADO, quando este seja demandado no âmbito dos processos nos tribunais administrativos, através do Centro de Competências Jurídicas do Estado, fere ou não o artigo 219º nº 1 da CRP.
Sabendo-se que a citação é o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama ao processo para se defender (cfr. artigo 219º nº 1 do CPC, ex vi do artigo 1º do CPTA).
3.9 E a resposta tem que ser negativa.
3.10 É sabido que a questão do carater necessário ou não da representação do ESTADO pelo MINISTÉRIO PÚBLICO no âmbito das ações sobre contratos ou relativas à responsabilidade civil não é de hoje.
Aliás, a opção legislativa acolhida pelo CPTA (na reforma do contencioso administrativo operada em 2002-2004) havia sido já amplamente debatida no debate universitário que antecedeu aquela reforma do contencioso administrativo, e continuou a sê-lo posteriormente.
A tal respeito, vide, designadamente, Vieira de Andrade, defendendo fim do patrocínio do Estado pelo Ministério Público, em especial nas acções de responsabilidade, in, “Reforma do Contencioso Administrativo – O debate universitário (trabalhos preparatórios), Vol. I, Coimbra Editora, 2003, pág. 70, e in, “A Justiça Administrativa (Lições)”, 5ª Edição, Almedina, 2004, pág. 267. No mesmo sentido, associando-se à critica de continuar a atribuir-se ao MINISTÉRIO PÚBLICO a representação do ESTADO, Pedro Gonçalves, in, “A acção administrativa comum” – “A Reforma da Justiça Administrativa”, STVDIA IVRIDICA nº 86, Boletim da Faculdade De Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, Dezembro 2005, pág. 167 (n. 90). Veja-se, ainda, Maria Isabel F. Costa, in, "O Ministério Público no contencioso administrativo - Memória e "Razão de Ser"", Revista do Ministério Público, Ano 28, AbrJun 2007, pág. 28, destacando ser função nuclear do MINISTÉRIO PÚBLICO a defesa da legalidade democrática, com expressão na acção penal e na ação pública do contencioso administrativo.
3.11 O certo é que se manteve, na reforma do contencioso administrativo operada em 2002-2004 a regra da representação do ESTADO nas ações sobre contratos e relativas à responsabilidade civil. Opção legislativa que foi agora alterada pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro.
3.12 Mas a questão objeto do recurso não é a de saber se o ESTADO, demandado que foi como réu na ação, se encontra ou não regularmente representado em juízo (enquanto pressuposto processual).
A questão é a de saber se ocorreu nulidade (falta) de citação (enquanto nulidade processual), se ao abrigo do artigo 25º nº 4 do CPTA, na sua versão atual, a citação foi dirigida ao CENTRO DE COMPETÊNCIAS JURÍDICAS DO ESTADO, por dever ser recusada a aplicação dessa norma com fundamento em inconstitucionalidade. E se, assim, deve ser anulado todo o processado, e determinada a citação do ESTADO através do MINISTÉRIO PÚBLICO.
Atenha-se que nos termos do artigo 188º nº 1 alínea b) do CPC, aplicável ex vi do artigo 1º do CPTA, há falta de citação “…quando tenha havido erro de identidade do citado”.
3.13 É sabido que o nomini nomine «ESTADO» tem várias aceções. Mas neste âmbito, a que essencial releva é a pessoa coletiva ESTADO, em especial na sua vertente Estado-administração, fazendo-o distinguir-se das outras pessoas coletivas públicas dotadas de personalidade jurídica (e, por conseguinte, também, judiciária).
Sendo que a qualificação do ESTADO como pessoa coletiva decorre da própria Constituição, designadamente dos seus artigos 3º nº3, 5º nº 3, 18º nº 1, 22º, 27º nº 5, 38º nº 2, 41º nº 4, 204º nº 1 alínea b) e nº 2, 269º nºs 1 e 2, 271º nºs 1 e 4 ou 276º nº 4, sendo particularmente significativas, neste conspecto, as disposições onde se atribuem direitos ou deveres ao ESTADO e às outras pessoas coletivas públicas – vide, a este respeito, Diogo Freitas do Amaral, in, “Curso de Direito Administrativo”, Vol. I, II edição, Almedina, pág. 213 ss.
3.14 Na versão anterior do CPTA o chamamento do ESTADO à ação sobre contrato ou relativa a responsabilidade civil que contra ele tivesse sido instaurada fazia-se através da citação dirigida ao MINISTÉRIO PÚBLICO, que era quem também, quem atuava na ação em sua representação legal.
Como refere Alexandra Leitão, in, “A Representação do Estado pelo Ministério Público nos Tribunais Administrativos”, JULGAR, nº 20, 2013, pág. 13 ss. tratava-se aí de uma representação legal e não propriamente, como representação orgânica, como vinha sendo entendido em alguma doutrina “(…) enquanto a representação orgânica decorre da própria natureza das coisas — é, por assim dizer, lógica e ontológica —, a representação legal decorre de uma opção do legislador. Por outras palavras: seria possível optar-se por não cometer ao Ministério Público a representação em juízo do Estado, mas seria impossível determinar que a pessoa coletiva deixasse de ser representada por um ou mais dos seus órgãos, pela simples razão que as pessoas coletivas são entidades imateriais que carecem sempre de um ou mais órgão(s) e do(s) seu(s) titular(es) para manifestar a sua vontade. Este é o cerne da distinção entre representação orgânica e legal.”
3.15 A circunstância de a expressão «representação», usada nas normas em causa, não é, assim unívoca, sendo aplicada com aceções diferentes. As suas repercussões são, aliás, explicitadas, no âmbito da versão original do CPTA, por Esperança Mealha, in,Personalidade Judiciária e Legitimidade Passiva das Entidades Públicas”, CEDIPRE ONLINE I 2, novembro 2010, pág. 29, na análise que ali se efetua quanto à medida em que a representação do ESTADO pelo MINISTÉRIO PÚBLICO interferia com os critérios de atribuição de personalidade judiciária vertidos no artigo 10º CPTA.
3.16 Não vemos como a representação orgânica da pessoa coletiva ESTADO nos tribunais administrativos, em defesa dos seus interesses patrimoniais, que são os que estão em causa nas ações sobre contratos e relativas à responsabilidade, esteja constitucionalmente acometida ao MINISTÉRIO PÚBLICO.
Mas será que o artigo 219º nº 1 da CRP ao determinar, sob a epígrafe “Funções e Estatuto” que “ao Ministério Público compete representar o Estado”, lhe reserva a ele a representação legal do ESTADO nessas mesmas ações?
3.17 As justificações para a solução infra-constitucional adoptada pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro podem ser muitas. Mas uma delas adverirá, com certeza, da circunstância aos dois meios processuais principais - a «ação administrativa comum» e a «ação administrativa especial», cujos respetivos âmbitos e regras processuais eram distintas (cfr. artigos 35º, 37º, 42º e 46º do CPTA, na versão original) – com a revisão operada pelo DL. nº 214-G/2015, ter resultado o abandono daquele modelo dualista de meios processuais principais não urgentes, através do estabelecimento de uma única forma de processo declarativo não urgente, a «ação administrativa», na qual passaram a poder ser cumulados pedidos que anteriormente pertenciam a cada uma daquelas distintas formas de processo. Daí emergindo múltiplas dificuldades ao nível da determinação da legitimidade passiva, resultando, não raras vezes, em decisões de forma, com absolvição da instância, e sem possibilidade de aproveitamento do ato de citação, nem da respetiva interrupção da prescrição ou da caducidade, a verificar-se. Podendo, até, raiar em situações de denegação de justiça, com prejuízo dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.
3.17 Assim se explicará que a citação deva ser dirigida uma única citação ao Centro de Competências Jurídicas do Estado quando numa na mesma ação sejam demandados diversos ministérios, quando numa ação seja demandado o ESTADO, ou quando na mesma ação sejam demandados diversos ministérios e o ESTADO, sendo que foi aliás esta última hipótese que sucedeu nos autos. E com essa citação, que o ESTADO (e/ou os Ministérios que sejam também demandados) é chamado à ação, e a instância fixada, nos termos do artigo 260º do CPC, ex vi do artigo 1º do CPTA (sem prejuízo das eventuais modificações que possam vir a ocorrer nos termos que processualmente sejam admitidos).
3.18 Não cabe aqui fazer qualquer juízo quanto ao melhor acerto da opção legislativa adoptada na Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, já que num Estado de Direito assente no primado da Lei (cfr. arts. 2.º e 3.º, n.ºs 1 e 2 da CRP) na sua aplicação aos casos concretos têm de ser acatados os juízos de valor legislativamente formulados, quando não ofendam normas de hierarquia superior nem se demonstre violação de limitações legais de carácter geral “…não podendo o intérprete sobrepor à ponderação legislativa os seus próprios juízos sobre o que pensa que deveria ser regime legal, mesmo que os considere mais adequados e equilibrados que os emanados dos órgãos de soberania com competência legislativa.” (cfr., por todos, o Acórdão do Pleno do STA de 13/11/2007, Procº nº 01140/06, in, www.dgsi.pt/jsta).
3.19 Ainda que sejam de reportar as dificuldades da sua articulação com outras normas do sistema jurídico infra-constitucional.
Designadamente as decorrentes da o Estatudo do MINISTÉRIO PÚBLICO (à data da instauração da ação o aprovado pela Lei nº 47/86, de 15 de outubro, atualmente o aprovado pela Lei n.º 68/2019, de 27 de agosto, cuja entrada em vigor ocorreu em 01/01/2020 – cfr. artigo 287º), se referir à intervenção principal do MINISTÉRIO PÚBLICO quando representa o ESTADO, as REGIÕES AUTÓNOMAS ou as AUTARQUIAS LOCAIS, simultanemanete dispondo que “…em caso de representação de região autónoma, de autarquia local ou, nos casos em que a lei especialmente o permita, do Estado, a intervenção principal cessa quando for constituído mandatário próprio” (cfr. artigo 5º nº 1 alíneas a) e b) e nºs do Estatuto antigo e artigo 9º do Estatuto novo) e de prever a existência de departamentos de contencioso do ESTADO enquanto órgão de coordenação e de representação do ESTADO em juízo em matéria cível, administrativa e tributária (cfr. artigo 51º do Estatuto antigo e 61º do Estatuto novo) aos quais compete (cfr. artigo 52º nº 1 do Estatuto antigo e 61º nº 1 do Estatuto novo) a “…representação do Estado em juízo, na defesa dos seus interesses patrimoniais, em casos de especial complexidade ou de valor patrimonial particularmente relevante, mediante decisão do Procurador-Geral da República (alínea a)); “…organizar a representação do Estado em juízo, na defesa dos seus interesses patrimoniais” (alínea b)); “…assegurar a defesa dos interesses coletivos e difusos” (alínea c)); “…preparar, examinar e acompanhar formas de composição extrajudicial de conflitos em que o Estado seja interessado” (alínea d)), e ainda “…apoiar os magistrados do Ministério Público na representação do Estado em juízo” (nº 2).
3.19 Sendo certo que por outro lado, e no que toca às ações cíveis, o CPC atual dispõe no seu artigo 24º, a respeito da representação do ESTADO que este é nelas “…representado pelo Ministério Público, sem prejuízo dos casos em que a lei especialmente permita o patrocínio por mandatário judicial próprio, cessando a intervenção principal do Ministério Público logo que este esteja constituído” (nº 1), ressalvando que “…se a causa tiver por objeto bens ou direitos do Estado, mas que estejam na administração ou fruição de entidades autónomas, podem estas constituir advogado que intervenha no processo juntamente com o Ministério Público, para o que são citadas quando o Estado seja réu; havendo divergência entre o Ministério Público e o advogado, prevalece a orientação daquele”.
Não podendo deixar de se estranhar, que quando estejam em causa ações da mesma natureza, mas por não integrarem a área da competência da jurisdição administrativa e fiscal (cfr. artigo 4º do ETAF), estejam submetidas à jurisdição dos tribunais comuns, a representação do ESTADO possa ser feita de de modo tão diametralmente distinto.
3.20 Claro que o inciso da parte final do nº 4 do artigo 25º do CPTA na sua versão atual, no qual, referindo-se ao Centro de Competências Jurídicas do Estado, se diz que este “assegura a sua transmissão aos serviços competentes e coordena os termos da respetiva intervenção em juízo” poderá criar dúvidas quanto à forma como será assegurada, em tal caso, a garantia da autonomia do MINISTÉRIO PÚBLICO, nos termos do artigo 219º nº 2 da CRP e do respetivo Estatuto, em relação aos demais órgãos do poder central, regional e local (cfr. artigo 2º do Estatuto antigo e 3º do Estatuto novo).
Mas não é despiciente relembrar que nos termos Estatuto antigo (aprovado pela Lei nº 47/86) não só era contemplada a interligação entre a atuação judicial do MINISTÉRIO PÚBLICO em representação do ESTADO e os demais serviços do Estado, cuja atuação estivesse implicada, como se previa que ao Ministro da Justiça competia transmitir, ainda que por intermédio do Procurador-Geral da República, instruções de ordem específica nas acções cíveis e nos procedimentos tendentes à composição extrajudicial de conflitos em que o Estado fosse interessado ou autorizar o Ministério Público, ouvido o departamento governamental de tutela, a confessar, transigir ou desistir nas acções cíveis em que o Estado fosse parte (cfr. artigo 80º alíneas a) e b) do Estatuto antigo).
3.21 E recentando-nos na invocada desconformidade das normas em causa, temos que reafirmar a análise feita pela 1ª instância quanto à convocação do artigo 219º nº 1 da CRP, nos termos da qual “ao Ministério Público compete representar o Estado e defender os interesses que a lei determinar, bem como, com observância do disposto no número seguinte e nos termos da lei, participar na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania, exercer a acção penal orientada pelo princípio da legalidade e defender a legalidade democrática”. Dando por renovados os entendimentos doutrinais ali citados a tal respeito. Os quais evidenciam que a discussão em torno da representação do ESTADO pelo MINISTÉRIO PÚBLICO se encontra atualmente já limitada. Na medida em que é aceite, sem reservas, a conformidade constitucional com o inciso “ao Ministério Público compete representar o Estado” constante da primeira parte do nº 1 do artigo 219º da CRP, quanto às demais opções legais em que a representação do ESTADO, e a defesa dos interesses patrimonias deste, não são feitas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, mas pelas entidades ou órgãos integrados na administração direta ou indireta do Estado (tenham ou não personalidade judirica), quando nos termos da lei processual aplicável lhes é reconhecida personalidade e capacidade judiciária.
O que significa que restam apenas em discussão as ações relativas a contratos e a responsabilidade civil extracontratual em que o ESTADO seja demandado nos Tribunais Administrativos. E não se vê em como possam estas considerar-se núcleo essencial das funções do MINISTÉRIO PÚBLICO referidas no nº 1 do artigo 219º da CRP.
3.22 E por último sempre importará ainda dizer que independentemente de estar ou não a matéria em causa, regulada nos dispostivos dos artigos 11º e 24º do CPTA na versã dada pela Lei nº 118/2019, de 17 de setembro, no âmbito da reserva relativa da assembleia da república nos termos do artigo 165º nº 1 da CRP, também apontado como violado, o certo é que essa competência legislativa foi observada.
3.23 Aqui chegados, tem pois que concluir-se, dever ser negado provimento ao recurso e manter-se, com a antecedente fundamentação, a decisão do Mmº Juíz a quo que indeferiu a arguição de nulidade de falta da citação.
O que se decide.
*
IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em negar provimento ao recurso.

Sem custas.
*

Notifique.
D.N.
*
Porto, 3 de julho de 2020

M. Helena Canelas
Isabel Costa
João Beato