Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:001197/08.7BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/22/2015
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:RECURSO JURISDICIONAL; QUESTÕES NOVAS;
ARTIGO 676º, N.º 1, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, ARTIGO 140º DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS; RECONHECIMENTO DE ÍNDICE SALARIAL SUPERIOR AO PROCESSADO PELO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA A MAGISTRADA DO MINISTÉRIO PÚBLICO; LEGITIMIDADE PASSIVA DO MINISTÉRIO DAS FINANÇAS; ARTIGO 26º Nº 1 A 3 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1995 E 10º NºS 1 E 2 DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS; AUDITORA DE JUSTIÇA DE CURSO ESPECIAL DE MAGISTRADOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO; SERVIÇO PRESTADO COMO PROCURADORA ADJUNTA EM REGIME DE SUBSTITUIÇÃO; PROMOÇÃO A PROCURADORA-ADJUNTA; INCIDE 135 DA ESCALA SALARIAL DOS MAGISTRADOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO; PRINCÍPIO DA IGUALDADE; ARTIGO 13º E ALÍNEA A) DO Nº 1 DO ARTIGO 59º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA.
Sumário:1. Em sede de recurso jurisdicional - e face ao disposto no artigo 676º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos -, apenas podem ser tratadas questões quem tenham sido invocadas ou suscitadas em primeira instância, salvo as de conhecimento oficioso.
2. Dado que a satisfação da pretensão da recorrida conduz, necessariamente, a um aumento de despesas pelo Ministério da Justiça, carece de aprovação pelo Ministério das Finanças, nos termos do disposto no artigo 29º do Decreto-Lei nº 321/2009, de 11/12, pelo que este tem interesse em contestar a acção, pelo prejuízo que da sua procedência lhe advenha, sendo sujeito da relação controvertida tal como configurada pelo autor; é, por isto, parte legítima, nos termos concebidos pelo artigo 26º nº 1 a 3 do Código de Processo Civil de 1995 e 10º nºs 1 e 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
3. Deve ser reconhecido o direito ao posicionamento no índice 135 com efeitos reportados a 12/07/2004, data da sua nomeação como Procuradora-adjunta, até 15/09/2006, a uma auditora de justiça de um Curso Especial de Magistrados do Ministério Público que exerceu desde 1997 as funções de procuradora adjunta em regime de substituição, numa interpretação do artigo 96º do Estatuto dos Magistrados do Ministério Público compatível com o princípio da igualdade, na vertente de «trabalho igual, salário igual”,, consignado no artigo 13º e alínea a) do nº 1 do artigo 59º, da Constituição da República Portuguesa.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Ministério da Justiça e Ministério das Finanças e da Administração Pública
Recorrido 1:ACCF
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO
Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
O Ministério da Justiça e o Ministério das Finanças e da Administração Pública vieram interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Porto, de 26.09.2011, pela qual foi julgada totalmente procedente a presente acção administrativa comum, sob a forma ordinária, intentada por ACCF, condenando-se os ora réus, ora recorrentes, a posicionar a autora, ora recorrida, no índice 135 com efeitos reportados à data da sua nomeação como Procuradora-Adjunta, 16 de Julho de 2004, e a pagarem-lhe a diferença salarial devida, desde 16 de Julho de 2004 a 15 de Setembro de 2006, entre o montante correspondente ao índice 100 e o índice 135, acrescida de juros de mora, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento.

Invocaram para tanto que não tendo decorrido os três anos que a lei exige para posicionamento da autora no índice 135 a decisão da 1ª instância violou essa lei.

A recorrida contra-alegou, pugnando pela manutenção do decidido.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.

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Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do recurso jurisdicional do Ministério da Justiça:

1ª. A sentença recorrida assenta em que a transição do índice 100 para o 135 representa uma promoção, pelo que todos os magistrados têm direito a ser abonados pelo índice 135 logo que sejam nomeados em efectividade de funções; acresce que esta interpretação seria a única conforme aos princípios da igualdade e do “trabalho igual, salário igual”.

2ª. Como se demonstrará, a decisão recorrida não pode manter-se, sob pena de se fazer uma interpretação da constituição e da lei contrária à sua letra e ao seu espírito, violando as mais elementares regras e princípios de interpretação, vertidos no artigo 9º do C. Civil.

3ª. Alguns dos princípios básicos em matéria de carreiras da função pública são aplicáveis aos magistrados, como a regra segunda a qual o ingresso em qualquer carreira efectua-se na categoria mais baixa, fazendo-se a progressão pela mudança de escalão na mesma categoria.

4ª. Assim, não pode deixar de considerar-se que o ingresso na carreira de magistrado do Ministério Público se efectua pelo índice 100 e progride ao índice seguinte – 135 – após 3 anos de exercício de funções.

5ª. Pretende a recorrida passar a auferir o seu vencimento pelo índice 135 logo que nomeada procuradora-adjunta efectiva, ainda que remunerada pelo índice 100 durante um período de 6 meses, quando as regras aplicáveis ao caso exigem que a passagem de índice ocorrerá apenas após 3 anos de efectivo exercício de funções (além da classificação).

6ª. Conforme foi já apreciado pelo Conselho Consultivo da PGR, “em matéria de remuneração base o argumento literal parece-nos decisivo, ao apontar no sentido de os magistrados judicias (…) terem de começar (na fase de ingresso) pela última parcela da grelha indiciária, que é a de 100, e só poderem ascender desse ao escalão indiciário seguinte, o de 135, após 3 anos de serviço.

7ª. E a exigência de um determinado número de anos para progredir na carreira tem uma justificação por demais evidente: a antiguidade permite maior eficácia no desempenho de funções, pelo que constitui mais um prémio pela permanência na categoria do que pelo mérito evidenciado.

8ª. E no mesmo sentido se pronunciou o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, na sua deliberação de 20.09.2004, citada na sentença: não resulta da lei que o escalão indiciário 135 tenha a ver com o facto do exercício de funções efectivas como Juiz de Direito, mas sim com o tempo de serviço prestado – 3 anos”.

9ª. Fazendo tábua rasa de todos estes contributos e sem citar nenhum outro a favor da decisão, a sentença faz uma leitura da lei em que o período de 3 anos não tem qualquer significado, tanto mais que reconhece que a passagem ao índice 135 não depende da nomeação em efectividade de funções, mas do decurso do prazo de 3 anos, que, geralmente, coincide, é certo, aproximadamente, com o período da formação.

10ª. A diferença ente os magistrados dos cursos normais e a recorrida não está em aqueles receberem pelo índice 135 logo que são nomeados como magistrados efectivos, mas em aqueles aguardarem menos meses nessa situação do que a recorrida tem de aguardar, para atingirem o nível 135.

11ª. A afirmação da sentença de que estamos perante uma promoção contém vários erros.

12ª. Em primeiro lugar, para a decisão dos presentes autos é irrelevante saber-se se a passagem do índice 100 ao índice 135 constitui uma progressão, como sempre se tem entendido, ou uma promoção, pois está apenas o decurso ou não de um determinado período de tempo.

13ª. Progressão e promoção têm naturezas diferentes e requisitos comuns - permanência de um módulo de tempo no escalão imediatamente inferior e atribuição de classificação mínima de Bom – mas a promoção depende igualmente da existência de vaga.

14ª. Mesmo que reúna os requisitos para a promoção, o funcionário não tem o direito de ser promovido, pois não existe na promoção o automatismo que existe na progressão, ficando dependente da existência de vagas e da oportunidade ou conveniência da Administração.

15ª. Assim, a sentença recorrida padece de três vícios essenciais. O primeiro erro é de natureza científica. É da análise de um determinado regime que pode nascer a sua qualificação jurídica, e não o inverso, como faz a sentença.

16ª. O segundo erro reside em a sentença distinguir promoção e progressão apenas pela apreciação de mérito. Ora, como se viu e é inquestionável, em ambos os casos há apreciação de mérito.

17ª. Refira-se ainda que a avaliação a que se refere a sentença, no fim do período de estágio, não é uma avaliação de desempenho, no sentido estrito. Tal avaliação é uma avaliação da preparação para o exercício de funções e não uma avaliação de desempenho.

18ª. Por último, a sentença padece ainda de outro vício mais grave: promove a recorrida, como se o juiz fosse a Administração Pública, o que desde logo não pode fazer, pois nem sabe se existe vaga para o efeito e muito menos pode aplicar critérios de conveniência administrativa.

19ª. E inexiste igualmente suporte legal para a equiparação feita na sentença entre “ingresso-formação”, pois o ingresso é apenas sinónimo de entrada na carreira, sem qualquer relação com as funções a exercer ou com a fase de formação.

20ª. O apelo ao “lugar paralelo” contido na Lei nº 53-C/2006, de 15 de Setembro é claramente contra a sentença, pois o que se pretendeu foi acautelar que os auditores que terminassem a fase de formação pudessem passar, ao fim de 3 anos, a ser remunerados pelo índice 135, evitando assim que se mantivessem mais de 3 anos sem ascender a tal índice.

21ª. A pretensão da recorrida é tanto mais infundada quanto assenta já ela própria num regime excepcional de base, previsto na Lei nº. 7-A/2003, de 9 de Maio, quer quanto ao regime de recrutamento, com dispensa de testes de aptidão, quer quanto ao tempo de formação, encurtada de 22 para 9 meses.

22ª. A situação presente é distinta da citada na sentença, relativa aos magistrados dos Tribunais Administrativos e Fiscais, que passou por uma decisão ministerial e por a situação de partida e os pressupostos que levaram a tal decisão serem diferentes dos reunidos pela recorrida.

23ª. Ao referido concurso apenas podiam concorrer magistrados com pelo menos 5 anos de serviço e classificação não inferior a Bom e juristas com pelo menos 5 anos de comprovada experiência profissional. Mas o decisivo foi aqui que “se trata de juízes de direito que exercem funções que, na magistratura judicial, são exercidas por juízes de círculo”.

24ª. A não progressão imediata ao índice 135 não viola qualquer princípio constitucionalmente consagrado, designadamente o da igualdade, pois o que este “princípio proíbe são as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante” (Ac. TC nº 1007/96, publicado no DR II Série de 12.12.96).

25ª. Ora, a recorrida e os restantes magistrados a que pretende comparar-se não estão em igualdade de condições no que respeita a um elemento decisivo: o tempo de serviço, pois que estes só progridem de escalão ao fim de 3 anos de serviço efectivo, e a recorrida pretende atingir a mesma progressão ao fim de 9 meses.

26ª. Há razões para que procuradores-adjuntos com o mesmo estatuto funcional e as mesmas responsabilidades sejam abonados diferentemente: o diferente tempo de exercício de funções.

27ª. Não é a interpretação aqui defendida que faz uma discriminação negativa, antes é a sentença que faz uma discriminação positiva, tendo em conta que o período de formação e de estágio são aqui muito inferiores aos normais, pelo que viola os artigos 13º e 59º da Constituição da República Portuguesa.
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São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do recurso jurisdicional do Ministério das Finanças e da Administração Pública:

1- O Tribunal a quo incorreu em flagrante erro de julgamento ao considerar, no despacho de 5 de Março de 2010, não verificada in casu a ilegitimidade do co-réu Ministério das Finanças.

2- A presente acção foi intentada contra o Ministério da Justiça (MJ) e o Ministério das Finanças e da Administração Pública (MFAP) tendo em vista o reposicionamento indiciário remuneratório da ora recorrida no índice 135, com efeitos reportados à data da sua nomeação, como procuradora adjunta (12 de Julho de 2004) até 15 de Setembro de 2006 e respectivos juros.

3- A tais actos é, todavia, alheio o Ministério das Finanças, atentas as competências conferidas à Procuradoria-Geral da República e ao Conselho Superior da Magistratura do Ministério Público, pela Constituição da República Portuguesa e pela Lei nº 47/86, em matéria de promoção dos Magistrados do Ministério Público, quer à Direcção Geral da Administração da Justiça/ Ministério da Justiça, no que respeita ao processamento de remunerações e à elaboração e gestão dos orçamentos dos Tribunais [cf. o disposto no artigo 13º nº 2 alíneas c) e h) do Decreto-Lei nº 206/2006, de 27/10].

4- Decorre do artigo 13º do Decreto-Lei nº 155/92, conjugado com o artigo 43º nº 1 alª b) da Lei nº 91/2001, republicada pela Lei nº 48/2004, que a iniciativa de orçamentação e cabimentação das despesas inerentes ao reposicionamento no índice remuneratório pretendido pela ora Recorrida, cabe à Direcção Geral da Administração da Justiça/ Ministério da Justiça e não ao Ministério das Finanças.

5- E, dos artigos 10º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e 26º do Código de Processo Civil resulta, que para se aferir a legitimidade passiva é necessário estabelecer uma interligação entre o objecto do litígio e a(s) pessoa(s) colectiva(s) pública(s) a quem seja imputável o dever que se pretenda efectivar no processo.

6- Apenas seria de ponderar a hipótese de um prejuízo para o Ministério das Finanças se sobre este ou algum dos seus órgãos ou serviços recaísse o dever de praticar os actos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos – o que não sucede.

7- Mal andou, pois, o Tribunal a quo ao reconhecer legitimidade passiva ao Ministério das Finanças, com fundamento em competências e atribuições que cabem, exclusivamente, a órgãos do Estado independentes e com consagração constitucional ou a órgãos e serviços do Ministério da Justiça.

8- Também não faria qualquer sentido chamar à colação uma suposta conexão com a execução orçamental (que, em bom rigor, reportar-se-á ao orçamento da Direcção Geral da Administração da Justiça/ Ministério da Justiça,) ao arrepio do objecto e dos pedidos – para sustentar uma eventual legitimidade passiva do Ministério da Finanças e da Administração Pública, sob pena de, nessa lógica de raciocínio, este passar a estar sempre como /réu e/ou contra-interessado, em todas as providências/acções referentes a actuações ou omissões de pessoas colectivas de direito público ou de (órgãos de) outros Ministérios, sempre que estivesse em causa uma qualquer verba com origem no Orçamento do Estado.

9- O invocado direito subjacente à pretensão da acção administrativa “sub judice” e a procedência do mesmo não vai interferir ou prejudicar directamente os interesses do Ministério das Finanças e, dessa forma, este não tem qualquer interesse directo em contradizer a pretensão que contra o mesmo foi deduzida e como tal carece de legitimidade passiva para a acção administrativa sub judice.

10- Ao não ter assim decidido incorreu o tribunal a quo em erro de julgamento, por violação do disposto nos artigos 10º nºs 1 e 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e 26º e 28º, 288º nº 1 alª d), 494º alínea e), 493º nº 2 e 495º, todos do Código de Processo Civil, razão pela qual deve o despacho recorrido ser anulado e o Ministério das Finanças ser absolvido da instância.

11- Ainda que assim não se entenda, o que não se concede, subsistiria o erro de julgamento, na medida em que o tribunal a quo não conheceu, como lhe competia, da inidoneidade do meio processual ou da utilização ilegal da forma comum que se consubstanciam em excepções do conhecimento oficioso e que obstam à apreciação do mérito da causa.

12- Do pedido e da causa de pedir resulta evidente que o que se encontra subjacente à interposição da presente acção é o facto de a autora discordar da sua manutenção no índice remuneratório 100, após ter sido nomeada procuradora-adjunta em regime de efectividade, quando, no seu entender, o deveria ser no índice 135.

13- A nomeação e a aceitação da aqui recorrida na referida categoria, no índice 100, do qual teve conhecimento a partir do processamento do vencimento seguinte, incorpora uma decisão administrativa impugnável, ao abrigo do artigo 51º nº 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (em si mesma, ou em resultado de recurso gracioso dela interposto.

14- Então, se entendia que os vencimentos eram indevidos deveria a mesma ter impugnado os actos de processamento dos vencimentos, mediante a interposição de uma acção administrativa especial, no prazo de três meses [cfr. artigos 58º nº 2 alª b) e 59º nºs 1 e 3 alínea c), ambos do Código de Processo Administrativo].

15- É também manifesto, que a pretensão em causa se acha focalizada nos reposicionamentos indiciários e no pagamento de diferenças salariais implicaria por parte da Administração de determinados procedimentos que culminam na prática de verdadeiros actos administrativos.

16- Para os efeitos pretendidos caberia à interessada ter pedido a anulação dos de processamento de vencimentos e deduzido um pedido de condenação à prática de verdadeiros actos administrativos.

17- Verificado o erro na forma de processo, e não sendo possível a convolação, por não se verificar o requisito da tempestividade, nos termos do artigo 58º nº 2 alª b) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, deveria o tribunal a quo ter absolvido os réus da instância, nos termos dos artigos 493º nº 2 e 495º, ambos do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

18- Ao não ter assim sucedido incorreu o tribunal a quo em erro de julgamento, razão pela qual haverá de anular-se todo o processado, e absolver-se os réus da instância, nos termos do artigo 288º nº 1 alínea b) do Código de Processo Civil.

19- De todo o modo, mesmo que assim não se considere, sempre subsistiria o erro de julgamento, por não ser legítimo à ora recorrida a utilização de acção administrativa comum, quando a concretização da sua pretensão envolve, necessariamente, a obtenção do efeito que resultaria da anulação desses actos inimpugnáveis, atento o disposto no artigo 38º nº 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

20- A ora recorrida foi nomeada procuradora-adjunta em regime de efectividade, com efeitos a 16 de Julho de 2004, nomeação que aceitou sem reservas.

21- Àquela data, como ainda não tinha completado três anos de serviço, módulo de tempo necessário para transitar ao índice imediatamente seguinte, manteve o índice remuneratório 100, da escala indiciária da magistratura do Ministério Público, no qual permaneceu até 15 de Setembro de 2006, data em que completou o módulo de tempo para transitar ao índice 135.

22- O acto de processamento de vencimentos, enquanto acto inovatório da sua situação face ao réu Ministério da Justiça, constitui um acto impugnável e não mera operação material que se vão sucessivamente firmando na ordem jurídica se não forem objecto de oportuna impugnação [cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo/Pleno de 05.06.2008, recurso 01212/06 e acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 18.2009, recurso 01260/07/1.BEPRT].

23- A impugnação desse acto, conjugada com o pertinente pedido de condenação à prática do acto legalmente devido, seria susceptível de conceder à ora recorrida o mesmo efeito que pretende obter enquanto a autora da acção comum, a condenação do réu a pagar-lhe pelo índice 135 e a consequente anulação daquele acto.

24- A análise, no caso concreto, dos efeitos pretendidos e pedidos pela ora Recorrida na Acção Administrativa Comum permite concluir, que são os que resultariam da anulação dos actos administrativos tornados firmes na ordem jurídica, o que lhe está vedado, nos termos do disposto no artigo 38º nº 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [vd. Acórdãos de 31.01.2008, proc. nº 00620/04.4BEBRG, de 13.01.2011, proc. nº 02599/07 e de 15.04.2011, proc. nº 00228/09.8BEVIS].

25- Impunha-se, assim, ao tribunal recorrido a absolvição da instância por manifesta ilegalidade na utilização da forma processual comum [artigos 38º nº 2, 35º nº 1 e 42º nº 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 288º nº 1 alínea e) e 510º nº 1 alínea a) do Código de Processo Civil].

26- Deve, consequentemente, ser revogado o despacho recorrido e ser substituído por outro no qual se considere a excepção dilatória referida e determine a absolvição da instância, nos termos supra referidos.

27- Em todo o caso, ainda que se entendesse que havia legitimidade passiva da parte do Ministério das Finanças e que a acção administrativa comum era o meio próprio e legal sempre errou a sentença sob recurso ao não julgar a acção improcedente, atenta a manifesta falta de preenchimento por parte da aqui recorrida do requisito legal de tempo de serviço, de que a lei faz depender o posicionamento no índice remuneratório 135.

28- Considera o tribunal a quo que a aqui recorrida deve ser posicionada no índice 135 desde a sua nomeação como procuradora-adjunta em regime de efectividade e de receber a diferença remuneratória daí advinda sem ter de esperar três anos após o início de funções.

29- A transição do índice 100 para o índice 135 é determinada pelo tempo de serviço conforme se refere expressamente no mapa anexo a que se reporta o artigo 96º nº 1 do Estatuto dos Magistrados do Ministério Público, MMP sendo esse tempo determinado e calculado segundo as regras dos artigos 135º e seguintes do mesmo Estatuto.

30- Independentemente da qualificação jurídica dada à transição do índice 100 para o índice 135 (progressão ou promoção), a verdade é que em qualquer das situações sempre se exigiria o requisito do tempo de serviço que, como se sabe, a mesma, à data não possuía.

31- À luz dos citados preceitos e tendo em conta a unidade do sistema jurídico (artigo 9º nº 1 do Código Civil), só se pode concluir que a Magistrada em causa, como todos aqueles que se encontram na mesma situação, por razões circunstanciais, encurtam o tempo específico de formação, mas terão de cumprir os três anos necessários à progressão ao índice seguinte.

32- A decisão sob escrutínio, ao entender que a Magistrada em causa deve ser posicionada no índice 135 desde a sua nomeação como procuradora-adjunta e de receber a diferença remuneratória daí advinda, fez uma incorrecta interpretação e aplicação de tal norma, motivo pelo qual tal decisão não deve ser mantida.

33- As diferenças de tratamento tipificadas na lei e atrás enunciadas, baseiam-se em critérios de justiça pois são fundamentadas com base na carreira de cada magistrado e na progressão da mesma face aos normativos legais em vigor.

34- Tal entendimento, contrariamente ao preconizado pela recorrida e sufragado pela sentença, não é incompatível com o princípio constitucional da igualdade salarial e também não colide com os princípios da igualdade, na medida em que a Constituição não veda que se façam distinções baseadas, na antiguidade e na classificação de serviço.

35- E, conforme melhor se refere no Acórdão nº 231/94, de 09.03 (in Diário da República, 1ª Série A, 98 de 24/04/1994, págs. 2056 e 2057 “… a essência da aplicação do princípio da igualdade encontra o seu ponto de apoio na determinação dos fundamentos fácticos e valorativos da diferenciação jurídica consagrada no ordenamento. O que significa que a prevalência da igualdade como valor supremo do ordenamento tem de ser caso a caso compaginada com a liberdade que assiste ao legislador de ponderar os diversos interesses em jogo e diferenciar o seu tratamento no caso de entender que tal se justifica”.

36- Nas situações como a presente, em que o legislador pode optar entre diversas soluções organizativas, o controlo da constitucionalidade deve ter em conta a “autonomia legislativa”, não sendo permitido um reexame judicial, mas tão só um controle externo da constitucionalidade, isto é, um controle de limites externos e de erro manifesto, segundo um critério de evidência”, ou seja, a inconstitucionalidade deve ser manifesta (cfr. Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição de 1976, 3ª edição, pág. 225 e seguintes.

37- O mesmo se diga mutatis mutandis quanto à situação dos magistrados dos tribunais administrativos e fiscais, que foram posicionados no índice 135, por despacho ministerial.

38- Ao concurso para magistrados dos tribunais administrativos e fiscais apenas podiam concorrer magistrados com pelo menos cinco anos de serviço e classificação não inferior a Bom e Juristas com pelo menos 5 anos de comprovada experiência profissional e para exercerem funções que, na magistratura judicial, são executadas por juízes de Círculo, ou seja, situação distinta daquela que se verificou com a ora recorrida.

39- Também por este prisma não se vislumbra que a não progressão imediata ao índice 135 da ora recorrida possa colidir com qualquer princípio constitucional, máxime, o da igualdade pois o que este princípio proíbe são as distinções que não tenham fundamento material bastante (vd. Acórdão nº 1901, de 14.03.1989, proc. 89-0060, publicado no Diário da República de 12.06.1989) – o que, como se demonstrou, não se verifica no caso em apreço.


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II – Matéria de facto.


1. Em 16/10/1997, a autora foi nomeada, em regime de substituição, as funções de procuradora-adjunta na comarca de Velas.

2. Por despacho n.º 3432/2004, de 5 de Fevereiro (publicado no Diário da República, II Série, n.º 40, em 17 de Fevereiro), foi a autora nomeada procuradora-adjunta, em regime de estágio, para a Comarca de VC, com efeitos a partir de 26 de Janeiro de 2004.

3. Através da deliberação n.º 1150/2004, de 12 de Julho (publicada no Diário da República, II Série, n.º 214, em 10 de Setembro de 2004), foi a autora nomeada procuradora-adjunta em regime de efectividade e colocada como auxiliar, a título definitivo, na Comarca do P..., com efeitos a partir de 16 de Julho de 2004.

4. A autora, por deliberação n.º 1242/2005, de 11 de Julho de 2005 (publicada no Diário da República, II Série, n.º 177), foi transferida em regime de destacamento para a comarca de VM, movimento que produziu efeitos a partir de 15 de Setembro de 2005.

5. Por deliberação n.º 1158/2006 de 11 de Julho de 2006 do Conselho Superior do Ministério Publico (publicada na Diário da República, II Série, n.º 169, de 1 de Setembro de 2006), foi a autora transferida em regime de destacamento como auxiliar para a comarca da L..., por conveniência de serviço, transferência renovada por um ano através do despacho n.º 28985/2007, datado de 14 de Setembro de 2007 (publicado no publicada no Diário da República, II Série, n.º 245, de 20 de Dezembro de 2007), onde actualmente exerce funções.

6. A autora exerceu, em regime de substituição, as funções de procuradora-adjunta desde 16/10/1997 até 15/07/2003, para além de Velas, nas comarcas de Tabuaço e Vinhais.

7. Foi a autora nomeada auditora de Justiça, no âmbito do 1º Curso Especial de Formação do Ministério Público, com efeitos reportados a 15 de Setembro de 2003, conforme emerge da análise de fls. 152 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

8. Como auditora de justiça teve direito a uma bolsa de estudo correspondente a 50% do índice 100 da escala indiciária das magistraturas, conforme emerge da análise de fls. 162 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

9. Aquando da nomeação determinada pelo despacho n.º 3432/2004, de 5 de Fevereiro, a autora começou a ser remunerada a 100% do índice 100 da escala indiciária da Magistratura do Ministério Público, conforme emerge da análise de fls. 152 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

10. Aquando da nomeação operada pela deliberação n.º 1150/2004), a autora continuou a ser abonada mensalmente a 100% do índice 100 da escala indiciária da Magistratura do Ministério Público, conforme emerge da análise de fls. 152 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

11. Em 15 de Setembro de 2006, a Autora começou a ser abonada pelo índice 135 da escala indiciária da Magistratura do Ministério Público, com efeitos reportados a 15 de Setembro de 2006, conforme emerge da análise de fls. 152 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

12. Data em que perfez três anos desde a sua nomeação como auditora de justiça no âmbito do I Curso Especial de Magistrados Judiciais e do Ministério Público, conforme emerge da análise de fls. 152 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

“OUTROS ELEMENTOS PROBATÓRIOS [cfr. nº. 3 do artigo 659º do CPC]

Pelo despacho, de 3.5.2005, do Ministro da Justiça, foi determinado, em concordância com os fundamentos e conclusões das Deliberações do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (CSTAF), de 20.9.2004, de 24.1 e 4.4.2005, a correcção, com efeitos reportados a 1.1.2004, dos vencimentos dos juízes dos tribunais Administrativos e Fiscais que vinham a ser abonados pelo índice 100 - uma vez que a correcta interpretação do respectivo posicionamento indiciário, corresponde ao índice 135, conforme emerge da análise de fls. 107 a 113 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

13. Dá-se por reproduzido todo o teor dos documentos que integram os autos.


*
III - Enquadramento Jurídico.

III.I. Os pressupostos processuais.

III. I. I. O erro na forma de processo.

O Ministério das Finanças e da Administração Pública veio invocar que: para os efeitos pretendidos caberia à interessada ter pedido a anulação dos de processamento de vencimentos e deduzido um pedido de condenação à prática de verdadeiros actos administrativos; verificado o erro na forma de processo, e não sendo possível a convolação, por não se verificar o requisito da tempestividade, nos termos do artigo 58º nº 2 alª b) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, deveria o tribunal a quo ter absolvido os réus da instância, nos termos dos artigos 493º, nº 2, e 495º, ambos do Código de Processo Civil aplicável ex vi artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos; ao não ter assim sucedido incorreu o tribunal a quo em erro de julgamento, razão pela qual haverá de anular-se todo o processado, e absolver-se os réus da instância, nos termos do artigo 288º nº 1 alínea b) do Código de Processo Civil.


Tal invocação, porém, é manifestamente extemporânea.

Em sede de recurso jurisdicional - e face ao disposto no artigo 676º, n.º 1, do Código de Processo Civil de 1995 (aplicável no tempo ao caso), por força do disposto no artigo 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos -, apenas podem ser tratadas questões quem tenham sido invocadas ou suscitadas em primeira instância, salvo as de conhecimento oficioso.

Neste sentido, uniforme, se pronunciaram os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 03.05.2007, no processo n.º 01660/06, e do Tribunal Central Administrativo Norte, de 29.03.2012, processo 00254/09.7 BEMDL e de 08-07-2011, no processo 00215/98 – Porto.


Em particular, no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 03.05.2007, no processo n.º 01660/06, diz-se (sumário):

“1. Mediante a interposição de recurso a decisão judicial é submetida a nova apreciação por outro tribunal, tendo por objecto quer a ilegalidade da decisão quer a sua nulidade, sendo que o conteúdo do recurso deflui do contexto da alegação e respectivas conclusões - art°s. 676 e 668° CPC, ex vi artº 140º CPTA.

2. Nas alegações, a parte há-de expor as razões por que ataca a decisão recorrida; nas conclusões, há-de fazer a indicação resumida dos fundamentos por que pede a alteração ou a anulação da decisão recorrida, - artº 690° CPC, ex vi artº 140º CPTA.

3. O conceito adjectivo de questão envolve tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem.

4. Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamento de questões novas, estando, por isso, excluída a possibilidade de alegação de factos novos (ius novorum; nova).

5. O âmbito dos poderes cognitivos do Tribunal Central Administrativo em via de recurso, é balizado (i) pela matéria de facto alegada em primeira instância, (ii) pelo pedido formulado pelo autor em primeira instância e (iii) pelo julgado na decisão proferida em primeira instância, ressalvada a possibilidade legal de apreciação de matéria de conhecimento oficioso e funcional, de factos notórios ou supervenientes, do uso de poderes de substituição e de ampliação do objecto por anulação do julgado - artº 149º nºs 1, 2 e 3 CPTA e artº 715º nºs 1, 2 e 3 CPC.

6. É admissível a interposição de recurso subordinado quanto a decisões distintas, quando entre estas se verifique uma relação de prejudicialidade.

7. Para além dos casos de caducidade por decaimento nos pressupostos de recurso, expressa no artº 682º nº 3 CPC, a insubsistência do recurso principal implica o não conhecimento de mérito sobre o objecto do recurso subordinado, como é o caso.”

E no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 08-07-2011, no processo 00215/98 – Porto (sumário):

“1. Em sede de recurso jurisdicional - e face ao disposto no artigo 676º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos -, apenas podem ser tratadas questões quem tenham sido invocadas ou suscitadas em primeira instância, salvo as de conhecimento oficioso.

(…)”

Ora dispõe o artigo 202º do mesmo Código de Processo Civil que desta nulidade pode o tribunal conhecer oficiosamente. Mas, conforme estabelece o artigo 204º, nº 1, do mesmo Código que esta nulidade só pode ser conhecida até à contestação ou neste articulado.

Daí que não se possa conhecer desta excepção, por extemporânea.

III. I. II. A ilegitimidade passiva do Ministério das Finanças.

A presente acção ter sido intentada contra o Ministério da Justiça (MJ) e o Ministério das Finanças e da Administração Pública (MFAP) tendo em vista o reposicionamento indiciário remuneratório da ora recorrida no índice 135, com efeitos reportados à data da sua nomeação, como procuradora adjunta (12 de Julho de 2004 até 15 de Setembro de 2006) e respectivos juros.

O Ministério das Finanças entende ser alheio a tal questão, atentas as competências conferidas à Procuradoria-Geral da República e ao Conselho Superior da Magistratura pela Constituição da República Portuguesa, pela Lei nº 47/86, em matéria de promoção dos Magistrados do Ministério Público quer à Direcção Geral da Administração da Justiça/ Ministério da Justiça, no que respeita ao processamento de remunerações e na elaboração e gestão dos orçamentos dos Tribunais [cfr. o disposto no artigo 13º nº 2 alíneas c) e h) do Decreto-Lei nº 206/2006, de 27/10]. Defende ainda que decorre do artigo 13º do Decreto-Lei nº 155/92, conjugado com o artigo 43º nº 1 alª b) da Lei nº 91/2001, republicada pela Lei nº 48/2004, que a iniciativa de orçamentação e cabimentação das despesas inerentes ao reposicionamento no índice remuneratório pretendido pela ora recorrida, cabe ao Ministério da Justiça (Direcção Geral da Administração da Justiça) e não ao Ministério das Finanças; e, defende, dos artigos 10º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e 26º do Código de Processo Civil resulta que para se aferir a legitimidade passiva é necessário estabelecer uma interligação entre o objecto do litígio e a(s) pessoa(s) colectiva(s) pública(s) a quem seja imputável o dever que se pretenda efectivar no processo; apenas seria de ponderar, no seu entender, a hipótese de um prejuízo para o Ministério das Finanças se sobre este ou algum dos seus órgãos ou serviços recaísse o dever de praticar os actos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos – o que não sucede.

Mas sem razão.

Como bem salienta a recorrida, nas contra-alegações que apresenta, o artigo 29º do Decreto-Lei nº 321/2009, de 11/12, diploma que aprova a Lei Orgânica do XVIII Governo Constitucional (à semelhança do que sucedia com o artigo 27º do DL nº 79/2005), preceitua:

Todos os actos do governo que envolvam aumento de despesas ou diminuição de receitas são obrigatoriamente aprovados pelo Ministro de Estado e das Finanças”.

A satisfação da pretensão da recorrida conduz, necessariamente, a um aumento de despesas pelo Ministério da Justiça, logo carente de aprovação pelo Ministério das Finanças, pelo que este tem interesse em contestar a presente acção, pelo prejuízo que da sua procedência lhe advenha, sendo sujeito da relação controvertida tal como configurada pelo Autor.

É, como tal, parte legítima, nos termos concebidos pelo artigo 26º nº 1 a 3 do Código de Processo Civil de 1995 e 10º nºs 1 e 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Assim, também com este fundamento não pode o recurso obter provimento.

E entramos, então na apreciação do mérito da acção.

III.II - Enquadramento jurídico; o mérito da acção.

A recorrida pretende que lhe seja reconhecido o direito ao seu posicionamento no índice 135 com efeitos reportados à data da sua nomeação como Procuradora-adjunta desde 12/07/2004 até 15/09/2006, data em que perfez os três anos de serviço contados desde a sua nomeação como auditora de justiça no I Curso Especial de Magistrados do Ministério Público.

Veio sustentar que a mudança do índice 100 para o índice 135 não deverá, em qualquer caso, resultar do tempo de serviço prestado, mas antes duma mudança de categoria, que representa uma promoção, adveniente do desempenho efectivo de funções, terminado que estava o estágio.

Esta interpretação é, defende, a que melhor se adequa à aplicação dos princípios da igualdade e do “a trabalho igual salário igual” [artigo 13º e artigo 59º nº 1 alínea a), ambos da Constituição da República Portuguesa].

E tem razão, como decidido e ao contrário do que pretendem os recorrentes.

A Lei nº 7-A/2003, de 09/05, que criou um novo instrumento de gestão destinado a conferir aos Conselhos Superiores e ao Ministério da Justiça competência para adoptar medidas excepcionais destinadas a superar situações de carência do quadro de magistrados, estabeleceu no seu nº 1 do artigo 2º, que:

Tendo em conta excecionais razões de carência de quadros, o Ministro da Justiça, sob proposta do Conselho Superior da Magistratura ou do Conselho Superior do Ministério Público, pode determinar que o Centro de Estudos Judiciários organize cursos especiais de formação específica para recrutamento de magistrados judiciais ou para magistrados do Ministério Público, com dispensa da realização de testes de aptidão”.

O regime de estágio aplicável é o que decorre da citada lei, conjugado com o disposto na Lei Orgânica do Centro de Estudos Judiciários, à data dos factos, aprovada pela Lei nº 16/98, de 08/04.

Segundo o artigo 52º desta Lei “Os candidatos admitidos ingressam no CEJ com o estatuto de auditor de justiça”.

Estabelece por seu turno o nº 1 do artigo 68º da mesma Lei “Os auditores de justiça graduados são nomeados juízes de direito ou procuradores-adjuntos em regime de estágio, respectivamente, pelo Conselho Superior da Magistratura ou pelo Conselho Superior do Ministério Público.”

Dispõe ainda o artigo 70º, nº 1, desta Lei, que:

Os magistrados em regime de estágio exercem, com a assistência de formadores, mas sob responsabilidade própria, as funções inerentes à respectiva magistratura, com os respectivos direitos, deveres e incompatibilidades”.

O sistema retributivo dos magistrados do Ministério Público é composto por [artigo 95º nº 1 do Estatuo dos Magistrados do Ministério Público, aprovado pela Lei nº 47/86, de 15/10, republicado pela Lei nº 60/98, de 27/08 e alterado pelas Leis nºs 42/2005, de 29/08, 67/2007, de 31/12, 52/2008, de 28/08, 37/2009, de 20/07 e 55-A/2010, de 31/12]:

a)Remuneração base;

b)Suplementos.

A estrutura da remuneração base a abonar mensalmente aos magistrados do Ministério Público é a que se desenvolve na escala indiciária constante do mapa anexo a este Estatuto, de que faz parte integrante [artigo 96º nº 1 do Estatuto dos Magistrados do Ministério Público:

Procurador-Geral da República – índice 260;

Vice-Procurador-Geral da República – índice 260;

Procurador-geral-adjunto com 5 anos de serviço - índice 250;

Procurador-geral-adjunto - índice 240;

Procurador da República – índice 220;

Procurador-adjunto: com 18 anos de serviço – índice 200;

Com 15 anos de serviço – índice 190;

Com 11 anos de serviço – índice 175;

Com 7 anos de serviço – índice 155;

Com 3 anos de serviço – índice 135;

Ingresso – índice 100.

Assim, da letra da lei, resulta que o índice na categoria de procurador-

-adjunto se inicia no índice 100 e que passa para o índice 135 quando este atinge 3 anos de serviço.

O processamento do vencimento dos procuradores-adjuntos inicia-se com a data do provimento como auditores de justiça, de acordo com o previsto no nº 3 do artigo 2º da Lei do Centro de Estudos Judiciários, aprovada pelo Decreto-Lei nº 374-A/79, de 10/09, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 264-A/81, de 03/09, segundo o qual “a antiguidade dos magistrados saídos dos cursos…conta-se desde a publicação do provimento como auditores de justiça no Diário da República”, apesar da sua revogação pela Lei do Centro de Estudos Judiciários, nº 16/98, de 08/04.

Para efeitos de processamento de vencimentos, na data da publicação do provimento com auditor de justiça ocorre o “Ingresso” na categoria de procurador-adjunto.

Apesar do primeiro índice da escala indiciária dos magistrados do Ministério Público ser o 100, os auditores de justiça têm, em regra, direito apenas a uma bolsa correspondente a 50% do referido índice 100, estando sujeitos aos deveres e incompatibilidades do regime da função pública [artigos 53º e 54º da referida Lei nº 16/98.

Os auditores de justiça, nos cursos ordinários, são submetidos a uma fase teórico-prática de formação com a duração de 22 meses, com início em Setembro e termo em Julho, durante a qual são avaliados e no final, graduados ou excluídos [artigos 56º a 67º da Lei nº 16/98].

Segue-se a fase de estágio, que dura 10 meses [de Setembro a Julho do ano seguinte], podendo ser prolongada, na qual os auditores são nomeados juízes de direito e/ou procuradores adjuntos em regime de estágio e exercem funções, de forma progressiva, considerando a complexidade e o volume de serviço, sob responsabilidade própria, com os direitos, deveres e incompatibilidades da respectiva magistratura, mas com a assistência de formadores e sob a observação dos Conselhos Superiores que, em caso de dúvida sobre a respectiva adequação ao exercício das funções, determina a realização de uma inspecção extraordinária [artigos 68º a 71º].

Só após a conclusão da fase de estágio é que os magistrados são colocados em regime de efectividade de funções [artigo 72º], ficando investidos, em definitivo na plenitude dos direitos e deveres inerentes ao estatuto de magistrado.

Concordando com o expendido no Acórdão do Tribunal Administrativo Central Norte, datado de 17.04.2014, no processo nº131/08.9BEMDL, passa-se a transcrever a posição deste, que é também a nossa nesta questão:

Como resulta dos regimes legais públicos de recursos humanos, a «promoção» consiste na mudança para a categoria seguinte da respectiva carreira, enquanto que a «progressão» se faz pela mudança de escalão na mesma categoria.

O art. 96º do EMMP refere-se à escala indiciária da estrutura da remuneração base dos magistrados do Ministério Público, sendo esta indicada, no que respeita à categoria de procurador-adjunto, por índices que se sucedem em função do preenchimento de módulos de tempo, o primeiro dos quais, de três anos, pelo que a mudança para esta se faz por progressão [mudança de escalão na mesma categoria].

Face à duração do curso de formação ordinário no CEJ [aproximadamente 3 anos], é normal e compreensível que a nomeação em regime efectivo dos magistrados, designadamente, do Ministério Público tenha sido feita coincidir com o módulo de tempo necessário para a primeira progressão automática – magistrado com 3 anos de serviço – sendo a antiguidade dos magistrados contada a partir da nomeação como auditores de justiça.

Em qualquer caso, na situação controvertida, não estamos perante uma progressão automática, mas antes face a uma “promoção”, tanto mais que resultou insofismavelmente de uma prévia avaliação de desempenho.

O termo do estágio, e o início do exercício efectivo de funções terá de ter necessariamente consequências, designadamente, em termos remuneratórios.

Aumentando a responsabilidade, em resultado até da referida avaliação de mérito dos procuradores-adjuntos, para uma situação de definitividade, com diferenças qualitativas e quantitativas assinaláveis, mal se compreenderia que a alteração fosse meramente semântica, sem consequências de cariz remuneratório.

Na realidade, concluído o estágio, os magistrados:

- ou são colocados, se a avaliação for favorável, em regime de efectividade, ficando definitivamente investidos na plenitude dos direitos e deveres inerentes ao estatuto de Magistrado;

- ou, se existirem dúvidas sobre a sua adequação ao exercício de funções, são sujeitos com prioridade e urgência a uma inspecção extraordinária, podendo ser afastados.

O legislador ao estabelecer a mudança do índice 100 para o índice 135 visou precisamente distinguir a situação de magistrado em formação (como auditor de justiça e como estagiário) da situação de magistrado que termina o estágio com aproveitamento e é nomeado como procurador-adjunto em efectividade de funções.

Estamos pois perante uma progressão que se subsume numa promoção por mérito da fase de estágio, a qual tem como consequência jurídica o exercício em efectividade de funções da função de magistrado.

«O próprio Tribunal Constitucional já reconheceu que se impõe tratar diferentemente o que é desigual (Acórdão nº 313/89), afirmando que o “princípio da igualdade, consignado em geral no art. 13º e, em especial, no art. 59º nº 1 alínea a), da Constituição, não impõe apenas que a trabalho igual salário igual, impondo também ao legislador a obrigação de consagrar”, tanto nas carreiras da função pública em geral, como nas carreiras, das magistraturas judicial e do Ministério Público, «para as várias categorias, a que correspondem diferentes níveis de experiência e de responsabilidade, diferenciações a nível remuneratório (Acórdãos nºs 237/98, 584/98, 625/98 e 310/01)». (Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2005, p. 596.

No caso concreto, a aqui recorrida, findo o respectivo estágio, foi nomeada em efectividade de funções, em 12 de Julho de 2004, tendo continuado a auferir o vencimento correspondente ao índice 100, da escala indiciária dos magistrados do Ministério Público.

Assim sendo, mostra-se-ia adequado e justo que a mudança de estatuto verificada correspondesse igualmente a uma alteração remuneratória, em paralelo e conformidade com a escala indiciária dos magistrados.

E não se diga, como o faz o Ministério da Justiça, nas suas Contra-alegações de Recurso, que a situação invocada dos juízes dos TAF do curso de 2003, a quem foi reconhecido judicialmente o índice 135 no termo do estágio, não é aqui aplicável, uma vez que os mesmos tinham como pressuposto de candidatura, “5 anos de exercício de funções no direito público”.

O referido, em bom rigor, trata-se de um argumento a favor da aqui Recorrida, na medida em que a mesma já desempenhara reconhecidamente funções «em regime de substituição…de procuradora-adjunta» desde 1997 até ingressar no CEJ, nas Comarcas de Velas, Tabuaço e Vinhais (1º e 6º Factos dados como provados), “período que, em qualquer dos casos, não poderá deixar de ser considerado para efeitos de contabilização dos 3 anos necessários para a atribuição do índice 135, mesmo para quem entenda que aquele prazo é um pressuposto inultrapassável para a atribuição do referido índice remuneratório.

Na realidade, se aquele exercício de funções como procuradora-adjunta, em regime de substituição, foi pressuposto da sua candidatura ao concurso que determinou a sua admissão ao CEJ e a ulterior e consequente admissão definitiva como procuradora-adjunta, mal se compreenderia que esse período fosse desconsiderado para efeitos remuneratórios.

Com efeito, e como reconheceu o Ministério da Justiça nas suas Contra- -alegações, foi exactamente a consideração da exigência de pretérita experiência (no caso 5 anos), exigida aos Juízes dos TAF do Curso de 2003, como pressuposto de candidatura ao correspondente concurso, que veio a determinar que os mesmos tivessem passado a auferir pelo índice 135, imediatamente após o estágio.

No mesmo sentido, sempre se sublinhará, que a situação da aqui Recorrida resulta de um concurso especial, aberto e regulado ao abrigo da Lei nº 7-A/2003, o qual veio permitir que, por “excepcionais razões de carência de quadros, os cursos especiais aí regulados são dirigidos a «candidatos que ofereçam garantias de aptidão bastante», sendo recrutados, no que ao caso em apreciação interessa, de entre (…) substitutos dos procuradores-adjuntos que, durante os três anos que antecederam a publicação da presente lei, tenham exercido as respectivas funções durante um período não inferior a um ano, independentemente do ano da sua licenciatura (…), e a sua admissão precedida de informação positiva do Conselho Superior do Ministério Público sobre o seu desempenho profissional no exercício das respectivas funções, com formação específica compreendendo «uma fase de actividades teórico-práticas» no CEJ, com a duração de três meses, e «uma fase de estágio nos tribunais», de seis meses, tendo «direito a uma bolsa de estudo correspondente a 50% do índice 100 da escala indiciária das magistraturas».

A referida lei atribuiu pois relevância manifesta e acrescida ao exercício efectivo de funções de substituição de procuradores-adjuntos, por um período de [pelo menos] três anos, apreciado/valorado de forma positiva pelo Conselho Superior do Ministério Público.

Dispõe o art. 219º do EMMP que a «(…) antiguidade dos magistrados do Ministério Público compreende o tempo de serviço prestado na magistratura, como subdelegado do procurador da República licenciado em Direito e delegado estagiário (…).»

O exercício de funções públicas de substituição de procuradores adjuntos nos [pelo menos] três anos exigidos, por estar em causa um recrutamento efectuado em condições excepcionais para suprir situações de carência dos quadros de magistrados, não pode pois deixar de ser considerado como «antiguidade» para efeitos remuneratórios, ao abrigo do referido artigo 219º do EMMP.

Em face de tudo quanto supra ficou expendido, mostra-se que a interpretação do art. 96º do EMMP, segundo a qual um procurador-adjunto, originário de um curso especial, em exercício efectivo de funções, deve ser remunerado pelo mesmo índice que um procurador-adjunto em regime de estágio, por não ter três anos de exercício de funções, consubstanciaria uma incompreensível discriminação daquele, a nível remuneratório, e um tratamento desigual, desprovido de qualquer justificação aceitável e coerente, violadora, designadamente, do princípio da igualdade material e do princípio «trabalho igual, salário igual» [artigo 13º e alínea a) do nº 1 do artigo 59º, da CRP].”

Acresce ao referido, a circunstância de ter sido incompreensivelmente desconsiderada a experiência detida pela recorrida face ao período em que exerceu funções de procuradora-adjunta, em regime de substituição. A autora, ora recorrida exerceu, em regime de substituição, as funções de procuradora-adjunta desde 16/10/1997 até 15/07/2003, nas comarcas de Velas, Tabuaço e Vinhais.

Sendo esta a nossa posição quanto a esta questão, estamos em inteiro desacordo com o defendido pelos recorrentes e sustentamos a solução acolhida pela decisão recorrida, que, por isso, é de manter.


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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO aos presentes recursos jurisdicionais, pelo que mantêm a decisão recorrida.

Custas pelos recorrentes.


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Porto, 22 de Outubro de 2015.
Ass.: Rogério Martins
Ass.: Luís Migueis Garcia
Ass.: Frederico Branco