Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00725/10.2BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/29/2014
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:APOIO JUDICIÁRIO
ART.º 44.º, N.º1 DA LEI N.º 34/2004, DE 29/07
ANULAÇÃO DE GUIAS/DUC
Sumário:I-É ilegal o despacho judicial que reconhece relevância à decisão administrativa que concedeu o benefício de apoio judiciário já depois de transitada em julgado a decisão proferida na ação a que o mesmo se destinava.
II- O artigo 44.º, n.º1 da Lei n.º 34/2004, de 29/07, na sua atual redação, impede que se reconheça qualquer relevância à concessão do benefício do apoio judiciário em tais circunstâncias.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Ministério Público
Recorrido 1:MISM...
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL CENTRAL DO NORTE.
I.RELATÓRIO
MINISTÉRIO PÚBLICO, inconformado, interpôs recurso jurisdicional do despacho emanado pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, de fls. 148 dos autos, no âmbito da ação administrativa especial de pretensão conexa com atos administrativos que MISM..., com os sinais dos autos, instaurou contra FUNDO DE GARANTIA SALARIAL E INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P., que determinou a anulação das guias/DUC emitidas para pagamento das custas em que a autora, ora Recorrida, foi condenada, em consequência da concessão à mesma do benefício do apoio judiciário já após o trânsito em julgado sentença proferida.
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O RECORRENTE apresentou as seguintes conclusões de recurso:
1ª) A Autora, já depois de (i) transitada em julgado a sentença proferida nestes autos e que condenou nas custas do processo e de (ii) ter sido notificada da conta, requereu a concessão de benefício do apoio judiciário, na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo (cfr. fls 76/80, 109/111 e 119/124).
2.ª) Tendo tal pedido sido deferido pela Segurança Social, o Mº juiz recorrido proferiu o aqui impugnado despacho, no qual determina a anulação das guias /DUC remetidas à Autora (em ordem ao pagamento das custas em que fora condenada), “atenta a concessão do referido benefício do apoio judiciário” (cfr.fls 130/135 e 148);
3.ª) Salvo o devido respeito, tal douto despacho (i) afronta a disciplina contida no art.º 44º, nº1 da Lei nº34/2004, e (ii) desaplica, indevidamente também, o prescrito no artº27 da Portaria nº419-A/2009, de 17/04;
4.ª) No que concerne ao primeiro dos referidos normativos, porque, de acordo com a respetiva previsão, o pedido de apoio judiciário “deve ser requerido até ao termo do prazo de recurso da decisão em primeira instância”;
5.ª) O que significa- conforme, aliás, tem vindo a ser jurisprudencialmente entendido – que um pedido de apoio judiciário formulado quando a causa a que se dirige está definitivamente julgada (como sucedeu “in casu”) se mostra, para além de extemporâneo, claramente inviável, uma vez que o requerente já conhece o direito que era objecto de conflito, depois de o ter feito valer e defender na pendência do processo;
6.ª) E implica, consonantemente, que se deva considera ineficaz relativamente ao no processo judicial fixado débito tributário do respectivo requerente
a decisão da Segurança Social que venha a apreciar e deferir tal pedido (cfr. entre outros, o supra cit. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 207/2007);
7ª) Sendo certo, por outra parte, que a emissão e remessa das guias/DUC ao responsável tributário com vista ao pagamento das contadas custas,constitui simples observância do determinado no artº 27º da cit. Portaria nº 419-A/2009, carecendo, à face da lei, de validade o fundamento invocado no douto despacho recorrido para a sua anulação;
8.ª) Nestes termos, deve tal despacho ser revogado e substituído por outro
que declare a ineficácia, para efeitos da presente acção, do pela
Autora requerido e concedido benefício do apoio judiciário”.
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Nenhuma das demais partes nos autos apresentou contra - alegações de recurso.
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II. DO DIREITO
QUESTÕES DECIDENDAS
(1) A questão a decidir nos presentes autos consubstancia-se em saber se o despacho recorrido padece de ilegalidade, por violação da disciplina legal contida no artigo 44.º da Lei n.º 34/2004 e indevida desaplicação do disposto no art.º 27.º da Portaria n.º419-A/2009, de 17/04, devendo, consequentemente, ser revogado e substituído por outro que considere ineficaz para efeitos do presente processo o benefício de apoio judiciário concedido à autora, ora Recorrida.
(2) Resulta dos autos que por acórdão proferido em 22/12/2012, a ação instaurada pela autora, ora Recorrida, contra o Instituto da Segurança Social, IP e o Fundo de Garantia Salarial, foi julgada improcedente, por não provada, tendo-se consignado na mesma, quanto a custas, o seguinte: «Custas cargo da A.- cfr. artigos 446.º, n.º1, do CPC, 1.0 e 189.º do CPTA e 22.º, n.º3, alínea n), do RCP, sem embargo do apoio judiciário concedido».
(3) A fls. 93/98 do processo físico, foi junta uma informação do ISS, IP, da qual resulta que o pedido de concessão do benefício do apoio judiciário formulado pela autora, ora Recorrida, em 30/09/2010, fora indeferido.
(4) Decorre também dos autos que após o trânsito em julgado do sobredito acórdão, a respetiva unidade orgânica procedeu à elaboração da conta e à remessa, à autora, ora Recorrida, das guias/DUC, para efeitos de pagamento do montante nelas vertido [cfr. fls. 109/114 do processo físico], da sua responsabilidade;
(5) Sucede que, na sequência da notificação a que se alude no ponto que antecede, efetuada por ofício datado de 24/05/2013 [cfr. fls. 110 dos autos] a ora Recorrida apresentou, nos competentes serviços do ISS, IP, em 19/06/2013, novo requerimento de concessão do benefício do apoio judiciário, conforme resulta de fls. 120/124 dos autos;
(6) O aludido pedido para a concessão do benefício do apoio judiciário veio a ser deferido pelo ISS, IP, por decisão datada de 26/07/2013 [cfr. fls.119/124 dos autos], cuja cópia a ora recorrida tratou de juntar aos presentes autos.
(7) Na sequência da junção aos autos de cópia da decisão de 26/07/2013, pela o qual o ISS, IP concedeu à ora Recorrida, o requerido benefício do apoio judiciário, o senhor juíz a quo proferiu o despacho in crisis, da seguinte jaez: «Atento o teor da resposta do ISS, IP, constante de fls. 133 e ss, onde consta a decisão de concessão à Autora nestes autos do benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo, determina-se, atenta a concessão do benefício na supra modalidade, a anulação dos DUCs constantes de fls. 112 a 114 dos autos (processo físico)».
(8) Tendo presente o quadro factuológico acabado de expor, dele resulta, com toda a clareza, que o pedido de apoio judiciário que subjaz ao despacho impugnado foi formulado e decidido já depois do acórdão proferido no âmbito da ação a que se destinava, ter transitado em julgado.
(9) De acordo com o preceituado no n.º1 do artigo 44.º da Lei n.º 34/2004, de 29/07, na sua atual redação, o pedido de apoio judiciário «deve ser requerido até ao termo do prazo de recurso da decisão em primeira instância», pelo que, tendo o pedido de apoio judiciário tomado em consideração pelo despacho recorrido, sido requerido e, consequentemente, decidido, já após o trânsito em julgado da sentença que pôs termo à ação a que o mesmo se reportava, forçoso é concluir que o despacho recorrido é ilegal por frontal violação da citada disposição legal, que impede se reconheça qualquer relevância a tal concessão do beneficio do apoio judiciário no âmbito dos presentes autos.
(10) Nesta esteira, concordamos integralmente com as alegações e conclusões que nesta instância recursiva foram apresentadas pelo digno representante do Ministério Publico, designadamente quando refere que «que o pedido de apoio judiciário deve ser requerido até ao termo do prazo de recurso da decisão em primeira instância (cfr. artº 44º, nº 1 da Lei n.º 34/2004, de 29/07), e que essa exigência se mostra «em linha com a finalidade do instituto do acesso ao direito e aos tribunais: remover as dificuldades ou impedimentos que obstem a que qualquer cidadão possa conhecer, fazer valer ou defender os seus direitos.
(11) Como bem salienta o Recorrente, existe firme jurisprudência no sentido da intempestividade da formulação do pedido de apoio judiciário num momento em que a instância já se encontre extinta por julgamento definitivo, como sucede na situação vertente. Em tais situações, na linha do que se consigna no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 207/2007, de 21/03/2007, a concessão do benefício do apoio judiciário deve ser considerada ineficaz em relação ao processo para o qual foi concedido, no âmbito do qual foi já fixado o débito tributário do requerente.
(12) Deste modo “ um pedido de apoio judiciário formulado quando a causa a que se dirige está definitivamente julgada, mostra-se, para além de extemporâneo, claramente inviável, uma vez que o requerente já conhece o direito que era objeto de conflito, depois de o ter feito valer e defender na pendência do processo”;
(13) Claro está que isso não impede que a eventual insuficiência económica do devedor não possa ser considerada relevante e, por isso, atendível, no âmbito da cobrança dos respetivos montantes (cfr. artigos 33.º, n.º1 e 35.º, n.ºs 1 e 4 do RCP).
(14) Mas tem como consequência, como concluiu o Recorrente, que se deva considerar ineficaz a decisão de concessão do beneficio de apoio judiciário relativamente à decisão proferida no processo judicial, já transitada em julgado, que fixou a existência de um débito tributário por parte do requerente.
(15) De igual modo, é incontroverso que, a emissão/remessa de guias/DUC subsequente à elaboração da conta, integrando-se no processo de cobrança do crédito de custas processuais, constitui simples observância do estatuído no artº 27º da Portaria nº 419-A/2009, de 17/04, pelo que, o fundamento invocado no despacho recorrido para a sua anulação não tem cobertura legal.
(16) Nesta esteira, forçoso é concluir assistir razão ao Recorrente, devendo o despacho recorrido ser revogado, e declarada a ineficácia do benefício do apoio judiciário requerido pela autora, ora Recorrida, em 19/06/2013, no âmbito dos presentes autos.
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III-DECISÃO
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em:
I- Conceder provimento ao recurso;
II- Revogar o despacho recorrido e julgar ineficaz a concessão do benefício do apoio judiciário requerido em 19/06/2013 no âmbito da ação administrativa especial com processo n.º 725/10.2PNF.
Notifique.
DN.
Processado com recurso a meios informáticos, tendo sido revisto e rubricado pela relatora (cfr. artº 131º nº 5 do CPC “ex vi” artº 1º do CPTA).
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Porto, 29 de maio de 2014
Ass.: Helena Ribeiro
Ass.: Maria do Céu Neves
Ass.: João Beato Sousa