Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:03134/14.0BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/15/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Helena Canelas
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO DE AÇÃO – DECISÃO DISCIPLINAR – NOTIFICAÇÃO EDITAL
Sumário:I - A referência feita no nº 2 do artigo 59º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo DL. nº. 24/84, de 16 de janeiro, à «ausência em parte incerta» do arguido para legitimar a citação (ou a notificação a que se reporta o artigo 69º) por via edital, através de publicação no Diário da República, é meramente exemplificativa, como claramente resulta do advérbio de modo “designadamente” ali utilizado pelo legislador.

II - O recurso à notificação edital da decisão disciplinar, através de publicação no Diário da República, será legítima se não for possível a notificação pessoal ou se se frustrar a notificação por carta registada com aviso de receção.

III - Do nº 2 deste artigo 70º do Estatuto Disciplinar (DL. nº. 24/84) resulta que quando haja lugar a aplicação das penas disciplinares de aposentação compulsiva ou de demissão que dê lugar a vacatura de lugar ou cargo sempre haverá lugar à respetiva publicação no Diário da República.

IV - Se o aviso publicado no Diário da República visa apenas dar cumprimento ao disposto no artigo 70º do Estatuto Disciplinar (DL. nº. 24/84) tornando público ter sido tomada decisão de demissão da funcionária, que originou vacatura do lugar, não se extraindo dele uma notificação edital dirigida à funcionária em causa, com vista a ela tomar conhecimento da decisão final do processo disciplinar, nos termos do artigo 59º nº 2, não pode ter-se a mesma por notificada através dele.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:Herança Jacente de I.
Recorrido 1:MUNICÍPIO (...)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RELATÓRIO

Herança Jacente de I., (representada pela cabeça de casal D.), D. e A., (todos devidamente identificados nos autos) autores na ação administrativa especial que instauraram em 27/11/2014 no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto contra réu o MUNICÍPIO (...) – na qual visou impugnar o despacho do Vereador da Câmara Municipal (...) do Pelouro de Recursos Humanos de 07/11/2007 que lhe aplicou a pena disciplinar de demissão, e posterior Deliberação Camarária de 16/12/2008 que o ratificou – inconformada com a decisão proferida pelo Tribunal a quo em 17/09/2015, em formação coletiva, pela qual foi o réu absolvido da instância com fundamento na verificação da exceção dilatória de caducidade do direito de ação, dela interpuseram o presente recurso de apelação pugnando pela revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que julgando não verificada a exceção de caducidade do direito de ação se pronuncie sobre o mérito da causa e do pedido indemnizatório formulado pelos recorrentes, formulando as seguintes conclusões nos seguintes termos:

I. Vem o presente recurso interposto do Acórdão do Tribunal a quo, devidamente notificado às partes a 6.11.2015, o qual absolveu o Réu da instância por, alegadamente, se encontrar verificada a caducidade do direito de ação dos Autores, não tendo apreciado o pedido indemnizatório pelos mesmos formulado, por este se encontrar dependente do pedido principal e o correspondente direito se revelar alegadamente prescrito.
II. Ao contrário do entendimento referido pelo Tribunal no Acórdão recorrido, não se verifica qualquer exceção de caducidade do direito de ação, tendo aquele incorrido em erro quanto à matéria de facto que considerou ter sido dada como provada, a qual terá servido de fundamento para essa decisão.
III. Na verdade, os presentes autos dizem respeito a uma factualidade que só pode ser qualificada como uma aberração jurídica, uma vez que assentam, essencialmente, em torno da situação de uma funcionária, demitida pelo Réu MUNICÍPIO (...) , aqui Recorrido, em 2005, (sem que a funcionária tenha regressado ao serviço), a qual volta a ser — pelo mesmo Réu — novamente demitida em 2008.
IV. Na verdade, independentemente dos inúmeros vícios que inquinam "de morte" e ostensivamente os atos impugnados e que foram tempestivamente alegados, quer porque se tratam de atos inexistentes/nulos não dependentes de qualquer prazo de arguição da sua nulidade (desde logo por falta de objeto: pois que, aquando da sua emissão, não havia relação jurídica de emprego subjacente, não havia "funcionária", não havia "vínculo laborar, logo não poderia nunca ter havido demissão da funcionária anteriormente demitida) quer porque se tratam de atos anuláveis e o seu prazo de impugnação foi, efetivamente, cumprido.
V. Acresce que mal andou o Tribunal quanto à matéria de facto que deu como provada e que, a final, conduziu à conclusão de se encontrar verificada a excepção de caducidade do direito de ação.
VI. Não poderia ter sido dado como provado o facto referido em i) nos moldes em que o fez pois que, o despacho de instauração de processo de averiguações contra I., a que o Tribunal se refere — cfr. fls. 2 do PA -, data de 21.02.2005 — e não a 25.02.2005 como referido na sentença recorrida - sendo que tal despacho de instauração de processo de averiguações apenas diz respeito a um dos processos disciplinares que vieram a ser instaurados contra a mesma, a saber, relativo ao processo disciplinar n.° A/01/05 (fl. 1 do PA). Os atos impugnados concernem a três processos disciplinares (alegadamente, apensados posteriormente) instaurados em momentos temporalmente diferentes –todos instaurados após a demissão da funcionária a 15.02.205. Deveria o tribunal decido de forma diferente, a saber: Ter dado como provadas as diferentes datas de instauração relativas aos três processos disciplinares (21.02.2005; 30.05.2005 e 14.07.2005) fundamento do conteúdo dos atos impugnados, referindo, expressamente, que todos os processos disciplinares (N01105; D/04/05 e D113105) foram instaurados após a demissão da funcionária a 15.02.2015.
VII. Não poderia ter sido dado como provado o facto referido em ii) nos moldes em que o fez pois que, são pelo menos três os processos disciplinares constantes do PA, instaurados à funcionária em causa após a sua demissão a 15.02.2005 pelo que o tribunal deveria ter determinado a que concreto processo disciplinar se referia aquela data de instauração constante do facto ii) dado como provado.
VIII. Não poderiam ter sido dados como provados os factos referidos em iii), iv), v) e ix), mas sim dado como "não provados" na medida em que foram incorretamente julgados. Não poderia o Tribunal ter deixado de relevar/ponderar os factos constantes da petição inicial, os factos alegados pelos Recorrentes na resposta ao PA e o incidente por estes deduzido expressamente à veracidade e genuinidade do conteúdo do processado no PA posteriormente à defesa apresentada pela Senhora I. a fls. 117 a 143 do PA. – Cfr. resposta apresentada pelos Autores, ora recorrentes, a 26.02.2015, mormente nos seus artigos 20.° a 34°, 70.° a 72.°, 93.° a 96.°, 98.° e 99.°, 107.° a 112.°, 114.°, 116.°, 124.° a 127.°, 130.°, 146.°, 147.°, 150.° a 155.°, 157.° e 164.°. Donde, resulta grosseira e irreversivelmente abalada qualquer prova que os documentos constantes do PA posteriores à apresentação da defesa apresentada pela funcionária a fls. 117 a 143 do PA, pretendessem demonstrar, mormente no que diz respeito à alegada notificação à funcionária dos atos impugnados
IX. Quanto aos documentos particulares constantes do PA de fls. 117 a 143 juntos pelo Recorrido, e com o incidente deduzido pelos Recorrentes, inverteu-se o ónus da prova (cfr. artigo 344.0, n.° 1 do CC), pelo que caberia ao Réu, ora recorrido, após a notificação da resposta ao PA oferecida pelos Autores, provar a genuinidade e autenticidade dos documentos constantes do mesmo e objeto de impugnação. Uma vez impugnados tais documentos, deveria o Réu, aqui Recorrido, ter oferecido a prova que lhe conviesse da efetiva genuinidade e autenticidade dos mesmos, sob pena de, não o fazendo, não poderem tais documentos ser utilizados ou valorados como meios de prova. Porém, não obstante ter sido o Réu notificado da resposta de junção ao PA pelos Autores, e sobre a mesma se ter, inclusivamente, pronunciado, concretamente no que tange ao incidente deduzido, a verdade é que nenhuma prova produziu ou requereu no sentido de demonstrar essa genuinidade ou autenticidade dos documentos do PA impugnados expressamente nos termos legais pelos Recorrentes — pelo que irão podiam, ou podem, tais documentos constantes do PA de fls. 117 a 143 ser valorados como meios de prova.
X. Sempre teria o Tribunal a quo que ter fundamentado a sua livre apreciação dos documentos em causa, o que, manifestamente, não fez, analisado o teor dos factos alegados em sede de Petição Inicial pelos Autores e, bem assim, dos factos alegados pelos Autores na resposta à junção do PA. Nos termos da alínea b) do n.° 1 do artigo 615.° do CPC, tal omissão constitui uma causa de nulidade do Acórdão recorrido que, expressamente, se argui e requer.
XI. Carece flagrantemente de qualquer fundamento a consideração tecida pelo Tribunal, no sentido de que não teriam os Autores, ora Recorrentes, deduzido o incidente em causa no prazo legal de 10 dias de que dispunham para o efeito.
XII. Como ficou demonstrado, contrariamente ao referenciado pelo Acórdão recorrido, a data em que foi impugnado o conteúdo de todo o processado no PA posterior à defesa — 26.02.2015 — corresponde, efetivamente, ao décimo dia posterior ao da ocorrência da notificação, pelo que se conclui, sem mais, pela evidência da tempestividade da dedução do incidente em questão, ao contrário do referenciado pelo Tribunal a quo.
XIII. Ainda que assim não se entendesse e tivesse razão o Tribunal a quo em algum dos fundamentos em que, alegadamente, sustentou o Acórdão recorrido neste ponto, sempre tal decisão seria passível de censura, uma vez que, em nome do princípio da tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 2.° do CPTA, e do dever de gestão processual e princípio da correção, respetivamente previstos nos artigos 6.° e 7.° do CPC, deveria o Tribunal a quo ter providenciado pela economia e celeridade processuais e regularização da instância, concorrendo para obter, com brevidade e eficácia, a justa e premente composição do litígio em questão, o que passaria pela necessária apreciação da impugnação deduzida pelos Autores, ora Recorrentes.
XIV. Por toda esta ordem de motivações, falece a argumentação expendida pelo Tribunal a quo, devendo, nesta medida, considerarem-se os documentos do PA devidamente impugnados e provada a não autenticidade, genuinidade e veracidade dos mesmos, na parte que teve lugar posteriormente à defesa do funcionário, conforme requerido pelos Autores e não provado pelo Réu (cfr. artigo 640.°, n.° 1, b) do CPC),
XV. Deveriam, ter sido julgados não provados pelo Tribunal a quo, os factos constantes dos pontos iii), iv), v) e ix) da matéria considerada assente, e julgados provados os seguintes factos: a) Resulta da petição inicial e da resposta ao PA apresentada pelos Autores, a impugnação dos documentos constantes do PA junto pelo Réu; b) Os Autores deduziram, atempadamente, incidente de falsidade e genuidade relativo aos documentos constantes do PA posteriores à defesa apresentada por I. a fls. 117 a 143 do PA (artigos 444.° e ss. do CPC) e c) O Réu, notificado do incidente deduzido, apresentou a sua resposta, referindo-se expressamente ao incidente deduzido (artigo 17 da sua resposta) como "inusitado", porém não apresentou/produziu qualquer prova — como lhe competia, face à inversão do ónus da prova operado - nem nada requereu no sentido de demonstrar a genuinidade / autenticidade dos documentos do PA impugnados expressamente, logo não podem tais documentos do PA (posteriores à defesa apresentada por I. a fls. 117 a 143 do PA) ser atendidos na causa para efeito algum (cfr. artigo 374, n° 2 e artigo 344, n.° 1 do CCivil e artigo 448, n.° 2 do CPC).
XVI. Em face do exposto quanto à alteração da matéria de facto dada como assente, não poderia o Acórdão recorrido ter concluído pela caducidade do direito de ação, uma vez que, em face das considerações tecidas a propósito dos factos iii), iv), v) e ix) considerados erradamente assentes pelo Tribunal a quo, resulta que os mesmos deveriam ter sido dados como não provados e, bem assim, não ter sido julgada procedente a exceção de caducidade do direito de ação.
XVII. Acresce que, como supra demonstrado à saciedade, os atos impugnados padecem de ostensiva nulidade (insanável, ineficaz e arguível a todo o tempo) pelo que nenhuma caducidade do direito de ação poderia ter ocorrido.
XVIII. Como resulta notório da prova documental junta aos autos (mormente do PA) e ao contrário do referenciado pela decisão recorrida, nunca a funcionária foi notificada nos termos do ED — artigo 69.°, n.° 1 e 59.° - do ato final de ratificação da demissão (ainda que se encontrasse anteriormente demitida) nem tal notificação — nestes termos — foi sequer alegada pelo Recorrido ou sequer consta do PA junto aos autos.
XIX. Para além da ex-funcionária já se encontrar demitida desde 2005 — e portanto serem os atos impugnados manifestamente nulos por falta de objeto entre outras nulidades — sempre resultaria (quer por falta de alegação do Recorrido quer por falta de qualquer documento relativo à notificação da ex-funcionária nos termos dos artigos 69, n.°1 e 59.° do ED) evidente a ausência de notificação da ex-funcionária nos termos legais [notificação pessoal, posterior notificação postal registada com AR e, apenas no caso de se encontrar ausente em parte incerta — o que de todo em todo não sucederia na medida em que o Recorrido se encontrava a litigar em dois processos judiciais junto do TAF do Porto (o processo n.° 1082/05.4 BEPRT e o processo n.° 1174/05.0 BEPRT) com a ex-funcionária onde todas as notificações foram e eram devidamente recebidas na sua morada de sempre, a saber, Rua Particular de Francos, n.° 166, 2° Direito Frente, 4250-365 Porto — é que poderia ter recorrido à notificação edital].
XX. Não consta do PA — e muito menos foi alegado pelo Recorrido - qualquer tentativa de notificação pessoal da ex-funcionária posterior ao ato ratificativo ou da sua impossibilidade, bem como qualquer tentativa de notificação postal registada com AR ou da sua impossibilidade, posterior ao ato ratificativo (apesar de entendermos que logo o primeiro ato impugnado é nulo por falta de objeto pelo que insuscetível de ratificação).
XXI. O Réu — ora Recorrido — limitou-se, em flagrante violação do Direito Fundamental de defesa da arguida constitucionalmente consagrado (artigos 20.°, n.° 1 e 22.°, n° 10 da CRP), "saltar" da decisão ratificativa de demissão diretamente para a notificação edital do referido ato ao arrepio de todo o bloco de legalidade aplicável. Tal comportamento processual eiva de nulidade — como aliás não poderia deixar de ser, sob pena de se esvaziar o Direito Fundamental de defesa dos arguidos notificação em causa e, consequentemente, o respetivo procedimento disciplinar.
XXII. O Réu/Recorrido não só não notificou a funcionária nos termos legais como omitiu, dolosa e ilegalmente (violação do artigo 63, n.° 3 do CPTA), do conhecimento do processo judicial n.° 1174/05.0 BEPRT (e da ex-funcionária/arguida) toda a posterior tramitação do referido no processo disciplinar após a resposta à acusação — Artigo 133, n.° 2 alíneas h) e i) do CPA (violação de caso julgado e nulidade de ato anulado anteriormente).
XXIII. É ilegal, abusiva, nula e atentatória dos mais elementares Direitos, Liberdades e Garantias a imediata publicação em Diário da República (citação edital) do Aviso n.° 10633/2009, de 5 de junho de 2009 — sem qualquer prévia notificação pessoal e via postal registada da nova demissão, agora ratificada, à ex-funcionária para que esta se pudesse defender, caso assim o entendesse.
XXIV. Qualquer notificação tem de obedecer aos requisitos contidos no n.° 2 do artigo 114.° do CPA – o que não ocorreu através dos atos impugnados em manifesta violação de lei.
XXV. Se o Tribunal a quo se tivesse debruçado sobre a apreciação do mérito da causa que não fez — teria, salvo o devido respeito, concluído serem os atos objeto de impugnação, manifestamente nulos/inexistentes por falta de objeto dos mesmos.
XXVI. Tendo a funcionária em causa sido demitida a 15 de Fevereiro de 2005 pela sua entidade patronal, os atos impugnados de aplicação de pena de nova demissão não têm qualquer objeto pois para que haja demissão tem necessariamente que existir uma funcionária, uma qualquer relação laborai, um qualquer vínculo profissional. Artigo 133, n.'s 1 e 2, alínea c) do CPA. Porquanto é evidente a impossibilidade de aplicação de qualquer "nova" demissão a uma pessoa que se encontra demitida — é impossível o objeto dos atos administrativos impugnados.
XXVII. São nulos os atos impugnados por violação dos Direitos, Liberdades e Garantias constitucionalmente consagrados (mormente do Direito Fundamental de defesa de Arguido face à falta de efetiva notificação/citação da funcionária de todos os atos impugnados, em concreto do ato final ratificativo). — artigos 20, n.° 10 e 269, n.° 3 da CRP e 42, n.° 1 do ED e artigo 133, n.° 2, alínea d) do CPA.
XXVIII. São nulos os atos consequentes de atos administrativos anteriormente anulados ou revogados, e, bem assim os atos que ofendam os casos julgados [artigo 133, 2, alíneas h) e i)] pelo que, considerando que a funcionária impugnou, através dos autos n.° 1174/05.0BEPRT, o despacho do Senhor Vereador do Pelouro dos Recursos Humanos proferido a 25 de Fevereiro de 2005, o qual injustificou as alegadas faltas ao serviço cometidas pela funcionária no ano de 2002 e que por Acórdão do douto Tribunal Central Administrativo do Norte prolatado a 21 de Setembro de 2012 — confirmado em sede de revista pelo douto Supremo Tribunal Administrativo a 30 de Janeiro de 2013 - o referido despacho do Senhor Vereador do Pelouro dos Recursos Humanos proferido a 25 de Fevereiro de 2005 foi anulado, sendo tais faltas consideradas JUSTIFICADAS duvidas não restam quanto à sua nulidade por violação destes preceitos legais.
XXIX. Subsidiariamente, o direito de instaurar procedimento disciplinar prescreve, se conhecida a falta pelo dirigente máximo do serviço não for instaurado o competente procedimento disciplinar no prazo de 3 meses –Cfr. artigo 4.° do ED. Donde, considerando que a pena disciplinar de demissão prescreve no prazo de 5 anos, a eventual aplicação da mesma teria já prescrito a 15.02.2010 – o que para todos os devidos efeitos se argui e invoca. — Cfr. artigo 34.°, c) do ED.
XXX. Não fossem nulos os atos impugnados – que são – e, subsidiariamente, padeceria de vício de incompetência o despacho de demissão do Vereador do Recorrido do Pelouro dos recursos Humanos de 7.11.2007 pois que tal competência pertence à Câmara. Por outro lado, tal despacho (porque nulo não poderia ser ratificado) não foi ratificado pela deliberação camarária de 16.12.2008 pois que ao contrario do referido expressamente no seu teor, o processo disciplinar ali causa nunca foi – até aos presentes autos –impugnado judicialmente.
XXXI. Os princípios de justiça e da boa-fé, constantes do art. 266.°, n.° 2 da Constituição e do art. 3.°, 8.° do CPA acham-se grosseiramente violados no procedimento que precedeu os atos impugnados. Quanto aos princípios da legalidade e da justiça, constantes dos art. 3.° e 8.° do CPA, os mesmos foram violados, porquanto o Recorrido veio aplicar a pena de (re)demissão a uma funcionária já anteriormente por si demitida. Da aplicação de tal pena nunca lhe foi sequer dado conhecimento, nem no âmbito do procedimento disciplinar, nem no âmbito do processo judicial n.° 1074/05.0 BEPRT nem sequer no âmbito da devida notificação do ato ratificativo da nova demissão para efeitos de eventual direito de defesa e impugnação. Pelo que, subsidiariamente, todo o comportamento do Recorrido conduz à violação do art. 3°, e 8.° do CPA, devendo os atos impugnados ser anulados nos termos do artigo 163.° do CPA.
XXXII. Pelo que mal andou o Tribunal, ao decidir como decidiu, absolvendo o Réu, ora Recorrido da instância, sem se pronunciar sobre o mérito da causa e sem apreciar a pretensão indemnizatória formulada pelos Recorrentes.

Termina pugnando pela revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que, julgando não verificada a exceção de caducidade do direito de ação se pronuncie sobre o mérito da causa.

O recorrido contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso, com manutenção da decisão recorrida, formulando a final o seguinte quadro conclusivo:

I. O douto acórdão recorrido faz uma correcta apreciação dos factos e do direito, não lhe sendo assacável qualquer vício
II. O recurso em apreço carece em absoluto de qualquer fundamento, pelo que ao mesmo deve ser negado provimento e, consequentemente, deve ser mantida na íntegra a decisão recorrida.
III. As infracções disciplinares praticadas pela funcionária que motivaram a instauração do procedimento disciplinar e a consequente emissão dos actos administrativos impugnados, foram praticadas – todas elas – até ao dia 13 de Janeiro de 2005, isto é, ainda antes de aquela ter sido demitida por acto de 15.02.2005 – cf. fls. 162 e ss do PA.
IV. A execução – e, por inerência, a aplicação – das penas pode ter lugar após o término da relação laboral que fundamenta a sujeição ao poder disciplinar – cf. artigo 5.º do Decreto-Lei 24/84, de 16 de Janeiro.
V. Pode ser aplicada uma pena de demissão a um funcionário que já não mantenha com a entidade patronal um contrato de trabalho.
VI. Os actos em apreço não padecem de “falta de objecto” porquanto tal corresponderia à ausência total de objecto e não à mera possibilidade de existência de um vício que os afecte, no que não se concede
VII. Não colhe o argumento dos Recorrentes de que ainda que os actos impugnados nos autos fossem válidos, os mesmos nunca produziram quaisquer efeitos, porquanto “a funcionária nunca deixou de se encontrar demitida ao abrigo do ato de demissão de 15 de Fevereiro de 2005” (cf. artigo 15.º das alegações).
VIII. Primo, porque mesmo seguindo o raciocínio dos Recorrentes, o que por mero dever de patrocínio se concebe, sempre teria de extrair do acórdão do TCA Norte de 29 de Maio de 2014 todas as suas consequências - a reconstituição da situação que existiria se o acto praticado não tivesse sido anulado- isto é a funcionária deixar “de se encontrar demitida ao abrigo do ato de demissão de 15 de Fevereiro de 2005”, o que permitiu aos Recorrentes, na qualidade de herdeiros, intentar o já referido processo de execução de sentença que corre termos sob o n.º 1082/05.4BEPRT-A, em que peticionam, entre outros, os salários referentes ao período em que a funcionária esteve demitida ao abrigo do acto de demissão de 15.02.2005.
IX. Secundo, porque a pena de demissão produz efeitos expulsivos logo após a sua notificação ao trabalhador e não carece de actos de execução.
X. A integral produção de efeitos da pena de demissão de 7 de Novembro de 2007, aplicada à funcionária I., produziu os seus efeitos 15 dias após a publicação do respectivo aviso no Diário da República, nos termos expressamente previstos no n.º 2 do artigo 59.º e do n.º 1 do artigo 70.º do Estatuto Disciplinar (cf. alínea vi) dos factos provados).
XI. Bem andou, pois, o Tribunal a quo ao entender que “considerando que os vícios imputados aos actos impugnados nos autos se reconduzem a vícios geradores de mera anulabilidade e não de nulidade, assoma como evidente que a sua impugnação somente seria possível dentro do respectivo prazo” – cf p. 8 do acórdão recorrido (sublinhado nosso).
XII. Nenhuma censura é imputável à matéria de facto dada por provada pelo douto acórdão recorrido pelo que deve improceder o alegado pelo Recorrentes.
XIII. Os actos impugnados nos presentes autos não concernem a três processos disciplinares mas sim a dois processos disciplinares e um procedimento de averiguações.
XIV. Bem andou o acórdão recorrido ao considerar como provados os factos constantes das alíneas i) e ii) da matéria assente, pelo que não pode proceder o alegado pelos Recorrentes.
XV. Nem sequer se vislumbra em que medida a alteração da matéria de facto pretendida pelos Recorrentes se reflectiria na alteração do julgamento da verificação da excepção da caducidade do direito de acção decidida pelo Tribunal Recorrido, pois o que releva para o efeito é saber se a funcionária I. foi ou não notificada dos actos impugnados.
XVI. Contrariamente ao alegado, o Tribunal recorrido ponderou o invocado pelos Recorrentes quanto à suposta falta de “veracidade e genuinidade do conteúdo de todo o processado no PA posteriormente à defesa apresentada pela funcionária a fls 117 a 142 do PA”.
XVII. O Tribunal a quo é, aliás, muito claro quanto ao juízo que fez do invocado pelos Recorrentes a este propósito: “por não ter sido especificado qualquer facto donde resultasse a alegada “falta de veracidade e genuinidade do conteúdo de todo o processado”, bem como por não ter sido oferecida qualquer prova da falsidade do mesmo.” – cf. p. 6 do douto acórdão recorrido (destacado nosso).
XVIII. O Tribunal recorrido, perante o invocado pelos Recorrentes e tendo considerado provados os factos constantes das alíneas i) a v) e ix), na qual se dá por reproduzido todo o teor dos documentos que integram os autos, inclusive o PA apenso, julgou improcedente o alegado a respeito da falta de veracidade e genuinidade do PA.
XIX. O Tribunal recorrido apreciou e ponderou o conteúdo do PA apenso aos autos tendo concluído que da análise do mesmo não decorre qualquer “falta de veracidade e genuinidade”.
XX. Para além de pretensas irregularidades que imputaram ao PA, os Recorrentes não especificaram qualquer facto que pudesse demonstrar a falta de genuinidade do mesmo, limitaram-se, outrossim, a alegar de forma absolutamente genérica e conclusiva a “falta de veracidade e genuinidade do conteúdo de todo o processado”.
XXI. Era sobre os Recorrentes que recaia o ónus da prova da demonstração da invocada falta de genuinidade.
XXII. Não foi suscitado pelos Recorrentes o incidente de impugnação de genuinidade de documento, nos termos do artigo 444.º do CPC, ou de ilisão da autenticidade ou força probatória de documento, de acordo com o artigo 446.º do CPC.
XXIII. Da simples leitura de todo quanto foi alegado pelos Recorrentes a propósito da suposta “falta de genuinidade do PA” se conclui que em parte alguma foi impugnada a veracidade da letra e da assinatura ou só da assinatura de nenhum dos documentos que integram o PA, nos termos e para os efeitos do disposto no citado artigo 374.º do Código Civil.
XXIV. Se os Recorrentes pretendiam impugnar a genuinidade dos documentos que constituem o PA teriam de o ter feito nos termos do n.º 1 do artigo 444.º do CPC, isto é, impugnando a sua letra e/ou assinatura, ou declarando não saber se as mesmas são verdadeiras.
XXV. É patente que os Recorrentes não tendo deduzido o incidente previsto no artigo 444.º do CPC, não inverteram o ónus da prova, nem lograram afastar a força probatória plena do PA.
XXVI. Ademais, ainda que se aceitasse que os Recorrentes deduziram correctamente o incidente da genuinidade, ainda assim, tal apenas teria como consequência o afastamento da prova plena do PA e dos documentos que o constituem, o que significaria que a sua força probatória dependeria da livre apreciação do tribunal, designadamente confrontando-o com os demais elementos probatórios constantes do processo.
XXVII. O que o Tribunal recorrido fez, julgando improcedentes as invocações dos Recorrentes, valorando e dando como reproduzido todo o teor do PA.
XXVIII. Nas alegações que apresentam, os Recorrentes não apontam um único facto ou razão que impusesse conclusão diversa daquela que foi tomada pelo Tribunal recorrido.
XXIX. Sem prescindir, Sempre se diga que o Réu, no seu requerimento de 09.03.2015 rejeitou veemente as acusações e imputações de “falta de genuinidade” impetradas pelos Recorrentes, aqui se dando o respectivo teor por reproduzido (cf. designadamente pontos 17 a 22. e 31 do requerimento de 09.03.2015).
XXX. Aliás, já na contestação o Recorrido se tinha pronunciado sobre o invocado a respeito da “falta de genuinidade” do PA já avançada pelos Recorrentes na PI – cf. artigos 14.º a 22.º da contestação.
XXXI. É absolutamente desprovida de fundamento a tese dos Recorrentes de que já na PI teriam alegado factos relativos à “falta de genuinidade” do PA quando este nem sequer se mostrava junto aos autos, quando muito, tais alegações poderiam ser ponderadas e valoradas em sede de prova – como foram – e nunca configurar um dos incidentes previstos nos artigos 444.º e 446.º do CPC.
XXXII. Sempre sem prescindir, se dirá, ainda, que, não é verdade que o Recorrido não tenha indicado qualquer prova susceptível de atestar a veracidade e genuinidade do PA, pois logo na contestação, o Recorrido indicou como testemunhas o instrutor dos processos disciplinares em causa nos autos, bem como os funcionários J. e J. que foram os responsáveis pela tentativa de notificação pessoal da funcionária em 4 de Dezembro de 2007 e que elaboraram e assinaram o respectivo auto.
XXXIII. Resulta amplamente demonstrado que bem andou o Tribunal recorrido quando considerou provados os factos constantes das alíneas iii), iv), iv) e ix) da matéria de facto assente.
XXXIV. Redunda manifestamente evidente que o Tribunal a quo fundamentou a decisão que tomou: “por não ter sido especificado qualquer facto donde resultasse a alegada “falta de veracidade e genuinidade do conteúdo de todo o processado”, bem como por não ter sido oferecida qualquer prova da falsidade do mesmo.” – cf. p. 6 do douto acórdão recorrido (destacado nosso), soçobra, pois a invocada nulidade do acórdão recorrido, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, alegada pelos Recorrentes.
XXXV. Não estamos perante nenhuma situação que caia no âmbito de aplicação dos sobreditos artigos 2.º do CPTA e 6.º e 7.º do CPC, tanto mais que os mesmos não têm como desiderato permitir ao tribunal que substitua às partes, mormente no que concerne ao ónus de alegação dos factos que constituam a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas, nos termos do artigo 5.º do CPC.
XXXVI. Não pode, como pretendem os Recorrentes “considerarem-se os documentos do PA devidamente impugnados e provada a não autenticidade, genuinidade e veracidade dos mesmos, na parte que teve lugar posteriormente à defesa da funcionária, conforme requerido pelos Autores, ora Recorrentes, e não provado pelo Réu”.
XXXVII. Deve por conseguinte, improceder, em toda a linha, o recurso quanto à matéria de facto provada, mantendo-se integralmente os factos dados por assentes nas alíneas iii), i), v) e ix) pela decisão recorrida.
XXXVIII. Não merecem qualquer crítica as conclusões da decisão recorrida no sentido de que foi dado cumprimento às formalidades de notificação da funcionária I. e que os vícios imputados pelos Recorrentes aos actos impugnados eram geradores de anulabilidade, o que conduziu a que o Tribunal considerasse verificada a intempestividade do pedido impugnatório e condenatório formulado nos autos.
XXXIX. Os actos impugnados não padecem de nenhum vício susceptível de conduzir à sua nulidade e, muito menos, inexistência.
XL. Os vícios invocados pelos Recorrentes seriam susceptíveis de gerar a anulabilidade, sendo que “a impugnação de actos anuláveis tem lugar no prazo de três meses (…)” – cf. artigo 58., n.º 2, alínea a) do CPTA.
XLI. A funcionária, a quem prima facie caberia impugnar os referidos actos, nunca procurou impugná-los durante mais de sete anos.
XLII. Os Recorrentes, que há anos tomaram conhecimento dos actos na data da sua publicação em Diário da República (cf. artigo 59.º n.º 3 alínea b), do CPTA) também não podem agora impugná-los, com fundamento em pretensas anulabilidades.
XLIII. Quanto aos Recorrentes, o prazo de impugnação do despacho é contado a partir da sua publicação no Diário da República, nos termos do artigo 59.º, n.º 3, alínea b) do CPTA.
XLIV. Bem andou, pois, o Tribunal Recorrido quando considerou que “o aludido prazo de 3 meses iniciou-se, respectivamente, no caso do primeiro acto impugnado, no dia 17.01.2008, e, no segundo dos actos impugnados, no dia 27.05.2009 e terminou em 28.04.2008 e 28.09.2009, respectivamente”, concluindo pela intempestividade da impugnação judicial dos actos administrativos em crise (cf. p. 8 e 9 do acórdão recorrido).
XLV. O Recorrido cumpriu escrupulosamente as formalidades legais tendentes à notificação da funcionária I., quanto à decisão de aplicação da pena de demissão, de 7 de Novembro de 2007, nos termos do n.º 1, do artigo 59.º, do Estatuto Disciplinar dos Funcionários Públicos, aplicável por remissão do n.º 1, do artigo 69.º, do mesmo diploma.
XLVI. A funcionária participou no procedimento disciplinar, exercendo o seu direito de audiência, conforme consta das fls. 117 a 127 do processo administrativo, através de um articulado com setenta e seis artigos, elaborado nos termos de uma peça processual judicial, que demonstra claramente que a funcionária estava inteirada e consciente do procedimento disciplinar.
XLVII. A audiência prévia da arguida viria a ser tida em conta na proposta de decisão, como consta nomeadamente das fls. 218 e sgts do processo administrativo.
XLVIII. Após a emissão da decisão final, o Recorrido procedeu a várias de notificação da funcionária, que pura e simplesmente recusou ser notificada.
XLIX. No dia 4 de Dezembro de 2007, através dos funcionários J. e J., o Recorrido procurou notificar pessoalmente a funcionária I., que se recusou a ser notificada da decisão, mencionando que só o faria quando se encontrasse ao serviço – Tudo conforme consta da alínea iii) da matéria assente e de fls. 170 do PA.
L. No dia 5 de Dezembro de 2007, e para os mesmos efeitos, um funcionário e um agente deslocaram-se, novamente, à residência da funcionária, sendo que ninguém abriu a porta. – cf. alínea iv) da matéria assente e fls. 168 do PA.
LI. Frustradas as tentativas de notificação pessoal, o Réu tentou ainda notificar a funcionária, através de correio registado com aviso de recepção (sob o n.º RM250880152PT), tendo a carta sido devolvida em 19 de Dezembro de 2007, com a menção “objecto não reclamado”. – cf. alínea v) da matéria assente e fls. 180 do PA.
LII. Malogradas as tentativas de notificação, foi publicado em Diário da República, 2.ª série, de 16 de Janeiro de 2008, o aviso n.º 1458/2008, que vem tornar pública a referida decisão de demissão e a consequente vacatura do posto de trabalho – cf. alínea vi) da matéria assente e fl. 172 do PA
LIII. O Recorrido deu cumprimento ao artigo 59.º do Estatuto Disciplinar, aplicável à situação, com as devidas e necessárias adaptações, por remissão do artigo 69.º, n.º 1 do mesmo Estatuto.
LIV. Do referido aviso n.º 1458/2008 - cf. alínea vii) da matéria assente - fica claro qual o acto administrativo que aplicou a pena de demissão à funcionária I., bem como a partir de que momento é que esse acto produz efeitos, isto é, 15 dias após a publicação do aviso.
LV. Os deveres de menção da decisão final foram escrupulosamente cumpridos, no respeito pelos elementos legalmente obrigatórios e de modo a que a aplicação da sanção fosse conhecida pela sua destinatária – a funcionária que havia recusado ser notificada.
LVI. Bem andou, pois, o acórdão recorrido quando concluiu que: “No quadro fáctico em apreço, e à luz do disposto no n.º 2 do artigo 59.º do DL 24/84 de 16/01, resulta evidente que a notificação do primeiro dos actos impugnados nos autos teve lugar no dia 16.01.2008. De igual modo, no que respeita ao acto de ratificação da decisão anteriormente publicitada [Facto vii)], está-se em crer convictamente que a notificação do segundo dos actos impugnados nos autos ocorreu em 05.06.2009. (cf. p. 8 da decisão recorrida).”
LVII. Não colhe a tese dos Recorrentes, segundo a qual foi violado o direito de defesa da funcionária, uma vez que o Recorrido tentou notificá-la, por quatro vezes, dando cumprimento ao disposto no n.º 1, do artigo 59.º, do Estatuto Disciplinar, aplicável ex vi do n.º 1, do artigo 69.º, do mesmo diploma, bem como, porque a funcionária pôde defender-se – e defendeu-se – no processo disciplinar, conforme consta das fls. 117 a 143.
LVIII. Sem prescindir, e apenas por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que ainda que a notificação da aplicação da pena de demissão de 7 de Novembro de 2007 padecesse de alguma deficiência – que não padece –, tal não equivaleria, para os devidos efeitos legais, à ausência de notificação.
LIX. Em suma, o alegado pelos Autores não pode obter provimento, seja pela conduta evidenciada pela funcionária, seja pelo sucessivo cumprimento do dever de notificação da mesma, seja pela improcedência das irregularidades apontadas à notificação da decisão final.
LX. O que vem dito, vale, mutatis mutandis, para a deliberação camarária de ratificação da pena de demissão aplicada, sendo certo que – como é bom de ver – qualquer irregularidade que pudesse ter sido cometida a propósito da notificação deste acto não era susceptível de afectar, nem a validade, nem a eficácia do acto que aplicou a pena de demissão em 7 de Novembro de 2007.
LXI. É desprovido de qualquer fundamento, o alegado pelos Recorrentes a respeito da violação do direito de defesa da funcionária relativamente ao acto de ratificação (cf. artigo 84.º das alegações).
LXII. O acto de ratificação-sanação é um acto secundário, destinado a sanar o vício de incompetência de que enfermava o acto que aplicou a pena de demissão de 7 de Novembro de 2007, com efeitos retroactivos à data da sua prática - cf. artigo 137.º do CPA (versão vigente à data dos factos).
LXIII. O objecto do acto de ratificação é, assim, o acto de demissão, e destina-se a sanar um vício formal, não tendo qualquer reflexo no conteúdo material e decisório do mesmo, pelo que, o acto de ratificação apenas é impugnável por vícios próprios.
LXIV. O acto de ratificação é um acto de conteúdo vinculado, porquanto se trata de sanar um vício de incompetência do acto primário.
LXV. Tudo razões pelas quais não tem qualquer cabimento falar aqui do “Direito Fundamental de defesa dos arguidos”.
LXVI. Independentemente da validade da ratificação a verdade é que sempre o acto de aplicação da pena de demissão se teria de considerar sanado por decurso do tempo uma vez que mostra esgotado o respectivo prazo de impugnação contenciosa, pelo que sempre e em qualquer caso a presente acção teria de improceder.
LXVII. O procedimento em causa no processo judicial n.º 1754/05.0BEPRT culminou com a decisão de injustificação de faltas à Autora, por despacho de 23.02.2005.
LXVIII. O procedimento disciplinar que deu origem à aplicação da pena de demissão em apreço, integra, também mas não só, como infracções as faltas consideradas injustificadas no referido procedimento em causa no processo judicial n.º 1754/05.0BEPRT.
LXIX. No processo n.º 1754/05.0BEPRT, deu-se como provado que foi instaurado processo disciplinar à funcionária I. e que esta exerceu aí o seu direito de defesa – cf. alíneas R) a U) dos factos provados constantes do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte junto como documento n.º 14 com a petição inicial dos presentes autos.
LXX. A suposta questão da litigância de má-fé foi apreciada e julgada improcedente no aludido processo n.º 1174/05.0BEPRT, onde, de resto, poderia ter a relevância que os ora Autores pretendem trazer para os presentes autos – cf. p. 20 do aludido acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte junto como documento n.º 14 com a petição inicial dos presentes autos.
LXXI. Em suma, tudo visto e bem visto, dúvidas não restam de que deve ser mantida na integra a douta decisão recorrida que julgou procedente a excepção da caducidade do direito de acção.
LXXII. Ainda que assim não se entendesse – no que não se concede – teria de se julgar verificada a excepção da litispendência entre o presente processo e o processo n.º 1082/05.4BEPRT- A, que corre termos perante o TAF do Porto, por identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir, o que obsta ao conhecimento do mérito dos presentes autos (artigo 89.º alínea i), do CPTA) e sempre levaria à improcedência do presente recurso.; Questão esta que, aliás, é de conhecimento oficioso.
LXXIII. Os próprios Recorrentes que, na petição inicial destes autos (cf. respectivos artigos) rotulam a presente acção de “válvula de segurança” tendo em conta a pendência do processo de execução de julgados a correr termos sob o n.º 1082/05.4BEPRT-A perante o TAF do Porto (cf. respectivos artigos 1.º, 2.º, 228.º e 229.º).
LXXIV. A excepção de litispendência tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma situação anterior (artigo 580.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA), e, portanto, não subsistem as razões de “segurança e dever de patrocínio” invocadas pelos Recorrentes na PI.
LXXV. A acção de litispendência deve ser deduzida na acção proposta em segundo lugar – como é o caso dos presentes autos (artigo 582.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA).
LXXVI. O Ilustre Procurador do Ministério Público, no seu parecer de 17.02.2015, a fls. dos autos, pronunciou-se precisamente no sentido da verificação da excepção dilatória da litispendência.
LXXVII. Deve, por conseguinte, a excepção da litispendência invocada ser julgada provada e procedente, com as legais consequências.
LXXVIII. Os Recorrentes alegam que os actos em apreço são nulos/inexistentes por falta de objecto dos mesmos, mas sem razão.
LXXIX. A este respeito o Recorrido já se pronunciou nas presentes alegações pelo que, por razões de economia processual, dá-se aqui por integralmente reproduzido tudo quento foi alegado nos supra artigos 16 a 40.
LXXX. Contrariamente ao que pretendem os Recorrentes a alegada falta de notificação dos actos impugnados – que como resulta já à saciedade do processo, não corresponde à verdade – em nada prejudicou o cabal exercício do direito de audiência e defesa da funcionária no processo disciplinar.
LXXXI. Como já foi dito, a funcionária I., apresentou a sua defesa, a qual foi apreciada e ponderada em sede de relatório final, pelo que aqui se dá por integralmente reproduzido o alegado nos supra artigos 117.º e segts. deste articulado.
LXXXII. Os Recorrentes parecem ter esquecido que o artigo 59.º do ED se aplica à notificação da decisão final do processo disciplinar por remissão do n.º 1 do artigo 69.º do ED, o qual tem de ser aplicado com as devidas adaptações, sob pena de conduzir a uma interpretação absurda e, como tal, violadora do artigo 9.º do código Civil.
LXXXIII. Qualquer irregularidade ou ausência de notificação dos actos impugnados nunca seria susceptível de ter consequências quanto à sua validade.
LXXXIV. O acto de ratificação, como supra se referiu, enquanto acto secundário ou de 2.º grau não é um acto que aplica uma sanção, não havendo, portanto, que ponderar aqui qualquer direito fundamental de defesa ou quaisquer “diligências essenciais para a descoberta da verdade”.
LXXXV. O acto de ratificação não belisca, em hipótese alguma, o direito de defesa da arguida/funcionária.
LXXXVI. Não procede o alegado pelos Recorrentes no sentido de que os actos impugnados são nulos, porque são actos consequentes de actos anteriormente anulados.
LXXXVII. O acórdão proferido no processo n.º 1174/05.0BEPRT que anulou o despacho de 23.02.2005 do Senhor Vereador do Pelouro dos Recursos Humanos que considerou as faltas aí em questão injustificadas não teve como fundamento a inexistência de tais faltas.
LXXXVIII. Na decisão de aplicação da pena de demissão de 7 de Novembro de 2007, foram tidas em conta outras infracções, sendo que foi a ponderação do conjunto de todas essas infracções que fundamentou a aplicação da pena de demissão, por ter ficado inviabilizada a manutenção da relação funcional entre as partes – cf. relatório final do P.A: “Avaliado na sua globalidade, no seu contexto, o seu comportamento atingiu tal desvalor, que pôs em causa a eficiência, a confiança, o prestígio e a idoneidade que dever merecer a administração publica, revelando uma personalidade inadequada ao exercício das funções publicas. O comportamento da arguida “quebrou definitiva e irreversivelmente, a confiança que deve existir entre o serviço e o agente” (vide Acs STA, de 1/04/03, Proc. cn.º 1228/02, 6/10/93, Proc. nº 30463 de 30/11/94, Proc. n.º 32500, Marc. caetano, ob. Citada, v:II, p. 821). Ou seja, por tudo quanto se disse e provou, está inviabilizada a manutenção da relação funcional entre esta Câmara e a arguida – n.º 1 do art. 26 do E.D. E assim sendo, propõe-se a aplicação da pena de demissão à funcionária I.
LXXXIX. A pena de demissão foi aplicada ao abrigo do n.º 1 do artigo 26.º do Estatuto de 84, e não, exclusivamente, através da alínea h) do n.º 2 do mesmo artigo, pelo que a anulação judicial do despacho que considerou injustificadas a faltas praticadas no ano de 2002 não implica, sem mais, a nulidade de todo o processo disciplinar subjacente à pena de demissão aplicada em 7 de Novembro de 2007.
XC. Veja-se, a respeito do que deve entender-se como “actos consequentes”, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30 de Janeiro de 2007, relativo ao processo 040201.
XCI. À data de aplicação da pena de demissão de 7 de Novembro de 2007, o despacho de 22.02.2005 que considerou injustificadas as faltas dadas em 2002, ainda que se encontrasse judicialmente impugnado era perfeitamente válido na ordem jurídica, sendo que, o TAF do Porto só muito tempo depois veio a anular o referido despacho por Acórdão de 16.09.2010, o qual só transitou em julgado em 11.02.2013.
XCII. É absurdo do alegado pelos Recorrentes a respeito da “violação manifesta do caso julgado e do princípio da proibição do non bis in idem” (artigo 146.º das alegações).
XCIII. É patente que não pode o acto de demissão ser considerado um “acto consequente” do despacho que considerou injustificadas as faltas praticadas no ano de 2002 que veio a ser anulado, nos termos e para os efeitos da alínea i) do n.º 2 do artigo 133.º do CPA, por não existir entre eles um nexo de dependência necessária.
XCIV. Como entendeu o Supremo Tribunal Administrativo em acórdão de 12.02.2008 (proc. n.º 440/07) proferido a respeito do artigo 4.º do ED, “O procedimento disciplinar prescreve se, conhecida a falta pelo dirigente máximo do serviço, aquele não for instaurado no prazo de três meses. Porém, esse conhecimento não é o conhecimento material dos factos que, abstractamente, possam ser subsumíveis num ilícito disciplinar mas sim um conhecimento que já comporte uma valoração de ilicitude disciplinar.”.
XCV. O conhecimento das faltas para efeitos disciplinares só ocorreu, na pior das hipóteses, em 15.12.2004, pelo que é de concluir que só nesta data começou a correr o mencionado prazo, pelo que o mesmo não estava ultrapassado quando, em 10.03.2005, foi instaurado o procedimento disciplinar, improcedendo, pois, o alegado pelos Recorrentes.
XCVI. Os Recorrentes pretendem estender o mesmo raciocínio “mutatis mutandis” às demais infracções disciplinares em causa (cf. artigo 160.º das alegações), não alegando, porém, quanto a estas qualquer facto susceptível de demonstrar a prescrição em questão, o que por si só implica a improcedência do alegado.
XCVII. De todo modo se diga que resulta do PA que o procedimento disciplinar foi instaurado, tempestivamente, em relação a todas as infracções cometidas.
XCVIII. A pena de demissão é imediatamente exequível, e, portanto, não prescreveu pelo decurso do prazo de 5 anos previsto no artigo 34.º, alínea c) do ED, dando-se aqui por integralmente reproduzido o supra alegado nos artigos 41.º a 46.º das presentes alegações, devendo improceder, também aqui, o alegado pelos Recorrentes.
XCIX. O despacho do Vereador da Câmara Municipal (...), de 7 de Novembro de 2007, que aplicou a pena de demissão à funcionária infractora, não padece do vício de incompetência, porquanto foi devidamente ratificado, por deliberação da Câmara Municipal (...), id est, pelo órgão competente para a aplicação da sanção à funcionária.
C. O procedimento disciplinar em apreço foi anexo à proposta de deliberação Câmara Municipal (...), pelo que é parte integrante da mesma.
CI. A referida funcionária figura claramente entre os arguidos nos processos disciplinares aproveitados, nos termos seguintes: “I., n.º mecanográfico 1289, Técnica Profissional de Biblioteca e Documentação, a pena de demissão, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 26.º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo DL 24/84, de 16 de Janeiro.”
CII. De todo modo, como se demonstrou, contra o despacho de 7 de Novembro de 2007, não pode agora ser arguido, por intempestividade, o vício de incompetência relativa, pois este apenas é susceptível de gerar a mera anulabilidade do acto administrativo, nos termos do artigo 135.º, do CPA.
CIII. A parte que vem pedir ao Tribunal a desconsideração de várias infracções disciplinares, reiteradamente perpetradas por uma funcionária incumpridora, e que, para atingir o seu desígnio, se escuda numa extensa lista de pretensas irregularidades formais cometidas pela entidade empregadora pública, é a mesma parte que acusa o Recorrido da violação princípios gerais da actividade
CIV. Os Recorrentes, ao insistirem na violação dos princípios da legalidade, da boa-fé e da justiça, mais não fazem do que repetir ou remeter, de forma vaga e genérica, para outros pretensos vícios elencados no seu recurso.
CV. A aplicação da pena de demissão não atenta, in casu, contra o princípio da legalidade e da justiça pois não há qualquer ilegalidade na aplicação de uma sanção, por infracções cometidas durante a execução do contrato de trabalho, após a cessação desse contrato.
CVI. De acordo com a lei, essa sanção deve ser aplicada e é exequível por si mesma, sob pena do funcionário infractor se furtar às consequências dos seus ilícitos, em prejuízo do interesse público.
CVII. O Recorrido tentou notificar a funcionária, por diversas vezes, sob várias formas, em cumprimento da lei, que se recusou terminantemente ser notificada, o que permitiu aos Recorrentes pedirem uma indemnização, por conta do erário público.
CVIII. Ainda que assim não fosse, o princípio da justiça imporia a improcedência total do pedido dos Recorrentes pois o que verdadeiramente está em causa nos presentes autos é de um manifesto aproveitamento do interesse público, prosseguido pelo Recorrido, em favor de um interesse financeiro, pretendido pelos Recorrentes.
CIX. Também o princípio da boa-fé justifica a total improcedência do pedido dos Recorrentes, pois que a funcionária inadimplente recusou por diversas vezes ser notificada da decisão de aplicação da sanção e os Recorrentes pretendem beneficiar financeiramente desta recusa, com base numa pretensa ausência de notificação da funcionária.
CX. Também os particulares têm um dever de agir e relacionar-se segundo as regras da boa-fé – e, neste caso, a funcionária não cumpriu o seu dever (artigo 6.º-A, n.º 1, do CPA), o pelo que o pedido dos Recorrentes seria improcedente, visto não poderem beneficiar de um incumprimento do princípio da boa-fé, imputável à funcionária.
CXI. Em suma, tudo visto e bem visto, resulta claro e inequívoco que não merece qualquer censura o douto acórdão recorrido, pelo que deve ser negado provimento ao recurso.
*
Remetidos os autos a este Tribunal em recurso, neste notificado, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147º do CPTA, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu Parecer no sentido de o recurso não dever merecer provimento, pelos fundamentos vertidos nas contra-alegações do recorrido, para que remeteu.

Sendo que dele notificadas as partes, apresentaram-se a responder os recorrentes, renovando a sua posição.
*
Após redistribuição (cfr. Despacho nº 1/2019 de 04/01/2019 do Exmo. Senhor Juiz Desembargador Presidente deste TCA Norte) foram os autos submetidos à Conferência para julgamento, com dispensa de vistos.
*
II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/das questões a decidir

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (Lei n.º 41/2013) ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.

No caso, em face dos termos em que foram enunciadas pelos recorrentes as conclusões de recurso, as questões essenciais colocadas no recurso são:
- saber se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento quanto à matéria de facto – (conclusões II. a XV. das alegações de recurso)
- saber se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento, de direito, ao julgar pela verificação da exceção dilatória de caducidade do direito de ação – (conclusões XVI. a XXXII. das alegações de recurso)
*
A – De facto

Com interesse para a decisão sobre a suscitada exceção dilatória de caducidade do direito de ação, o Tribunal a quo fixou a seguinte factualidade, assim vertida ipsis verbis no acórdão recorrido:
i) Em 25.02.2005 foi instaurado processo de averiguações contra I., pela Direcção Municipal da Cultura do MUNICÍPIO (...) (cfr. fls. 2 do PA).
ii) Por decisão do Director Municipal da Cultura, datada de 30.05.2005, e proferida naquele processo, foi ordenada a instauração de processo disciplinar (cfr. fls. 46 verso do PA).
iii) Em 4 de Dezembro de 2007 foi lavrado auto do seguinte teor “No dia quatro de Dezembro de dois mil e sete, os signatários, J. e J., deslocaram-se à morada, Rua (…), para notificar a funcionária, I., da decisão final do Processo disciplinar NUD 14723/05/CMP. A referida funcionária recusou-se a tomar conhecimento da decisão, mencionando que só o fará quando se encontrar ao serviço. E nada mais tendo a declarar, lavrou-se o presente auto que depois de lido e achado conforme vai ser assinado pelos signatários. «J.» «J.» (cfr. fls. 170 do PA).
iv) Em 5 de Dezembro de 2007 foi elaborada a seguinte informação: “Por determinação superior no dia 5 pelas 11h15, do corrente mês e ano, acompanhei o Sr. J., à Rua (…), desta cidade, para notificar a Sra. I., ali residente tendo tocado à campainha da dita residência e ninguém me atendeu. Porto e Polícia Municipal, 5 de Dezembro de 2007, J.. Ag. Pr. 776/129251/P.M.” (cfr. fls. 168 do PA).
v) Em 19 de Dezembro de 2007 veio devolvida a carta registada com aviso de recepção (sob o n.º RM250880152PT), com a menção “objecto não reclamado” (cfr. fls. 180 do PA);
vi) Por Aviso publicado na II.ª Série do Diário da República, n.º 11 de 16/01/2008, foi divulgada a decisão da aplicação de pena de demissão nos seguintes termos (cfr. fls. 172 PA):
CÂMARA MUNICIPAL (...)
Aviso (extracto) n.°1458/2008
Em cumprimento do disposto no artigo 700, do DIA L° 24/84 de 16 de Janeiro toma-se público que por Despacho do Sr. Vereador do Pelouro de Recursos Humanos de 07/11/2007 foi aplicada a pena de Demissão a I., dmec.12894, Técnico Profissional de Biblioteca e Documentação Principal, pelo que se verifica a vacatura do lugar do quadro de pessoal da Câmara Municipal 15 dias após a publicação do presente aviso.
Direcção Municipal de Recursos Humanos.
9 de Janeiro de 2008. — A Directora de Departamento Municipal de
Gestão de Recursos Humanos,

vii) No Diário da República, II.ª série, n.º 109, de 5 de Junho de 2009, foi divulgado, o seguinte aviso:
CÂMARA MUNICIPAL (…)
Aviso (extracto) n.° 10633/2009
Fica notificada I., de que a decisão do Sr. Vereador do Pelouro de Recursos Humanos, de 07/11/2007 que lhe aplicou a pena de Demissão, foi ratificada em reunião Camarária de 16 de Dezembro de 2008.
26 de Maio de 2009.-A Directora Municipal de Gestão de Recursos Humanos,
301844543
viii) Os Autores foram notificados da junção do processo administrativo através do ofício 613 de 11/02/2015 [cfr. fls. 613 do processo físico].
ix) Dá-se por reproduzido todo o teor dos documentos que integram os autos [inclusive o PA apenso].
**
1. Da decisão recorrida

Em sede de despacho-saneador o Tribunal a quo explicitando terem sido suscitadas as exceções dilatórias de litispendência e de caducidade do direito de ação que, a procederem, obstariam ao conhecimento do mérito da ação, passou a conhecer desta última, e julgando-a verificada absolveu o réu da instância com tal fundamento.
Tal decisão teve por base a matéria de facto que ali foi considerada como provada, e relativamente a cuja motivação o Tribunal a quo externou o seguinte:

«O Tribunal formou a sua convicção relativamente aos factos assentes tendo por base os elementos especificamente identificados em cada um dos pontos do probatório, resultando essencialmente da análise crítica do conjunto da prova produzida nos autos, com referência à documentação constante dos autos e do PA apenso.
Pelo o que ficou dito, facilmente se percebe que o Tribunal não relevou a “impugnação da veracidade e genuinidade do conteúdo de todo o processado no PA posterior à defesa” operada pelos Autores em 26.02.2015, fundamentalmente, por não ter sido especificado qualquer facto donde resultasse a alegada “falta de veracidade e genuinidade do conteúdo de todo o processado”, bem como por não ter sido oferecida qualquer prova da falsidade do mesmo.
Se os Autores, efectivamente, pretendiam abalar a força probatória de tais documentos deviam tê-lo feito suscitando expressamente o incidente de impugnação de genuinidade de documento [cfr. 444.º do CPC] ou de ilisão da autenticidade ou da força probatória de documento [cfr. art.º 446.º do mesmo Código], e não pela forma realizada nos autos.
Ainda que assim não se entendesse, cabe notar que tais incidentes devem ser interpostos no prazo de 10 dias contados da notificação da junção.
Ora, conforme resulta do facto provado “viii)”, sendo o ofício de notificação de 11.02.2015, esta presume-se ocorrida no terceiro dia posterior ao do registo [porque útil] – 14/02/2015 – [cfr. art.º 248.º CPC], donde resulta que o prazo terminou em 24.02.2015 [cfr. art.º 138.º CPC].
Ou seja, terminou antes de 26.02.2015, data em que foi impugnado o conteúdo de todo o processado no P.A. posterior à defesa, o que significa que, a considerar-se formalmente validada, sempre seria intempestiva a dedução do incidente em questão, e, como tal, não oponível nos autos.»
(fim da transcrição)

Vertendo de seguida, no que tange à apreciação daquela questão, a seguinte fundamentação, que se passa a transcrever:
«Assim, e entrando no conhecimento da mesma, dir-se-á que o regime disciplinar ao tempo dos factos vigente encontrava-se plasmado no Decreto-Lei nº. 24/84, de 16 de Janeiro, que previa, no seu art.º 69.º, que a notificação da decisão do processo disciplinar deveria ser notificada ao arguido, observando-se o disposto no art.º 59.º do mesmo Diploma.
Por seu turno, estabelecia o art.º 59.º do mesmo Diploma:
Artigo 59.º
(Notificação da acusação)
1 - Da acusação extrair-se-á cópia, no prazo de 48 horas, a qual será entregue ao arguido mediante a sua notificação pessoal, ou, não sendo esta possível, por carta registada com aviso de recepção, marcando-se ao arguido um prazo entre 10 a 20 dias para apresentar a sua defesa escrita.
2 - Se não for possível a notificação nos termos do número anterior, designadamente por o arguido se encontrar ausente em parte incerta, será publicado aviso no Diário da República, citando-o para apresentar a sua defesa em prazo não inferior a 30 nem superior a 60 dias, contados da data da publicação”.

De harmonia com a factualidade assente, verifica-se que, no âmbito do referido procedimento disciplinar, foram efectuadas duas tentativas de notificação pessoal [factos “iii)” e “iv)”], uma por via postal [facto “v)”] e, por último, a publicitação em Diário da República da pena aplicada [facto “vi)”].
No quadro fáctico em apreço, e à luz do disposto no n.º 2 do art.º 59.º do DL 24/84, de 16/01, resulta evidente que a notificação do primeiro dos actos impugnados nos autos teve lugar no dia 16.01.2008.
De igual modo, e no que no que respeita ao acto de ratificação da decisão anteriormente publicitada [Facto “vii)”], está-se em crer convictamente que a notificação do segundo dos actos impugnados nos autos ocorreu em 05.06.2009.
Assente tal realidade, e considerando que os vícios imputados aos actos impugnados nos autos se reconduzem a vícios geradores de mera anulabilidade e não de nulidade, assoma como evidente que a sua impugnação somente seria possível dentro do respectivo prazo.
Ora, em matéria de prazos de impugnação contenciosa de actos administrativos anuláveis, rege o disposto na alínea b) do nº.2 do artigo 58º e nº.1 do artigo 59º da CPTA, que estabelece que o prazo para a impugnação de actos anuláveis é de três meses, sendo que, segundo o disposto no n.º 3 daquele primeiro normativo legal e no nº. 4 do artigo 59º, a contagem de tal prazo obedece ao regime aplicável aos prazos para propositura de acções previsto no Código de Processo Civil, suspendendo-se, pois, durante as férias judicias e com a utilização de meios de impugnação administrativa do acto, retomando o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a referida impugnação ou com o decurso do respectivo prazo legal.
Aplicando a apontada disciplina jurídica ao caso versado, temos que o aludido prazo de 3 meses iniciou-se, respectivamente, no caso do primeiro acto impugnado, no dia 17.01.2008, e, no caso do segundo dos actos impugnados, no dia 05.06.2009, e terminou em 28.04.2008 e 06.10.2009, respectivamente.
Consequentemente, dimanando do probatório que a presente acção apenas deu entrada em 27.11.2014, haverá que concluir que tal prazo foi ultrapassado e, portanto, pela intempestividade do pedido impugnatório [e condenatório] formulado nos autos.
Face ao dissídio ora objecto de apreciação cumpriria, pois, centrar nossa atenção na análise e apreciação da pretensão indemnizatória formulada nos autos.
Ocorre, porém, que tal tarefa, em face do supra decidido, se nos apresenta como processualmente inadmissível, atento a natureza [dependente] do pedido indemnizatório em análise e, bem assim, o quadro normativo que se nos impõe e deriva do art. 38 do C.P.T.A. e suas implicações.
Na verdade, sendo o pedido indemnizatório formulado nos autos geneticamente dependente do pedido principal, deve confinar-se à sua natureza, pelo que, implodindo aquele, implodirá, forçosamente, também este.
Ainda que assim não se entendesse, referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Fernandes Cadilha [in CPTA anotado, 2.ª Ed. p. 228], “no n.º 1 do art.º 38.º, desde logo se admite que a apreciação incidental da legalidade de um ato administrativo pode ter lugar no âmbito de uma ação de responsabilidade civil extracontratual por danos decorrentes da prática desse ato. A procedência do pedido indemnizatório depende, com efeito, da verificação dessa ilegalidade e esta carece de ser analisada incidentalmente sempre que o pedido seja deduzido em processo autónomo (no âmbito da ação administrativa comum), e não em cumulação com um pedido impugnatório (no âmbito da ação administrativa especial). (…)
Nada impede que num processo não impugnatório, submetido à forma de ação administrativa comum, o Tribunal verifique, reconheça e declare, a título incidental, a ilegalidade dos atos administrativos que já não possam ser impugnados, nem, portanto, contenciosamente anulados”.
Espraiada a doutrina pertinente, avança-se desde já que é entendimento deste Tribunal que, assumindo os presentes autos a forma de acção administrativa especial, encontra-se vedado o conhecimento da legalidade dos actos a título incidental, já que este meio processual não o admite, constituindo, desta forma, excepção dilatória inominada, abrangida pelo princípio da oficiosidade do conhecimento.
Naturalmente, pode [e deve-se] equacionar a eventual correcção da forma de processo, traduzida no aproveitamento dos actos praticados e o prosseguimento do processo adequado à pretensão indemnizatória em análise.
Tal solução esbarra, porém, com a aparente prescrição dos direitos a que se arrogam os Autores na presente acção.
No domínio da efectivação de responsabilidade civil extracontratual, a regra é que o direito de indemnização prescreve no prazo de 3 anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável ou da extensão integral dos danos [artigo 498º, nº 1, do Código Civil].
No caso dos autos, temos que os factos geradores dos danos ocorreram em 16.01.2008 e 05.06.2009, respectivamente, e a acção foi proposta em 27.11.2014, mais de três anos depois, ocorrendo a citação do Réu posteriormente.
O mesmo é dizer que a acção, na hipótese de ser convolada em acção administrativa comum, revelar-se-ia sempre como caduca.
Nesta medida, dado o mencionado decurso do prazo, é forçoso concluir que não estão reunidos os pressupostos necessários que permitam o aproveitamento de todos ou alguns dos actos já praticados e, consequentemente, se prossiga com o processo na forma processual corrigida, porquanto, na hipótese de se ordenar o prosseguimento dos autos como acção administrativa comum, impor-se-ia, desde logo, a absolvição da instância do R.
Deste modo, mercê da natureza dependente do pedido indemnizatório formulado nos autos, ou, quando assim não se entenda, da ocorrência de nos situamos no âmbito de uma acção administrativa especial, e não no domínio de uma acção administrativa comum, sem hipóteses de convolação daquela, temos que o conhecimento da pretensão indemnizatória formulada nos autos tem que ser processualmente negada.
Em face de tudo o quanto ficou exposto, fica prejudicado o conhecimento de
outras questões: art. 608º n.º 2 do C.P.C.»

2. Da tese da recorrente

A recorrente começa por imputar erro de julgamento quanto à matéria de facto, propugnando que os pontos i), ii) devem ser modificados, nos termos que aponta; que os pontos iii), iv), v) e ix) não deviam ter sido considerados provados, não devendo, assim, constar da factualidade provada, e que devem ser dados como provados os factos que enuncia (vide, conclusões VI. a XV. das alegações de recurso). E quanto ao mais sustenta que na decorrência da alteração à matéria de facto dada como provada não poderia o Tribunal a quo ter concluído pela caducidade do direito de ação e que além do mais, os atos impugnados padecem de ostensiva nulidade, insanável, ineficaz e arguível a todo o tempo e que, assim, nenhuma caducidade do direito de ação poderia ter ocorrido, tendo o Tribunal a quo decidido mal ao absolver o réu da instância sem se pronunciar sobre o mérito da causa (vide, conclusões XVI. a XXXII. das alegações de recurso).

3. Do imputado erro de julgamento quanto à matéria de facto
(conclusões II. a XV. das alegações de recurso)

3.1 No que respeita ao ponto i) dos factos dados como provados na decisão recorrida, sustenta a recorrente que não poderia o mesmo ter sido dado como provado nos moldes em que o foi, por o despacho de instauração de processo de averiguações contra I., a que o Tribunal se refere data de 21/02/2005 e não de 25/02/2005, e tal despacho de instauração de processo de averiguações apenas diz respeito a um dos processos disciplinares que vieram a ser instaurados contra a mesma, a saber, o relativo ao processo disciplinar n.° A/01/05 (fls. 1 do PA). Sendo que os atos impugnados na ação concernem a três processos disciplinares (alegadamente, apensados posteriormente) instaurados em momentos temporalmente diferentes: o processo disciplinar n.° A/01105 (cfr. fls 1 e 46 verso do PA) terá sido instaurado a 30/05/2005, O processo disciplinar n.° D/04/05 (cf. Fls. 202 e ss. e 209 verso do PA) terá sido instaurado a 10/03/2005 e o processo disciplinar n.° D/13/05 (cfr. fls. 48 e ss e a 61 do PA) terá sido instaurado a 14/07/2005. Que, assim, o Tribunal a quo deveria ter dado como provadas as diferentes datas de instauração relativas aos três processos disciplinares (21/02/2005; 30/05/2005 e 14/07/2005) fundamento do conteúdo dos atos impugnados, referindo, expressamente, que todos os processos disciplinares (A/01/05; D/04/05 e D/13/05) foram instaurados após a demissão da funcionária a 15/02/2005.
E quanto ao facto contido no ponto ii) dos factos dados como provados defende a recorrente que na decorrência do que explanou quanto ao facto i), são pelo menos três os processos disciplinares constantes do PA, instaurados à funcionária em causa após a sua demissão a 15/02/2005 pelo que o Tribunal a quo deveria ter determinado a que concreto processo disciplinar se referia aquela data de instauração constante do facto ii) dado como provado.

Vejamos.
3.1.1 O Tribunal a quo deu como provado nos referidos pontos i) e ii) o seguinte:
i) Em 25.02.2005 foi instaurado processo de averiguações contra I., pela Direcção Municipal da Cultura do MUNICÍPIO (...) (cfr. fls. 2 do PA).
ii) Por decisão do Director Municipal da Cultura, datada de 30.05.2005, e proferida naquele processo, foi ordenada a instauração de processo disciplinar (cfr. fls. 46 verso do PA).
3.1.2 Considerando que está em causa está apenas a decisão sobre a exceção de caducidade do direito de ação, que o Tribunal a quo deu como verificada, e que, assim, a factualidade que o Tribunal a quo deu como provada, em sede de despacho-saneador, o foi apenas aquela com interesse para a decisão sobre essa suscitada exceção, como aliás expressamente referiu, não é essencial a fixação da data em que foi instaurado o processo de averiguações nem a data em que, na sua decorrência, foi ordenada a instauração de processo disciplinar.
3.1.3 O que releva e considerando que na ação são impugnados os atos, consubstanciados, respetivamente, no despacho do Vereador da Câmara Municipal (...) do Pelouro de Recursos Humanos de 07/11/2007 que aplicou à identificada I. a pena disciplinar de demissão, e na posterior Deliberação Camarária de 16/12/2008 que o ratificou, é saber se, quando e por que forma se operou a notificação da decisão disciplinar de demissão que é objeto de impugnação da ação.
3.1.4 Contendendo a pretendida modificação dos pontos i) e ii) dos factos dados como provados já com o mérito da pretensão impugnatória, na medida em que a recorrente Herança Jacente da trabalhadora demitida sustenta a ilegalidade da decisão de demissão face à existência de um ato anterior da decisão.
3.1.5 E por essa razão não emerge como útil, relevante ou essencial, proceder a qualquer modificação aos pontos i) e ii) do probatório, mormente nos termos pretendidos.
3.2 No que respeita aos pontos iii), iv), v) e ix) dos factos dados como provados na decisão recorrida, propugna a recorrente que os mesmos devam ser dados como não provados, e que em sua substituição seja dado como provado o seguinte:
- Que resulta da petição inicial e da resposta ao PA apresentada pelos Autores, a impugnação dos documentos constantes do PA junto pelo Réu;
- Que os Autores deduziram, atempadamente, incidente de falsidade e genuidade relativo aos documentos constantes do PA posteriores à defesa apresentada por I. a fls. 117 a 143 do PA (artigos 444.° e ss. do CPC);
- que o Réu, notificado do incidente deduzido, apresentou a sua resposta, referindo-se "inusitado", expressamente ao incidente deduzido (artigo 17 da sua resposta) como porém não apresentou/produziu qualquer prova — como lhe competia, face à inversão do ónus da prova operado - nem nada requereu no sentido de demonstrar a genuinidade / autenticidade dos documentos do PA impugnados expressamente, logo não podem tais documentos do PA (posteriores à defesa apresentada por I. a fls. 117 a 143 do PA) ser atendidos na causa para efeito algum (cfr. artigo 374, n° 2 e artigo 344, n.° 1 do CCivil e artigo 448, n.° 2 do CPC).
Sustenta para tanto, que não podiam os documentos constantes de fls. 117 a 143 do PA ser valorados como meios de prova; que dos autos abundam factos alegados pela recorrente que contraditam e não permitiriam dar como provados tais factos, que nenhuma fundamentação/ponderação foi realizada pelo Tribunal a quo para "afastamento" de tal factualidade, ocorrendo nessa medida a sentença em vício de falta de fundamentação; que o Tribunal não podia ter deixado de relevar/ponderar quer os factos constantes da petição inicial quer o incidente deduzido à veracidade e genuinidade do conteúdo do processado no PA posteriormente à defesa apresentada pela Senhora I. a fls. 117 a 143 do PA. (Cfr. resposta apresentada pelos Autores, ora recorrentes, a 26.02.2015, mormente artigos 20.° a 34.0, 70.° a 72.°, 93.° a 96.°, 98.° e 99.°, 107.° a 112.°, 114.°, 116.°, 124.° a 127.°, 130.°, 146.°, 147.°, 150.° a 155.°, 157.° e 164.°); que no artigo 25º daquela resposta, a recorrente referiu, expressamente impugnar a genuidade do conteúdo de todo o processado no PA posterior à defesa apresentada pela funcionária a fs. 117 a 143 do PA."; que o Tribunal a quo não podia ter deixado de relevar a referida impugnação de veracidade e genuinidade do conteúdo de todo o processado no PA posterior à defesa operada pela autora em 26/02/2015, pelos fundamentos com que o fêz, a saber, e como diz, pelo facto de a autora não ter recorrido ao incidente de impugnação de genuinidade de documento ou de ilisão da autenticidade de documento, respetivamente previstos nos artigos 444.° e 446.° do CPC e por não ter deduzido tal incidente no prazo de 10 dias contados desde a notificação da junção dos documentos em questão; que a recorrente deduziu efetivamente tal incidente e foram alegados inúmeros factos, quer na petição inicial quer, posteriormente, na resposta ao PA (por impugnação aos factos aduzidos na contestação e resultantes do PA) donde resulta, evidente e à saciedade, a falsidade e falta de veracidade e genuinidade do PA posteriores à apresentação da defesa apresentada pela funcionária a fls. 117 a 143 do PA, dos quais resulta grosseira e irreversivelmente abalada qualquer prova que os documentos constantes do PA posteriores à apresentação da defesa apresentada pela funcionária a fls. 117 a 143 do PA, pretendessem demonstrar, mormente no que diz respeito à alegada notificação à funcionária dos atos impugnados com a presente lide, e os quais se transcrevem por facilidade de exposição e comodidade do Tribunal: "Conforme já plenamente demonstrado, nunca a Senhora I. teve conhecimento dos referidos actos, mais concretamente, do despacho do Senhor Vereador da Câmara Municipal (...), de 7 de Novembro de 2007 e da deliberação da mesma Câmara Municipal, de 16 de Dezembro de 2008, porquanto dos mesmos não foi notificada, não lhe sendo por isso, possível, a sua impugnação”; que por outro lado, somente em 01/09/2014, data em que a cabeça-de-casal da Herança Jacente procedeu ao levantamento, junto dos serviços, da cópia integral dos alegados processos disciplinares, é que a mesma tomou conhecimento dos referidos actos e deles se pode defender; que a I. não foi em momento algum notificada da decisão de demissão objeto dos presentes autos, porque não o foi pessoalmente nem por carta registada (que apesar de alegadamente devolvida não detinha o código postal correcto) como o Réu admite (cfr. artigo 91.° da contestação) e, porque não foram cumpridas as formalidades legais de notificação previstas na lei que em sede de procedimento disciplinar, que constituem verdadeiro Direito Fundamental constitucionalmente previsto (cfr. artigo 32.°, n.° 10 da Constituição da República Portuguesa); que como admite o réu no artigo 92.° da contestação, a funcionária I. não foi notificada mas apenas, "malogradas as tentativas de notificação, foi publicado em Diário da República, 2.a série, de 16 de Janeiro de 2008, o aviso n.° 1458/2008 que vem tornar pública a referida decisão de demissão e a consequente vacatura do posto de trabalho."; que nos termos do artigo 69.° do ED, notificação deve obedecer aos requisitos contidos no artigo 68º do CPA; que, assim, não houve notificação alguma na decisão final do processo; que o que o réu se limitou a realizar foi, como o próprio reconhece e aceita, tornar pública a sua decisão de demissão relativa à funcionária em causa , o que não constitui qualquer notificação nos termos legais; que o ato de publicação em Diário da República do Aviso n.° 1458/2008 supra mencionado, visou apenas cumprir as formalidades necessárias para a vacatura do lugar em causa e nada mais (artigo 70.° do ED); que o ato do Senhor Vereador do Pelouro de Recursos Humanos de demissão da funcionária tem por base o relatório final elaborado pelo respetivo instrutor disciplinar (cfr. documento n.° 13 junto com a Petição Inicial); que acresce que o PA junto pelo réu mais não é do que a documentação original a que corresponde o documento n.° 11 junto com a Petição Inicial (ou seja, a cópia integral do PA fornecida à autora D. pelo Réu - cfr. artigo 45.° da petição inicial e documentos n.° 10 e 11 da mesma não impugnados pelo Recorrido); que também da própria Petição Inicial resultava abundante factualidade e prova da falsidade/falta de genuidade do referido PA, referindo, a título exemplificativo, os artigos 47.° a 184.° da Petição Inicial; razão pela qual o Tribunal não poderia ter valorado todos os documentos constantes do PA como verdadeiros e, muito menos, da forma que o fez e sem qualquer fundamentação para esse efeito; que quanto aos documentos particulares constantes de fls. 117 a 143 do PA junto pelo réu, e com o incidente deduzido pela recorrente, inverteu-se o ónus da prova (cfr. artigo 344.°, n.° 1 do CC), pelo que caberia ao réu, ora recorrido, após a notificação da resposta ao PA oferecida pelos autores, provar a genuinidade e autenticidade dos documentos constantes do mesmo e objeto de impugnação, oferecendo a prova que lhe conviesse da efetiva genuinidade e autenticidade dos mesmos, sob pena de, não o fazendo, não poderem tais documentos ser utilizados ou valorados como meios de provas, o que não fez; que, por outro lado, sempre teria o Tribunal a quo que ter fundamentado a sua livre apreciação dos documentos em causa, o que, manifestamente, não fez, analisado o teor dos factos alegados em sede de Petição Inicial pela autora e, bem assim, dos factos alegados pela autores na resposta à junção do PA; que o Tribunal a quo, ao arrepio da legalidade, limitou-se a: i) não valorar o incidente legalmente formulado pelos Autores, ora Recorrentes, ii) a não valorar a inversão do ónus da prova operada, iii) a não valorar a não demonstração pelo Recorrido da veracidade e genuidade dos documentos impugnados e iv) a não apreciar ou ponderar nenhum dos factos por estes alegados, não dedicando uma única palavra que permitisse especificar os fundamentos de facto e de direito que justificaram a decisão tomada, o que constitui causa de nulidade da sentença nos termos da alínea b) do n.° 1 do artigo 615.° do CPC; que carece flagrantemente de qualquer fundamento a consideração tecida pelo Tribunal, no sentido de que não teria a autora deduzido o incidente em causa no prazo legal de 10 dias de que dispunham para o efeito; que também contabilização de tal prazo andou mal o Tribunal a quo, porque o oficio de notificação data de 11/02/2015, pelo que, nos termos do artigo 248.° do CPC, presume-se que a mesma ocorreu no 3.° dia posterior ao do registo ou no 1.° dia útil seguinte a este, quando o não seja; que o Tribunal a quo considerou que nessa conformidade a notificação ocorreu no dia 14/02/2015, porque útil, pelo que o prazo teria terminado em 24/02/2015, nos termos do artigo 138.° do CPC, mas que não é assim, bastando consultar o calendário de 2015 para se constatar ser o dia 14/02/2015 é um dia não útil, por se tratar de um sábado, pelo que presumindo-se a notificação ocorrida no 3.° dia útil posterior ao do registo, esse dia é o dia 16/02/2015, ou seja, a segunda-feira seguinte, e assim sendo, contrariamente ao referenciado na decisão recorrida, a data em que foi impugnado o conteúdo de todo o processado no PA posterior à defesa, 26/02/2015 corresponde, efetivamente, ao décimo dia posterior ao da ocorrência da notificação, e que assim, tem que concluir-se pela evidência da tempestividade da dedução do incidente em questão, ao contrário do referenciado pelo Tribunal a quo; que ainda que assim não se entendesse e tivesse razão o Tribunal a quo em algum dos fundamentos em que se sustentou sempre tal decisão seria passível de censura, por em nome do princípio da tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 2.° do CPTA, e do dever de gestão processual e princípio da correção, respetivamente previstos nos artigos 6.° e 7.° do CPC, deveria o Tribunal a quo ter providenciado pela economia e celeridade processuais e regularização da instância, concorrendo para obter, com brevidade e eficácia, a justa e premente composição do litígio em questão, o que passaria pela necessária apreciação da impugnação deduzida pela autora Herança Jacente; que devem, assim, considerar-se os documentos do PA devidamente impugnados e provada a não autenticidade, genuinidade e veracidade dos mesmos, na parte que teve lugar posteriormente à defesa da funcionária, conforme requerido pela autores e não provado pelo réu (cfr. artigo 640.°, n.° 1, b) do CPC).

Vejamos.

3.2.1 O Tribunal a quo procedeu à motivação quanto aos factos que ali deu como provados com relevância para a apreciação da exceção dilatória da caducidade do direito de ação nos seguintes termos, que se passam a transcrever: «
«O Tribunal formou a sua convicção relativamente aos factos assentes tendo por base os elementos especificamente identificados em cada um dos pontos do probatório, resultando essencialmente da análise crítica do conjunto da prova produzida nos autos, com referência à documentação constante dos autos e do PA apenso.
Pelo o que ficou dito, facilmente se percebe que o Tribunal não relevou a “impugnação da veracidade e genuinidade do conteúdo de todo o processado no PA posterior à defesa” operada pelos Autores em 26.02.2015, fundamentalmente, por não ter sido especificado qualquer facto donde resultasse a alegada “falta de veracidade e genuinidade do conteúdo de todo o processado”, bem como por não ter sido oferecida qualquer prova da falsidade do mesmo. Se os Autores, efectivamente, pretendiam abalar a força probatória de tais documentos deviam tê-lo feito suscitando expressamente o incidente de impugnação de genuinidade de documento [cfr. 444.º do CPC] ou de ilisão da autenticidade ou da força probatória de documento [cfr. art.º 446.º do mesmo Código], e não pela forma realizada nos autos.
Ainda que assim não se entendesse, cabe notar que tais incidentes devem ser interpostos no prazo de 10 dias contados da notificação da junção.
Ora, conforme resulta do facto provado “viii)”, sendo o ofício de notificação de 11.02.2015, esta presume-se ocorrida no terceiro dia posterior ao do registo [porque útil] – 14/02/2015 – [cfr. art.º 248.º CPC], donde resulta que o prazo terminou em 24.02.2015 [cfr. art.º 138.º CPC].
Ou seja, terminou antes de 26.02.2015, data em que foi impugnado o conteúdo de todo o processado no P.A. posterior à defesa, o que significa que, a considerar-se formalmente validada, sempre seria intempestiva a dedução do incidente em questão, e, como tal, não oponível nos autos.
Assente a factualidade que antecede, cabe, agora, entrar na apreciação da suscitada questão prévia de caducidade do direito de acção.»
(fim da transcrição)

3.2.2 A respeito da impugnação de genuinidade de documento e de ilisão da autenticidade ou da força probatória de documento, a que se referiu o Tribunal a quo na decisão recorrida, dispõem os artigos 444º a 446º do CPC o seguinte:
“Artigo 444º
Impugnação da genuinidade de documento
1 - A impugnação da letra ou assinatura do documento particular ou da exatidão da reprodução mecânica, a negação das instruções a que se refere o n.º 1 do artigo 381.º do Código Civil e a declaração de que não se sabe se a letra ou a assinatura do documento particular é verdadeira devem ser feitas no prazo de 10 dias contados da apresentação do documento, se a parte a ela estiver presente, ou da notificação da junção, no caso contrário.
2 - Se, porém, respeitarem a documento junto com articulado que não seja o último, devem ser feitas no articulado seguinte e, se se referirem a documento junto com a alegação do recorrente, são feitas dentro do prazo facultado para a alegação do recorrido.
3 - No mesmo prazo deve ser feito o pedido de confronto da certidão ou da cópia com o original ou com a certidão de que foi extraída.”

“Artigo 445º
Prova
1 - Com a prática de qualquer dos atos referidos no n.º 1 do artigo anterior, o impugnante pode requerer a produção de prova.
2 - Notificada a impugnação, a parte que produziu o documento pode requerer a produção de prova destinada a convencer da sua genuinidade, no prazo de 10 dias, limitado, porém, em 1.ª instância, ao termo das alegações orais.
3 - A produção de prova oferecida depois de designado dia para a audiência final não suspende as diligências para ela nem determina o seu adiamento; se não houver tempo para notificar as testemunhas oferecidas, ficam as partes obrigadas a apresentá-las.”

“Artigo 446º
Ilisão da autenticidade ou da força probatória do documento
1 - No prazo estabelecido no artigo 444.º, devem também ser arguidas a falta de autenticidade de documento presumido por lei como autêntico, a falsidade do documento, a subscrição de documento particular por pessoa que não sabia ou não podia ler sem a intervenção notarial a que se refere o artigo 373.º do Código Civil, a subtração de documento particular assinado em branco e a inserção nele de declarações divergentes do ajustado com o signatário.
2 - Se a parte só depois desse prazo tiver conhecimento do facto que fundamenta a arguição, pode esta ter lugar dentro de 10 dias a contar da data do conhecimento.
3 - A parte que haja reconhecido o documento como isento de vícios só pode arguir vícios supervenientes, nos termos do número anterior, sem prejuízo do conhecimento oficioso nos termos da lei civil.”


3.2.3 Compulsados os autos constata-se que, efetivamente, que o Tribunal a quo expediu por correio registado o oficio de 11/02/2015, dirigido ao Ilustre Mandatário da autora Herança Jacente, notificando-o da contestação apresentada pelo réu bem como da junção do Processo Administrativo que ele havia remetido, dando, assim, cumprimento ao disposto no artigo 84º nº 6 do CPTA (na versão anterior à revisão operada pelo DL. nº 214-G/2015, de 2 de outubro, temporalmente aplicável) – (cfr. fls 640 SITAF).
E que nessa sequência a autora apresentou o requerimento, que enviou ao Tribunal por correio eletrónico de 25/02/2015, às 22h47, a que foi dada entrada pela secretaria judicial e incorporado no SITAF em 26/02/2015 (cfr. fls. 647 SITAF).
3.2.4 Não pode deixar de constatar-se, e nisso assiste razão à recorrente, que o Tribunal a quo errou na contagem do prazo de 10 dias, porque, efetivamente, em face da data em que foi expedido o oficio de notificação da contestação e da junção do Processo Administrativo, 11/02/2015, uma quarta-feira, o dia 14/02/2015 em que recaiu o terceiro dia era um sábado, pelo que a notificação presumiu-se efetuada, os termos legais, na segunda-feira seguinte, dia 16/02/2015.
3.2.5 No requerimento, que se estendeu por 173 artigos e no qual a autora concluiu nos seguintes termos: «Nestes termos e nos melhores de Direito cujo douto suprimento de V. Exa. se espera e invoca, deverá a presente ação administrativa especial ser considerada procedente, por provada nos termos peticionados e bem assim, ser o réu e respetiva mandatária ser condenados em litigância de má-fé em indemnização a fixar pelo Tribunal.» a autora disse no seu artigo 25º o seguinte:
«25. Pelo que se impugna a veracidade e genuinidade do conteúdo de todo o processado no PA posterior à defesa apresentada pela funcionária a fls. 117 a 143 do PA».
Afirmação essa que vem na sequência do que havia sido afirmado no anterior artigo 24º daquele articulado:
«24. Se foi junto aos autos nº 1174/05.0BEPRT o original do PA que constituía à época o processo disciplinar nº D/04/05 não se compreende como é que atualmente se junta o mesmo PA “original” (?) aos presentes autos com supostos atos praticados durante a tramitação judicial do referido processo nº 1174/05.0BEPRT».

3.2.6 Ora, não se pode considerar, em face do que assim foi externado naquele articulado, que ele traduza uma impugnação da genuinidade ou veracidade, a que se refere o artigo 444º do CPC novo, relativamente a quaisquer documentos que componham o processo administrativo instrutor (enquanto conjunto de documentos devidamente ordenados em que se traduzem os atos e formalidades que integram o procedimento administrativo – cfr. artigo 1º nº 2 do CPA).
Dispositivo de que, ademais, a autora ali não se se socorreu. O que naturalmente explica que também nenhuma prova ou diligência tenha sido requerida com vista ao apuramento da sua genuinidade (cfr. artigos 445º a 449º do CPC) dado que, na verdade, ela não foi questionada.
E em mais nenhum momento daquele articulado se referiu a autora à impugnação da veracidade ou genuinidade de qualquer documento que componha o processo administrativo instrutor.
3.2.7 Aliás, o que se infere da leitura do todo daquele articulado é que a autora reitera a tese da ilegalidade da decisão disciplinar de demissão que lhe foi aplicada através dos atos impugnados na presente ação – o despacho do Vereador da Câmara Municipal (...) do Pelouro de Recursos Humanos de 07/11/2007 e a posterior Deliberação Camarária de 16/12/2008 que o ratificou – por a funcionária já ter sido anteriormente demitida por anterior decisão de 15/02/2005 (a que foi objeto de impugnação judicial no Proc. nº 1082/05.0BEPRT), pondo em causa, simultaneamente, os pressupostos em que assentou a decisão disciplinar de demissão impugnada nos presentes autos (mormente tendo por base as faltas que foram consideradas injustificadas pelo réu MUNICÍPIO mas que a autora impugnou judicialmente no Proc. nº 1174/05.0BEPRT).

3.2.8 Pelo que andou bem o Tribunal a quo ao não valorar a posição assumida pela autora naquele seu requerimento como de impugnação da genuinidade ou veracidade de documentos do Processo Administrativo instrutor.

3.2.9 Razão pela qual também não colhe a invocação de que o Tribunal a quo incorreu em omissão de decisão ou de fundamentação geradora de nulidade decisória como sustenta a recorrente.

3.2.10 Não há, assim, motivo, seja para retirar dos factos dados como provados constantes nos pontos iii), iv), v) e ix), nem tão pouco para os substituir pelos factos propugnados pela recorrente.
Sendo que as considerações que são tecidas pela recorrente respeitam já às decorrências jurídicas e respetivos efeitos, em face do quadro normativo aplicável, da factualidade dada como provada, nomeadamente a de saber se ocorreu uma notificação operante, e quando, da decisão disciplinar de demissão impugnada na ação, para efeitos de contagem do respetivo prazo de impugnação judicial. Mas isso, são já questões de direito, não de facto.

3.2.11 Não colhe, pois, o recurso nesta parte. O que se decide.

4. Do imputado erro de julgamento de direito
(conclusões XVI. a XXXII. das alegações de recurso)

4.1 A autora sustenta, em suma, que na decorrência da alteração à matéria de facto dada como provada não poderia o Tribunal a quo ter concluído pela caducidade do direito de ação e que além do mais, os atos impugnados padecem de ostensiva nulidade, insanável, ineficaz e arguível a todo o tempo e que, assim, nenhuma caducidade do direito de ação poderia ter ocorrido, tendo o Tribunal a quo decidido mal ao absolver o réu da instância sem se pronunciar sobre o mérito da causa.

Vejamos.

4.1.1 A presente ação foi instaurada em 27/11/2014 (cfr. fls. 1 SITAF) pela Herança Jacente de I., e nela é impugnada a decisão disciplinar de demissão que foi aplicada pelo réu MUNICÍPIO (...) à funcionária I., entretanto falecida em 01/06/2014, proferida por despacho do Vereador da Câmara Municipal (...) do Pelouro de Recursos Humanos de 07/11/2007 e posterior Deliberação Camarária de 16/12/2008 que o ratificou.
4.1.2 O Tribunal a quo considerou que os vícios imputados aos atos impugnados na ação se reconduziam a vícios geradores de mera anulabilidade e não de nulidade, e que assim a instauração da ação estava sujeita ao prazo de três meses prevista no artigo 58º nº 2 alínea b) do CPTA, contado nos termos do artigo 59º nº 1 do mesmo Código, isto é, desde a data da respetiva notificação.
E convocando o Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local aprovado pelo DL. nº. 24/84, de 16 de janeiro, vigente ao tempo dos factos, em particular o disposto nos seus artigos 69º e 59º, referente à notificação da decisão do processo disciplinar, entendeu, que em face da factualidade elencada a notificação do primeiro ato impugnado (o de 07/11/2007) teve lugar no dia 16/01/2008, e a notificação do segundo (de 16/12/2008) teve lugar em 05/06/2009, concluindo pela intempestividade da instauração da ação.
4.1.3 A autora Herança Jacente da funcionária de I. sempre defendeu, e fê-lo desde logo na Petição Inicial da ação, que nunca foi dado conhecimento ou notificada à funcionária I. a decisão disciplinar de demissão aqui objeto de impugnação, tendo a mesma permanecido sempre no seu desconhecimento até à data do seu falecimento. E por outro lado, que os atos em crise só vieram ao conhecimento da cabeça-de-casal da Herança Jacente da funcionária após esta se ter deslocado em 17/07/2014 à Direção Municipal de Recursos Humanos do réu MUNICÍPIO (...) , e ter tido lugar a reunião de 28/07/2014, aquando lhe foi entregue em 01/09/2014, após requerimento, cópia integral dos processos disciplinares (vide, designadamente, artigos 37º a 45º da PI).

4.1.4 Neste contexto a presente ação, instaurada que foi em 27/11/2014 pela Herança Jacente de I., só será tempestiva, devendo prosseguir para conhecimento do respetivo mérito, se se dever considerar que a funcionária I. não foi notificada dos atos em causa, na medida em que só assim se encontrará observado o prazo de 3 meses previsto no artigo 58º nº 2 alínea b) do CPTA para a impugnação de atos anuláveis, ou se for de reconhecer que que as causas de invalidade imputadas aos atos em crise possam conduzir à sua declaração de nulidade, porque nesse caso a ação não estava sujeita a prazo nos termos do disposto no artigo 58º nº 1 do CPTA (sempre na redação à data). Mas neste caso, obviamente, apenas para o conhecimento desses, e não dos que conduzam à anulação do ato.

4.1.5 Compulsada a Petição Inicial constata-se que a autora Herança Jacente não se limitou a invocar, genericamente, a nulidade dos atos impugnados, tendo densificado a alegação da verificação de vários fundamentos de nulidade, que, a ocorrerem, conduzirão efetivamente à nulidade dos atos impugnados. Os quais, aliás, autonomizou e explicitou, intitulando-os como «da inexistência/nulidade por ausência de poder disciplinar ou de qualquer relação jurídica de emprego entre Entidade Demandada e a funcionária em causa»; «nulidade por violação dos Direitos, Liberdades e Garantias constitucionalmente consagrados (mormente do direito de defesa face à falta de efetiva notificação/citação da funcionária de todos os atos impugnados»; «nulidade dos atos impugnados por se tratarem de atos consequentes de atos administrativos anteriormente anulados (vide processo nº 1174/05.0BEPRT)» - (vide, respetivamente, pontos i), ii), iii), artigos 237º ss., 249º ss., 263º ss. da PI).
A afirmação em singelo feita pelo Tribunal a quo de que “os vícios imputados aos atos impugnados nos autos se reconduzem a vícios geradores de mera anulabilidade e não de nulidade” não tem, assim, apoio.

4.1.6 E nesse aspeto assiste razão à recorrente.
Pelo que a ação sempre devia prosseguir, se nenhuma outra questão obstasse, para conhecimento dos vícios invocados como fundamento de nulidade dos atos impugnados, porque não sujeita a prazo.
E nessa parte e com este fundamento, não pode manter-se a decisão recorrida, pela qual se absolveu o réu da instância com fundamento em caducidade do direito de ação.

4.1.7 Mas será que não devia também prosseguir para conhecimento dos vícios consubstanciadores da mera anulabilidade dos atos impugnados?

4.1.8 O Tribunal a quo considerou que a notificação do primeiro ato impugnado (o de 07/11/2007) teve lugar no dia 16/01/2008, através do Aviso (extrato) n.°1458/2008 publicado no Diário da República, IIª Série, n.º 11, de 16/01/2008. Isto por ter sido precedido de duas tentativas de notificação pessoal e uma por via postal. E que, assim, foram observadas as exigências contidas no artigo 59º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local aprovado pelo DL. nº. 24/84, de 16 de janeiro, quanto à notificação da decisão do processo disciplinar, por remissão do artigo 69º do mesmo Estatuto Disciplinar.

4.1.9 O nº 1 do artigo 69º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local aprovado pelo DL. nº. 24/84, de 16 de janeiro, dispõe, sob a epígrafe “Notificação da decisão”, que “a decisão será notificada ao arguido, observando-se o disposto no artigo 59º”. E, por sua vez, o artigo 69º daquele Estatuto Disciplinar dispõe o seguinte:
“Artigo 59.º
Notificação da acusação
1 - Da acusação extrair-se-á cópia, no prazo de 48 horas, a qual será entregue ao arguido mediante a sua notificação pessoal, ou, não sendo esta possível, por carta registada com aviso de receção, marcando-se ao arguido um prazo entre 10 a 20 dias para apresentar a sua defesa escrita.
2 - Se não for possível a notificação nos termos do número anterior, designadamente por o arguido se encontrar ausente em parte incerta, será publicado aviso no Diário da República, citando-o para apresentar a sua defesa em prazo não inferior a 30 nem superior a 60 dias, contados da data da publicação”.
Resulta, assim, das disposições conjugadas dos artigos 69º nº 1 e 59 nºs 1 e 2 do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local aprovado pelo DL. nº. 24/84, de 16 de janeiro, que só será legítimo o recurso à notificação edital da decisão disciplinar se não for possível a notificação pessoal ou se se frustrar a notificação por carta registada com aviso de receção.

4.1.10 Ora, no caso, foi isso mesmo que sucedeu. Pelo que era legítimo o recurso à notificação edital, através de publicação no Diário da República, para a notificação da decisão final proferida no processo disciplinar era legítima, à luz dos cotados dispositivos.

4.1.11 Não assistindo, assim, razão à recorrente quando sustenta que só poderia haver lugar a notificação edital se a destinatária da notificação se encontrasse ausente em parte incerta. A referência feita no nº 2 do artigo 59º do Estatuto Disciplinar à «ausência em parte incerta» do arguido é meramente exemplificativa, como claramente resulta do adverbio de modo “designadamente” ali utilizado pelo legislador.

4.1.12 A recorrente sustenta também que aquele Aviso (extrato) n.°1458/2008, publicado no Diário da República, IIª Série, n.º 11, de 16/01/2008, não constitui propriamente notificação da decisão disciplinar de demissão, dizendo apenas respeito à publicitação a que alude o artigo 70º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local aprovado pelo DL. nº. 24/84, de 16 de janeiro.
O que dizer?

4.1.13 Aquele Aviso (extrato) n.°1458/2008 refere-se, efetivamente, àquele artigo 70º, a que diz dar cumprimento, tornando público que por despacho do Sr. Vereador do Pelouro de Recursos Humanos de 07/11/2007 foi aplicada a pena de demissão à funcionaria I. e que assim se verifica a vacatura do lugar do quadro de pessoal da Câmara Municipal 15 dias após a publicação do presente aviso.

4.1.14 Vejamos o que dispõe o artigo 70º do Estatuto Disciplinar, que é o seguinte:
“Artigo 70º
Início de produção de efeitos das penas
1 – As decisões que apliquem penas disciplinares não carecem de publicação no Diário da República, começando a produzir os seus efeitos no dia seguinte ao da notificação ao arguido ou, não podendo este ser notificado, 15 dias após a publicação de aviso nos termos do nº 2 do artigo 59º.
2 – A vacatura de lugar ou cargo em consequência de aplicação das penas de aposentação compulsiva e demissão será publicada na 2ª séria do Diário da República.”

4.1.15 Do nº 2 deste artigo 70º resulta que quando haja lugar a aplicação das penas disciplinares de aposentação compulsiva ou de demissão que dê lugar a vacatura de lugar ou cargo sempre haverá lugar à respetiva publicação no Diário da República. Isto porque a regra que decorre da primeira parte do nº 1 do artigo 70º é a de que as decisões que apliquem penas disciplinares não carecem de publicação no Diário da República, começando a produzir os seus efeitos no dia seguinte ao da notificação ao arguido ou, não podendo este ser notificado, 15 dias após a publicação de aviso nos termos do nº 2 do artigo 59º.

4.1.16 E aqui acompanhamos a tese da recorrente.
Daquele aviso não se extrai uma notificação edital dirigida à funcionária em causa, com vista a ela tomar conhecimento da decisão final do processo disciplinar, nos termos do artigo 59º nº 2. O que aquele Aviso visou foi dar cumprimento ao disposto no artigo 70º do Estatuto Disciplinar tornando publico que tendo sido tomada decisão de demissão da funcionária, originou vacatura do lugar.
Se o aviso publicado no Diário da República visa apenas dar cumprimento ao disposto no artigo 70º do Estatuto Disciplinar (DL. nº. 24/84) tornando público ter sido tomada decisão de demissão da funcionária, originou vacatura do lugar, não se extraindo dele uma notificação edital dirigida à funcionária em causa, com vista a ela tomar conhecimento da decisão final do processo disciplinar, nos termos do artigo 59º nº 2, não pode ter-se a mesma por notificada através dele.
O que a contraposição com o teor do Aviso (extrato) n.° 10633/2009, publicado no Diário da República, II.ª série, n.º 109, de 5 de junho de 2009, (vertido em vii) do probatório) evidencia, já que, neste, e bem, se diz expressamente «Fica notificada I., de que a decisão do Sr. Vereador do Pelouro de Recursos Humanos, de 07/11/2007 que lhe aplicou a pena de Demissão, foi ratificada em reunião Camarária de 16 de Dezembro de 2008».

4.1.18 Sucede é que, aqui, e por referência ao segundo dos atos impugnados, não foi observado o artigo 59º nº 2 do Estatuto Disciplinar, por remissão do artigo 69º nº 1, na medida em que não consta do probatório, nem o Processo Administrativo o verte, nem foi invocado pelo réu MUNICÍPIO (...) em qualquer momento, que aquela notificação edital da deliberação camarária de 16/12/2008 tenha sido antecedida de tentativa de notificação pessoal que não tenha sido possível ou de notificação por correio registado com aviso de receção que se tenha frustrado.

4.1.19 Pelo que aqui, e como sustenta a recorrente, não pode ter-se por válida e operante a notificação edital daquele ato a que se destinava aquele Aviso (extrato) n.° 10633/2009, publicado no Diário da República, II.ª série, n.º 109, de 5 de junho de 2009.

4.1.20 Assistindo, também, aqui, razão à recorrente.

4.1.21 Em face de tudo o exposto, tem que, concluir-se, que a decisão recorrida ao considerar que a funcionária I. foi notificada dos atos impugnados na ação através daqueles dois identificados avisos, incorreu em erro de julgamento.
Assistindo, também, aqui, razão à recorrente.

4.1.22 Pelo que, deve concedido provimento ao recurso e revogar-se a decisão recorrida, que decidiu pela absolvição do réu da instância com fundamento na verificação da exceção dilatória da caducidade do direito de ação.

Pelo que a ação prosseguir, também para conhecimento dos fundamentos de invalidade conducentes à anulação dos atos impugnados, bem quanto ao mais peticionado, se a tanto nada mais obstar.

O que se decide.
*
IV. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em conceder provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida, e ordenando a baixa dos autos à 1ª instância para aí prosseguirem os seus termos, se a tanto nada mais obstar.
*
Custas nesta instância pelo recorrido - artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013) e artigos 7º e 12º nº 2 do RCP (artigo 8º da Lei nº 7/2012, de 13 de fevereiro) e 189º nº 2 do CPTA.
*
Notifique.
*
D.N.
*
Porto, 15 de julho de 2021

M. Helena Canelas (relatora)
Rogério Martins
(em substituição do 1º adjunto e do respetivo substituto legal,
por impedimento de ambos)
João Beato (2º adjunto)