Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00527/16.2BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/12/2018
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Mário Rebelo
Descritores:PRESUNÇÃO LEGAL
CONTRATO DE MÚTUO
VALIDADE
Sumário:1. Presunções legais são as ilações que a lei tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (art.º 350º do Código Civil), dispensando-se o beneficiário da presunção legal de provar o facto que a ela conduz (art. 350º/1 do Código Civil).
2. Isto significa que demonstrado determinado facto conhecido – o facto base – a lei extrai como consequência um outro que, apesar de desconhecido, se tem por verificado.
3. Dada a presunção legal de que os lançamentos em conta corrente do sócio se presumem feitos a título de lucros ou adiantamento de lucros, a AT apenas deverá provar a base da presunção enquanto o sujeito passivo estaria onerado com o encargo de provar os outros factos que paralisam a presunção.
4. A base presuntiva a partir da qual a lei extrai a presunção legal é, neste caso, o lançamento em conta corrente de verbas a favor do sócio, sendo esta a única prova que recai sobre a AT.
5. Em contrapartida, da parte do sujeito passivo caber-lhe-á provar que as verbas em causa resultam de contrato de mútuo, prestação de trabalho ou exercício de cargos sociais.
6. Se o não conseguir, tem-se por estabelecido o facto presumido.
7. O contrato de mútuo de valor superior a € 25.000,00 só é válido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado.
8. Este requisito reveste categoria “ad substantiam”.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:C..., Lda.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

RECORRENTE: C…, Lda.
RECORRIDO: Autoridade Tributária e Aduaneira.
OBJECTO DO RECURSO: Sentença proferida pela MMª juiz do TAF do Porto que julgou improcedente a impugnação deduzida contra liquidação adicional de IRC do ano de 2010 no montante global de 58.864,60.
CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES:
A - A Douta Sentença aqui recorrida fez uma errada interpretação dos factos dados como provados e uma errada subsunção dos mesmos ao direito aplicável.
B - Não deu aquela Sentença como provados factos que resultam dos autos e da prova documental, com relevância para a descoberta da verdade e subsequente apreciação de mérito.
C - Contrariamente, deu como provados factos cuja prova se baseia unicamente no Relatório Inspecção.
D - Logo, a liquidação de retenções na fonte de IR, relativa a rendimentos de “Capitais - Outros rendimentos”, não se enquadra como adiantamento por conta de lucros, mas sim de um mútuo que a sociedade fez ao sócio e que foi sendo pago nos exercícios seguintes.
E - Assim sendo, é ilegal a aplicação do artigo 5°, nº 2, alínea h), do CIRS, bem como a presunção prevista no artigo 6°, n° 4, do mesmo Código, por não provada.
G - Por este facto deve a liquidação aqui recorrida ser anulada, por violação da lei.

X- Pedido
Com o douto suprimento de Vªs. Exªs., deve o presente Recurso ser julgado procedente e, consequentemente, ser a Douta Sentença, de que ora recorre, revogada pelos motivos acima melhor expostos.
Em tudo, e essencialmente, se pede e se espera, JUSTIÇA

CONTRA ALEGAÇÕES.
Não houve.
PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.

II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou ao julgar improcedente a impugnação por - erradamente - não se ter provado que os movimentos ocorridos na conta corrente do sócio resultam de empréstimos da sociedade e não de lucros ou adiantamento opor conta de lucros.

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.

III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:
a) Ao abrigo da ordem de serviço externa nº OI201200306, de 17.01.2012, a impugnante foi alvo de uma inspecção de âmbito geral sobre os anos de 2009 e 2010 e de âmbito parcial IRC e IVA do ano de 2011 (cf. fls. 49/53 do PA). ---
b) No que concerne às retenções na fonte sobre rendimentos de capitais – categoria E apurou-se que “Da análise da conta corrente do sócio V…, nos anos de 2009 (conta 255911) e 2010 (conta 2689901), verificou-se a contabilização e diversos montantes quer a débito (correspondentes a saídas de fundos da empresa a favor do seu sócio, efectuadas através de transferências bancárias ordenadas pela empresa), quer a crédito (representado entradas de fundos a favor da empresa) …. Conforme, se verifica nos quadros anteriores, nos anos de 2009 e 2010, a saída de fundos a favor do sócio é superior à entrada de fundos a favor da empresa, o que se traduz numa saída líquida de fundos para o responsável da empresa. Esta situação é tipificada como adiantamento por conta de lucros, e consequentemente considera-se como rendimentos de capitais sujeitos a retenção na fonte.
Ora, de acordo com o disposto no Art. 5º do Código de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (CIRS) “1 – Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie procedentes, directa ou indirectamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas de natureza mobiliária, bem como da respectiva modificação, transmissão ou cessação, com excepção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias.
2- Os frutos e vantagens económicas referidos no número anterior compreendem, designadamente (…)
h) Os lucros das entidades sujeitas a IRC colocados á disposição dos respectivos associados ou titulares, incluindo adiantamentos por conta de lucros, com exclusão daqueles a que se refere o artigo 20º” (cf. fls. 51v/52v do PA). ---
c) Na sequência do apurado em sede inspectiva foram efectuadas correcções de natureza aritmética, correspondente a IRS não retido na fonte e não entregue ao Estado por referência aos anos de 2009 e 2010, nos montantes de €31.030,00 e €54.570,71 (cf. fls. 49/50 do PA).---
d) Na sequência do apurado em sede inspectiva foram emitidas as liquidações nº 20136410000066 de 17.01.2013, relativa a rendimentos de “Capitais –Outros rendimentos”, respeitante ao ano de 2010, no montante de €54.570,71, a que acresceram juros compensatórios no montante de €4.293,89 com prazo voluntario de pagamento até 18.03.2013 (cf. fls. 317 do PA). ---
e) Por não se conformar com a liquidação a impugnante deduziu em 14.05.2013, reclamação graciosa (cf. fls. 2/21 do PA). ---
f) Pelo ofício nº 75207/0510 de 21.11.2013 a AT solicitou à impugnante vários elementos, nomeadamente “Cópia dos contratos de mútuo lavrados entre a sociedade e o seu sócio, V… (…) através dos quais a primeira emprestou ao segundo os seguintes valores do exercício de 2009 (…) no exercício de 2010:
POC Data Diário/Doc Descrição Débito
2689901 30-09-2010 509008 Omisso 16.418,73
2689901 30-11-2010 511006 Omisso 242.000.00
TOTAL
258.418.73

(…), no exercício de 2011” (cf. fls. 59/60 do PA). ---
g) A impugnante veio a responder ao solicitado nos moldes que melhor resultam de fls. 61/69 do PA, juntando para o efeito vários documentos. ---
h) Foi observado o cumprimento da audição prévia ao projecto de decisão em sede de reclamação graciosa e ao qual a impugnante respondeu (cf. fls. 99/107 do PA).---
i) Sobre a reclamação graciosa foi produzida em 12.12.2013 informação a qual conclui da seguinte forma “Face às analises vertidas nos pontos anteriores, com relevo para o facto dos períodos e montantes que correspondem ao beneficio efectivo do sócio não coincidirem com os respeitantes aos actos tributários reclamados, o que apenas não se verifica relativamente à verba de €89.842,50 disponibilizada em Dezembro de 2010, entende-se ser de, em respeito aos elementos agora apurados, deferir a reclamação da liquidação de Dezembro de 2009 e deferir parcialmente a relativa a Dezembro de 2010” (cf. fls. 55/58A do PA). ---
j) Sobre a informação referida em i) recaiu o despacho de “Concordo remeta á DJAC” proferido em 17.12.2013 por A…– Chefe de Divisão por subdelegação do D.F. Adjunto (cf. fls. 55 do PA). ---
k) Em 13.06.2014 foi analisada a reclamação e elaborado um parecer pela TAT Augusta Parada, no sentido de “Deferir parcialmente o pedido” (cf. fls. 99/99v do PA). ---
l) Sobre o parecer referido em k) recaiu o despacho de 11.07.2014 com o seguinte teor: “Nos termos e com os fundamentos constantes do parecer infra, projecto o DEFERIMENTO PARCIAL do pedido. Notifique-se para no prazo de 15 (quinze) dias, querendo, exercer o direito de audição previsto no art. 60º da LGT”, o despacho mostra-se assinado pelo Chefe de Divisão C…, com menção de Subdelegação de poderes do DF do porto, despacho in DR nº 162 de 22.08.2013 (cf. fls. 99/99v do PA).---
m) A impugnante foi notificada para efeitos de audição prévia ao projecto referido em l), através do oficio nº 42697 de 11.07.2014 (cf. fls. 100/101 do PA). ---
n) A impugnante pronunciou-se nos moldes que melhor resulta de fls. 104/105 do PA. --
o) Por despacho de 28.08.2014 da Chefe de Divisão C…, por Subdelegação do D.F. do Porto, despacho in DR nº 161 de 22.08.2013, que recaiu sobre parecer, a reclamação foi deferida parcialmente nos seguintes termos “Nos termos e com os fundamentos constantes do parecer infra, DEFIRO PARCIALMENTE o pedido. Notifique-se o reclamante para, querendo, recorrer hierarquicamente da decisão nos termos do art. 76º, nº 1 do CPPT, no prazo de 30 8trinta) dias, referido no art. 66º, nº 2 do mesmo diploma ou impugná-la, no prazo de 15 (quinze9 dias estabelecido no art. 102º, nº 2 do citado diploma” (cf. fls. 110/110v do PA). ---
p) A decisão referida em o) foi notificada à impugnante através do ofício nº 50590 de 01.09.2014 (cf. fls. 1237125 do PA). ---
q) Em face do decidido em sede de reclamação foi decidido devolver à impugnante o montante de €19.316,14, abatendo-se tal montante ao processo executivo (cf. 121/122, 128, 137/141 do PA). ---
r) Por não se conformar com a decisão da reclamação, a impugnante apresentou, em 03.10.2014, recurso hierárquico (cf. fls. 18/27 do PA). ---
s) Sobre o recurso apresentado recaiu a informação nº 1980/15 na qual se concluiu da seguinte forma “Nestes termos, e tendo como base os fundamentos que antecedem, deve o presente recurso hierárquico ser indeferido, mantendo-se a decisão recorrida, e de acordo com as instruções divulgadas pela Circular nº 13/99, de 8 de Julho, é dispensada a notificação á recorrente, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 60º da LGT, uma vez que se encontra em causa a prática de ato com base em factos já submetidos a audiência” (cf. fls. 48/53 do PA). ---
t) Sobre a informação referida em s) recaiu o despacho da Directora de Serviços, por Subdelegação, H…, com o seguinte teor: de “Confirmo, pelo que indefiro o pedido nos termos e com os fundamentos invocados. DSIRS, 09.10.2015” (cf. fls. 48 do PA).---
u) O despacho referido em t) foi comunicado à impugnante através do ofício nº 70941 de 24.11.2015, recebido em 26.11.2015 (cf. fls. 55/57 do PA). ---
v) A presente oposição foi apresentada mediante correio registo com a referência dos CTT RD684334418PT de 11.03.2016 8cf. fls. 36 dos autos). -

Factos não provados
Dos autos não resultam provados outros factos com interesse para decisão da causa. ---
*** ***
O Tribunal firmou a sua convicção na consideração dos documentos juntos aos autos que não foram alvo de contestação. ---

IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
A Impugnante encontra-se coletada para o exercício, a título principal, de “Actividade de Mediação Imobiliária” CAE 68311, desde 22/5/1987 e foi sujeita a fiscalização externa iniciada em 25/9/2012 e concluída em 6/12/2012 tendo como âmbito geral o ano de 2009 e 2010 e âmbito parcial IRC e IVA do ano de 2011.
A ação concluiu pela emissão de correções referentes aos anos de 2009 e 2010 em sede de retenções na fonte de IRS, que para 2009 foi calculado em € 31.030,00 e € 54.570,71 para 2009 e 210, respetivamente.
Foi apresentada Reclamação Graciosa contra as liquidações adicionais que concluiu pelo deferimento da reclamação relativa a dezembro/2009 e deferiu parcialmente a reclamação relativa a 2010.
Interposto Recurso Hierárquico, foi o mesmo indeferido por despacho de 9/10/2015.
A Impugnante deduziu a presente impugnação judicial na qual defende, entre o mais, que a conta corrente entre o sócio V… e a sociedade nos exercício de 2009, 2010 e 2011 revela que a partir de junho deste último ano apenas existem movimentos a favor da empresa e que no final o saldo é favorável ao sócio V…, que assim se manteve ao longo de 2012.
O que se passou foi que a sociedade financiou o sócio V…, o qual a partir de 2011, e face à melhoria da sua situação económica pode amortizar na totalidade o valor que lhe havia sido mutuado pela empresa e ainda proceder a financiamentos a favor da empresa. Logo, não estamos perante presunção de adiantamentos por conta de lucros, mas sim de mútuos. Acrescentou ainda que o relatório da Inspeção Tributária não se encontra devidamente fundamentado e que o despacho de indeferimento parcial da Reclamação Graciosa é ilegal.

A sentença julgou totalmente improcedente a impugnação. A Impugnante/Recorrente não se conforma imputando-lhe erro no julgamento de facto e de direito.

Quanto ao erro de julgamento de facto, defende que a sentença não deu como provados factos que resultam dos autos e da prova documental, com relevância para a descoberta da verdade material e subsequente apreciação de mérito. E por outro lado, deu como provados factos cuja prova se baseia unicamente no relatório da Inspeção (Conclusões B e C).

Sustenta que se a análise dos movimentos da conta entre o sócio e a sociedade (conta 25.5.9.1.1) tivesse sido efectuada para além dos movimentos ocorridos em 2009 e 2010 ter-se-ia percebido uma realidade completamente diferente. Ou seja, o saldo inicial revela um saldo a débito no montante de € 237.127,13 e que no mesmo ano se fizeram mais 3 movimentos a débito e 18 a favor da empresa. Em 2010 a situação é similar, com movimentos a favor do sócio e movimentos a favor da empresa. Mas a partir de junho de 2011 até final, apenas existem movimentos a favor da empresa e que no final o saldo é favorável ao sócio V…, situação que assim se manteve ao longo de 2012.

Mas sendo esta a questão que a Recorrente elege como erro de julgamento de facto, demite-se contudo de cumprir o disposto no n.º 1, alíneas a) e b) do art.º 640º do CPC –omitindo, em especial, os concretos meios probatórios constantes do processo que impunham decisão diversa da recorrida - pelo que o recurso, deverá, nesta parte, ser rejeitado.

Em todo o caso, a questão tal como foi colocada, sempre estaria, neste caso, votada ao insucesso tendo em conta a presunção legal do n.º 4 do art.º do CIRS segundo a qual os lançamentos a seu favor, em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultam de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.

Presunções legais são as ilações que a lei tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (art.º 350º do Código Civil), dispensando-se o beneficiário da presunção legal de provar o facto que a ela conduz (art. 350º/1 do Código Civil).

Isto significa que demonstrado determinado facto conhecido – o facto base – a lei extrai como consequência um outro que, apesar de desconhecido, se tem por verificado.

Ou seja, dada a presunção legal de que os lançamentos em conta corrente do sócio se presumem feitos a título de lucros ou adiantamento de lucros, a AT apenas deverá provar a base da presunção enquanto o sujeito passivo estaria onerado com o encargo de provar os outros factos que paralisam a presunção.

A base presuntiva a partir da qual a lei extrai a presunção legal é, neste caso, o lançamento em conta corrente de verbas a favor do sócio, sendo esta a única prova que recai sobre a AT.

Em contrapartida, da parte do sujeito passivo caber-lhe-á provar que as verbas em causa resultam de contrato de mútuo, prestação de trabalho ou exercício de cargos sociais.
Se o não conseguir, tem-se por estabelecido o facto presumido.

A Recorrente defende que as verbas lançadas na conta corrente resultavam de contrato de mútuo, mas quanto a isso nada provou.
Como bem salientou a MMª juiz
“A impugnante invoca que os lançamentos a débito, ou seja o montante de €258.418,73, constituíram empréstimos da sociedade ao sócio, no entanto, impunha-se que comprovasse o que alega. ---
Concretizemos. ---
Os empréstimos referidos pelos montantes alegados careciam de forma legal para serem considerados.---
Dispõe o art. 1142º do Código Civil que “Mútuo é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade”. ---
Por seu turno o art. 1143º do mesmo Código estipula a forma como o mútuo opera dizendo “O contrato de mútuo de valor superior a 25.000 euros só é válido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado e o de valor superior a 2500 euros se o for por documento assinado pelo mutuário” (negrito e sublinhado nosso).---
A impugnante, no ano de 2010, movimentou e registou na sua contabilidade a favor do sócio V… o montante global de €258.418,73 (€16.418,73+€242.000,00), movimentos que correspondem a saídas de dinheiro das contas da impugnante para o dito sócio sem que tenha apresentado qualquer justificação ou informação que permita conhecer a natureza do movimento. ---
Ora, a impugnante pese embora solicitada para o efeito, não juntou em sede inspectiva ou nesta sede qualquer contrato de mútuo nos moldes acima mencionados. ---
Efectivamente, não chega alegar que se trata de empréstimos por si feitos ao seu sócio e gerente, é necessário provar tal factualidade e a prova há-de ser feita pela forma legal exigida para esse efeito, ou seja, escritura pública ou documento particular autenticado no caso de mútuo superior a 25.000 euros, e nos mútuos de valor superior a 2.500 euros documento assinado pelo mutuário, e não por uma qualquer menção/informação prestada pela impugnante.”

A sentença não merece qualquer reparo. Efetivamente a prova de que as verbas lançadas na conta corrente correspondiam ao cumprimento de um contrato de mútuo deveria ter sido efetuada pela Recorrente pois era desta forma que poderia ilidir a presunção legal de que a AT beneficia.

Só que esta prova não pode ser efetuada “por qualquer meio”. Tendo em consideração os valores lançados na conta corrente € 258.418,73 = (€ 16.418,73+242.000,00) e o disposto no art. 1143º do Código Civil, apenas o poderia provar com a respetiva escritura pública, ou documento particular autenticado, que neste caso constitui mesmo um requisito “ad substantiam” (diz o art. 1143º do Código Civil que o contrato de mútuo de valor superior a € 25000 só é válido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado) (1).

Não tendo feito a prova que lhe cabia, de nada adianta esgrimir com a alegação de que as verbas lançadas a crédito da Recorrente em 2011 e 2012 porque estas simplesmente não têm aptidão para provar a existência de “mútuo” dos movimentos anteriores.

Assim, o que resulta dos autos é que em 2009 e 2010 foram lançados na conta corrente do sócio diversos montantes a débito (saídas da empresa) cuja natureza distinta da presumida a Recorrente não provou.

Nestes termos, não poderia deixar de operar a presunção prevista no n.º 4 do art.º 6 do CIRS.

Diz a Recorrente que a AT não logrou provar a base da presunção, “...como seja, os valores terem sido escriturados como lançamento na conta corrente do sócio e que resultavam de mútuo, de prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais” e que a prova de que existiu a distribuição de lucros cabe à AT e não ao contribuinte (art. 25º e segs. das alegações).

Contudo, a AT não tem de provar os factos – a base presuntiva - com o alcance que a Recorrente lhe dá. Beneficiando da presunção legal de que os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial se presumem feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros, a AT deverá apenas provar os valores lançado na conta corrente do sócio. Não tem (ainda) de provar que os mesmos não resultam de mútuo, de prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais.

Feita a prova da base presuntiva, cabe ao sujeito passivo demonstrar que as verbas foram lançadas em cumprimento de mútuo, de prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais.

Se o não fizer, por força da presunção legal fica estabelecido que o lançamento de tais verbas foi feito a título de lucros ou adiantamento por conta de lucros, nos termos do n.º 4 do art. 6º do CIRS, sujeitos a tributação nos termos do art. 5º/2-h) do CIRS.

Do exposto resultam improcedentes todas as conclusões, mantendo-se integralmente a douta sentença recorrida.

V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Porto, 12 de abril de 2018.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina da Nova
Ass. Bárbara Tavares Teles



(1) Ac. do STJ nº 220/10.0TBPNI.L1.S1 03-10-2013 Relator: GABRIEL CATARINO
V - O contrato de mútuo (art. 1142.º do CC) apresenta-se como um contrato bilateral ou sinalagmático, porquanto da sua assumpção nascem ou emergem obrigações recíprocas para ambos contraentes, e oneroso, porquanto dele resulta um benefício para ambas as partes; é um contrato típico e assume a natureza de um contrato real, quoad constitutionem, porquanto só se perfectibiliza com a entrega da quantia ou da coisa para a esfera de propriedade do mutuário.
VI - O contrato de mútuo assume, relativamente à forma, as características de um contrato solene (art. 1143.º do CC), dado que, para que seja eficaz e válido, se torna necessário que as declarações de vontade expressas pelos contraentes sejam plasmadas em escritura pública, se a quantia mutuada for igual ou superior às quantias legalmente fixadas.
VII - Tratando-se de um contrato de mútuo real e oneroso, a necessidade de redução das declarações em escritura pública ou documento particular autenticado torna-o um contrato solene, não podendo a prova ser efectuada senão por documento de valor idêntico, o que faz depender a validade do contrato de mútuo, a partir dos limites fixados na lei, de um requisito ad substantiam (art. 364.º, ex vi do art. 219.º, do CC).