Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01065/14.3BEAVR-S1
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/15/2021
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:RECURSO EM SEPARADO; ARTICULADO SUPERVENIENTE; AMPLIAÇÃO DO PEDIDO; PERÍCIA; LEGIS ARTIS
Sumário:1 – A ampliação do pedido nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 265.º do CPC só é possível na medida em que essa ampliação possa ser configurada como o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.
Os factos constitutivos, modificativos ou extintivos supervenientes podem ser deduzidos em novo articulado, pela parte a que aproveitem, até à fase das alegações.
Em qualquer caso, consideram-se supervenientes tanto os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos estabelecidos, como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem os prazos aplicáveis, devendo, neste caso, produzir-se prova da superveniência.

2 - O objeto da prova pericial consiste na perceção ou averiguação de factos que reclamam conhecimentos especiais que o julgador em princípio não domina [porquanto, pese embora as questões de facto estarem assentes em pressupostos que estão sujeitos à livre apreciação do julgador, já o juízo científico que encerra o parecer pericial, só deve ser suscetível de uma crítica material e igualmente científica], sendo por isso que a prova pericial tem um significado probatório diferente do de outros meios de prova, designadamente, da prova documental, suportada em parecer técnico.
Em concreto, estando em causa atos médicos que poderão ter violado a legis artis e causado danos irreversíveis ao Autor, mostra-se legitima a intervenção de uma Perícia por forma a aferir da gravidade e irreversibilidade dos danos entretanto evidenciados, por forma a que uma eventual futura indemnização possa refletir a realidade dos factos.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Centro Hospitalar (...)
Recorrido 1:A.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

I Relatório

Centro Hospitalar (...), EPE e A., co-Réus na presente Ação Administrativa Comum, intentada por D., tendente à obtenção de uma indemnização em decorrência de alegado deficiente acompanhamento hospitalar de situação clínica de que padecia, vieram recorrer “do despacho proferido, que admitiu o articulado superveniente e deferiu o requerimento de perícia apresentado pelo Autor”, tendo concluído:

“I) Quanto ao «articulado superveniente»:
1ª- Qualquer articulado, designadamente o superveniente, deverá conter unicamente os factos essenciais em que a parte baseia a sua pretensão, não cabendo no seu âmbito factos instrumentais ou acessórios, cuja alegação é absolutamente inútil e irrelevante CPC, art.s 5º e 552º - 1- d)).
2ª- O Autor definiu na sua petição a causa de pedir da presente ação, tendo inclusivamente aí deixado expresso que quando propôs a ação «já nessa altura tinha conhecimento que as sequelas de que padecia eram permanentes»; e, no seu denominado «articulado superveniente», veio alegar factos que a seu ver constituiriam novos danos que, sempre na sua perspetiva, legitimariam essa peça;
3ª- contudo, na verdade, o Autor não veio alegar novos factos essenciais que designadamente pudessem legitimar uma alteração da causa de pedir; se, como afirma o despacho recorrido, esses factos novos a «complementam» (à causa de pedir), então tratam-se de factos instrumentais ou, precisamente, complementares, que, como tal, não servem para legitimar um articulado superveniente.
4ª- A admitir-se que a extensa alegação do Autor agora trazida aos autos consistiria em um «articulado superveniente», estará a legitimar-se que tudo quanto se passar (ou se inventar…) após a ocorrência de uma lesão (uma dor de cabeça que anteriormente não se teria tido, uma alteração de medicação ou semelhante) consubstanciaria um «facto essencial», permitindo uma sucessão infinita de articulados supervenientes, o que é inconcebível.
5ª- A afirmação sublinhada do despacho recorrido (penúltima página), de que um dos temas da prova consiste no apuramento dos danos patrimoniais e não patrimoniais «antes e depois da cirurgia» não tem o condão de converter os «novos factos» trazidos pelo Autor em «essenciais», pois que,
6ª- em sede de perícias médico-legais, requeridas no momento processual próprio (na petição ou por ocasião da Audiência Prévia) é, perfeitamente possível apurar, quer o grau de incapacidade temporária, quer o de incapacidade permanente, quer eventuais futuras sequelas
7ª- Cfr., a propósito, o AC. RE de 2017.03.23 citado na presente alegação, onde foi sentenciado que «(…) não pode ser aceite articulado superveniente no qual sejam alegados factos (…) que sejam mero complemento ou concretização dos que tenham sido anteriormente alegados, ou que se apresentem como simplesmente instrumentais da pretensão deduzida».
8ª- E, também, o Acórdão do STJ de 2019.06.19, parcialmente transcrito na presente alegação – assim como a doutrina também nela citada, aqui se transcrevendo tão-só um trecho: «os factos instrumentais - isto é, os que nada têm a ver com a substanciação da ação ou da defesa – não carecem de ser incluídos nos temas da prova, a que se refere o artigo 89º-A, nº 1, nenhuma consequência processual podendo decorrer da respetiva omissão» (Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in «Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos», anotação 3. ao art. 86º).
9ª- Em suma: os factos agora alegados pelo Autor no seu denominado «articulado superveniente» não são essenciais ou estruturais, pelo que essa peça é inadmissível (o que se refere sem prejuízo de ele ter apresentado tal peça fora de prazo – cfr. art. 588º nº 3 do CPC –, circunstância que sempre acarretaria a sua inadmissibilidade).
II) Quanto à ampliação do pedido
10ª- Em abstrato, assiste ao Autor o direito de ampliar o seu pedido, verificadas as condições do art. 265º nº 2 do CPC; porém, no caso vertente ele fundamenta essa ampliação na matéria do seu «articulado superveniente», pelo que, não sendo este último admissível, segue-se a inadmissibilidade da ampliação com esse alicerce.
11ª- Sendo certo que a faculdade de proceder à ampliação do pedido e a de apresentar um articulado superveniente se tratam de realidades distintas, não sendo sequer o verso e o reverso da mesma medalha – cfr. o Acórdão citado no precedente 7ª conclusão
12ª- No limite, o Autor poderia ampliar o pedido após a produção de prova, com a alegação de desta resultar que os seus danos seriam superiores aos que inicialmente computou – mas com o fundamento que apresentou, isso não pode.
III) Quanto ao deferimento da Perícia:
13ª- O despacho recorrido entendeu deferir o requerimento do Autor da realização de uma Perícia, a ele, que tivesse por objeto, designadamente, a determinação do grau de incapacidade que para ele teria resultado em consequência – na sua alegação, pro domo sua – da intervenção cirúrgica de que foi objeto.
14ª- Vê-se que a apresentação do «articulado superveniente» teve como única finalidade possibilitar o requerimento da Perícia que o Autor antes não formulara e que agora (e só agora) se «lembrou» de apresentar, diligência probatória esta que o Autor poderia ter requerido, se assim tivesse entendido, em dois momentos distintos:
- a final da sua petição inicial (CPC, art. 552º nº 6); ou
- na Audiência Prévia (art. 598º) – o que não fez!
15ª- E é seguro que em sede de perícias médico-legais é, perfeitamente possível apurar, quer o grau de incapacidade temporária, quer o de incapacidade permanente, quer eventuais futuras sequelas (o que o Autor não ignora – haja em vista a redação do seu quesito 13…).
16ª- Diz o Autor no art. 19º do seu articulado superveniente que não existe nos autos «qualquer avaliação médico-legal que permita perceber qual o grau das sequelas sofridas (…)» [supostamente, dizemos nós] – o que ele Autor, se o tivesse querido apurar, teria de o ter requerido na sua petição (CPTA, art. 78º nº 4 e 79º nº 7), não agora.
17ª- Tudo quanto o Autor mais requer neste «item» (p. ex., seus art.s 20º, 42º e quejandos), ele poderia, se assim o tivesse entendido, ter requerido na petição inicial, ou na Audiência Prévia, por meio de perícia, não sendo agora que o poderá fazer, estando tal direito precludido.
18ª- Como refere o Acórdão da Relação de Guimarães de 2018.05.17, «O articulado superveniente destina-se a carrear para os autos factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito (…) e não a carrear (ou requerer) meios de prova, já que estes não são “factos”, mas meios legalmente admissíveis para a demonstração da realidade dos “factos”».
19ª- A obrigação de seguir a tramitação e o rito processual consignados no CPC implica e conduz à autorresponsabilização dos sujeitos processuais, não impendendo ao Tribunal a tarefa de colmatar deficiências instrutórias desses mesmos sujeitos,
20ª- pois o poder de direção do processo e o princípio do inquisitório não vão tão longe, que possibilitem ao Juiz a alteração dos prazos legais de a apresentação dos articulados e a supressão dos ónus processuais, que incumbem às partes, designadamente de alegarem os factos e de apresentarem as respetivas provas.
21ª- Sobre esta questão, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 2018.03.20, parcialmente transcrito na presente alegação, pronunciou-se, nomeadamente, no sentido de «a investigação oficiosa não deve ser exercida com a finalidade da parte poder contornar a preclusão processual decorrente da sua inércia»
22ª- Indo algo «mais longe», o Acórdão do STJ de 2016.09.20, apreciando a inércia da ali autora em situação semelhante à retratada nestes autos, aludindo-se ao princípio da autorresponsabilização das partes que vigora no processo civil: "(...) sentenciou que «A inércia processual das partes (seja por inépcia ou impreparação sua em termos técnico-processuais, seja intencionalmente em função de uma certa interpretação do direito aplicável) produz consequências negativas (desvantagens ou perda de vantagens) para elas, só havendo lugar à desvalorização do princípio da sua autorresponsabilização mediante a intervenção tutelar, assistencial ou corretiva do tribunal quando a lei o preveja, e não é o caso. (...)».
23ª- Também a propósito do princípio da autorresponsabilização das partes, veja-se António Júlio Cunha (Direito Processual Civil Declarativo, 2ª ed., p. 89), citado no Acórdão do STJ de 2019.06.18 (Proc. nº 152/18), e o Acórdão da Relação de Guimarães de 2019.11.14, ambos parcialmente transcritos na presente alegação.
24ª- Donde se conclui que não era legítimo ao Tribunal recorrido colmatar a omissão do Autor em ter requerido uma Perícia nos momentos processuais próprios – pelo que se impõe a revogação do despacho recorrido também nesse segmento.
25ª- No despacho recorrido encontram-se interpretados e aplicados por forma inexata, salvo o devido respeito, os normativos citados nas precedentes conclusões, impondo-se, por isso, a respetiva revogação.
Termos em que deverá ser concedido provimento ao presente recurso, sendo revogado o despacho recorrido, em conformidade com as conclusões que antecedem.
Com o que se fará, tão-só, JUSTIÇA!”

D. apresentou as seguintes conclusões nas suas Contra-alegações de Recurso:

“I. O articulado superveniente apresentado é processualmente e materialmente admissível.
II. E, mais do que apenas admissível, é o meio adequado in casu.
III. No entanto, os Recorrentes alicerçam as suas alegações numa suposta incorreta apreciação por parte do Tribunal a quo relativamente à apreciação sobre a admissibilidade concreta da apresentação do articulado superveniente, assim como da ampliação do pedido e da perícia requerida.
IV. No entanto, não assiste qualquer razão aos Recorrentes (e tampouco a insistência em tal alegação).
V. Como resulta claro, evidente e corretamente apreciado pelo douto Tribunal a quo, à data da PI, o Autor “(...) tinha motivos para considerar que as mesmas [sequelas] poderiam ser atenuadas, tendo, por isso, peticionado a condenação dos Réus no pagamento de uma cirurgia”.
VI. “O tempo entretanto decorrido mostrou que estava enganado: não só houve qualquer evolução favorável das sequelas, como não tem agora qualquer esperança, nem indicação de que haja qualquer intervenção cirúrgica que o possa de facto ajudar, dado o tempo entretanto decorrido e a consolidação irreversível dos danos”.
VII. “O facto de ter deixado de conseguir fechar o olho direito (que esperava que com o tempo ou com a nova cirurgia pudesse ser minimizado), tem vindo, ao longo do tempo, a causar-lhe dificuldades em conseguir repousar; a causar irritação ocular; que o faça despertar com qualquer claridade e, consequentemente, a andar mais cansado e irritado;
VIII. Ora, só depois a petição inicial ter dado entrada em juízo é que o Recorrido ganhou consciência de que esta era uma condição permanente, que o iria acompanhar para o resto da sua vida — com ou sem intervenção.
IX. Conforme refere LOPES DO REGO, "factos essenciais, por sua vez, são aqueles de que depende a procedência da pretensão formulada pelo autor e da exceção ou da reconvenção deduzidas pelo réu”.
X. O desiderato do estabelecimento, pelo legislador, do mecanismo do articulado superveniente, por uma questão de economia processual, é o de centralizar os factos no mesmo processo, não fazendo sentido que, tendo existido um facto essencial correlacionado com o petitório inicial, o Autor seja onerado com a necessidade de apresentar nova petição inicial para que o mesmo seja tido em consideração.
XI. Esse mesmo facto poderá efetivamente contrariar os factos ad initio alegados, correndo o Tribunal o riscar de julgar uma causa arquitetada formalmente em factos que, à data não correspondem mais à realidade.
XII. Sobre este aspeto, NUNO ANDRADE PISSARRA refere que “Sendo supervenientes os factos essenciais, por terem ocorrido depois de terminados os prazos para apresentação dos articulados (superveniência objetiva, art. 506.º, n.º 2, 1.ª parte, do Código de Processo Civil) ou por, embora tendo ocorrido antes, terem sido conhecidos pela parte que deles se quer aproveitar apenas depois (superveniência subjetiva, art. 506.º, n.º 2, 2.ª parte, do Código de Processo Civil), podem ser alegados nos termos do art. 506.º do Código de Processo Civil. Ou seja, admite-se a sua introdução no processo mediante articulado superveniente”.
XIII. No mesmo sentido nos refere o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10/04/2014, proferido no âmbito do proc. 387/11.0TBPTL-B.G1 (ANTÓNIO SANTOS) , que considera que “Desde que tempestivamente apresentado, o articulado superveniente só poderá ser liminarmente rejeitado pelo Juiz caso a factualidade nova nele vertida, e obviamente tendo sempre em consideração as várias soluções plausíveis da questão de direito, manifestamente nenhum interesse têm para a boa decisão da causa”.
XIV. Apenas após ter dado entrada da petição inicial é que o Recorrido: deixou de conseguir fechar o olho direito, o que lhe tem vindo, ao longo do tempo, a causar dificuldades em conseguir repousar; a causar irritação ocular; fazendo-o despertar com qualquer claridade e, consequentemente, a andar mais cansado e irritado;
XV. Apenas após ter dado entrada da petição inicial é que o Recorrido ganhou consciência de que esta era uma condição permanente, que o iria acompanhar para o resto da sua vida - com ou sem intervenção;
XVI. Apenas após ter dado entrada da petição inicial é que o Recorrido teve novas despesas medicamentosas;
XVII. Apenas após ter dado entrada da petição inicial é que o Recorrido começou a experienciar um sintoma que até aí não sentia de zumbido no ouvido direito, o que lhe tem causado transtornos e diminuição da sua qualidade de vida;
XVIII. Ora, dúvidas não podem restar que estamos perante factos essenciais, supervenientes, pelo que, o articulado superveniente é o meio processualmente adequado, não podendo pois, com o devido respeito, ser rejeitado pelo douto Tribunal.
XIX. O articulado superveniente foi apresentado em prazo.
XX. Conforme nos salienta o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11/10/2016, proferido no âmbito do proc. 539/14.0TBVIS-A.C1 (ANTÓNIO DOMINGOS PIRES ROBALO), “I – O artigo 588.º, nº 1, do nCPC estatui que os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão. [negrito e sublinhado nosso]. II - Para esse efeito consideram-se supervenientes os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos para a apresentação dos articulados normais da ação, como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos, devendo, nesse caso, produzir-se prova da superveniência (n.º 2 do preceito citado). III – Estando em causa factos supervenientes que sejam constitutivos, modificativos ou extintivos dos direitos das partes, eles podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão da causa”.
XXI. Segundo o art.º 588.º, n.º 3, alínea c) CPC, constatamos que o articulado superveniente poderá ser apresentado “Na audiência final, se os factos ocorreram ou a parte deles teve conhecimento em data posterior às referidas nas alíneas anteriores”.
XXII. Pelo que, dúvidas não podem restar de que, quando muito, o Autor apresentou o seu articulado superveniente de forma antecipada, mas nunca de forma extemporânea, o que, como é bom de ver, apenas facilita o trabalho do douto Tribunal, antecipando a possibilidade de as partes poderem analisar os factos em questão, ao invés de apenas terem conhecimento dos novos factos em sede de audiência final.
XXIII. Por outro lado, quanto à ampliação do pedido, conforme nos esclarece o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 22/11/2018, proferido no âmbito do proc. 8301/17.2YIPRTB. G1 (MARIA DOS ANJOS MELO NOGUEIRA) , “I – Quando a ampliação do pedido importe a alegação de factos novos, podem estes ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão, se estes forem supervenientes segundo o conceito dado pelo n.º 2 do art.º 588º do CPCN, e forem alegados nos termos e prazos previstos no n.º 3 do mesmo preceito”.
XXIV. Ora, se dúvidas não restam quanto à admissibilidade da apresentação do articulado superveniente, dúvidas não poderão também restar quanto à possibilidade de, por via do mesmo, se proceder à ampliação do pedido.
XXV. De facto, o mecanismo do articulado superveniente não é o única via pela qual se poderá proceder a uma ampliação do pedido, no entanto, o mesmo é um dos mecanismos existentes.
XXVI. Neste âmbito, sobre a possibilidade de ampliar o pedido por via da apresentação do articulado superveniente, refere-nos no douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05/05/2016, proferido no âmbito do proc. 2028/14.4TBSTS-A.P1 que, “Tratando-se, como se trata aqui, de completar a causa de pedir, de aperfeiçoar um dos elementos essenciais dessa causa já alegado mas em relação ao qual houve desenvolvimentos com relevo para a boa decisão da causa, caso em que a causa de pedir permanece a mesma apenas havendo modificação ao nível de aspetos acessórios ou complementares da mesma, a ampliação do pedido, admitida pelo n.º 2 da norma, tem de consentir, necessariamente, a alegação dos factos jurídicos necessários para fundamentar essa ampliação, para o que o articulado a usar é o articulado superveniente”.
XXVII. Paralelamente, por dever de patrocínio se deve referir que da conduta dos Recorrentes resulta uma posição contraditória com aquela que foi manifestada imediatamente após a apresentação do articulado superveniente pelo Recorrido.
XXVIII. Analisando os requerimentos avulsos apresentados pelos ora Recorrentes, verificamos que chega a ser assumido de forma expressa nos artigos 8.º e 9.º do requerimento do Recorrente Centro Hospitalar (...): “Se o pretende ampliar em termos quantitativos, aumentando em 25.000€ o pedido referente aos danos não patrimoniais, sendo a aplicação desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, também tal decorre do citado normativo”, considerando ainda, no artigo 9º que “Essas alterações são-lhe lícitas e admissíveis”.
XXIX. Pelo que, com o devido respeito, não se entende a conduta contraditória aqui exposta, que roça mesmo uma conduta em venire contra factum proprium.
XXX. No que respeita à perícia, considera o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 20/10/2016, proferido no âmbito do proc. 26/13.4STC-C.E1: “Assim, se o juiz autorizar a ampliação do objeto do processo, através da admissão de um articulado superveniente, caso inexista um carácter abusivo do requerimento em que se requesta a produção de prova e sempre que estiver em causa a apreciação de factos que demandem conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, nomeadamente no contexto da medicina, as partes podem requerer que a instrução da causa relativamente aos novos factos possa ser realizada através de perícia” (…) “Tendo sido apresentada uma ampliação do pedido com base em factos supervenientes, os novos danos alegados podem ser objeto de prova pericial, mesmo que nos autos já outra tenha sido realizada”.
XXXI. Neste âmbito, resulta inclusive da praxis forense que, ainda que o Recorrido não tivesse tomado tal iniciativa de motu próprio, sempre poderia ser convidado a fazê-lo oficiosamente pelo tribunal, como tem vindo a ocorrer em situações análogas, por razões de gestão processual.
XXXII. Assim, é falso o alegado pelos Recorrentes, quando afirmam: “Vê-se que a apresentação do «articulado superveniente» teve como única finalidade possibilitar o requerimento da Perícia que o Autor antes não formulara e que agora (e só agora) se «lembrou» de apresentar, diligência probatória esta que o Autor poderia ter requerido, se assim tivesse entendido, em dois momentos distintos: - a final da sua petição inicial (CPC, art. 552° no 6); ou - na Audiência Prévia (art. 598°). O que não fez!”.
XXXIII. Contrariamente ao referido, estamos perante factos novos, constituídos após a entrada da petição inicial e após a audiência prévia, pelo que, a não ser que tivesse o dom da omnisciência, nunca poderia o Recorrido ter requerido a perícia, nos termos em que agora o fez.
XXXIV. O Recorrente tem experienciado novos sintomas; o passar do tempo desde a entrada da ação, (desde a data de entrada da ação e até ao presente, decorreram mais de 6 anos!) tem criado novos sintomas e novas queixas, que à data da propositura da ação não se faziam sentir e, por isso, não podiam ter sido alegados; para além das demais despesas que apenas com o decorrer do tempo foram sendo realizadas.
XXXV. Em suma, reitera-se: o Recorrente apenas pretende ver ser feita Justiça no caso concreto; Não se encontra a litigar sem sustentação legal/factual, mas sim apenas com vista a ver reparados os danos por si experienciados; A ação deu entrada a 19/09/2014, ou seja, há mais de 6 anos!
Pelo que, uma vez mais se questiona: para quê sujeitar o Autor e a Sentença a tamanha demora, quando tudo poderá ficar definitivamente decidido na sentença que vier a ser proferida?
XXXVI. Sendo de facto a perícia essencial para a boa decisão da causa e inevitável, dado estar em causa a apreciação de factos que demandem conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, se a mesma foi requerida legitimamente quanto a factos supervenientes e se tais factos são por vezes indissociáveis dos factos originariamente alegados, não se entende o porquê de tanta oposição à sua realização quando, ainda para mais, até o douto Tribunal terá o poder-dever de ordenar oficiosamente a sua realização, ao abrigo dos princípios da agilização processual e justa composição do litígio, conforme disposto no art. 6.º do CPC, aplicável ex vi art.º 1.º CPTA e ainda art.º 7.º-A do CPTA.
XXXVII. Nestes termos, e nos mais de direito, entende o Recorrido que o recurso está forçosamente votado ao insucesso, motivo pelo qual deverá ser julgado totalmente improcedente, só assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA!”

O Recurso foi admitido por Despacho de 16 de Dezembro de 2020.

O Ministério Público junto deste TCAN, notificado em 2 de julho de 2021, nada veio dizer, requerer ou Promover.

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar

Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, mormente verificando se se mostrarão preenchidos os pressupostos justificativos da admissão do articulado superveniente, bem como da ampliação do pedido e da realização da requerida Perícia, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto

No que aqui releva, consta do Despacho Recorrido:
“(…) O Autor veio apresentar articulado superveniente e ampliar o pedido.
Alegou, para tanto, que:
- à data da interposição da ação alegou factualidade que então conhecia, designadamente quanto aos factos respeitantes à cirurgia e às suas consequências;
- que já nessa altura tinha conhecimento que as sequelas de que padecia eram permanentes e que não podiam ser revertidas, mas que tinha motivos para considerar que as mesmas poderiam ser atenuadas, tendo, por isso, peticionado a condenação dos Réus no pagamento de uma cirurgia (que lhe teria sido dado como uma possibilidade, tal como já havia alegado em sede de petição inicial e de cujo pedido não desiste, conforme resulta da resposta junta a fls. 807);
- que o tempo entretanto decorrido mostrou que estava enganado: não só houve qualquer evolução favorável das sequelas, como não tem agora qualquer esperança, nem indicação de que haja qualquer intervenção cirúrgica que o possa de facto ajudar, dado o tempo entretanto decorrido e a consolidação irreversível dos danos;
- que estas circunstâncias, por si só, concedem-lhe o direito de requerer a ampliação do pedido inicialmente formulado;
- que, contudo, os autos não possuem elementos suficientes que lhe permitam quantificar um valor de indemnização pelos danos corporais ou dano biológico sofrido;
- que, existe uma perícia que versa sobre o cumprimento ou incumprimento das legis artis na execução da cirurgia, mas não existe até ao momento qualquer avaliação médico-legal que permita perceber qual o grau das sequelas sofridas, elemento que é essencial;
- que, por isso, não dispõe o Autor, nem o Tribunal, de elementos para poder quantificar a ampliação do valor indemnizatório que se mostre adequado;
- que, por isso, requer a realização de uma perícia médico-legal para avaliação tanto desta questão como as demais que infra suscitará e relega a quantificação da ampliação do pedido pelos danos corporais/biológicos sofridos, para momento ulterior, após a realização da referida perícia;
- que, quanto aos danos não patrimoniais, está em condições de requerer a sua liquidação (por natureza provisória) e ampliação;
- que o facto de ter deixado de conseguir fechar o olho direito (que esperava que com o tempo ou com a nova cirurgia pudesse ser minimizado), tem vindo, ao longo do tempo, a causar-lhe dificuldades em conseguir repousar; a causar irritação ocular; que o faça despertar com qualquer claridade e, consequentemente, a andar mais cansado e irritado;
- que só depois da petição inicial ter dado entrada em juízo é que ganhou consciência de que esta era uma condição permanente, que o iria acompanhar para o resto da sua vida – com ou sem intervenção;
- que esta incapacidade permanente terá que ser avaliada e graduada em termos médico-legais, pelo que releva a sua liquidação para momento em que o resultado da perícia lho permita fazer;
- que também ficou a padecer de “visão desfocada”, pelo que pretende obter a condenação dos Réus (juntou, nesta parte, um documento consubstanciado num relatório médico datado de 25.06.2019):
- que tem tido ainda despesas medicamentosas (mais concretamente, com gotas dada a impossibilidade em realizar oclusão do seu olho direito), no valor de €720, bem como a pagar anualmente a quantia de €480 enquanto esta necessidade se mantiver;
- que desde que regressou ao trabalho, tem começado a experienciar um sintoma que até aí não sentia de zumbido no ouvido direito, o que lhe tem causado transtornos e diminuição da sua qualidade de vida;
- que não tem evidencia que este facto tenha a ver com a intervenção cirúrgica que integra a causa de pedir mas a verdade é que antes da operação nunca tinha sentido nada semelhante;
- que esta condição não o impede de prestar o seu trabalho normal habitual mas implica esforços redobrados da sua parte para o poder fazer;
- que esta incapacidade, vindo a ser comprovada, deverá ser avaliada no quadro global de dano biológico do Autor;
- que pelos motivos que concretiza em 76.º a 100.º, qualquer compensação a este título não pode ser inferior a €40.000, assim ampliando, nesta parte, o pedido em €25.000.
Conclui, peticionando:
- pelo dano corporal sofrido, após a produção de prova perícia requerida, o valor que vier a ser liquidado em sede de ampliação do pedido ou em execução de sentença;
- pela globalidade dos danos não patrimoniais, a quantia de €40.000;
- pelos danos patrimoniais sofridos, a quantia de €720 acrescida das despesas medicamentosas à razão de €480 por ano enquanto essa necessidade se mantiver;
- todas as despesas com o tratamento médico relativo à visão desfocada.
O có-Réu, A., notificado deste articulado, veio responder, alegando, em súmula, o seguinte:
- que o Autor apenas pretende colmatar omissões da sua petição inicial, quer do requerimento probatório;
- que apenas agora veio requerer a realização de uma perícia, quando nunca o fez até aqui;
- que a quase totalidade do articulado versa sobre matéria que alegou na petição inicial e que consta dos temas de prova;
- que apenas o alegado em 9.º a 11.º, se pode considerar matéria superveniente;
- que é o próprio Autor que admite que não existe qualquer avaliação médico-legal que permita perceber o grau das sequelas sofridas e que, por isso, não dispõe de elementos para quantificar a ampliação do pedido indemnizatório;
- que a avaliação da sequelas futuras sempre teria sido possível em sede de perícia, se esta tivesse sido requerida, o que o Autor não fez;
- que o artigo 86.º, não abrange os factos instrumentais, mas apenas os factos essenciais, uma vez que os factos instrumentais não carecem de ser incluídos nos temas da prova;
- que os factos agora alegados não são essenciais ou estruturais, pelo que, reportando-se os indicados factos de 9.º a 11.º a factos instrumentais, tanto o articulado superveniente como a perícia requerida são inadmissíveis.
Por sua vez o co-Réu Centro Hospitalar, veio responder, alegando:
- que impugnava a superveniência com que o Autor tenta justificar o articulado que apresentou;
- que não apresenta nenhum facto objetivo superveniente, muito menos, facto estruturante ou essencial;
- que ele próprio na sua petição inicial invocou a irreversibilidade do seu estado;
- que se pretende reduzir o pedido, no que respeita à intervenção cirúrgica, pode sempre fazê-lo;
- que se pretende ampliá-lo em termos quantitativos, aumentando em €25.000, os danos não patrimoniais, também pode fazê-lo;
- que se o Autor não dispõe de elementos que lhe permitam quantificar um valor indemnizatório por danos corporais ou pelo dano biológico é tão-somente porque não requereu oportunamente – nem na petição inicial, nem na audiência prévia, a avaliação médico-legal através da competente perícia.
A Interveniente A., também respondeu, alegando:
- que a perícia requerida é manifestamente intempestiva, destinando-se a comprovar os factos já alegados na petição inicial;
- que não se verifica qualquer superveniência de factos;
- que a ampliação do pedido também carece de fundamento, pois é consubstanciado em alegados factos, patrimoniais e não patrimoniais que o Autor já conhecia quando intentou a presente ação. Cumpre, por isso, decidir.
Dispõe o n.º 1 e 2 do artigo 86.º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, na redação aplicável, sob a epígrafe “Articulados supervenientes”, o seguinte:
“1 - Os factos constitutivos, modificativos ou extintivos supervenientes podem ser deduzidos em novo articulado, pela parte a que aproveitem, até à fase das alegações.
2 - Consideram-se supervenientes tanto os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos estabelecidos nos artigos precedentes como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos, devendo, neste caso, produzir-se prova da superveniência.”
Ainda com relevância para a decisão, deve ter-se em consideração o artigo 569.º, do Código Civil.
Assim, lê-se aí que: “Quem exigir a indemnização não necessita de indicar a importância exata em que avalia os danos, nem o facto de ter pedido determinado quantitativo o impede, no decurso da ação, de reclamar quantia mais elevada, se o processo vier a revelar danos superiores aos que foram inicialmente previstos.”
Ora, o Autor veio alegar, seja para sustentar o seu pedido de ampliação do pedido, seja para sustentar o pedido de realização da perícia, factos que se reportam a danos que entende estar a sofrer em consequência da cirurgia a que se reporta na sua petição inicial (nomeadamente, impossibilidade de conseguir realizar a oclusão do olho; visão desfocada, gastos de medicamentos e zumbidos no ouvido direito).
Assim, tendo o Autor, desde logo, na sua petição inicial alegado (no artigo 27.º) a irreversibilidade dos danos sofridos, reportando-se, assim, a “profundas sequelas físicas, sociais, morais e psicológicas”, os factos agora alegados concretizam os danos que desde logo imputou ao facto ilícito, pelo que, complementam a causa de pedir inicialmente apresentada.
Com efeito, um dos temas de prova que foram fixados em sede de audiência prévia, foi precisamente o seguinte: “quais os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo Autor, em consequência da alegada conduta dos Réus (nomeadamente, por referência à situação pessoal, profissional, social, familiar e financeira, antes e depois da cirurgia).”
Por isso, permitindo o artigo 569.º do Código Civil que o Autor venha ampliar o seu pedido inicial se se vierem a revelar danos superiores aos inicialmente previstos, é de admitir a alegação destes factos, para este efeito, sem que seja necessário ao Autor provar a sua superveniência subjetiva.
No entanto, se dúvidas não restam de que ao Autor assistia a faculdade de apresentar este articulado superveniente e, consequentemente, com fundamento nos factos supervenientes que vêm agora alegados, ampliar o seu pedido, a questão que se coloca é se pode ser admitida, nesta fase, a realização de uma perícia, que não foi requerida antes, seja com a petição inicial, seja em sede de audiência prévia (e aqui já depois de fixados os temas de prova). Entendemos que sim.
Com efeito, o Autor fundamenta a necessidade desta perícia na ampliação do pedido que vem formulado, mas concretamente, no que respeita ao pedido de condenação dos Réus pelo indicado dano corporal sofrido e, assim, na necessidade de quantificar este mesmo dano biológico. Pelo exposto:
- admito o articulado apresentado no que respeita à factualidade superveniente ali alegada nos artigos 9.º a 49.º; 52.º a 74.º e 78.º a 94.º e, consequentemente, a ampliação do pedido formulado pelo Autor;
- defiro o pedido de realização da perícia-médico legal;”

IV – Do Direito

Refira-se desde já que se acompanha o entendimento adotado em 1ª instância, importando essencialmente assegurar que seja feita Justiça no caso concreto, no respeito pelo direito aplicável.

Em qualquer caso, importa analisar e decidir o suscitado.

Do Articulado superveniente/ampliação do pedido

Os Recorrentes assentam o seu recurso numa suposta inadmissibilidade de apresentação de articulado superveniente, através do qual foi requerida, a ampliação do pedido e a realização de uma perícia.

Como se sumariou no Acórdão do STA nº 068/13.0BELRA-S1, de 31-10-2019, “A ampliação do pedido nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 265.º do CPC só é possível na medida em que essa ampliação possa ser configurada como o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.”

Igualmente se sumariou no Acórdão deste TCAN nº 81/14.0BEAVR-S1, de 23-11-2018, que “Os factos constitutivos, modificativos ou extintivos supervenientes podem ser deduzidos em novo articulado, pela parte a que aproveitem, até à fase das alegações.
Em qualquer caso, consideram-se supervenientes tanto os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos estabelecidos, como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem os prazos aplicáveis, devendo, neste caso, produzir-se prova da superveniência.”

Efetivamente, refere-se no n.º 2 do artigo 265.º do CPC, que “O autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo”.

Como facilmente se constata, o disposto no n.º 2 do artigo 265.º do CPC constitui um desvio ao princípio da estabilidade da instância (art. 260.º do CPC).

A sua razão de ser tem a ver com o princípio da economia processual; in casu, no que respeita à fixação de uma indemnização, pretende-se que o autor da ação beneficie de uma indemnização que contemple todos os danos sofridos em virtude de determinados factos ilícitos sem necessidade de intentar várias ações judiciais para o efeito. Todavia, da leitura do dispositivo em apreço pode extrair-se que não é qualquer ampliação de pedido que pode ser aceite pelo julgador.

Em primeiro lugar, a ampliação do pedido terá de ser deduzida “até ao encerramento da discussão em 1.ª instância”.

Em segundo lugar, o autor pode deduzir a ampliação do pedido “se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo”. Várias têm sido as fórmulas utilizadas pela doutrina para preencher este conceito: é necessário que o autor se mova ainda dentro da mesma causa de pedir; tal só sucede quando o autor não muda a causa de pedir; a ampliação tem de estar contida potencialmente no pedido inicial.

Em concreto, não se vislumbra que o Autor tenha deixado de preencher qualquer dos referidos pressupostos ao ter apresentado o controvertido articulado superveniente.

No entanto, afirmam os Recorrentes que “(…) na verdade, o Autor não veio alegar novos factos essenciais que designadamente pudessem legitimar uma alteração da causa de pedir; se, como afirma o despacho recorrido, esses factos novos a «complementam» (à causa de pedir), então tratam-se de factos instrumentais ou, precisamente, complementares, que, como tal, não servem para legitimar um articulado superveniente.”.

Em qualquer caso, como se disse já, não se reconhece que assim seja,

Como se refere no Despacho Recorrido, o Autor “(...) tinha motivos para considerar que as mesmas [sequelas] poderiam ser atenuadas, tendo, por isso, peticionado a condenação dos Réus no pagamento de uma cirurgia (que lhe teria sido dado como uma possibilidade, tal como já havia alegado em sede de petição inicial e de cujo pedido não desiste, conforme resulta da resposta junta a fls. 807); - que o tempo entretanto decorrido mostrou que estava enganado: não só houve qualquer evolução favorável das sequelas, como não tem agora qualquer esperança, nem indicação de que haja qualquer intervenção cirúrgica que o possa de facto ajudar, dado o tempo entretanto decorrido e a consolidação irreversível dos danos”.

Mais se refere no Despacho recorrido:
“- que o facto de ter deixado de conseguir fechar o olho direito (que esperava que com o tempo ou com a nova cirurgia pudesse ser minimizado), tem vindo, ao longo do tempo, a causar-lhe dificuldades em conseguir repousar; a causar irritação ocular; que o faça despertar com qualquer claridade e, consequentemente, a andar mais cansado e irritado;
- que só depois da petição inicial ter dado entrada em juízo é que ganhou consciência de que esta era uma condição permanente, que o iria acompanhar para o resto da sua vida - com ou sem intervenção”.

Como distingue Lopes do Rego (Comentário ao CPC, p. 201), "factos instrumentais definem-se, por contraposição aos factos essenciais, como sendo aqueles que nada têm a ver com substanciação da ação e da defesa e, por isso mesmo, não carecem de ser incluídos na base instrutória, podendo ser livremente investigados pelo juiz no âmbito dos seus poderes inquisitórios de descoberta da verdade material", enquanto que "factos essenciais, por sua vez, são aqueles de que depende a procedência da pretensão formulada pelo autor e da exceção ou da reconvenção deduzidas pelo réu"

O objetivo estabelecido pelo legislador quanto ao mecanismo do articulado superveniente, é precisamente o de centralizar os factos no mesmo processo, não fazendo pois sentido que, existindo um facto essencial correlacionado com o petitório inicial, o Autor seja onerado com a necessidade de apresentar nova petição inicial para que o mesmo seja tido em consideração.

Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10/04/2014, proferido no proc.º nº 387/11.0TBPTL-B.G1:

“I- O articulado superveniente, tendo por desiderato permitir que a sentença venha a corresponder à situação existente no momento do encerramento da discussão, serve tão só para carrear para os autos os factos essenciais a que alude o artº 5º, nº1, do CPC
II - Desde que tempestivamente apresentado, o articulado superveniente só poderá ser liminarmente rejeitado pelo Juiz caso a factualidade nova nele vertida, e obviamente tendo sempre em consideração as várias soluções plausíveis da questão de direito, manifestamente nenhum interesse têm para a boa decisão da causa
III - No âmbito do articulado superveniente, e desde que respeitadas as observações referidas em I e II, nada obsta à alteração simultânea do pedido e da causa de pedir, apenas sendo de exigir que o objeto da ação mantenha ainda assim algum nexo com o pedido inicial e com a originária causa petendi”.

Assim, não pode deixar de se acompanhar o discorrido em 1ª instância, quando se afirma que “o Autor veio alegar, seja para sustentar o seu pedido de ampliação do pedido, seja para sustentar o pedido de realização da perícia, factos que se reportam a danos que entende estar a sofrer em consequência da cirurgia a que se reporta na sua petição inicial (nomeadamente, impossibilidade de conseguir realizar a oclusão do olho; visão desfocada, gastos de medicamentos e zumbidos no ouvido direito)”, concluindo que “(…) dúvidas não restam de que ao Autor assistia a faculdade de apresentar este articulado superveniente e, consequentemente, com fundamento nos factos supervenientes que vêm agora alegados, ampliar o seu pedido”.

Efetivamente, há um conjunto de factos e circunstâncias, descritos no articulado superveniente, potencialmente relevantes, que o Recorrente só conheceu ou tomou consciência após a apresentação da petição inicial.

Também se não reconhece como válida a afirmação de acordo com a qual, o articulado superveniente teria sido apresentado fora de prazo.

Como sumariado, no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11/10/2016, proferido no proc.º nº 539/14.0TBVIS-A.C1:

“I – O artigo 588.º, nº 1, do nCPC estatui que os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão.
II - Para esse efeito consideram-se supervenientes os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos para a apresentação dos articulados normais da ação, como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos, devendo, nesse caso, produzir-se prova da superveniência (n.º 2 do preceito citado).
III - Estando em causa factos supervenientes que sejam constitutivos, modificativos ou extintivos dos direitos das partes, eles podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão da causa”.

Efetivamente o controvertido articulado mostra-se tempestivo, atenta até a letra do nº 3 do Art.º 588.º do CPC que afirma que o mesmo poderá ser apresentado “Na audiência final, se os factos ocorreram ou a parte deles teve conhecimento em data posterior às referidas nas alíneas anteriores”.

Já no que respeita à ampliação do pedido, então efetivada pela referida via, sumariou-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 22/11/2018, proferido no Proc.º nº 8301/17.2YIPRT-B.G1, no que aqui releva, o seguinte:

“Quando a ampliação do pedido importe a alegação de factos novos, podem estes ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão, se estes forem supervenientes segundo o conceito dado pelo n.º 2 do art.º 588º do CPCN, e forem alegados nos termos e prazos previstos no n.º 3 do mesmo preceito”.

Assente que está a admissibilidade da apresentação do articulado superveniente, do mesmo modo se terá de reconhecer a possibilidade de, por essa via, se proceder à ampliação do pedido.

Nesse sentido, afirmou-se no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05/05/2016, proferido no Proc.º nº 2028/14.4TBSTS-A.P1, que:

“Tratando-se, como se trata aqui, de completar a causa de pedir, de aperfeiçoar um dos elementos essenciais dessa causa já alegado mas em relação ao qual houve desenvolvimentos com relevo para a boa decisão da causa, caso em que a causa de pedir permanece a mesma apenas havendo modificação ao nível de aspetos acessórios ou complementares da mesma, a ampliação do pedido, admitida pelo n.º 2 da norma, tem de consentir, necessariamente, a alegação dos factos jurídicos necessários para fundamentar essa ampliação, para o que o articulado a usar é o articulado superveniente”

Da perícia
Alegam os Recorrentes que o Recorrido se encontra impossibilitado de requerer nova perícia.

Como sumariado no acórdão deste TCAN nº 34/16.3BEBRG-S1, de 13.11.2020, “O objeto da prova pericial consiste na perceção ou averiguação de factos que reclamam conhecimentos especiais que o julgador em princípio não domina [porquanto, pese embora as questões de facto estarem assentes em pressupostos que estão sujeitos à livre apreciação do julgador, já o juízo científico que encerra o parecer pericial, só deve ser suscetível de uma crítica material e igualmente científica], sendo por isso que a prova pericial tem um significado probatório diferente do de outros meios de prova, designadamente, da prova documental, suportada em parecer técnico.”

Como igualmente se sumariou relevantemente para a resolução da questão aqui controvertida, no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 20/10/2016, proferido no Proc.º nº 26/13.4STC-C.E1 “(…) se o juiz autorizar a ampliação do objeto do processo, através da admissão de um articulado superveniente, caso inexista um carácter abusivo do requerimento em que se requesta a produção de prova e sempre que estiver em causa a apreciação de factos que demandem conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, nomeadamente no contexto da medicina, as partes podem requerer que a instrução da causa relativamente aos novos factos possa ser realizada através de perícia”, concluindo ainda que “Tendo sido apresentada uma ampliação do pedido com base em factos supervenientes, os novos danos alegados podem ser objeto de prova pericial, mesmo que nos autos já outra tenha sido realizada”.

Em concreto, estando em causa atos médicos que poderão ter causado danos irreversíveis ao Autor, mostra-se legitima a intervenção de uma Perícia por forma a aferir da gravidade e irreversibilidade dos danos entretanto evidenciados, por forma a que uma eventual futura indemnização possa refletir a realidade dos factos.

Em conclusão, por se entender que a perícia requerida se afigura pertinente, não dilatória e não ser desnecessária para a descoberta da verdade material e à boa e justa composição do litígio, entende-se, também neste aspeto, ser de manter o despacho Recorrido.
* * *

Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso, mantendo-se o Despacho recorrido nos seus precisos termos.
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Custas pelos Recorrentes
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Porto, 15 de julho de 2021

Frederico de Frias Macedo Branco
Nuno Coutinho
Paulo Ferreira de Magalhães