Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00730/09.1BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/30/2015
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Ana Paula Santos
Descritores:NULIDADE DA SENTENÇA POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
ANÁLISE CRITICA DA PROVA
Sumário:I-A nulidade da sentença, por falta de fundamentação de facto ou de direito, (art. 125º do CPPT e al. b) do n° 1 do art. 615° do CPC), só abrange a falta absoluta de motivação da própria decisão e não já a falta de justificação dos respectivos fundamentos.
II – Sendo a exigência de fundamentação justificada pela necessidade de permitir que as partes conheçam as razões em que se apoiou o veredicto do tribunal a fim de as poderem impugnar e para que o tribunal superior exerça sobre elas a censura que se impuser só a falta absoluta de motivação é causa de nulidade de acórdão*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública e Ministério Público
Recorrido 1:B..., S.A.
Decisão:Concedido provimento ao recurso do M.P.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO

O Ministério Público e a Fazenda Pública vieram interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, que julgou procedente a presente impugnação judicial, deduzida por “B..., Sociedade de Construções, SA” contra a liquidação de IRC e juros compensatórios relativos ao exercício de 2006, no montante global de €23.464,91.

O Recorrente Ministério Público terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:


1 - A sentença recorrida especificou os factos que considerou provados, mas omitiu a indicação dos factos não provados com interesse para a decisão da causa
2 - A sentença impugnada não especificou, como factos provados ou não provados, os factos alegados pela sociedade impugnante na petição inicial
3 - Esses factos constam da fundamentação de direito da sentença mas, em boa verdade, deveriam ter constado da sua fundamentação de facto, como factos provados ou como factos não provados
4 - A sentença não especificou como factos provados ou não provados, os factos constantes da sua fundamentação de direito, já assinalados, designadamente:
- os factos constantes do 7.° a 9.° parágrafos de fls. 13 da sentença
- todos os factos relacionados com a utilização encapotada de métodos indirectos de avaliação da matéria tributável - fls. 14 a 18
- não consta que tenham ficado provados os factos constantes do 9.° e 10.º parágrafos de fls. 19
- também ficaram por provar os factos constantes do parágrafo 4.° de fls. 20
5 - A sentença impugnada omitiu ainda a fundamentação da decisão da matéria de facto e não fez o exame crítico das provas que serviram para formar a sua convicção
6 - A sentença recorrida é nula nos termos dos artigos 123.° n.° 2 e 125.° n.° 1 do CPPT e do art.° 668.° nº 1 alínea b) do CPC
7 - A matéria de facto provada devia ter conduzido à improcedência da impugnação judicial
8 - Na verdade, ficou provado que a sociedade impugnante contabilizou indevidamente custos em 2006 no valor de 103.199,93 €,
9 - Trata-se de custos (gastos) que não eram fiscalmente dedutíveis porque não eram indispensáveis para a realização dos proveitos (rendimentos) ou para a manutenção da fonte produtora
10 - A impugnante reconheceu e declarou aceitar as conclusões do relatório da inspecção tributária
11 - Procedeu-se assim devidamente à liquidação do IRC relativo ao exercício de 2006
12 - Existe ainda uma oposição dos factos provados, com a decisão que foi tomada já que aqueles apontavam para a improcedência da impugnação judicial e aquela seguiu caminho diverso
13 - A sentença recorrida é nula nos termos dos artigos 125.° nº 1 do CPPT e do art.° 668.° n.° 1 alínea c) do CPC
14 - Deve como tal ser anulada nos termos citados e dos previstos no art.° 712.° n.° 4 do CPC para que se proceda depois a uma ampliação da matéria de facto
15 - Deve pois ser dado provimento ao Recurso fazendo-se dessa forma a habitual JUSTIÇA

A Recorrente Fazenda Pública terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:


A. A douta sentença sob recurso julgou procedente no seu todo a presente impugnação, por haver entendido que não se verificaram os pressupostos que legitimam as correcções meramente aritméticas da matéria colectável, sujeita a IRC em 2006, da Impugnante, efectuadas pela Administração Tributária, de acordo com o relatório de inspecção constante do PA que foi junto aos autos;

B. Considerou ter existido errónea qualificação dos factos tributários, utilização encapotada de métodos indirectos, preterição de formalidades essenciais, erro na forma de determinação da matéria tributável e falta de fundamentação legalmente exigida.

C. A Fazenda Pública não se conforma com a douta decisão recorrida, por considerar que a mesma incorreu em erro de facto e de direito, porquanto não teve em devida conta a informação constante dos autos;

D. Propugna a sentença recorrida o entendimento de que determinadas verbas, desconsideradas como custos pela Inspecção Tributária, deveriam ter sido enquadradas como rendimentos dos administradores inseridos na categoria A do IRS e, como tal, constituindo custo fiscal na esfera da Impugnante, para efeitos de IRC.

E. Os presentes autos dizem respeito à liquidação de IRC, relativa ao exercício de 2004, referente à sociedade B... — Sociedade de Construções, SA, aqui impugnante, pelo que o que aqui está em causa é simplesmente a desconsideração de despesas.

F. Despesas que, por consistirem em custos não indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto, ou para a manutenção da fonte produtora, não se incluem nos custos ou perdas previstos no art.° 23.° do Código do IRC (CIRC), e, portanto, não sendo fiscalmente dedutíveis aos proveitos na determinação do lucro tributável, deverão ser acrescidos à matéria colectável.

G. Tal nada tem a ver com a sua tributação em sede de IRS na esfera dos administradores em questão.

H. Estas duas realidades, assim consideradas, não têm, portanto, a comunicabilidade que lhes pretende atribuir a sentença recorrida.

I. Isto porque, perante determinadas despesas assumidas por uma empresa, facilmente constatamos que as mesmas, por um lado, podem constituir rendimentos sujeitos a IRS, porque assumidas em favor de uma ou mais pessoas singulares – no caso, os administradores - a enquadrar na respectiva categoria de rendimentos de acordo com as previsões legais plasmadas no Código do IRS, e, por outro lado, serem custos não indispensáveis à realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, não sendo fiscalmente dedutíveis aos proveitos na determinação do lucro tributável.

J. Os serviços de inspecção tributária, na análise levada a cabo à contabilidade da sociedade, constataram que foram registados custos cujos documentos de suporte apenas referenciavam “fornecimentos de passagens aéreas” e “serviços de viagens”.

K. Através da informação prestada pelas agências de viagens que prestaram os serviços, concluiu-se tratar-se de viagens de lazer, uma vez que foram realizadas pelos titulares de capital da sociedade, acompanhados por suas famílias, e para destinos onde não é possível encontrar um ponto de ligação com a actividade da empresa.

L. Quanto aos custos de fornecimento de electricidade e de telecomunicações, cumpre referir que, de acordo com o estipulado no artigo 23.° do CIRC, os custos ou perdas que, para efeitos de IRC, são considerados componentes negativas do resultado líquido do exercício, são aqueles que, devidamente comprovados, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto e para a manutenção da respectiva fonte produtora.

M. Exige-se, assim, a comprovação do nexo de indispensabilidade entre as componentes negativas e positivas do rendimento, o que a impugnante, relativamente às facturas em causa, manifestamente não logrou fazer.

N. A noção legal de indispensabilidade reprime, pois, os actos que não se relacionem com o interesse do ente que os contrai, mediante a preclusão da dedutibilidade fiscal dos respectivos custos.

O. Quanto às alegadas utilização encapotada de métodos indirectos, preterição de formalidades essenciais, e erro na forma de determinação da matéria tributável, considerou a sentença recorrida que as correcções efectuadas pela Administração Tributária não são propriamente correcções técnicas, mas meras presunções da existência de factos tributários e dos correspondentes rendimentos, a partir de indícios e elementos ao seu dispor, pelo que a AT teria procedido à determinação do rendimento tributável da Impugnante através de verdadeira avaliação indirecta da matéria tributável.

P. Ora, assim não se entende, pois o que os Serviços de Inspecção Tributária fizeram foi proceder à mera análise de documentos, e, do conspecto dos dados aí explanados, apenas extrairam meras constatações, ilações, e não presunções.

Q. Bastou efectuar uma análise simples aos documentos para se concluir pela necessidade das correcções indicadas no relatório de inspecção tributária.

R. Presunções são deduções que se tiram de factos conhecidos para estabelecer ou firmar um facto desconhecido, e não resulta do procedimento inspectivo que houvesse a necessidade de firmar um facto desconhecido, uma vez que,

S. a determinação da matéria tributável real era exequível a partir dos valores reunidos pelos SIT, transcritos nos anexos ao RIT, e notificados ao impugnante, ou seja, era possível apurar o valor real efectivo dos rendimentos sujeitos a tributação, pelo que, a AT procedeu a meras correcções técnicas ou aritméticas ao rendimento ora declarado pelo impugnante.

T. A lei estabelece que, mesmo no caso de ocorrerem irregularidades ou inexactidões na contabilidade, o recurso aos métodos indirectos só pode verificar-se quando não seja de todo possível a comprovação e quantificação directa dos elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável (cfr. art. 87º da LGT e art. 16º, nº 4 e 52º a 57º do CIRC).

U. Isto porque, a tributação deve incidir sobre a matéria tributável real, e, assim, a avaliação indirecta, porque envolve a apreciação de elementos de ordem subjectiva e, por isso, menos exactos, constitui meio subsidiário de determinação da matéria tributável, que só pode ser utilizada nos casos e condições previstos na lei.

V. A AT actua no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, de acordo com o disposto no art. 266º nº 2 da CRP, não gozando, portanto, de qualquer margem de discricionariedade relativamente à opção do método (directo ou indirecto) de avaliação da matéria tributável.

W. No caso concreto, pela motivação factual referenciada no relatório, justificava-se o recurso às indicadas correcções técnicas, pois, não foram afirmados nem se vislumbram motivos para afastar a quantificação que foi efectuada e que, como assente, correspondem aos valores inscritos nos documentos existentes e apreendidos na impugnante.

X. Os valores encontrados, denunciados pela documentação apreendida, tornaram necessária a correcção efectuada, directa, e, consequentemente, naquele montante, e não em qualquer outro aleatoriamente determinado.

Y. Partindo dos dados recolhidos na própria empresa, os serviços de inspecção constataram a existência de transacções omitidas na contabilidade, consubstanciando ocultação de proveitos, facto revelador de que a contabilidade não traduz a verdade material sobre a situação tributária da sociedade.

Z. Contudo, entenderam ser possível, comprovar e quantificar, de forma directa e exacta, os elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável, tendo como horizonte a avaliação directa.

AA. Relativamente ao caso em concreto sob apreciação, explicita fundamentadamente o relatório de inspecção que, no decurso do procedimento inspectivo, concluiu-se, no âmbito da actividade de prestação de serviços de construção civil, terem sido executados trabalhos à empresa B... não reconhecidos contabilisticamente, logo, com inerente omissão no apuramento do resultado fiscal.

BB. De facto, detectaram-se documentos elucidativos de trabalhos extra em imóveis comercializados pela empresa B..., designadamente, respeitantes a fracções do prédio correspondentes ao Lote 4 do empreendimento “P…”, situado na freguesia de Paranhos, concelho do Porto, identificado na respectiva matriz urbana predial sob o artigo 1….

CC. Nos aludidos documentos, emitidos pela B..., discriminam-se os trabalhos extra realizados, o valor dos mesmos e o valor do respectivo IVA. No entanto, não se verificou o reconhecimento contabilístico do proveito, com a consequente omissão no apuramento da matéria colectável de IRC e na liquidação de IVA.

DD. Os serviços foram efectuados no exercício de 2006, conforme verificável nos documentos e nos mapas resumo elaborados pela empresa

EE. Propõe-se assim, para o exercício de 2006, e em sede de IRC, uma correcção à matéria colectável, traduzida em acréscimo ao total de proveitos, no montante de € 34.297,00. Propõe-se também uma liquidação adicional de IVA, que adiante se fundamentará, sobre o mesmo valor, consubstanciado em proveitos omitidos, no montante de € 7.202,37, imputável ao último período de tributação do exercício de 2006, no caso 0612.

FF. De acordo com o preceituado legalmente, sempre que a administração fiscal esteja perante uma situação contabilística que se traduza numa escrita com inexactidões, irregularidades e/ou omissões, tem ainda de demonstrar a impossibilidade do seu apuramento directo, e só assim se encontrará legalmente justificado o recurso a métodos indirectos.

GG. No caso em apreço, atendendo a que a própria impugnante reconhece a execução dos serviços de construção civil em causa, não se compreende uma decisão contra a consideração da existência de proveitos, aliás, no montante dos custos suportados, por esse motivo em si mesma favorável à impugnante.

HH. Na realidade, não se tendo contestado a execução das prestações de serviços mencionadas, limitou-se a administração fiscal a aceitar os dados existentes na própria empresa, acrescendo à matéria colectável de IRC do exercício de 2006, o montante de € 34.297,00.

II. Resulta, por tudo, não existir qualquer vício de violação da lei, e, consequentemente, qualquer vício de forma, por preterição de formalidade legal, por falta de notificação do direito de audição, nos termos do art. 60º, al. d) da LGT, pois, não estava em causa a aplicação de métodos indirectos.

JJ. Também não existe violação da lei (de fundo e de forma), por a impugnante não ter sido notificada para requerer o procedimento de revisão da matéria tributável, nos termos do art. 91º da LGT, porquanto,

KK. este procedimento aplica-se unicamente quando a matéria tributável é fixada pela AT por recurso a métodos indirectos, e não quando a mesma é determinada por correcções técnicas ou meramente aritméticas (cfr. n.º 1 e n.º 14 do art. 91º da LGT).

LL. Portanto, sobre a alegada preclusão do direito de reclamação para a comissão de revisão, atenta à metodologia utilizada pelos serviços de inspecção tributária, verifica-se que este procedimento não poderia ser utilizado.

MM. Fundamentar um acto tributário, como seja a correcção aritmética ao rendimento declarado no ano de 2006, no caso em apreço, consiste na indicação dos factos e das normas jurídicas que o justificam, isto é, na sucinta exposição das razões de facto e de direito que determinaram a AT à prática desse acto, conforme dispõe o art. 77º, nº1, da LGT.

NN. Assim, fundamentar consiste em “deduzir expressamente a resolução tomada das premissas em que assenta, ou em exprimir os motivos por que se resolve de certa maneira e não de outra”, pelo que, “estando expressamente referidos no acto os elementos indispensáveis à formação de um correcto juízo de valor, não se omitindo os fundamentos que, de acordo com as bases legais, permitam aferir do acerto jurídico do acto final, o mesmo está fundamentado, existindo, insofismavelmente, o mesmo nexo lógico que as premissas de um silogismo e a sua conclusão” – pontos III) e V) do sumário do Acórdão do TCA Sul, de 13.01.2004, proc. 07430/02.

OO. Os factos inspeccionados, e descritos no Relatório dos SIT, mostram-se devidamente provados pelos documentos compreendidos nos respectivos anexos.

PP. Da leitura do relatório ficam a conhecer-se os factos e os elementos que os revelam, percebendo-se em que medida as irregularidades e os documentos detectados no âmbito da acção inspectiva levaram às correcções efectuadas, qual a finalidade da actuação, tendo sido empregue um discurso capaz de fundar a decisão procedimental, e o motivo porque não poderia senão levar àquela liquidação de imposto.

QQ. Satisfeita a exigência legal de prova da factualidade que pressupõe a actuação da AT e de racionalidade da decisão do procedimento que levou à liquidação de imposto e de transparência desse mesmo procedimento, e

RR. sendo existentes e convincentes tais pressupostos de facto e de direito, manifestados no discurso fundamentador utilizado, tal base conduz à inversão do ónus da prova, competindo ao impugnante provar os factos constitutivos da ilegalidade invocada como fundamento do pedido de anulação da liquidação, o que não almeja fazer.

SS. O impugnante mostra ter ficado esclarecido com o percurso lógico e valorativo levado a cabo pelos SIT, a tal ponto que sustenta os vícios arguidos em motivos que são superficiais e laterais ao essencial do discurso fundamentador, de facto e de direito.

TT. Da prova testemunhal produzida pela Impugnante, em nosso entender, não resultaram elementos que infirmem, contradigam ou provem o contrário do que se afirma no relatório de inspecção.

UU. Assim, a liquidação impugnada não enferma de qualquer vício de violação de lei, nem de errada qualificação da matéria tributável, nem de erro na forma de determinação da matéria tributável, nem de falta de fundamentação, devendo ser mantida na ordem jurídica.

VV. A sentença de que se recorre fez errada aplicação do Direito e das normas legais constantes do CIRC, da LGT e do CPPT, aos factos.

WW. Efectivamente, com o decidido, fez uma inadequada aplicação dos artº. 60º, d) e e), 74º, nº 1, 77º, 81º, 83º, nº 1 e 2, 85º, nº 1, 87º, b), 88º e 90º da LGT, artº 59º, nº 1 e 100º, nº 1 do CPPT, artº 3º, 17º, 23º e 120º, nº 10 do CIRC, pelo que não pode manter-se.

Nestes termos , e nos melhores de Direito,
Sempre com o douto suprimento de V. Exªs,
deve o presente recurso ser julgado procedente e revogada a douta sentença de que se recorre, substituindo-a por outra que julgue totalmente improcedente a presente impugnação.

A Recorrida não apresentou contra - alegações.

Após a subida dos autos a este Tribunal Central Administrativo Norte, foram os autos com vista ao Exmo Procuradora-Geral Adjunto.

Colhidos os vistos dos Exm°s Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para Julgamento.


*
DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

As questões suscitadas pelos recorrentes nas alegações de recurso e delimitadas pelas respectivas conclusões - artigos 660º, nº 2, 664º, 684º, nº s 3 e 4, todos do Código de Processo Civil (CPC) “ex vi” artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) - são as de saber: (i) se a sentença recorrida é nula por falta de fundamentação da matéria de facto e por total ausência de indicação dos factos não provados; (ii) se a sentença é nula por oposição dos fundamentos com a decisão; (iii) se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento.

Desde logo, resulta do supra exposto que foram deduzidos dois recursos.

Assim, não existindo entre eles qualquer relação de subsidariedade, será apreciado em primeiro lugar o recurso apresentado pelo Ministério Público, dado imputar à sentença nulidades , a qua se seguirá o interposto pelo Fazenda Pública, uma vez que apenas imputa à sentença recorrida o erro de julgamento.

FUNDAMENTAÇÃO

De Facto

Neste domínio, a decisão recorrida deu como provada a seguinte factualidade, que se transcreve ipsis verbis:

A – Dos factos provados, com relevância para a decisão da causa, base nos elementos de prova documental juntos aos autos e da prova que resultou da audição das testemunhas em sede de audiência contraditória de inquirição das testemunhas:
1.º - A Impugnante foi submetida a uma acção inspectiva externa no ano de 2008 na sequência da qual se procedeu a correcções aritméticas em sede de IRC e de IVA nos exercícios de 2004, 2005 e 2006.
2.° - Essa acção inspectiva foi desencadeada a coberto da ordem de serviço n.°OI200700332.
3.° - Decorreu entre 23 de Janeiro de 2008 e 4 de Julho de 2008.
4.º - Tal ocorreu porque a administração tributária (AT) detectou irregularidades na contabilidade da Impugnante.
5.º - A acção inspectiva foi motivada pela conjugação de dois factores:
- Verificação de que tinham sido relevadas na contabilidade da sociedade Impugnante proveitos relativos a quantias perdidas em seu favor, que tinham resultado do alegado incumprimento de um contrato promessa que tinha sido celebrado com a empresa D… - Mobiliário, Ldª, cuja revogação tinha determinado que as quantias pagas a título de sinal revertessem para a Impugnante.
- Informar o processo de inquérito nº5199/06.0TDPRT do comportamento fiscal da sociedade Impugnante, da Imobiliária B... - Construção Compra e Venda de Propriedades, Ld.ª, da I… - Empreendimentos Imobiliários, Ld.ª, do seu sócio A… e dos seus filhos, designadamente R….
6.º - A acção inspectiva visou apurar a situação fiscal da sociedade Impugnante, designadamente as relações que tinha mantido com a sociedade D… - Mobiliário, Ld.ª, com quem celebrou um contrato promessa de compra e venda, que posteriormente foi revogado em 12 de Junho de 2006.
7.º - A D... - Mobiliário, Ld.ª, que era a promitente compradora, tinha entregue quantias em dinheiro a título de sinal e como princípio de pagamento, que pelo incumprimento do contrato reverteram para a sociedade Impugnante.
8.° - A inspecção tributária pretendia apurar se aquelas quantias tinham sido contabilizadas como proveitos da sociedade Impugnante.
9.º - A acção externa pretendia ainda informar o processo de inquérito n°5199/06.0TDPRT da situação fiscal de A…, sócio da Impugnante e de outras empresas.
10.º - A sociedade Impugnante iniciou a sua actividade em 11 de Maio de 1984.
11.º - Estava registada pelo Código CAE: 41200 para o exercício da actividade de construção de edifícios.
12.° - A impugnante estava enquadrada para efeitos de IRC no regime geral de determinação do lucro tributável.
13.º - Para efeitos de IVA encontrava-se enquadrada no regime normal trimestral com periodicidade mensal desde 1 de Janeiro de 1995.
14. - A sociedade Impugnante apresenta a forma jurídica de sociedade anónima e era constituída por cinco sócios.
15.° - O presidente do conselho de administração era o Sr. A..., o detentor da participação maioritária.
16.° - A contabilidade da empresa estava elaborada através de meios informáticos.
17.º - Era responsável pela contabilidade desde 2005 A….
18.º - Até 2004 tinha sido responsável pela mesma, F….
19.° - Os Serviços de inspecção tributária efectuaram em suporte magnético a recolha de elementos contabilísticos e documentos com eles relacionados que estavam registados em suporte informático.
20.º - A investigação que efectuaram permitiu no seu entender averiguar que existiam custos que tinham sido indevidamente deduzidos e proveitos que tinham sido omitidos ao rendimento tributável.
21.º - Assim, procederam a correcções técnicas, aritméticas, em sede de IVA e de IRC.
22.° - Como ponto de partida, a inspecção tributária entendeu, com base no princípio de verdade declarativa, que a contabilidade da sociedade Impugnante reflectia adequadamente e fielmente o cumprimento das normas contabilísticas e fiscais e que o resultado fiscal apurado correspondia à real situação tributária do contribuinte.
23.° - Posteriormente, constataram que existiam situações que evidenciavam erros materiais da contabilidade que afectavam o resultado contabilístico e fiscal.
24. - A inspecção tributária considerou que conseguiu, quantificar de forma directa e exacta os elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável.
25.° - Foram analisadas as contas de custos e efectuadas correcções em sede de IRC.
26.° - A sociedade Impugnante contabilizou na conta A1 62211- electricidade, custos de fornecimento de electricidade cujo titular do contrato era A....
27.° - Uma vez, que, se tratava de custos respeitantes a residências particulares, que nada tinham a ver com a sociedade Impugnante, não foram eles aceites como custos ou perdas.
28.° - As importâncias de 6.532,24 euros, 485,59 euros e 411,10 euros foram acrescidas ao rendimento tributável dos exercícios de 2004, 2005 e 2006 respectivamente.
29.º - No exercício de 2005 foi contabilizada uma oferta no valer de 13.853,00 euros, respeitante à aquisição de uma barra de ouro sem que fosse identificado o respectivo beneficiário.
30.º - A aquisição foi considerada como despesa confidencial sujeita ao regime de tributação de 50%.
31.º - A Impugnante contabilizou ainda despesas relacionadas com serviços de telecomunicações respeitantes ao A....
32.º - Essas despesas não foram consideradas dedutíveis, pelo que, o respectivo valor de 488,24 euros, em 2004, 689,73 euros em 2005 e 684,23 euros em 2006 foram acrescidos à matéria tributável.
33.º - Da mesma forma, acresceram ao rendimento tributável as quantias de 3,920,00 euros em 2004, l2.08473 euros em 2005 e 12.360,00 euros e 5.797,60 euros em 2006, relativas a despesas de viagens e Lazer efectuadas pelos titulares do capital social da sociedade Impugnante uma vez, que tais custos não eram dedutíveis ao rendimento tributável.
34.° - Em relação á alienação de direitos reais sobre imóveis em que os valores de mercado não podem ser inferiores ao valor patrimonial tributário, foi acrescido ao rendimento tributável a quantia de 67.890,00 euros em 2004, 263.620,00 euros em 2005 e 37.150.00 em 2006.
35.º - Em relação à conta C.798 - Outros Proveitos - acresceram ao rendimento tributável: 27.500,00 caros em 2005 e 12.500,00 euros em 2006, relativos a quantias entregues à Impugnante como sinal pela D... no âmbito de um contrato promessa de compra e venda que, foi depois revogado pelo que, as importâncias que tinham sido entregues reverteram para a sociedade Impugnante, que não as contabilizou como proveitos.
36.º - No exercício de 2006 a Impugnante prestou serviços no valor de 34.297,00 euros que não contabilizou.
37.º - Essa quantia foi corrigida ao rendimento tributável.
38.º - Foi liquidado IVA sobre esse valor no total de 7.202,37 euros.
39.º - A inspecção tributária identificou nos ficheiros informáticos uma aplicação denominada Microplus onde a empresa mediante registos extra contabilísticos repartiu custos de produção.
40.º - Esses custos estavam lançados pelo valor total constante do documento de suporte, com IVA incluído quando ele era liquidado.
41.º - No exercício de 2004, a Impugnante contabilizou como custo o valor de 344.351,88 euros que, a AF entendeu não ser dedutível por respeitar a obras de construção civil efectuadas na casa de R....
42.° - Esse valor acresceu como proveito ao rendimento tributável do exercício de 2004.
43.° - Uma vez, que a AF entendeu que se estava perante uma prestação de serviços da Impugnante, que estava sujeita a IVA, foi liquidado o imposto devido no valor de 65.426,86 euros.
44.º - A sociedade Impugnante suportou ainda em 2005 custos relacionados com a prestação de serviços de construção civil na casa de A....
45.º - Esses custos no valor de 175.931,40 euros acresceram ao total de proveitos do exercício de 2005.
46.° - Foi liquidado o IVA respectivo no valor de 36.945,66 euros.
47.° - A inspecção tributária fez acrescer assim aos proveitos as quantias de 344.351,88 em 2004 e 75.931,40 euros em 2005.
48.º - A inspecção tributária fez ainda acrescer ao rendimento tributável as quantias de 574,45 euros em 2004, 424,82 euros em 2005 e 289,82 em 2006 respeitantes a deslocações e estadas relativas a portagens pagas.
49.º - As correcções ao lucro tributável em sede de IRC foram fixadas no valor de 460.087,06 euros em 2004, 494.164,45 euros em 2005 e 103.199,93 euros, em 2006.
50.º - Procedeu-se à liquidação respectiva do IVA no valor de 65.426,86 euros em 2004, 36.945,60 euros em 2005 e 7.202,37 em 2006.
51.º - A sociedade Impugnante foi notificada em 18 de Junho de 2008 para o exercício do direito de audição na sequência da elaboração do relatório da acção de inspecção.
52.° - A sociedade impugnante exerceu por escrito o direito de audição em 30 de Junho de 2008.
53.º - Reconheceu e aceitou que os serviços de construção civil efectuados nas casas de R... e A... tinham sido efectivamente realizados.
54.º - A sociedade Impugnante aceitou assumir contabilisticamente as conclusões do relatório de inspecção tributária pelo débito daqueles serviços aos referidos administradores, que, assim, teriam de os pagar á sociedade.
55.° - A sociedade Impugnante apresentou Reclamação Graciosa em 12 de Abril de 2009.
56.º - A decisão foi notificada à sociedade impugnante em 29 de Outubro de 2009.
57.° - A presente impugnação judicial foi deduzida em 16 de Novembro de 2009.
58.º - Os administradores da sociedade impugnante são remunerados - cfr. depoimento de M…, funcionária há 23 anos da Impugnante, exercia à data dos factos funções administrativas na empresa.
59.º - A barra de ouro, ainda se encontra guardada na empresa, era para ser oferecida a um cliente especial, mas acabou por não ser oferecida - cfr. depoimento de M…, funcionária há 23 anos da Impugnante, exercia à data dos factos funções administrativas na empresa.
60.º - Eram feitas estimativas dos custos das obras, com a expectativa de se vir a fazer a obra - cfr. depoimento de A… que trabalha para a sociedade Impugnante há cerca de 18 anos, exercendo funções administrativas, em especial na parte respeitante a obras e respectivos orçamentos.
61.º - Essas estimativas eram feitas por si - cfr. depoimento de A… que, trabalha para a sociedade Impugnante à cerca de 18 anos, exercendo funções administrativas, em especial na parte respeitante a obras e respectivos orçamentos.
62.° - Os registos eram para fins pessoais, serviam para saber mais ou menos quanto se ia gastar - cfr. depoimento de A… que, trabalha para a sociedade Impugnante há cerca de 18 anos, exercendo funções administrativas, em especial na parte respeitante a obras e respectivos orçamentos.
63.° - Os registos serviam para controlo de custos e estimativas - cfr. depoimento de A… que, trabalha para a sociedade Impugnante há cerca de 18 anos, exercendo funções administrativas, em especial na parte respeitante a obras e respectivos orçamentos.
64.° - O contrato promessa de compra e venda celebrado entre a sociedade impugnante e a D..., foi depois revogado pelo que, as importâncias nele indicadas não foram objecto de registo contabilístico - crf. depoimento de J…, responsável pela contabilidade da Impugnante há cerca de 15 anos, (acompanhou a inspecção feita à sociedade Impugnante).
65.° - Não aceita que a AF entenda que, a sociedade Impugnante tivesse uma contabilidade paralela - crf. depoimento de J…, responsável pela contabilidade da Impugnante há cerca de 15 anos, (acompanhou a inspecção feita à sociedade Impugnante).
66.º - Os registos não podem ser estimativas de custos porque estavam suportados por documentos - cfr. depoimento de M…, Inspectora Tributária da Direcção de Finanças do Porto, responsável pela inspecção tributária.
67.º - As obras foram feitas, embora não saiba se o material referido foi ou não utilizado - cfr. depoimento de M…, Inspectora Tributária da Direcção de Finanças do Porto, responsável pela inspecção tributária.
68.º - Adquiriu um imóvel no Porto à B... e, mandou fazer algumas alterações - cfr. depoimento de M….
69.° - A sociedade Impugnante dedica-se à construção e, as vendas são feitas pela B... - cfr. depoimento de E…, a qual não trabalha para a impugnante, mas auxilia, a B....


De Direito

A primeira questão que cumpre apreciar e decidir, suscitada nas conclusões de recurso interposto pelo Ministério Público, é a de saber se a sentença recorrida padece de nulidade por falta de fundamentação da matéria de facto e da total ausência de indicação dos factos não provados com relevância para a decisão da causa (conclusões 1 – 5 das alegações de recurso), porquanto os vícios de que decorre a validade formal da sentença têm prioridade sobre os demais.
A sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, agora recorrida, julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela agora recorrida contra a liquidação de IRC relativo a 2006, emitida na sequência de correcções aritméticas resultantes de uma acção inspectiva realizada à contabilidade da Impugnante.

O recorrente Ministério Público iniciou as suas alegações e conclusões de recurso considerando que se verifica a nulidade da sentença recorrida, nos termos do artigo 125º, nº 1 do CPPT, por a sentença recorrida ter estabelecido a matéria de facto que entendeu provada, sem fundamentar as decisões que tomou para estabelecer aquela e sem proceder ao seu exame crítico nos termos previstos no artigo 123º, nº 2 do CPPT e ainda devido à total ausência de indicação dos factos não provados.

No processo judicial tributário o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, norma onde estão consagrados todos os vícios (e não quaisquer outros) susceptíveis de ferir de nulidade a sentença proferida em processo judicial tributário (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.357 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.871/10; ac.S.T.A-2ª.Secção, 13/10/2010, rec.218/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/5/2013, proc.6406/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.6871/13; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 15/5/2014, proc.7508/14). Vejamos.

Como é sabido a exigência de fundamentação é justificada pela necessidade de permitir que as partes conheçam as razões em que se apoiou o veredicto do tribunal a fim de as poderem impugnar e para que o tribunal superior exerça sobre elas a censura que se impuser. Dito de forma diversa, a fundamentação, para além de visar persuadir os interessados sobre a correcção da solução legal encontrada pelo Estado, através do seu órgão jurisdicional, tem como finalidade elucidar as partes sobre as razões por que não obtiveram ganho de causa, para as poderem impugnar perante o tribunal superior, desde que a sentença admita recurso, e também para este tribunal poder apreciar essas razoes no momento do julgamento.
Logo, o julgamento da matéria de facto é um momento essencial da realização da justiça constitucionalmente cometida aos tribunais. De acordo com o disposto no artigo 205º da Constituição da República Portuguesa, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei. O juiz tem, por isso, o dever de se pronunciar sobre a factualidade alegada e sobre a que lhe seja lícito conhecer oficiosamente e que se apresente relevante para a decisão, discriminando também a matéria provada da não provada e fundamentando as suas decisões, procedendo à apreciação crítica dos elementos de prova e especificando os fundamentos decisivos para a convicção formada - cfr. artigos 123.º, n.º 2, do CPPT.
Exige-se assim, por um lado, a análise crítica dos meios de prova produzidos e, por outro, a especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do juiz, expressa na resposta positiva ou negativa dada à matéria de facto controvertida. “Não se trata, por conseguinte, de um mero juízo arbitrário ou de intuição sobre a realidade ou não de um facto, mas de uma convicção adquirida através de um processo racional, alicerçado - e, de certa maneira, objectivado e transparente - na análise criticamente comparativa dos diversos dados trazidos através das provas e na ponderação e maturação dos fundamentos e motivações essencialmente determinantes da opção feita e cuja enunciação, por exigência legal, representa o assumir das responsabilidades do julgador inerentes ao carácter público da administração da Justiça” – cfr. J. Pereira Baptista, in Reforma do Processo Civil, 1997, pags 90 e ss.
O exame crítico da prova deve consistir, assim, na indicação dos elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do juiz e na sua apreciação crítica, de forma a ser possível conhecer as razões por que se decidiu num determinado sentido e não noutro.

Logo, o julgador não se deve limitar a uma simples e genérica indicação dos meios de prova produzidos (v.g. “prova testemunhal” ou “prova por documentos”), impondo-se-lhe que analise criticamente essa prova produzida. Rectius, o tribunal deve justificar os motivos da sua decisão quanto à matéria de facto, declarando por que razão deu mais credibilidade a uns depoimentos e não a outros, julgou relevantes ou irrelevantes certas conclusões dos peritos, achou satisfatória ou não a prova resultante de documentos particulares, etc.

Não basta, pois apresentar como fundamentação, o mero elenco dos meios de prova, v.g., “os depoimentos prestados pelas testemunhas e a inspecção ao local”, sendo necessária a indicação das razões ou motivos porque relevaram no espírito do julgador - cf. António Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, II Volume, 2ª, edição, a págs. 253 a 256.

Em suma, a fundamentação de facto não se deve limitar à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo revelar o itinerário cogniscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre os pontos da matéria de facto - assim, Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, 6ª edição, 2011, Vol. II, pág. 321.
Também neste preciso sentido, entre outros, o Acordão do TCAN, desta Sessão de 27 de Fevereiro de 2014, no processo 409/06.6BEPNF.
Perscrutado o probatório, é manifesto que o dever de fundamentação que vimos analisando não foi observado pelo tribunal a quo, designadamente no que concerne quer à análise crítica das provas, quer à indicação dos factos não provados.
Como resulta do exposto em sede de julgamento de facto, a Mma. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, para além de nada dizer no que concerne aos factos que julgou não provados, limitou-se apenas a remeter indistinta e genericamente para a prova documental e testemunhal os factos provados (quanto os primeiros 57) , tanto assim que como é referido na sentença recorrida: “A - Dos factos provados, com relevância para a decisão da causa, com base nos elementos de prova documental juntos aos autos e da prova que resultou da audição das testemunhas em sede de audiência contraditória de inquirição das testemunhas”.
Não foram, assim, especificados quais os factos que foram dados como provados com base na prova documental e quais os documentos em que se alicerçou tal convicção, bem como aqueles que resultaram da audiência contraditória das testemunhas arroladas especificando quais a(s) testemunha(s), sendo certo que foram ouvidas quatro testemunhas (três indicadas pela Impugnante e uma pela Fazenda Pública, sendo que duas das testemunhas indicadas no probatório em cujos depoimentos se ancoram os factos indicados sob os nºs 69 e 69 nem sequer constam do rol das testemunhas a inquirir, ou mesmo identificadas na acta da inquirição de testemunhas lavrada nos presentes autos).
Resulta assim a incógnita, relativamente aos 57 primeiros factos julgados provados, que concretos depoimentos (e de que testemunhas) é que foram atendidos pelo tribunal para formar a sua convicção e as eventuais razões porque foram atendidos uns e não outros.
Sobre esta questão já se pronunciou este Tribunal, no douto acórdão de 17/6/2010, que parcialmente transcrevemos:“(…) como facilmente se compreenderá, num processo em que foram ouvidas (…) testemunhas, não basta para se considerar preenchida, por qualquer forma, a exigência legal da explicitação mínima do exame crítico das provas uma mera remissão genérica para a “prova testemunhal” pois que dessa forma resulta de todo inviabilizada a percepção dos motivos da decisão ou, dito de outra forma, das razões que levaram o tribunal a decidir como decidiu.
Acresce notar que, como é doutrina e jurisprudência maioritária, a nulidade em apreço só ocorre quando faltem em absoluto os fundamentos de facto em que assentou a decisão. Apenas a total e absoluta ausência de fundamentação de facto afecta o valor legal da sentença, acarretando a sua nulidade, o que não ocorre quando a fundamentação é escassa, incompleta, não convincente, deficiente ou errada .
Como ensina Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, 1952, pág. 140, “Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.”
E, ainda, Fernando Amâncio Ferreira, in Manual dos Recursos em Processo Civil, 4ª Edição, 2003, págs. 48 e 49, “Como atrás vimos, as decisões judicias devem ser fundamentadas, face ao determinado no n.º 1 do art. 205.º da CRP e no art. 158.º(1)
A falta de motivação susceptível de integrar a nulidade de sentença é apenas a que se reporta à falta absoluta de fundamentos quer estes respeitem aos factos quer ao direito.
A motivação incompleta, deficiente ou errada não produz nulidade, afectando somente o valor doutrinal da sentença e sujeitando-a consequentemente ao risco de ser revogada ou alterada quando apreciada em recurso- cf. Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 139/140 e Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra, pág. 687.
Todavia, como alerta o Cons. Jorge Lopes de Sousa In Código de Procedimento e de Processo Tributário 6ª edição 2011, Anotado e Comentado, Vol II, “deverão considerar-se como falta absoluta de fundamentação os casos em que ela não tenha relação perceptível com o julgado ou seja ininteligível, situações em que se está perante uma mera aparência de fundamentação.
Com efeito, a fundamentação destina-se a esclarecer as partes, primacialmente a que tiver ficado vencida, sobre os motivos da decisão, não só para ficar convencida de que não tem razão, mas também porque o conhecimento daqueles é necessário ou, pelo menos, conveniente, para poder impugnar eficazmente a decisão em recurso ou arguir nulidades, designadamente a derivada de eventual contradição entre os fundamentos e a decisão. Por isso, quando a fundamentação não for minimamente elucidativa das razões que levaram a decidir como se decidiu deverá entender-se que se está perante uma nulidade por falta de fundamentação”.
Ora, como se afirmou no acórdão deste Tribunal, de 27.02.2014, já acima referenciado” (…) a inobservância do dever legal de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto e, mais concretamente, a mera referência genérica aos meios de prova que a terão suportado e a falta da análise crítica dos mesmos, faz com que o tribunal de recurso também fique impedido de sindicar o erro de julgamento invocado pela recorrente. Tal decisão de facto é, assim, ininteligível, o que é equivalente à falta absoluta de fundamentação.”
No caso sub judice, a ausência de fundamentação e o exame crítico da matéria de facto impede efectivamente que este Tribunal de recurso possa sindicar o alegado erro de julgamento sobre a matéria de facto. ( neste sentido e em situação em tudo análoga às dos presentes autos vide o Ac. deste Tribunal , ainda inédito, lavrado no Rec. 735/09.BEPNF).
Padece, deste modo, a sentença recorrida da invocada nulidade, pelo que procedendo as conclusões de recurso do Ministério Público, referentes à questão analisada, impõe-se que a sentença seja anulada com a consequente remessa dos autos ao tribunal de primeira instância, para prolação de nova decisão sem o apontado vício.
Destarte, o recurso merece provimento, resultando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas nos dois recursos.


*

DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, anulando a sentença recorrida, e consequentemente ordenar a devolução do processo ao tribunal de 1.ª instância, a fim de aí ser proferida nova decisão onde se supra o apontado vício.

Sem custas.

Porto, 30 de Abril de 2015

Ass. Ana Paula Santos
Ass. Fernanda Esteves
Ass. Ana Patrocínio