Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00165/07.0BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/26/2017
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:OPOSIÇÃO
CULPA
REVERSÃO DA EXECUÇÃO
DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO E DA PROVA
Sumário:I - O regime legal da responsabilidade subsidiária dos gerentes por dívidas fiscais, do artigo 13.º do Código de Processo Tributário, faz recair sobre o gerente que exerceu funções durante o período em que se constituíram e/ou em que deviam ser pagas tais dívidas, a prova de que não teve culpa pela insuficiência do património social para satisfazer os créditos exequendos.
II - Nos termos do artigo 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT, existe uma presunção legal de culpa, recaindo sobre o administrador ou gerente o ónus da prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento ou de entrega da prestação tributária.
III - Estas presunções legais de culpa só podem ser ilididas com a prova do contrário, isto é, a prova das iniciativas empreendidas para evitar, ou minimizar, o impacto negativo de factos adversos externos no desenvolvimento da actividade social.
IV - Operada a reversão nos termos dos normativos referidos, desacompanhada da ilisão da presunção da culpa por parte do oponente, pela insuficiência do património da sociedade para satisfazer as dívidas fiscais da devedora originária, o ora Recorrido apresenta-se como parte legítima na execução.
V - Da decisão da matéria de facto devem constar factos simples e não juízos de valor/conclusões. As conclusões de facto e de direito são efectuadas em julgamento pelo tribunal.
VI - O princípio do inquisitório somente tem aplicação perante a invocação de factos concretos pelas partes que se mostrem controvertidos.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:D...
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

O Excelentíssimo Representante da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, proferida em 21/01/2013, que julgou procedente a oposição deduzida por D..., N.I.F. 1…, residente na Rua da Ínsua, Castanheiro do Ouro - Tarouca, contra a execução fiscal n.º 2690200001000063 e apensos, que a Fazenda Pública lhe move por reversão de dívida da sociedade Indústria de Mobiliário e Carpintaria…, Lda., NIPC 5…, com sede em Castanheiro do Ouro, em Tarouca, para cobrança coerciva de dívidas de IRC, IVA e COIMAS FISCAIS, respeitantes aos anos de 1997 a 2004 e juros compensatórios, no montante total de € 52.487,51.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
a) Incide o presente recurso sobre a douta sentença que julgou procedente o pedido formulado na oposição – na parte referente a IRC e IVA – e declarou ilegítimo o chamamento à execução do revertido, porquanto se considerou que “não provém de culpa do Oponente a falta de pagamento das obrigações fiscais da devedora originária”;
b) Todavia, analisada a factualidade considerada provada que suportou o juízo decisório da ausência de culpa no pagamento das obrigações fiscais em causa – pontos 14, 15, 16 e 17 do probatório os mesmos, no modesto entender da Fazenda Pública, consubstanciam conclusões, e não factos – sendo que ao probatório apenas devem ser levados factos e não conclusões de facto ou de direito – cfr. artigo 511.º. n.º 1 do Código de Processo Civil e 123.º, n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
c) Aliás, conclusões retiradas pelas testemunhas no depoimento prestado e não pelo Mmo Juiz na apreciação crítica e reflexiva sobre tal depoimento;
d) Como é sabido, a fundamentação de facto não deve limitar-se à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo revelar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo Juiz ao decidir como decidiu sobre todos os pontos da matéria de facto;
e) Circunstância que reveste particular acuidade quando se tratar de meios de prova susceptíveis de avaliação subjectiva (como sucede com a prova testemunhal), sendo indispensável, para atingir tal objectivo, que seja efectuada uma apreciação crítica da prova, traduzida na indicação das razões por que se deu ou não valor probatório a determinados elementos de prova ou se deu preferência probatória a determinados elementos em prejuízo de outros;
f) Está-se, assim, perante uma completa ausência de exame crítico das provas, não tendo sido enunciados os juízos probatórios que se fizeram sobre os factos alegados relativos à ausência de culpa do oponente e as razões por que os mesmos se consideram provados, à face dos depoimentos produzidos;
g) Consequentemente, a sentença recorrida enferma de vício de falta de fundamentação de facto, a qual implica nulidade da sentença, pelo que a mesma deve ser anulada, em conformidade com o preceituado nos art.ºs 123.º, n.º 2, e 125.º do CPPT;
h) Por outro lado, não se pode conformar a Fazenda Pública com a douta decisão recorrida, porquanto considera que da prova (testemunhal) produzida se não podem extrair as conclusões que lhe serviram de base, determinando que se julgasse pela ilegitimidade do oponente consubstanciada na ausência de culpa na diminuição do património da executada por forma a tornar-se insuficiente para satisfação das dívidas fiscais, com a consequente extinção da execução contra o oponente;
i) Como é sabido, nos termos da alínea b) do art.º 24º, n.º 1 da LGT, impende sobre o gerente ou administrador a necessidade de realizar a prova do contrário face à presunção legal de culpa que aquela norma estabelece sobre ele;
j) De realçar que nenhum documento foi apresentado pelo oponente susceptível de confirmar o alegado – ao invés de se apresentar em Tribunal com dados concretos e objectivos sobre a existência de tais dívidas e as diligências realizadas para as cobrar (os quais deveriam revestir natureza documental) o Oponente não carreou elemento algum que confirmasse a sua versão, gerindo tal alegação como se beneficiasse ele próprio de alguma presunção a esse respeito;
k) As provas, designadamente a prova testemunhal, assume uma natureza marcadamente instrumental em relação à matéria do litígio, pelo que perde qualquer valor se os factos probandos nunca foram alegados (nunca foi alegado que o oponente vendeu património pessoal e hipotecou a sua casa de habitação, nunca foi alegado nada relativamente à empresa C… nem que a accionou judicialmente, nem que entrou em insolvência, nunca foi alegado a aceitação de letras em pagamento, nunca foi alegado que tentou o financiamento da banca para tentar sobreviver a empresa, entre outros);
l) Se a prova testemunhal visa provar factos invocados pelas partes, perdem qualquer valor probatório se os factos probandos afinal nunca foram alegados. Na verdade, a prova testemunhal, em caso algum, podem visar suprir insuficiências alegatórias ou que devem revestir natureza documental, tornando-se, ocorrendo essa omissão, inteiramente irrelevante;
m) Não pode ser suficiente para obter o convencimento, primeiro, da AT e depois, eventualmente, do Tribunal, a apresentação de testemunhas arroladas pelo oponente (uma funcionária da devedora originária e um Sr. que teve relação laboral com a devedora originária) que afirmaram a existência de dívidas derivadas de trabalhos realizados em diversas obras públicas (Edifício da Câmara e Tribunal de Armamar) se não é apresentado nenhum documento, mormente contabilístico, que confirme a prestação desses serviços, ou as facturas emitidas nesse âmbito, as diligências desenvolvidas para a cobrança de tais créditos, a declaração de insolvência da “C…” e/ou a reclamação dos créditos da devedora originária nesse processo de insolvência, letras aceites nesse âmbito, enfim, qualquer documento comprovativo da factualidade alegada;
n) Verifica-se, portanto, uma ausência de prova que resultou da não observância dos deveres instrutórios que impendiam sobre o oponente, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 24º da LGT (através de prova positiva e directa contra o facto presumido);
o) Por força da alínea b), do n.º 1, do artigo 24.º, da LGT, o recorrido responde subsidiariamente pelo pagamento da dívida exequenda pelo que o Tribunal “a quo” não podia extinguir, quanto a ele e nessa parte, o processo executivo;
p) Em conclusão, é nosso entendimento que a presente oposição deve ser julgada improcedente, pelo facto de estar demonstrada a gerência de facto do ora Oponente (o próprio oponente o confessa), aposto ao facto do mesmo nada ter diligenciado no sentido de convencer o Tribunal de não ter culpa nem qualquer responsabilidade no facto do património da sociedade ser insuficiente para a satisfação daquelas dívidas (ónus que sobre si impendia por força do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 24º da LGT).
Nestes termos e nos mais de direito deve ser dado provimento ao presente recurso com a consequente revogação da douta sentença recorrida, como será de inteira JUSTIÇA!”
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O Recorrido apresentou contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma:
“1. Por douta sentença foi julgada procedente a presente oposição por não provir de culpa do oponente a falta de pagamento das obrigações fiscais da devedora originária.
2. De facto, não foi carreada para os autos qualquer prova indicativa de culpa do oponente na falta de pagamento das obrigações fiscais.
3. Efectivamente, nos termos do art. 24.° da LGT, os gerentes das sociedades comerciais são subsidiariamente responsáveis em relação a estas pelas dívidas tributárias, desde que reunidos os requisitos ali previstos, entre os quais ter sido por culpa sua que o pagamento dessas dívidas não se efectuou.
4. Assim, a culpa pela falta de pagamento é um pressuposto essencial da reversão fiscal.
5. De facto, o legislador, mesmo nos casos de inversão do ónus da prova, não quis estabelecer uma responsabilidade objectiva do responsável subsidiário, pois este apenas deve ser chamado a responder pela dívida nos casos em que lhe é imputável culpa pela falta do respectivo pagamento.
6. Trata-se aqui de uma culpa efectiva aferida com recurso ao conceito civilístico do bonus pater famílias - um homem médio colocado na posição de gestor, ou seja, um gestor diligente.
7. Ora, com base nos elementos de facto que foram trazidos aos autos, nomeadamente através da prova testemunhal, foi feita a prova de que não foi por culpa do Oponente que o pagamento não se efectuou, que o património se tomou insuficiente.
8. De facto, nenhuma prova consta dos autos de que a conduta do oponente foi minimamente censurável.
9. Aliás, a Administração Tributária nem sequer provou a gerência de facto, como pode querer, então, ver provada a culpa na dissipação do património por parte do oponente.
10. Ora, do que se deixa dito facilmente se percebe que o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo bem andou ao ter reconhecido a prova da falta de culpa do oponente na ausência de pagamento e na insuficiência do património.
11. E, caso vingue a tese da recorrente que não existe qualquer circunstancialismo fáctico constante do probatório da douta sentença recorrida que demonstre a ausência de culpa do oponente na insuficiência patrimonial da devedora originária, deverão então ser aditadas alíneas que repercutam nos factos provados a ausência de culpa pela falta de pagamento e pela insuficiência patrimonial por parte do oponente.
12. Por último sempre se refere que, o artigo 74.° da LGT é peremptório ao dispor que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da Administração Tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.
13. Assim, o oponente para além de alegar a falta de culpa na ausência de pagamento e insuficiência patrimonial, ainda provou tal alegação nos autos.
14. Efectivamente, dos presentes autos resulta claramente que o oponente cumpriu com o ónus da prova que lhe incumbia, tendo alegado e provado suficientemente a ausência de culpa na falta de pagamento e na insuficiência patrimonial.
15. Assim, bem andou a douta sentença ao considerar a oposição procedente por falta de prova da culpa do oponente na falta de pagamento das obrigações fiscais da devedora originária e na insuficiência de património da mesma.
16. Por último cumpre realçar que, o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo não ultrapassou o seu âmbito de conhecimento.
17. Pois, o oponente explanou (e provou) suficientemente os factos e as razões de direito adjacentes à ausência de culpa na falta de pagamento das dívidas tributárias e da insuficiência patrimonial da devedora originária.
18. Para além disso, mesmo que assim não fosse, o Meritíssimo Juiz a quo encontra-se adstrito à descoberta da verdade material, de acordo com o disposto no artigo 265.° do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 2.° do CPPT.
19. Pelo que, o Meritíssimo Juiz a quo limitou-se a conhecer os factos invocados e devidamente provados pelo oponente.
20. Por tudo isto, bem andou o I. Tribunal a quo ao considerar a presente oposição procedente, por provada.
Nestes termos e nos melhores de Direito, deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se a douta decisão recorrida, com as legais consequências.”
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em nulidade, por falta de fundamentação de facto, e se errou no julgamento da matéria de facto e de direito, com referência à culpa do Oponente na falta de pagamento das obrigações fiscais de IRC e IVA da devedora originária.

III. Fundamentação

1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“3.1. Com interesse para a decisão, considera-se provada a seguinte factualidade:
1. Pelo contrato de sociedade de 17 de Janeiro de 1986, foi constituída a sociedade denominada “Indústria de Mobiliário e Carpintaria…, Lda, figurando como sócios D..., M… e Maria… sócios, sendo que nos termos daquele contrato, a gerência da sociedade fica a cargo de um sócio gerente, cuja assinatura bastava para obrigar a sociedade, sendo nomeado gerente o sócio D...– cfr. fls. 23 a 27 do PEF, que se dão por integralmente reproduzidas, tal como as demais que a seguir se indicam.
2. Da declaração de início de atividade da sociedade antes indicada, apresentada em 20/02/1986, consta como sócio gerente D..., que assinou esta declaração – cfr. fls. 28 e 29 do PEF
3. A sociedade tem o seu registo na Conservatória do Registo Comercial de Tarouca sob o n.º 44, sendo a gerência exercida por um gerente e a forma de a obrigar ocorreria por assinatura do gerente, tendo sido nomeado como gerente D..., Oponente nos presentes autos – cfr. fls. 19 a 20 verso do PEF
4. No período de 15/10/2003 a 25/11/2003, foi realizada inspeção tributária à devedora originária Indústria de Mobiliário e Carpintaria…, Lda, da qual resultaram correcções de IRC e IVA respeitantes aos anos de 2000 a 2003 - cfr. fls. 269 a 288 dos autos.
5. Em face das correções efetuadas em resultado da inspeção, a Administração Tributária procedeu a liquidações adicionais de IVA, IRC e aplicou coimas e juros compensatórios, que originaram os correspondentes processos de execução fiscais a seguir discriminados:

N.º PROCESSO
N.º CERTIDÃO
DOC. ORIGEM
PERIODO TRIBUTÁRIO
TRIBUTO
VALOR
2690200501000209
14570
04102100026400432383709
2003-04 2003-06
IVA Juros
89,07
2690200201001175
32002
2690200206000509
2002
2002
COIMA
Despesas
1000,00
39,90
2690200501000128
60001
2690200406000010
2004
2004
COIMA
Despesas
11500,00
44,50
2690200501000268
140448
04102100056700001001193
2000
2000
2000
IRC
Juros
Juros mora
18084,88
2878,21
2096,30
2690200001000063
141017
98209601
1997-01 1997-12
IVA
549,69
2690200101001078
144359
00190541
1999
IVA
1.496,39
2690200401002120
153966
04102100056300001022970
2001
2001
2001
IRC
Juros
Juros mora
2.595,64
331,28
292,69
2690200401002120
154309
04102100056800001024223
2002
2002
2002
IRC
Juros mora
Juros
2.121,22
222,98
108,58
2690200301000527
182003
2690200306000177
2003
2003
COIMA
Despesas
105,74
39,90
2690200401001205
224792
04102100026000407829908
2002-01 2002-03
IVA
2.532,09
2690200401001205
224793
04102100026700407830009
2002-01 2002-03
IVA juros
233,51
2690200401001205
224794
04102100026500407830108
2002-07 2002-09
IVA
887,78
2690200401001205
224795
04102100026000407830209
2002-07 2002-09
IVA juros
50,54
2690200401001205
224796
04102100026800407830308
2002-10 2002-12
IVA
217,03
2690200401001205
224797
04102100026400407830408
2003-01 2003-03
IVA
1.345,80
2690200401001205
224798
04102100026900407830509
2003-01 2003-03
IVA juros
31,56
2690200501003283
244197
05102100026900000608615
2003
2003
2003
IRC
IRC juros mora
IRC juros
911,84
103,80
31,84
2690200501003909
306803
05102100026000000728316
2004
2004
2004
IRC
IRC juros mora
IRC juros
381,07
7,82
10,05
2690200301001868
362003
2690200306000738
2003
2003
COIMA
Despesas
1199,99
39,90
2690200601000136
5000002
2690200506001181
2006
2006
COIMA
DESPESAS
251,75
44,50
2690200601002180
5000016
2690200606000029
2006
2006
COIMA
Despesas
202,00
22,25
2690200601002180
5000017
2690200606000061
2006
2006
COIMA
Despesas
202,00
22,25
2690200501004549
5000024
2690200506000932
2005
2005
COIMA
Despesas
116,67
44,50
TOTAL
52.487,51

cfr. fls. 35 e 36 do PEF.
6. As liquidações adicionais de IVA com os n.ºs 98209601, 00190541, 04078299,04078301, 04078303, 04078304, foram notificadas à devedora originária em 03/11/1998, 17/11/2006, 22/04/2004, 22/04/2009, 22/04/2009 e 22/04/2004, respectivamente – cfr. fls. 17, 19, 20, 22, 24 e 25 dos autos.
7. As liquidações adicionais de IRC n.ºs 1022970, 1024223, 1001193, 608615, 728316, foram notificadas à devedora originária em 30/09/2004, 30/09/2004, 30/09/2004, 22/06/2005, 29/07/2005, respectivamente – cfr. fls. 28 a 37 dos autos
8. Com data de 10 de Novembro de 2006, o Serviço de Finanças de Tarouca informou que a executada Indústria de Mobiliário e Carpintaria…, Lda, NIPC 5…, tinha como sócios o Oponente, M… e Maria…, tendo sido nomeado como gerente D... e que em 20/06/1996, M… cedeu a sua quota aos restantes sócios e que o sócio D… se manteve como gerente da executada e a gerência também se manteve inalterada. Que em anteriores processos foram penhorados bens móveis (quatro viaturas – processo 2690199701001680, uma seccionadora – processo 2690200401000918 e de seis máquinas de carpintaria – processo 2690199901001051 e apensos) e que “de acordo com o disposto no artigo 22.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária, artigo 153.º, n.º 2, do Código de Procedimento e Processo Tributário podemos assim identificar como sócios responsáveis, os sócios acima mencionados no ponto 4, relativamente à referida firma, e solidariamente entre si, por toda a dívida exequenda que está na base da instauração desta execução fiscal e que preenche o período da sua gerência…” sendo a quantia exequenda total em dívida de € 52.487,51, proveniente de dívidas de IVA, IRC e coimas – cfr. fls. 31 a 33 do PEF.
9. Com data de 10/11/2006 e tendo por base as diligências de fls. 31 a 33 do PEF, o Chefe de Finanças de Tarouca, determinou a preparação do processo para efeitos de reversão das execuções contra o Oponente e ordenou a sua notificação para efeitos do exercício do direito de audição prévia em relação às dívidas a que se refere o processo executivo 269200001000063 e apensos, no montante de € 52.487,51, em que é devedora originária Indústria Mobiliário e Carpintaria…, Lda, com sede em Castanheiro do Ouro, Tarouca – cfr. fls. 34 a 36 do PEF.
10. Em 13/11/2006, o Oponente foi notificado para exercer o direito de audição prévia na qualidade de responsável subsidiário, em relação à decisão de reversão das dívidas a que alude o ponto 6 e 7 – cfr. fls. 37 a 39 do PEF.
11. Com data de 01/12/2006 e tendo por base as diligências de fls. 31 a 33, o Chefe de Finanças de Tarouca, produziu despacho de reversão contra D..., contribuinte n.º 1…, morador em … Tarouca, na qualidade de responsável subsidiário, relativamente às dívidas exequendas a que se refere o processo executivo 2690200001000063 e apensos, no montante de € 52.487,51 – cfr. fls. 41 a 43 do PEF
12. Em 11/12/2006, o Oponente foi citado para a reversão, na qualidade de responsável subsidiário e para no prazo de 30 dias pagar a quantia exequenda de € 52.487,51, de que era devedora a executada Indústria Mobiliário e Carpintaria…, Lda, NIPC 5…, no processo de execução fiscal n.º 2690200001000063 e apensos ocorrendo os fundamentos da reversão “conforme 5 folhas anexas” – cfr. fls. 44 a 46 do PEF
13. A presente oposição deu entrada no Serviço de Finanças de Tarouca, em 11/01/2007 - Cfr. fls. 2 dos autos.
14. Em 1997 a devedora originária estava com dificuldades financeiras em resultado do incumprimento de clientes com os pagamentos, nomeadamente a empresa de construção…, para quem a devedora originária fez vários trabalhos e cujo pagamento foi feito através de letras das quais algumas foram devolvidas em valor aproximado de 20 mil contos, trabalhos relativos à construção do Tribunal de Armamar, que ocupou a produção quase durante um ano e por ser uma obra para o Estado.
15. O Oponente confiou nas Construções…, por ter crédito nos bancos e aceitou letras em pagamento em face da confiança gerada entre ambas por virtude dos vários anos de relações comerciais, que depois não foram reformadas nem pagas, num valor de cerca de 60 mil contos.
16. O Oponente vendeu património pessoal, nomeadamente metade de um prédio que tinha e fez hipoteca sobre a sua casa de habitação à União de Bancos para tentar efectuar pagamentos e por essa altura começaram a sair funcionários por falta de pagamento de salários, tendo o Oponente tentado minimizar as consequências, o que não foi suficiente para resolver os compromissos.
17. O Oponente levou o balanço da empresa a 2 bancos para tentar financiamento para sobreviver mas não o conseguiu porque as dívidas na banca eram de elevados montantes.
**
3.2. Factos Não Provados

Não há outros factos a considerar com interesse para a decisão.


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3.3. Motivação da decisão de facto:

A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame do teor dos documentos, não impugnados, que dos presentes autos e apenso constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório e tendo também presente o depoimento das testemunhas inquiridas, a saber:

Carminda…, que disse ter sido empregada da devedora originária, entre 1991 e Março de 1997, exercendo funções administrativas, incluindo a emissão de faturas, processamento de salários, recibos caixa, entre outras e saiu da empresa por ter encontrado trabalho melhor na área de seguros.
Disse que em 1997 a devedora originária estava com dificuldades financeiras em resultado do incumprimento de clientes com os pagamentos, nomeadamente a empresa de construção…, para quem a devedora originária fez vários trabalhos e cujo pagamento foi feito através de letras das quais algumas foram devolvidas em valor aproximado de 20 mil contos.
Referiu que o Oponente vendeu património pessoal e fez hipoteca sobre a sua casa de habitação à União de Bancos para tentar efectuar pagamentos e por essa altura começaram a sair funcionários por falta de pagamento de salários, tendo o Oponente tentado minimizar as consequências das dívidas mas não conseguiu.
Ainda quanto aos trabalhos que a devedora originária executou para a empresa C…, referiu que se tratava da construção do Tribunal de Armamar, que ocupou a produção quase durante um ano e por ser uma obra para o Estado, pensou que os pagamentos estavam assegurados, tendo aceite o pagamento em letras e apesar de tudo concluiu os trabalhos que lhe haviam sido adjudicados pela empresa C…, assumindo valores que representavam um peso muito grande.
Disse também que o Oponente ao fim de semana tentava receber dos seus clientes, não sabendo, no entanto o que conseguiu cobrar.
J…, disse ter tido relação laboral com a devedora originária, que quanto às razões que levaram ao incumprimento das suas obrigações fiscais porque os seus clientes, nomeadamente a empresa Construções…, para quem a devedora originária realizou várias obras públicas, edifício da Câmara e Tribunal de Armamar, não pagavam os trabalhos e o Oponente confiou muito nesta empresa, que tinha crédito nos bancos e aceitou letras em pagamento em face da confiança gerada entre ambas por virtude dos vários anos de relações comerciais, que depois não foram reformadas nem pagas, num valor de cerca de 60 mil contos.
Disse também que o Oponente vendeu uma parte do seu património pessoal para ajudar a fazer face aos encargos e que chegou a accionar judicialmente as Construções…, que com a sua entrada em insolvência, acabou por nada receber.
Quanto ao património pessoal que o Oponente vendeu mencionou a venda de metade de um prédio que tinha construído para pagar as letras e hipotecou a sua habitação, o que não foi suficiente para resolver os compromissos.
Referiu que o Oponente é uma pessoa simples, com 3 filhos que trabalham na empresa, pretendendo que os filhos prossigam com o negócio e que vive com bastante dificuldade, afirmando que levou o balanço da empresa a 2 bancos para tentar financiamento para sobreviver mas não o conseguiu porque as dívidas na banca são de elevados montantes.
Disse ainda que o Oponente pagou milhares de contos de IVA de que nunca foi ressarcido e no caso das dívidas das Construções…, nem sequer recebeu o valor dos trabalhos realizados, pois muito embora tivesse emitido os recibos das faturas, não foi pago o valor correspondente, tendo liquidado o IVA mas não pagou.”

***
Como pertinentemente alega o Recorrente, o tribunal recorrido não elencou na decisão da matéria de facto factos simples, mas antes, em alguns casos, juízos de valor, conclusões de facto e de direito que condicionam irremediavelmente a subsunção ao direito e o desfecho da acção. Por estes motivos, os seguintes pontos da decisão da matéria de facto têm-se como não escritos, nos termos do disposto no artigo 646.º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), na redacção aplicável à data:
“14. Em 1997 a devedora originária estava com dificuldades financeiras em resultado do incumprimento de clientes com os pagamentos, nomeadamente a empresa de construção…, para quem a devedora originária fez vários trabalhos e cujo pagamento foi feito através de letras das quais algumas foram devolvidas em valor aproximado de 20 mil contos, trabalhos relativos à construção do Tribunal de Armamar, que ocupou a produção quase durante um ano e por ser uma obra para o Estado.
15. O Oponente confiou nas Construções…, por ter crédito nos bancos e aceitou letras em pagamento em face da confiança gerada entre ambas por virtude dos vários anos de relações comerciais, que depois não foram reformadas nem pagas, num valor de cerca de 60 mil contos.
16. O Oponente vendeu património pessoal, nomeadamente metade de um prédio que tinha e fez hipoteca sobre a sua casa de habitação à União de Bancos para tentar efectuar pagamentos e por essa altura começaram a sair funcionários por falta de pagamento de salários, tendo o Oponente tentado minimizar as consequências, o que não foi suficiente para resolver os compromissos.
17. O Oponente levou o balanço da empresa a 2 bancos para tentar financiamento para sobreviver mas não o conseguiu porque as dívidas na banca eram de elevados montantes.”
Além da razão que ficou expressa, este circunstancialismo, estes detalhes, não foram invocados pelo Oponente, ora Recorrido. Considerada a reprodução do teor dos depoimentos prestados pelas duas testemunhas inquiridas, que se mostra extensamente transcrita na motivação da decisão da matéria de facto, constatamos que os pormenores eliminados desta terão resultado de concretização realizada pelas testemunhas ouvidas em face da alegação vaga e genérica constante da petição de oposição.
É também por este motivo que é impossível atender ao pedido de aditamento de factos formulado pelo Recorrido. Não obstante apelar ao princípio do inquisitório, o certo é que o tribunal só deve realizar ou ordenar oficiosamente diligências tendentes à descoberta da verdade material relativamente a factos que tenham sido alegados (ou que sejam de conhecimento oficioso) – cfr. artigo 99.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT).
Nesta conformidade, não sendo os seguintes factos de conhecimento oficioso, nem tendo sido alegados, é irrelevante que as testemunhas se tenham referido aos mesmos, não podendo, por isso, constar da decisão da matéria de facto:
“18. A devedora originária contratou com diversos clientes o fornecimento de obras cujo pagamento não se verificou, realçando-se os trabalhos efectuados para a Construtora…, nomeadamente na construção no Tribunal e Câmara de Armamar, de onde resultaram dívidas de cerca de 60 mil contos (330 mil curos), o que esteve na origem das dificuldades que o Oponente tentou ultrapassar com a venda e hipoteca de património pessoal, o que não foi de todo o modo suficiente.
19. A insuficiência do património ou de meios por parte da devedora originária não se deveu a acto ou actos de gestão praticados pelo oponente que tivessem como propósito a colocação de devedora em situação de não poder cumprir com as suas obrigações, nomeadamente fiscais e que, apesar disso, levou a cabo tentativas, designadamente onerando o seu património pessoal de forma a tentar “salvar” a situação económica da empresa, sem, no entanto, o haver conseguido.”

De igual forma, não pode manter-se na decisão da matéria de facto, considerando-se, também, não escrito o seguinte ponto:
“12. Em 11/12/2006, o Oponente foi citado para a reversão, na qualidade de responsável subsidiário e para no prazo de 30 dias pagar a quantia exequenda de € 52.487,51, de que era devedora a executada Indústria Mobiliário e Carpintaria…, Lda, NIPC 5…, no processo de execução fiscal n.º 2690200001000063 e apensos ocorrendo os fundamentos da reversão “conforme 5 folhas anexas” – cfr. fls. 44 a 46 do PEF”.
Efectivamente, esta factualidade encerra matéria conclusiva, chegando a parte final a condicionar o desfecho da acção – ocorrendo os fundamentos da reversão “conforme 5 folhas anexas”. Por outro lado, uma vez que o Oponente invocou a nulidade da citação, por falta de envio da totalidade das cópias dos títulos executivos, não poderá, desde logo, afirmar-se que “foi citado”, sem que se tenha tomado qualquer posição sobre esta questão alegada. A boa técnica imporia que se optasse antes por fixar que foi recebida carta modelo, em 11/12/2006, tendo em vista dar a conhecer os fundamentos da reversão e chamar o Oponente para a execução fiscal, descrevendo o que da mesma consta e referindo que a AT a apelidou de “citação (reversão)”.

2. O Direito

O presente recurso versa somente sobre a parte da sentença que julgou procedente o pedido formulado na oposição e que declarou ilegítimo o chamamento à execução do revertido com referência às dívidas relativas a IRC e a IVA, porquanto se considerou que “não provém de culpa do Oponente a falta de pagamento das obrigações fiscais da devedora originária”. Assim, mostra-se excluído do âmbito do presente recurso o julgamento com referência às dívidas provenientes de coimas – cfr. artigo 684.º, n. 2 do CPC, aplicável à data.
O Recorrente alega que a sentença recorrida enferma de vício de falta de fundamentação de facto, que implica nulidade da sentença, pelo que a mesma deve ser anulada, em conformidade com o preceituado nos artigos 123.º, n.º 2, e 125.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
No entanto, o Recorrente tem em vista somente os factos constantes dos pontos 14 a 17 da decisão da matéria de facto que, pelos motivos expostos, já foram considerados não escritos. A alegação versa unicamente esta factualidade, na medida em que apenas esta sustentou a conclusão de falta de culpa do Oponente.
Neste contexto, já não faz sentido apreciar este fundamento do recurso. Embora os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não possam ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo (cfr. artigo 684.º, n.º 4 do CPC, na redacção aplicável à data), o certo é que tal matéria já se mostra eliminada da decisão.
De todo o modo, lembramos, como é doutrina e jurisprudência maioritária, que tal nulidade só ocorre quando faltem em absoluto os fundamentos de facto em que assentou a decisão. Apenas a total e absoluta ausência de fundamentação de facto afecta o valor legal da sentença, acarretando a sua nulidade, o que não ocorre quando a fundamentação é escassa, incompleta, não convincente, deficiente ou errada - cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 139/140 e Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra, pág. 687.
Importa, por isso, avançar para a apreciação da apelação no que tange à consideração de que “não provém de culpa do Oponente a falta de pagamento das obrigações fiscais da devedora originária”.
É sabido que o regime da responsabilidade subsidiária aplicável é o vigente no momento em que se verifica o facto gerador da responsabilidade (artigo 12.º do Código Civil), pelo que sendo as dívidas exequendas referentes a IRC de 2000, 2001, 2002, 2003 e 2004 e a IVA de 1997, 1999, 2002 e 2003, algumas dívidas respeitam a factos constitutivos que ocorreram na vigência do Código de Processo Tributário (CPT), sendo de aplicar o regime previsto nos respectivos artigos 13.º e 239.º, outras foram geradas na vigência da Lei Geral Tributária (LGT), sendo, respectivamente, de aplicar o regime previsto no artigo 24.º da LGT:
Este artigo 24.º, n.º 1 da LGT estabelece o seguinte:
“1. Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento. (…)”.
Vejamos, também, o teor do artigo 13.º do CPT, aplicável, como vimos, a parte das dívidas em apreço nos autos:
“Responsabilidade dos administradores ou gerentes das empresas e sociedades de responsabilidade limitada
1 - Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam funções de administração nas empresas e sociedades de responsabilidade limitada são subsidiariamente responsáveis em relação àquelas e solidariamente entre si por todas as contribuições e impostos relativos ao período de exercício do seu cargo, salvo se provarem que não foi por culpa sua que o património da empresa ou sociedade de responsabilidade limitada se tornou insuficiente para a satisfação dos créditos fiscais. (…)”
Não resulta questionada a aplicabilidade do disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT, nem do artigo 13º do CPT, na situação concreta, tendo a sentença recorrida julgado existir falta de responsabilidade do Oponente pelas dívidas.
As normas com base nas quais se determina a responsabilidade subsidiária, inclusivamente aquelas que determinam as condições da sua efectivação e o ónus da prova dos factos que lhe servem de suporte, devem considerar-se como normas de carácter substantivo, pois a sua aplicação tem reflexos materiais na esfera jurídica dos revertidos. Por isso, o CPT é aplicável para regular as condições da reversão contra os responsáveis subsidiários, bem como para estabelecer as regras do ónus da prova dos factos em que assenta a responsabilidade, relativamente a dívidas cujos períodos de constituição decorreram na sua vigência - Acórdão do STA, de 28/09/2006, proferido no âmbito do processo n.º 0488/06.
Por outro lado, como se indica na sentença recorrida, o Oponente admite, na sua petição de oposição, que foi gerente de facto da devedora originária.
A lei onera com a presunção de culpa na insuficiência do património da empresa para satisfação dos créditos fiscais o gerente da devedora original.
Sendo uma presunção legal de culpa, ela só pode ser ilidida mediante a prova do contrário (artigo 350.º/2 do Código Civil). Não basta a mera contraprova destinada a tornar duvidosa a sua culpa (artigo 346.º do Código Civil) exigindo-se, antes, a demonstração de que a situação de insuficiência se ficou a dever exclusivamente a factores exógenos e que, no exercício da gerência, usou da diligência de um bonus pater familiae no sentido de evitar essa situação (cfr., entre outros, os Acórdãos deste TCAN, de 09/02/2012 e de 06/04/2006, proferidos no âmbito dos processos n.º 00415/05.8BEBRG e n.º 00021/02 – PORTO, respectivamente).
Para ilidir a presunção legal de culpa, deverá o oponente alegar os factos relevantes e demonstrativos das iniciativas que um gestor diligente sempre empreenderia em circunstâncias adversas de modo a evitar, ou minimizar, o impacto negativo de eventuais factores externos no desenvolvimento da actividade social.
Para afastar a presunção, não exige a lei o sucesso total dessas diligências em evitar o encerramento da sociedade, ou da constituição das dívidas, pois nem tudo é previsível ou controlável e não cabe aos tribunais avaliar o mérito técnico da gestão desenvolvida pelos gerentes nem as capacidades inatas ou técnicas que cada sujeito é portador.
O que se exige é tão só o empenho e actividade dedicada do gestor no pagamento dos créditos fiscais e/ou na preservação do património que há-de, a final, garantir o seu pagamento (o património do devedor constitui a garantia geral dos créditos tributários – art.º 50º/1 LGT e 601º do Código Civil).
E se porventura esse pagamento se tornar impossível, que o gestor demonstre, pelo menos, ter feito tudo o que estava ao seu alcance para que os créditos fiscais não fossem defraudados.
Esta exigência é o que se reputa de «condição mínima» para «desculpabilizar» a falta de pagamento de qualquer imposto, sem distinguir as repercussões e características próprias de cada um – cfr. Acórdão do TCAN, de 18/09/2014, proferido no âmbito do processo n.º 1126/06.2BEBRG.
Como havíamos referido anteriormente, a figura da culpa só tem sentido quando reportada a omissões ou acções específicas, sendo imprescindível a alegação de medidas concretas que demonstrem a diligência empreendedora do gestor em face das adversidades a que a actividade ficou exposta.
Contudo, compulsando a petição inicial, não se vislumbra a invocação de qualquer medida, diligência, ou empreendimento desenvolvidos pelo Oponente com vista à satisfação das dívidas fiscais.
No artigo 12.º da petição inicial, o Oponente alegou que sempre actuou de forma diligente e é uma pessoa trabalhadora, e se a devedora originária não pôde cumprir os seus compromissos fiscais, a responsabilidade por esse facto não lhe pode ser assacada mas sim aos clientes que não lhe pagaram e até hoje mantêm dívidas com a empresa de vários milhares de contos.
No caso especial do IVA, que também está em causa nos autos, bem como nos impostos retidos na fonte, a falta da sua entrega ganha particular gravidade, na medida em que se trata de impostos que traduzem um fluxo monetário na empresa que, ao não serem entregues nos cofres do Estado, estão a ser «desviados» do seu destino legal único, em proveito de «objectivos» alheios à sua finalidade.
Quando o gestor procede ao «desvio» da destinação das verbas recebidas (estamos a falar do IVA) não pode, assim, deixar de indiciar um comportamento censurável. E quanto mais censurável é o comportamento indiciado, mais esforço se exige na demonstração de factos positivos bastantes que contrariem aqueles indícios, sob pena de não afastar a presunção de culpa que a lei lhe atribui.
Como escreve Saldanha Sanches, «(…) No caso do IVA, a existência desse fluxo financeiro cria um forte indício de comportamento censurável que só em casos muito particulares pode ser objecto de uma demonstração de ausência de culpa por parte dos particulares. É uma demonstração difícil, mas não impossível, uma vez que a empresa não é o fiel depositário da quantia cobrada. Embora tenha o dever de entregar as quantias cobradas na aplicação do IVA no prazo previsto pela lei, a empresa pode considerá-las como uma receita normal, cabendo-lhe a devida diligência para que o pagamento seja feito. Pode haver justificação, pela verificação de um facto imprevisto e razoavelmente imprevisível, para que a entrega se não tenha verificado» (cfr. Manual de Direito Fiscal, Coimbra Editora, 3ª edição, pp. 274).
In casu, o Oponente parece dizer não ter recebido esses montantes referentes a IVA dos seus clientes. Todavia, não especifica qualquer facto concreto a esse respeito, inviabilizando a sua prova, designadamente, os nomes dos clientes, os montantes ou os períodos específicos em causa.
O Oponente limitou-se a afirmar na sua petição que nunca praticou qualquer acto de gestão relativo à actividade exercida pela sociedade devedora originária que pusesse em causa o seu regular funcionamento (cfr. artigo 2.º) e que não omitiu qualquer obrigação a que estivesse adstrito, não existindo, por isso, culpa da sua parte quanto ao incumprimento das obrigações tributárias da sociedade (cfr. artigo 3.º). Acrescentou que, existindo dívidas que responsabilizem a sociedade e respectiva insuficiência de património, radica em situações exteriores à própria empresa e sua gerência (cfr. artigo 4.º).
Ora, mais uma vez, o Oponente somente efectuou afirmações vagas e genéricas, tendo ficado por aqui a totalidade da sua alegação. Parece apontar para a ideia de existirem créditos dos clientes ao referir-se a situações exteriores à própria empresa, sem que identifique, em concreto, os créditos e de que clientes. E, sobre estes, sempre haveria de ser provada a sua subsistência e que diligências foram efectuadas para sua cobrança, o que nem sequer foi alegado.
Isto é, em rigor, quanto a esta matéria da responsabilidade, não foram alegados quaisquer factos simples susceptíveis de prova, pelo que sempre faltará explicação para a falta de pagamento das dívidas fiscais. Afinal, o que é que o Oponente fez, em concreto, para evitar essa falta de pagamento das dívidas? Nada foi alegado de concreto que tivesse sido realizado para evitar o incumprimento fiscal, nem diligências tendentes ao cumprimento.
Assim, se a factualidade alegada pelo Oponente não permite concluir que a situação de insuficiência de património tenha resultado de uma qualquer alteração inesperada e incontrolável de circunstâncias externas, nada alegando no sentido de demonstrar que agiu com cuidado e prudência, não pode considerar-se ilidida a presunção de culpa que sobre ele recai por força do referido artigo 13.º do CPT e do artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT.
O Recorrido apela ao princípio do inquisitório, da verdade material e ao teor do depoimento das testemunhas (que se mostra transcrito na motivação da decisão da matéria de facto).
Ora, no que toca ao conhecimento/apuramento dos factos em causa, importa não perder de vista o que preceitua o artigo 13.º do CPPT: que incumbe aos juízes dos tribunais tributários realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhe seja lícito conhecer. Por outro lado, de harmonia com o artigo 114.º do mesmo diploma, não conhecendo logo do pedido, o juiz ordena as diligências de prova necessárias. Destes preceitos decorre que o dever de realizar e ordenar as correspondentes diligências se deve limitar àquelas que o tribunal considere, no seu livre juízo de apreciação, como úteis ao apuramento da verdade. Contudo, não se deverá perder de vista que a descoberta da verdade material deve ser conjugada com os princípios da eficácia e racionalidade do processo tributário.
Assim, no processo tributário, e com base no princípio do inquisitório, temos que ao juiz é atribuído o poder de ordenar as diligências de prova consideradas necessárias para a descoberta da verdade, o que sempre deverá ocorrer quando, perante uma questão que não é apenas de direito, o processo não fornecer os elementos necessários para decidir as questões de facto suscitadas. Nesta conformidade, só haverá défice instrutório, se as partes tiverem invocado factos relevantes para o exame e decisão da causa, que devam considerar-se controvertidos ou necessitados de prova – cfr. artigos 265.º, n.º 3 e 513.º do CPC, na redacção à data, e artigo 99.º, n.º 1 da LGT.
Recordamos que, para afastar a presunção de culpa referida, a alegação dos factos foi efectuada de forma vaga e genérica, impossibilitando, por isso, a produção de qualquer prova. Logo, o apelo ao princípio do inquisitório não pode funcionar cabalmente, precisamente por desconhecimento por parte do tribunal dos factos concretos indispensáveis para o aplicar. Ora, tudo foi invocado genericamente, como referimos, impedindo accionar-se o princípio do inquisitório, pois na sua base estarão sempre factos invocados pelas partes. Havendo uma omissão de invocação de factualidade concreta (simples), consequentemente falha a produção de prova por parte de quem tinha esse ónus, o Recorrido – cfr. os mencionados artigos 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT e 13.º do CPT.
Assim, tendo presente esta presunção de culpa, mostra-se forçoso concluir que o Recorrido não cumpriu o ónus de demonstrar o inverso do ali legalmente presumido, pelo que essa presunção de culpa na insuficiência do património da originária devedora para satisfazer os créditos tributários subsiste.
Aqui chegados, resta concluir que a sentença na parte recorrida não pode manter-se na ordem jurídica, não podendo a oposição proceder, quanto às dívidas de IVA e IRC, com este fundamento – cfr. artigo 204.º, n.º 1, alínea b) do CPPT.
Competiria, então, face à revogação que se impõe, conhecer, por substituição (n.º 2 do artigo 715.º do CPC), das questões suscitadas na oposição e cuja apreciação foi, na sentença recorrida, implicitamente tida como prejudicada face à decisão de ilegitimidade do Oponente.
Todavia, dado que na decisão não foi especificada matéria de facto relativa a essas questões, nem constam dos autos os elementos necessários que permitam, com a amplitude suficiente, o seu conhecimento (artigo 715.º, n.º 2 do CPC), impõe-se a baixa do processo ao Tribunal “a quo” para que, julgada e especificada tal factualidade, sejam aquelas apreciadas.
Efectivamente, na petição de oposição foram invocados outros fundamentos, designadamente, a prescrição prevista no artigo 204.º, n.º 1, alínea d) do CPPT, que implica reunir factualidade relativa a todos os factos iniciais, interruptivos, suspensivos e finais para cômputo, com a segurança e certeza exigíveis, do respectivo prazo.
Deste modo, resta remeter o processo ao tribunal recorrido de molde a permitir que sejam promovidas todas as diligências probatórias que se mostrem adequadas e necessárias ao esclarecimento, mais completo possível, dos aspectos apontados que inviabilizam o conhecimento em substituição dos restantes fundamentos alegados na presente oposição.
Conclusões/Sumário

I - O regime legal da responsabilidade subsidiária dos gerentes por dívidas fiscais, do artigo 13.º do Código de Processo Tributário, faz recair sobre o gerente que exerceu funções durante o período em que se constituíram e/ou em que deviam ser pagas tais dívidas, a prova de que não teve culpa pela insuficiência do património social para satisfazer os créditos exequendos.
II - Nos termos do artigo 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT, existe uma presunção legal de culpa, recaindo sobre o administrador ou gerente o ónus da prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento ou de entrega da prestação tributária.
III - Estas presunções legais de culpa só podem ser ilididas com a prova do contrário, isto é, a prova das iniciativas empreendidas para evitar, ou minimizar, o impacto negativo de factos adversos externos no desenvolvimento da actividade social.
IV - Operada a reversão nos termos dos normativos referidos, desacompanhada da ilisão da presunção da culpa por parte do oponente, pela insuficiência do património da sociedade para satisfazer as dívidas fiscais da devedora originária, o ora Recorrido apresenta-se como parte legítima na execução.
V - Da decisão da matéria de facto devem constar factos simples e não juízos de valor/conclusões. As conclusões de facto e de direito são efectuadas em julgamento pelo tribunal.
VI - O princípio do inquisitório somente tem aplicação perante a invocação de factos concretos pelas partes que se mostrem controvertidos.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença na parte recorrida, determinar a remessa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu para conhecimento dos restantes fundamentos da oposição.
Custas a cargo do Recorrido, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.
Porto, 26 de Outubro de 2017
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Paula Moura Teixeira
Ass. Fernanda Esteves