Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00105/13.8BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/22/2016
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:INDEMNIZAÇÃO; RESPONSABILIDADE CIVIL; ETAR; DL 48.051;
Sumário:1 – A responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos regia-se à data dos factos relevantes, pelo disposto no DL 48.051, de 21/11/67, pelo que aqueles serão responsáveis quando for de concluir que os seus órgãos ou agentes praticaram, por ação ou omissão, atos ilícitos e culposos, no exercício das suas funções e por causa desse exercício, e que daí resultou um dano para terceiro.
2 - Para que ocorra a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas por atos ilícitos e culposos dos seus órgãos ou agentes, no exercício das suas funções e por causa delas, é necessária a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano.
3 – Não tendo os Autores logrado demonstrar que foi o funcionamento da ETAR que determinou o encharcamento dos seus terrenos, nem que o efluente polui os mesmos, não resultou assim provada qualquer relação direta de causa-efeito entre a atuação das Entidades Recorridas e os danos patrimoniais reclamados, tal determina a improcedência da ação indemnizatória, por se não reconhecer o preenchimento integral dos pressupostos aplicáveis.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:CAA, MMA, LMC e MEJS
Recorrido 1:Águas do Norte SA e Agência Portuguesa do Ambiente IP
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I Relatório
CAA, MMA, LMC e MEJS, devidamente identificados nos autos, no âmbito da ação administrativa comum, intentada contra a Águas do Norte SA e Agência Portuguesa do Ambiente IP, na qual peticionaram, em síntese e designadamente, a atribuição de indemnizações “pelos prejuízos sofridos” resultantes da construção “da ETAR de Torre de Moncorvo” que terá transbordado “para os prédios rústicos dos requerentes”, inconformados com a Sentença proferida em 6 de maio de 2015, no TAF de Mirandela, na qual a ação foi julgada “improcedente”, vieram interpor recurso jurisdicional da mesma, em 12 de Junho de 2015 (Cfr. fls. 514 a 540 Procº físico).

Formulam os aqui Recorrentes nas suas alegações de recurso as seguintes conclusões (Cfr. fls. 533 a 540 Procº físico):

“I- O VÍCIO DO ERRO SOBRE OS PRESSUPOSTOS DE FACTO QUANTO AOS FUNDAMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL IMPUTADA PELOS AUTORES AO RÉU INSTITUTO PÚBLICO AGÊNCIA PORTUGUESA DO AMBIENTE I. P.

1ª- Ao contrário do sustentado no último parágrafo da pág. 14 e na 1ª linha da pág. 16 da sentença recorrida de 6.05.2015, a responsabilidade civil imputada pelos autores ao Instituto Público Agência Portuguesa do Ambiente, I.P. não assenta no facto de aquele Instituto ter licenciado a ETAR, tendo por fundamento os factos e razões indicados no art. 5º da presente alegação que se dão por reproduzidos.

2ª- Em parte alguma da petição inicial ou de qualquer outro ato processual os autores puseram em causa o licenciamento da ETAR de Torre de Moncorvo por parte do Instituto Público Agência Portuguesa do Ambiente, I.P. ou imputaram responsabilidade àquele Instituto Público por tal facto.

3ª- Enferma pois a sentença recorrida do vício do erro sobre os pressupostos de facto, o que deve conduzir à respetiva anulação, por ter partido do pressuposto errado de que a responsabilidade civil imputada pelos autores ao Instituto Público Agência Portuguesa do Ambiente, I.P. assenta no facto de aquele Instituto ter licenciado a ETAR, o que levou a concluir que «não se estabelecendo que o funcionamento da ETAR é causa do encharcamento dos terrenos dos Autores e, consequentemente, dos danos, ao Réu APA nada haverá a apontar» (pág. 16 da sentença recorrida).

4ª- No art. 16º da sua contestação de 2.05.2013 o Instituto Público Agência Portuguesa do Ambiente, I.P. reconhece que «na qualidade de Autoridade Nacional da Água» exerce «funções de fiscalização… das utilizações dos recursos hídricos», reconhecendo nos artigos 40º e 41º da mesma contestação que lhe compete fiscalizar se a linha de água tem ou não «vazão para o efluente produzido pela referida ETAR».

5ª - Ora, comprovando as fotografias nr.s 7, 10 e 23, juntas aos autos pelo Inst. Público APA com a sua contestação, que a linha de água não tem vazão para o efluente nela descarregado pela ETAR, (ao contrário do sustentado no art. 24º da contestação da ré ATMAD SA), podendo ver-se em qualquer daquelas 3 fotografias que a água que circula no referido canal o enche por completo, estando na eminência de transbordar, ter-se-á de concluir que o réu Instituto Público APA não exerceu as suas supra referidas funções, sendo solidariamente responsável pelos prejuízos sofridos pelos autores e invocados na petição inicial.

II- O VÍCIO DO ERRO SOBRE OS PRESSUPOSTOS DE FACTO QUANTO AOS FUNDAMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL IMPUTADA PELOS AUTORES À RÉ, ÁGUAS DE TRÁS-OS-MONTES E ALTO DOURO, SA.

6ª- Também a responsabilidade da ré ATMAD – Águas de Trás-os-Montes e Alto Douro, SA, não radica, face «à configuração que os Autores dão à causa», apenas «na circunstância de ter aumentado o caudal da linha de água de forma que ultrapassa os limites desta» (como se afirma no último parágrafo da pág. 14 da sentença recorrida), mas também nos factos e razões invocados nas alíneas a) a e) do art. 9º da presente alegação, que se dão por reproduzidos.

7ª Donde se terá de concluir que a sentença recorrida enferma do vício do erro sobre os pressupostos de facto também quanto aos fundamentos da responsabilidade civil imputada pelos autores à ré ATMAD SA., o que implica a anulação da sentença recorrida.

8ª- Por força do contrato de concessão que celebrou com o Estado em 26.11.2001, a que se alude no ponto 7 da fundamentação de facto, compete à ré ATMAD SA, enquanto concessionária da ETAR de Torre de Moncorvo, «o controle… dos efluentes tratados e dos meios recetores em que os mesmos sejam descarregados … incluindo a sua própria «conceção e construção», pelo que lhe competia e compete manter em bom estado de conservação o canal onde lança os efluentes, cuidando da sua impermeabilização, por forma a que tais efluentes tivessem ficado e fiquem confinados e não tivessem inundado ou continuem a inundar os terrenos agrícolas dos autores.

III- DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO .

9ª- O ponto 11 da fundamentação de facto está em manifesta contradição com o ponto 15 da mesma fundamentação, na medida em que se a linha de água «confina com os prédios dos Autores» é porque não passa nesses terrenos.

Confinar não só não é sinónimo, como é bem diferente de passar em ou passar por, pelo que das duas uma: ou a linha de água confina com os prédios dos autores ou atravessa tais prédios. No 1º caso os autores não são proprietários da linha de água, no 2º caso já o são na parte em que ela corre nos seus terrenos.

10ª- Mas mesmo que se tivesse concluído inequivocamente (que, como vimos, não foi o caso) que a linha de água passa pelos prédios dos autores, ainda assim caberia e cabe à ré ATMAD, SA «o controle… dos efluentes tratados e dos meios recetores em que os mesmos sejam descarregados … incluindo a sua própria «conceção e construção», por força do disposto no ponto 2 da cláusula 2ª do contrato de concessão de exploração que celebrou com o Estado Português em 26.11.2011, a que se alude no ponto 7 da fundamentação de facto da sentença recorrida de 6.05.2015, pelo que, no entender dos recorrentes, não carece de ser sanada a supra referida manifesta contradição, uma vez que a responsabilidade pela boa conservação da linha de água em questão cabe aos réus ATMAD, SA e Instituto Público AOA, I.P..

11ª- O que provoca «cheiros fortes» não é a «normal exploração da ETAR», nem «os efluentes rejeitados para a linha de água», mas sim a estagnação desses efluentes nos terrenos agrícolas dos autores, como é aliás confirmado, em certa medida, pelo ponto 19 da fundamentação de facto. Se os efluentes descarregados corressem regularmente na linha de água não causariam qualquer cheiro incómodo para os autores ou para quem passa na zona, mas a partir do momento em que saem do canal e ficam estagnados nos terrenos agrícolas dos autores, os cheiros surgem naturalmente como é aliás do conhecimento geral.

12ª- Desconhece-se quem procedeu ao desvio da linha de água a que se alude no ponto 17 da fundamentação de facto, tendo o próprio mandatário do réu APA afirmado nas alegações que «não se sabe se foi D. Diniz, se quem foi» (ponto 03.27.31 do CD respeitante à audiência de julgamento de 11.03.2015).

13ª- Dá-se acertadamente como provado no ponto 23 da fundamentação de facto, que o encharcamento dos terrenos dos autores se deve à «infiltração de águas nos muros da linha de água» concluindo-se porém erradamente no penúltimo parágrafo da pág. 15 da sentença recorrida que a origem desse encharcamento «não se pode ligar ao funcionamento da ETAR», sendo este, pelas razões supra invocadas, designadamente no art. 39º da presente alegação, o principal erro de julgamento cometido no caso sub judice.

IV- DA «FACTUALIDADE NÃO PROVADA» .

14ª- Todos os factos descritos no capítulo relativo à «factualidade não provada», incluindo os danos invocados pelos autores e descritos nos doc.s 16 e 17 juntos com a petição inicial, deveriam ter sido dados (e deverão ser dados) como provados pelas razões apontadas no Capítulo IV da presente alegação de recurso, que se dão por reproduzidas, tendo também em consideração os extratos dos depoimentos nele indicados.

15ª- O ter-se considerado não provados os factos a que se alude no ponto 1 da «factualidade não provada», está em contradição com o que se dá por provado nos pontos 23 e 24 da fundamentação de facto. Só assim não seria se tivesse resultado provado e não resultou que teriam sido outras «águas» com exclusão das residuais que teriam provocado o encharcamento em parte dos terrenos dos autores por se terem infiltrado através dos «muros da linha de água» (ponto 23 da fundamentação de facto), cabendo às rés o ónus da prova de tal (pseudo) facto, o que não se verificou .

16ª- Acresce que a decisão de considerar não provados os factos a que se alude nos pontos 5 e 9 da «factualidade não provada» está em contradição com a decisão de considerar provado os factos a que se alude no ponto 9. da fundamentação de facto, pelo menos quanto ao facto de os autores trabalharem de sol a sol na vizinhança da ETAR, o que aliás terá de ser considerado provado tendo em consideração os extratos dos depoimentos supra indicados que incidem sobre esta matéria de facto .

17ª- Sintomático é o facto, sobejamente confirmado por múltiplas testemunhas, como se comprova pelos supra indicados extratos dos respetivos depoimentos, de que o encharcamento dos prédios dos autores se verifica todo o ano, quer chova, quer faça sol, o que deveria ter necessariamente conduzido a que fosse dado como provado que esse encharcamento se deve às águas residuais descarregadas pela ETAR, uma vez que nenhum outro fator o pode explicar nos períodos em que não chove, sendo esse o maior erro de julgamento cometido pelo tribunal a quo.

V- DA VALORAÇÃO DA PROVA TESTEMUNHAL .

18ª- É absolutamente incompreensível que a sentença recorrida tenha valorado pouco o depoimento prestado pelos Engenheiros AMB e AgB por terem defendido o seu trabalho (último parágrafo da pág. 11), quando lógico seria a atitude oposta, ou seja, de forte valoração de tais depoimentos, visto se tratar das pessoas que analisaram os problemas em apreço com maior minúcia e através de múltiplas visitas ao local em estudo, o que se traduz num notório erro de julgamento.

19ª- Como não é minimamente aceitável que se tenha considerado «parcial» (de forma infundamentada) o depoimento prestado pela testemunha CP, que foi marcado por total e notória veracidade e grande conhecimento de causa, tendo a testemunha respondido com frequência «não sei» a perguntas sobre matéria que desconhecia, o que revela a sua seriedade

20ª- Não indica a sentença recorrida qualquer fundamento para se ter concluído que a testemunha AA «não prestou depoimento isento e imparcial», revelando os supra descritos extratos do respetivo depoimento exatamente o contrário.

21ª- Como também não faz qualquer sentido a afirmação de que as testemunhas JCM e AMB do não demonstraram saber muito sobre a matéria de facto em discussão, o que constitui um contrassenso, atendendo a que a testemunha JCM trabalha nos terrenos dos autores desde 1985 e demonstrou conhecer bem a situação anterior e posterior à entrada em funcionamento da ETAR, como resulta do seu depoimento, designadamente das supra destacadas partes do mesmo, tendo a testemunha ABdo demonstrado ser portador de grande conhecimento de causa sobre os factos em apreço, até porque viveu durante 18 anos num terrenos dos autores, como também resulta do depoimento que prestou e dos respetivos extratos supra indicados.

22ª- Ao ter valorado fortemente os depoimentos prestados pela maioria das testemunhas arroladas pelos réus apesar de, com exceção da testemunha LM, serem seus funcionários e ter fortemente desvalorizado os depoimentos das testemunhas arroladas pelos autores, apesar de nenhuma delas ter com eles qualquer vínculo laboral e ter a sentença recorrida considerado «credível e imparcial» o depoimento prestado pela testemunha AR, quando é sabido que tal testemunha para além de se ter referido, provocatoriamente, a uma «paisagem sadia» (ponto 00.25 do depoimento que prestou em 12.02.2014 – Cassete 5, lado B), existindo dezenas de árvores mortas no local, teve ainda o descaramento de afirmar que o alagamento dos terrenos «se calhar nem 1%» representava (ponto 01.46 do depoimento que prestou em 12.02.2014 – Cassete 5, lado B) e que afirmou, quando confrontado com o alegado pela ré APA (de que é funcionário), que admitia o perecimento de 50 oliveiras, que «50 árvores representarão 1%» (ponto 06.46) o que é absolutamente ridículo pois implicava a existência de 5.000 árvores nos terrenos dos autores, o que não se verifica nem de perto nem de longe, utilizou o tribunal a quo, salvo o devido respeito, 2 pesos e duas medidas.

23ª- Ter-se-á pois de concluir que o tribunal a quo procedeu a uma apreciação arbitrária da pelo que, salvo o devido respeito, violou a sentença recorrida a norma que integra o nr. 5 do art. 607º do CPC, ex vi art. 1º do CPTA .

VI- DA FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO (CAPÍTULO IV – SEM DENOMINAÇÃO – DA SENTENÇA RECORRIDA). DA RESPONSABILIDADE CIVIL DOS RÉUS ATMAD SA E INSTITUTO PÚBLICO APA.

24ª- É inquestionável que quer as testemunhas arroladas pelos autores, quer algumas das testemunhas apresentadas pelos réus estabeleceram nexo de causalidade entre as descargas dos efluentes provenientes da ETAR de Torre de Moncorvo e o encharcamento dos terrenos dos autores, como resulta dos extratos de depoimentos transcritos na presente alegação de recurso.

25ª- Os autores atribuíram o encharcamento dos seus terrenos agrícolas não apenas ao «aumento do caudal da linha de água provocado pela descarga da ETAR», mas sobretudo ao facto de as águas residuais descarregadas pela ETAR passarem por entre as paredes porosas de xisto do canal onde são lançadas e ficarem em grande parte estagnadas nos seus terrenos agrícolas, em virtude de tanto a ré ATMAD, SA, quanto o réu Instituto Público Agência Portuguesa do Ambiente nunca terem, procedido, como lhes competia, a qualquer obra de conservação das paredes da linha de água.

26ª- Se os efluentes provenientes da ETAR ficassem confinados ao canal para onde são lançados e por ele corressem normalmente até à Ribeira dos Chibos, o aumento do respetivo caudal nenhum dano causaria nos terrenos agrícolas dos autores, como é óbvio.

27ª- Que a linha de água «tem água a correr o ano todo», quer chova ou faça sol, resulta do depoimento prestado por diversas testemunhas arroladas pelos autores e pelos réus, tendo sido devidamente descritos os extratos de tais depoimentos que apontam nesse sentido.

28ª- É sintomática a afirmação produzida pela testemunha indicada pela ré ATMAD, SA e funcionário desta empresa, Eng. FP, de que «todo o caudal que é rejeitado pela ETAR está a passar pelo interior das propriedades e a nossa responsabilidade termina na boca da saída» (ponto 1.16.00 a 1.16.09 do respetivo depoimento – ata de 11.03.2015), pois traduz a absurda tese sustentada por aquela ré de que não lhe pode ser assacada responsabilidade pelo que acontece a jusante do ponto da descarga (vid art.s 22º, 35º e 139º da contestação da ré ATMAD, SA em que se rejeita «qualquer responsabilidade sobre a gestão e manutenção das condições da linha de água»).

29ª- A sentença recorrida considera credível o depoimento prestado pela testemunha indicada pela ré ATMAD, SC, que afirmou que a linha de água chega a secar no Verão apesar de ter confirmado que a descarga de efluente da ETAR é contínua (ponto 02.17.18 do respetivo depoimento – ata de 11.03.2015), o que constitui um inequívoco contra senso, tendo chegado ao ponto de concluir que os efluentes descarregados pela ETAR são benéficos para os proprietários dos terrenos afetados (ponto 02.08.05).

30ª- Também a realização de bypass, ainda que pontual, foi reconhecida pelas diversas testemunhas inquiridas supra identificadas, tendo daí resultado que resíduos sólidos não tivessem passado pela ETAR e tivessem ido parar aos terrenos agrícolas dos autores.

31ª- Conforme resulta da «ata de audiência de julgamento» de 12.02.2014 (que comporta a data errada de 11/02/2014) foi sugerida pela Ex.ma Senhora Juiz autora da sentença recorrida «a realização de uma perícia», cujos moldes seriam posteriormente definidos pelas partes, «para averiguação do montante dos danos existentes», tendo sido equacionada pela mesma Ex.mª Senhora Juiz «a possibilidade de uma inspeção ao local, caso a perícia não seja suficientemente esclarecedora», pelo que foi com grande surpresa que os mandatários das partes receberam a decisão de não ser realizada nem a perícia nem a inspeção ao local que lhes foi comunicada no final da audiência de julgamento de 11.03.2015, em virtude de a Ex.mª Senhora Juiz se considerar satisfeita com a prova testemunhal, como resulta do ponto 03.15.01 a 03.15.21 da gravação de tal audiência – CD relativo à ata de 11.03.2015.

32ª- Por força do disposto no ponto 2. da clausula 2ª do contrato de concessão celebrado pela ré ATMAD com o Estado em 26.11.2001, compete-lhe enquanto concessionária, o «controlo… dos meios recetores» em que os efluentes são descarregados (alínea c) da cláusula 2ª), incluindo a sua própria «conceção e construção» (alínea a) da cláusula 2ª), podendo, por força do disposto nas cláusulas 19ª e 21ª proceder à «aquisição por via do direito privado ou de expropriação, dos terrenos necessários à sua implantação e, bem assim, a constituição das servidões necessárias» e sendo inclusive titular do «direito de utilizar o domínio público do Estado ou dos municípios utilizadores» - ponto 1 da cláusula 20ª.

33ª- Acontece que a ré Águas de Trás-os-Montes e Alto Douro, SA nada fez para confinar ao atual meio recetor os efluentes provenientes da ETAR de Torre de Moncorvo que aí descarrega, fazendo com que eles transbordem ou passem para o terreno dos autores através das paredes porosas de pedra de xisto, como nunca cuidou de conceber e construir, como era sua obrigação, «meios recetores» adequados, ou seja, devidamente impermeabilizados, por forma a que os efluentes não encharcassem os terrenos agrícolas dos autores, como lhe competia também por força do disposto no ponto 1. da cláusula 12ª , segundo o qual está a concessionária obrigada a «manter em bom estado de funcionamento, conservação e segurança, a expensas suas, os bens e meios afetos à concessão durante o prazo da sua vigência, efetuando para tanto as reparações, renovações e adaptações necessárias ao bom desempenho do serviço público».

34ª- A responsabilidade da ré ATMAD – Águas de Trás-os-Montes e Alto Douro, SA, não radica pois, face «à configuração que os Autores dão à causa» apenas «na circunstância de ter aumentado o caudal da linha de água de forma que ultrapassa os limites desta» (como se afirma no último parágrafo da pág. 14 da sentença recorrida), mas também nos factos a que se alude nas alíneas a) a e) do art. 9º da presente alegação.

35ª- Quanto à responsabilidade do réu Instituto Público Agência Portuguesa do Ambiente, a mesma assenta nos factos supra invocados nos art.s 5º a 7º da presente alegação e na sua competência a que se alude nos mesmos artigos.

36ª- O Instituto Público Agência Portuguesa do Ambiente, I.P. reconhece no art. 16º da sua contestação de 2.05.2013 que «na qualidade de Autoridade Nacional da Água» exerce «funções de fiscalização… das utilizações dos recursos hídricos», reconhecendo nos artigos 40º e 41º da mesma contestação que lhe compete fiscalizar se a linha de água tem ou não «vazão para o efluente produzido pela referida ETAR»

37ª- Como resulta dos depoimentos a que se alude no art. 8º da presente alegação, a ETAR de Torre de Moncorvo está a funcionar ilegalmente, uma vez que não foi renovada pelo Instituto Público APA a respetiva Licença de Utilização dos Recursos Hídricos para Descarga de Águas Residuais, factos estes que foram considerados totalmente irrelevantes pela Ex.mª Senhor Juiz autora da sentença recorrida, que passou assim ao largo de uma manifesta ilegalidade, de que os autores só tiveram conhecimento, através do respetivo mandatário, na audiência de julgamento de 11.03.2015.

38ª- Estão preenchidos todos os requisitos legais da responsabilidade civil dos réus «enquanto entidades dotadas de poderes públicos» à luz do disposto no 2º 1. do Dec. Lei 48051 de 21.11.1967 e por aplicação da teoria da causalidade adequada, devendo por isso serem condenados nos termos do pedido formulado pelos autores.

Nestes termos e nos melhores de Direito deve a presente ação administrativa comum ser julgada provada e procedente, condenando-se os réus ATMAD, SA e Instituto Público APA, I.P. nos precisos termos que constam do pedido formulado na petição inicial que aqui se dão por reproduzidos.

O Recurso Jurisdicional foi admitido por Despacho de 16 de Junho de 2015 (Cfr. fls. 546 Procº físico).

A Recorrido/APA IP, veio a apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 3 de Setembro de 2015, nas quais concluiu (Cfr. Fls. 563 e 564 Procº físico):

“O tribunal “a quo” efetuou a correta valoração da prova produzida nos autos e em sede de audiência.

Não há erro sobre os pressupostos de facto.

Não foram violados quaisquer ditames legais, tanto mais que os recorrentes, nada apontam, ou invocam, nesse sentido.

Como muito bem andou o tribunal ao decidir como decidiu, não há nexo de causalidade entre o licenciamento deste Instituto, A.P.A., e o encharcamento do terreno e consequente degradação do solo.

O que se verifica no local, conforme documentos junto ao processo, é que os recorrentes, responsáveis pela limpeza e desobstrução do ribeiro em causa, de acordo com o estipulado na alínea b) do nº 5 do artigo 33º da Lei nº 58/2005 de 29 de dezembro, nada fizeram, o que como se demonstra pelas fotografias junto aos autos, causou inundações que ora são apontadas como causa e que querem assacar responsabilidade aos réus.

Assim, todos os vícios que querem assacar à douta decisão ora em recurso, não merecem acolhimento, pelo que, nestes termos, e nos mais de Direito que V. Exas doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado improcedente, por não provado, mantendo-se a sentença recorrida nos termos descritos, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.”

A Recorrido/Águas do Norte SA IP, veio a apresentar as suas contra-alegações de Recurso igualmente em 3 de Setembro de 2015, nas quais concluiu (Cfr. Fls. 590 e 593 Procº físico):

“1.º Os Recorrentes intentaram a presente ação judicial, cujo objeto do litígio e temas de prova fixados em audiência prévia, se prenderam com a responsabilidade dos RR. quanto a danos alegadamente provocados pelo funcionamento da ETAR de Torre de Moncorvo, sendo objeto de prova a existência de danos patrimoniais e não patrimoniais, a origem dos danos e a reparação dos danos existentes, nomeadamente, montante e necessidade de obras.
2.º Realizado o julgamento, os Recorrentes não conseguiram provar, ou sequer demonstrar, que a situação de encharcamento existente nos seus terrenos, tenha sido provocado pelo funcionamento da ETAR, nem que o efluente polui os seus terrenos, caindo o nexo de causalidade quanto à R. ATMAD, também terá que recair a requerida responsabilização da R., APA por ter licenciado a ETAR.
3.º Nesses termos, e muito bem diga-se desde já, o tribunal a quo absolveu os RR. do pedido.
4.º Não se conformando, vieram os Recorrentes, em recurso de apelação, invocar vício de erro sobre os pressupostos de facto quanto aos fundamentos da responsabilidade civil imputada pelos AA. ao R., APA e vício de erro sobre os pressupostos de facto quanto aos fundamentos da responsabilidade civil imputada pelos AA. à R. Águas de Trás-os-Montes e Alto Douro SA., o que não se aceita.
5.º Porquanto, da matéria de facto assente retira-se que os terrenos dos Recorrentes estão encharcados em parte, encharcamento esse que conduzirá a danos.
6.º No entanto não resultou provado, aliás dos depoimentos das testemunhas resultou o seu contrário, que o encharcamento se deve, pura e simplesmente, ao aumento do caudal da linha de água, provocado pela descarga da ETAR.
7.º Mas sim de diversos fatores que estão na origem de tal situação, nomeadamente, os vários utilizadores da linha de água, os muros da linha de água e a própria linha de água que não estão no seu melhor estado de conservação e, mais grave, o desvio efetuado pelos Recorrentes ou seus antecessores.
8.º Por todo o exposto, e porque os Recorrentes não lograram provar que o funcionamento da ETAR determinou o encharcamento dos seus terrenos, nem que o efluente polui os seus terrenos, é evidente que não existiu, por parte do Tribunal a quo, na sua douta decisão, qualquer erro ou vício.
9.º Repita-se: não padece a decisão recorrida de qualquer vício de erro sobre os pressupostos de facto quanto aos fundamentos da responsabilidade civil imputada pelos AA. ao R., APA e vício de erro sobre os pressupostos de facto quanto aos fundamentos da responsabilidade civil imputada pelos AA. à R. Águas de Trás-os-Montes e Alto Douro SA..
10.º Deve, assim, este recurso ser considerado improcedente, mantendo-se a decisão do tribunal a quo, que fez uma correta indagação, interpretação e aplicação das normas legais, tudo conforme ao Direito.
TERMOS EM QUE SE DEVERÁ CONFIRMAR A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA, COM A CONSEQUENTE E NECESSÁRIA IMPROCEDÊNCIA DO PRESENTE RECURSO.
ASSIM DECIDINDO, VOSSAS EXCELÊNCIAS, SENHORES DESEMBARGADORES, FARÃO, COMO SEMPRE, A COSTUMADA JUSTIÇA!”

O Ministério Público junto deste Tribunal, tendo sido notificado em 2 de Outubro de 2015 (Cfr. fls. 616 Procº físico), veio a emitir Parecer em 15 de Outubro de 2015 (Cfr. Fls. 617 a 620 Procº físico), no qual concluiu pela improcedência do Recurso.

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar
Suscita-se no Recurso intentado, designadamente, a anulação da decisão recorrida, em resultado de “erros nos pressupostos de facto”, e “erros de julgamento quanto à matéria de direito”, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade como provada e não provada, a qual aqui se reproduz:

“1. Os Autores CA e MMA figuram no registo predial como proprietários do prédio misto, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo n.º 2... e urbana sob o artigo n.º 7..., tendo a parte rústica a área de 79.920 m2 e a urbana 61 m2, sito na Estrada do Rego da Barca, freguesia e concelho de Torre de Moncorvo, resultando da respetiva descrição que a parte rústica é composta por «terra para batata de regadio, centeio e pastagem, olival, amendoal, árvores de fruto e ramada de videiras» - cfr. doc. 1 junto com o requerimento inicial do processo cautelar apenso;
2. Desde há alguns anos e até à presente data, os Autores CA e MMA cuidaram do supra referido prédio, cultivando-o e colhendo os respetivos produtos agrícolas, deles se alimentando.
3. Os Autores LC e MES figuram no registo predial como proprietários do prédio denominado Quinta de Á d’A..., que engloba um prédio urbano inscrito na matriz predial sob o art.º 23... e dois prédios rústicos, inscritos na matriz sob os artigos n.ºs 2...3... e 2...8..., com as áreas respetivamente de 68.900 m2 e 80.877 m2, sitos na Estrada do Rego da Barca, freguesia e concelho de Torre de Moncorvo resultando da respetiva descrição que a parte rústica é composta por «terra para trigo e centeio com oliveiras, amendoeiras e laranjeiras», sendo o prédio rústico correspondente ao art.º 2...8... composto por «terra para batata, trigo e centeio com árvores de fruto, olival e amendoeiras» – cfr. docs. 2 e 3 juntos com o requerimento inicial do processo cautelar apenso;
4. Desde há alguns anos e até à presente data, os Autores LC e MES cultivaram os supra referidos prédios rústicos, colhendo os respetivos produtos agrícolas, deles se alimentando.
5. Em 10.12.2003, foi celebrado entre o Município de Torre de Moncorvo e a requerida Águas de Trás-os-Montes e Alto Douro, SA, o «Contrato Relativo à Cedência de Infraestruturas», pelo qual “as infraestruturas, designadas por sistema de Águas Residuais de Torre de Moncorvo, pertencentes ao Município”, e que incluem a respetiva ETAR – Estação de Tratamento de Águas Residuais, passaram a ser exploradas pela Águas de Trás-os-Montes e Alto Douro, tendo ficado a cessionária “autorizada a realizar nas infraestruturas objeto do presente contrato, incluindo terrenos em que se encontram implantadas, todas as obras, nomeadamente de reparação, manutenção, remodelação, ampliação e inovação que se mostrem necessárias ao cumprimento do seu objeto social” – cfr. doc. 4 junto com o requerimento inicial do processo cautelar apenso;
6. Próximo dos prédios dos Autores encontra-se a ETAR – Estação de Tratamento de Águas Residuais de Torre de Moncorvo;
7. Através de “Contrato de concessão”, celebrado em 26.11.2001, o Estado, representado pelo Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território, atribuiu à Águas de Trás-os-Montes e Alto Douro S.A., “em regime de exclusivo, a concessão de exploração e gestão (…) do Sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água e Saneamento de Trás-os-Montes e Alto Douro, para captação, tratamento e distribuição de água para consumo público e para recolha, tratamento e rejeição de efluentes dos municípios”, entre os quais se inclui o de Torre de Moncorvo, aí constando que “a concessionária tem a exclusividade do abastecimento de água aos utilizadores do sistema, bem como da recolha, tratamento e rejeição de efluentes por eles canalizados”, e que “o objeto da concessão compreende:
a) a conceção e construção de todas as instalações e órgãos necessários à captação, tratamento e distribuição de água para consumo público e à recolha, tratamento e rejeição de efluentes canalizados pelos utilizadores, incluindo a instalação de condutas e coletores, a conceção e construção de estações elevatórias, estações de tratamento de água para consumo humano, estações de tratamento de águas residuais, a respetiva reparação e renovação de acordo com as exigências técnicas e com os parâmetros sanitários exigíveis”; b) “o controlo … dos efluentes tratados e dos meios recetores em que os mesmos sejam descarregados”, estando a cargo da concessionária o “controlo… dos meios recetores” em que os efluentes são descarregados, incluindo a sua própria “conceção e construção”, podendo proceder à “aquisição por via do direito privado ou de expropriação, dos terrenos necessários à sua implantação e, bem assim, a constituição das servidões necessárias” e sendo inclusive titular do “direito de utilizar o domínio público do Estado ou dos municípios utilizadores, neste caso mediante afetação, para efeitos de implantação e exploração das infraestruturas da concessão”, estando a concessionária obrigada a “manter em bom estado de funcionamento, conservação e segurança, a expensas suas, os bens e meios afetos à concessão durante o prazo da sua vigência, efetuando para tanto as reparações, renovações e adaptações necessárias ao bom desempenho do serviço público” - cfr. doc. 19 junto com o requerimento inicial do processo cautelar apenso;
8. Em 24.08.2009, foram enviados pelo Município de Torre de Moncorvo ao Presidente do Conselho de Administração da Ré Águas de Trás-os-Montes e Alto Douro S.A., através do ofício n.º 2370, assinado pelo Presidente da Câmara Municipal, “os processos de LMC e de CAA, relativos à avaliação dos prejuízos causados provocados pelas descargas da ETAR” – cfr. doc. 5 junto com o requerimento inicial do processo cautelar apenso;
9. Os Autores vivem e trabalham nos prédios vizinhos da referida ETAR;
10. Na exposição feita pelo Vereador JA à Câmara Municipal de Torre de Moncorvo em 10.08.2009 alude-se ao processo de “avaliação dos prejuízos provocados pelas descargas da E.T.A.R. de Torre de Moncorvo”, subscrito pelos Engenheiros AMB (Eng. Agrícola) e AgB (Eng. de Sistemas Agrícolas e Ambientais) em que se indica que “o principal agente poluidor são as águas provenientes da estação de tratamento de águas residuais de Torre de Moncorvo, que correm ao lado da parede por um canal específico, que não estando preparado para a quantidade de água que por ali iria passar, permitiu o seu transbordo, afetando, pela quantidade e também pela qualidade toda a vida da parcela” (com referência ao prédio rústico dos Autores LC e MES), aludindo-se aí ainda ao levantamento que foi feito “dos prejuízos causados pelas descargas da E.T.A.R. de Torre de Moncorvo, que transbordam para o terreno do agricultor que provocaram na propriedade a morte de oliveiras e figueiras por fitotoxicidade e encharcamento, a contaminação de uma mina de onde o produtor retirava água para rega e para consumo” – cfr. doc. 18 junto com o requerimento inicial do processo cautelar apenso;
11. A descarga de águas residuais a partir da ETAR, desde Julho de 2004, é feita para a linha de água que confina com os prédios dos Autores;
12. A descarga é efetuada diretamente na linha de água através de um emissário de descarga construído confinado ao leito normal da ribeira a céu aberto;
13. A normal exploração da ETAR bem como os efluentes rejeitados para a linha de água não produzem cheiros fortes suscetíveis de provocar qualquer incómodo na envolvente à ETAR;
14. A Ré Águas de Trás-os-Montes e Alto Douro, S.A., efetua regularmente o controle dos efluentes e dos meios recetores;
15. A linha de água que passa nos terrenos dos Autores recebe águas provenientes da Variante de Moncorvo (EP – Estradas de Portugal, S.A), de um Lagar de Azeite e de uma Cooperativa, além de receber da ETAR;
16. Os muros da linha de água são de xisto, pedra sobreposta e porosos;
17. A linha de água inicial foi desviada para uma cota superior à original, levando a que, em caso de impedimento de circulação das águas, estas passem a correr por uma cota mais baixa;
18. Em situações muito pontuais (cerca de uma ou duas vezes por ano) são efetuados bypasses, mas estes são comunicados e autorizados pelas entidades responsáveis;
19. Nos dias de maior calor há mau cheiro no local onde há encharcamentos;
20. As águas provenientes da ETAR (efluente) são frequentemente analisadas e não são águas tóxicas, podendo ser usadas para rega;
21. A água que sai da ETAR (efluente) constitui uma lâmina inferior a 10 cm, no total do caudal da linha de água;
22. A linha de água não se encontra em perfeito estado de limpeza e os muros não se encontram em perfeito estado de conservação;
23. Os terrenos do Autores encontram-se, em parte, encharcados devido a infiltração de águas nos muros da linha de água;
24. Nos terrenos dos Autores há árvores mortas por encharcamento;
25. Nos períodos de maior calor há mosquitos nos terrenos dos Autores;

26. A petição inicial que motiva os presentes autos deu entrada neste Tribunal, em 12.03.2013 – cfr. carimbo aposto a fls. 1 dos autos em suporte físico.

*
Factualidade não provada
Não resultou provado que:
1. A descarga de águas residuais feita a partir da referida ETAR desde Julho de 2004 vem causando avultados estragos nos terrenos cultivados pelos Autores e nas respetivas árvores de fruto, em virtude de não estarem devidamente confinadas às condutas para onde são lançadas, transbordando para os ditos terrenos;
2. Os Autores CA e MMA sofrem desde 2004, em consequência do escoamento de águas residuais provenientes da ETAR de Torre de Moncorvo para os seus terrenos agrícolas os danos descritos no documento 16 junto com o requerimento inicial do processo cautelar apenso;
3. As águas residuais da ETAR têm causado danos ao nível da saúde dos Autores CA e MMA, nomeadamente no respetivo aparelho respiratório, resultante do cheiro nauseabundo daquelas águas, e os que resultam da contaminação dos alimentos e das picadelas dos muitos mosquitos existentes na zona, suscetíveis de transmitir doenças graves, como dengue e outras;
4. Os Autores CA e MMA têm danos não patrimoniais que se consubstanciam na significativa diminuição da qualidade de vida e da angústia que neles se gera pela incerteza da colheita dos alimentos necessários para a sua alimentação e para a venda que lhes permite assegurar o seu sustento;
5. Os Autores CA e MMA trabalham de “sol a sol” na vizinhança da referida ETAR e estão sujeitos, praticamente de forma permanente aos efeitos nocivos das águas residuais provenientes daquela estação de tratamento;
6. Os Autores LC e MES sofreram os danos que vêm descritos o documento 17 junto com o requerimento inicial do processo cautelar apenso;
7. As águas residuais da ETAR têm causado danos ao nível da saúde dos Autores LC e MES, nomeadamente no respetivo aparelho respiratório, resultante do cheiro nauseabundo daquelas águas, e os que resultam da contaminação dos alimentos e das picadelas dos muitos mosquitos existentes na zona, suscetíveis de transmitir doenças graves, como dengue e outras;
8. Os Autores LC e MES têm danos não patrimoniais que se consubstanciam na significativa diminuição da qualidade de vida e da angústia que neles se gera pela incerteza da colheita dos alimentos necessários para a sua alimentação e para a venda que lhes permite assegurar o seu sustento;
9. Os Autores LC e MES trabalham de “sol a sol” na vizinhança da referida ETAR e estão sujeitos, praticamente de forma permanente aos efeitos nocivos das águas residuais provenientes daquela estação de tratamento;
10. Os Autores CA e MMA sofreram os danos constantes do ponto 37 da petição inicial;
11. Os Autores LC e MES sofreram os danos constantes do ponto 38 da petição inicial;
12. A Ré Águas de Trás-os-Montes e Alto Douro, SA, não confina aos atuais “meios recetores” os efluentes provenientes da ETAR de Torre de Moncorvo que aí descarrega, fazendo com que deles transbordem;
13. O não confinamento das águas residuais descarregadas pela ETAR de Torre de Moncorvo aos atuais “meios recetores” (Ribeira dos Chibos) causa danos no próprio ambiente.

IV – Do Direito
Importa agora analisar e decidir o suscitado, em função dos factos dados como provados.
Na presente Ação vieram os aqui Recorrentes, peticionar:
“Nestes termos e nos melhores de Direito devem a ré/demandada Águas de Trás-os-Montes e Alto Douro, SA e o réu/demandado Instituto Público Agência Portuguesa do Ambiente, I.P. ser solidariamente condenados a indemnizar os autores pelos prejuízos por estes sofridos e supra indicados – 624.226,66€ no caso dos autores CA e MMA e 974.244.46€ no caso dos autores LC e MES) e ainda a edificar, no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença que julgue procedente a presente ação, ou no prazo que for estipulado pelo prudente arbítrio do julgador, uma conduta em material de construção não poroso que conduza as águas residuais provenientes da ETAR de Torre do Moncorvo, por fora a que as mesmas não transbordem para os prédios rústicos dos requerentes acima identificados, nem se infiltrem no respetivo solo, que se prolongue por uma distância não inferior a 100 metros desses terrenos, sob pena de não o fazendo no prazo estipulado ser concedido aos requerentes o direito de procederem a essa edificação, determinando-se em tal caso a interrupção do funcionamento da ETAR em questão durante o período necessário à conclusão da obra pelos requerentes a estipular segundo o prudente arbítrio de V. Exª e após audição quanto a essa matéria (tipo de obra a executar e tempo necessário à sua conclusão) dos peritos
1-Eng. JJA, casado, engenheiro civil, Diretor de Departamento do Município de Torre de Moncorvo, a requisitar a este Município.
2- Eng. VFCLT, casada, engenheira do Ambiente do Município de Torre de Moncorvo, a requisitar a este Município.
Mais devem a ré e o réu ser condenados solidariamente a pagar a cada um dos autores uma indemnização de 100€ (ou seja, 400€ no total) por cada dia que passe para além do prazo que vier a ser estabelecido judicialmente para a construção da supra referida conduta sem que a mesma esteja edificada por forma a evitar que as águas residuais provenientes da ETAR de Torre de Moncorvo transborde para os terrenos agrícolas dos autores, devendo ser também condenados no pagamento de custas, procuradoria e demais encargos legais”.

O sentido da decisão face ao presente processo está, naturalmente, condicionado por aquilo que pôde ser dado como provado.

Como decorre da generalidade da Jurisprudência e Doutrina Administrativa, a responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos regia-se à data dos factos relevantes, pelo disposto no DL 48.051, de 21/11/67, pelo que aqueles serão responsáveis quando for de concluir que os seus órgãos ou agentes praticaram, por ação ou omissão, atos ilícitos e culposos, no exercício das suas funções e por causa desse exercício, e que daí resultou um dano para terceiro.

Por outro lado, e em linha com o Acórdão do STA nº 0903/03 de 03-07-2003, refira-se ainda que "para que ocorra a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas por atos ilícitos e culposos dos seus órgãos ou agentes, no exercício das suas funções e por causa delas, é necessária a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano" Acórdão STA de 9.5.02 no recurso 48077. A ação improcederá se um destes requisitos se não verificar”.

O facto ilícito consiste numa ação (ou omissão) praticada por órgãos ou agentes estaduais (em sentido lato) violadora das "normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis" ou "as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração" (art.º 6 do DL 48051, de 21.11.67).

A culpa é o nexo de imputação ético-jurídica que liga o facto ilícito à vontade do agente. Envolve um juízo de censura, face à ação ou omissão, segundo a diligência de um bom pai de família (art.º 4, n.º 1).

O nexo causal existirá quando o facto ilícito for a causa adequada do dano.

De acordo com o preceituado no art.º 563 do CC «A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão».

Constitui jurisprudência pacífica, designadamente do Colendo STA, que o nexo causal entre o facto ilícito e o dano se deve determinar pela doutrina da causalidade adequada, ali contemplada, nos mesmos termos em que o direito civil a admite, entendimento extensível, de resto, a todos os requisitos da responsabilidade civil (acórdão STA de 6.3.02, no recurso 48155).
Finalmente, o dano traduz-se no prejuízo causado pelo facto ilícito (art.º 564º do CC).

Relativamente ao nexo de causalidade vigora, como se disse, a teoria da causalidade adequada na formulação consagrada no art°563° do CC.

Em qualquer caso, como se refere no Acórdão do STA de 2002.10.02 in Recurso 1690/02:
"(...) a Administração não incorre automaticamente em responsabilidade civil cada vez que pratica um ato administrativo ilegal.”

Com efeito, resulta da conjugação do artº 6° do DL 48.051, de 21.11.1967, com os artºs 2° e 3° do mesmo diploma, que não é qualquer ilegalidade que determina o surgimento de um ato ilícito gerador de responsabilidade.

Para haver ilicitude responsabilizante, é necessário que a Administração tenha lesado direitos ou interesses legalmente protegidos do particular, fora dos limites consentidos pelo ordenamento jurídico, por isso, segundo alguma jurisprudência e doutrina, é necessário que a norma violada revele a intenção normativa de proteção do interesse material do particular, não bastando uma proteção meramente reflexa ou ocasional.

Ou seja, é necessário existir “conexão de ilicitude” entre a norma ou princípio violado e a posição jurídica protegida do particular, o que deve ser apreciado caso a caso (cf. Prof. Gomes Canotilho, em anotação ao Ac. STA de 12.12.89 RLJ, Ano 125° p.84 e AC. STA de 31.05.2000, recº 41201).

Sintetizando, refira-se que a responsabilidade civil extracontratual por atos de gestão pública do Estado e demais pessoas coletivas por facto ilícito, a que se referem os normativos aludidos coincide, no essencial, como tem sido jurisprudência uniforme, designadamente do Colendo STA, com a responsabilidade civil consagrada no art. 483º do Código Civil, dependendo a obrigação de indemnizar, como ficou já dito, da verificação cumulativa dos pressupostos: facto, ilicitude, culpa, nexo de causalidade e dano – (cf. entre outros Ac. STA de 04.12.03, rec. 557/03 e de 11.02.03, rec. 323/02).

A fim de facilitar a visualização da controvertida questão do ponto de vista normativo, infra se transcrevem, no que aqui releva, os Artigos 2º, 3º e 6º do DL nº 48.051, então aplicável:
“Artº 2º
1. O Estado e demais pessoas coletivas públicas respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de atos ilícitos culposamente praticados pelos respetivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício.
2. Quando satisfizerem qualquer indemnização nos termos do número anterior, o Estado e demais pessoas coletivas públicas gozam do direito de regresso contra os titulares do órgão ou os agentes culpados, se estes houverem procedido com diligência e zelo manifestamente inferiores àqueles a que se achavam obrigados em razão do cargo.

Artº 3º
“Os titulares do órgão e os agentes administrativos do Estado e demais pessoas coletivas públicas respondem civilmente perante terceiros pela prática de atos ilícitos que ofendam os direitos destes ou as disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, se tiverem excedido os limites das suas funções ou se, no desempenho destas e por sua causa, tiverem procedido dolosamente.”

Artº 6º
Para os efeitos deste diploma, consideram-se ilícitos os atos jurídicos que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os atos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração.”

Reiterando e sublinhando o precedentemente expendido, refira-se que a responsabilidade civil extracontratual do Estado por factos ilícitos praticados pelos seus órgãos ou agentes regia-se pelo disposto no DL 48.051, de 21/11/67, assentando nos pressupostos da idêntica responsabilidade previstos na lei civil, com as especialidades resultantes das normas próprias relativas à responsabilidade dos entes públicos, o que quer dizer que a sua concretização depende da prática de um facto (ou da sua omissão), da ilicitude deste, da culpa do agente, do dano e do nexo de causalidade entre o facto e o dano.

O juízo de ilicitude é um juízo objetivo que incide sobre a conduta do agente no qual se constata que este violou as regras que devia observar, mas este juízo não é suficiente para fazer emergir o dever de indemnizar - isto é, para que o instituto da responsabilidade civil possa operar - visto que a obrigação indemnizatória só nasce quando à ilicitude da conduta estiver associada a culpa do agente – isto é, aquela violação objetiva tiver sido ditada por razões juridicamente censuráveis.

Como resulta do Acórdão nº 0226/09 do STA, de 04-02-2010 “… face à definição ampla de ilicitude constante do art. 6° do DL n° 48.051/67, de 21 de Novembro, estando em causa a violação do dever de boa administração, a culpa assume o aspeto subjetivo da ilicitude, que se traduz na culpabilidade do agente por ter violado regras jurídicas ou de prudência que tinha obrigação de conhecer e de adotar.

Com referência à culpa, como ensina ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, agir com culpa, significa atuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito. E essa conduta será reprovável quando o lesante em face das circunstâncias concretas da situação “podia e devia ter agido de outro modo”.

* * *
Infletindo agora para a questão em concreto, como se disse já, verifica-se que o invocado pelos Recorrentes se mostra predominantemente conclusivo.

Em qualquer caso, entendem os Recorrentes que deverá este tribunal apreciar e decidir as questões que determinarão a anulação da sentença recorrida, em resultado de imputados erros nos pressupostos de facto; pugnando pela modificação da matéria de facto constante do probatório, devendo ainda ser revogada a decisão recorrida por enfermar de erros de julgamento quanto à matéria de direito.

Vejamos:
DA NULIDADE DA SENTENÇA
Em síntese, os Recorrentes vieram requerer a anulação da decisão do tribunal a quo, por alegados erros que incidiram sobre os pressupostos de facto em que assentou.

Em qualquer caso, os Recorrentes adotaram uma interpretação inadequada ao fim pretendido, pois que encararam a decisão judicial como se de uma decisão da administração se tratasse.

Na realidade, e como sublinhou o Ministério Público no seu Parecer, decorre do artigo 615.º, n.º 1, do CPC de 2013, em conformidade com o consagrado no artigo 668.º, n.º 1, do anterior CPC, que os casos de nulidade da sentença são os aí previstos e enumerados taxativamente.

Verifica-se assim e correspondentemente que existem causas formais de nulidade, como seja a prevista na al. a) do seu n.º 1 e outras causas de natureza material, relativas ao conteúdo da própria decisão, constantes das alíneas b) a e), do mesmo n.º 1.

Em qualquer caso, os invocados erros de julgamento, mesmo a existiram traduzir-se-iam nisso mesmo (erros de julgamento) e não em nulidades suscetíveis de determinar só por si a invalidade da decisão judicial Recorrida.

Com efeito, analisada a sentença Recorrida, não se vislumbra a imputada falta ou insuficiência de fundamentação, bem como a invocada contradição entre os seus fundamentos e a decisão, para além da suposta omissão ou excesso de pronúncia.
A questão de saber se a sentença controvertida decidiu bem ou mal, não se enquadra, em qualquer caso, no âmbito da invocada nulidade, mas quanto muito num eventual erro de julgamento, em face do que improcede o analisado vicio.

DO ERRO DE JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO
No que concerne à matéria de facto, requerem os Recorrentes a sua alteração (Cfr. Conclusões de Recuso 9.ª a 23.ª).

Em qualquer caso, não é escamoteável ou suscetível de ser ignorado aquilo que nos diz o CPC, a propósito da impugnação da matéria de facto.

Para que não restem dúvidas, transcreve-se o que aqui releva do Artº 640º do CPC
Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
(…)”

Aqui chegados, importa, em conformidade com o legalmente estatuído, reafirmar que qualquer alteração da decisão de facto sempre pressuporia uma análise de conjunto de toda a prova feita, uma vez que assim foi obtida a convicção em 1ª instância, sem descaracterizar ou descontextualizar cada um dos elementos da prova feita, de per si.

Assim, apreciada no seu conjunto a prova feita pelo tribunal a quo, não se vislumbram quaisquer erros de julgamento relativamente à factualidade apurada, sendo que, sem surpresa, ambas as partes adotam versões diversas, não obstante assentes na mesma factualidade, sem que esse facto possa inibir o tribunal de obter as suas próprias convicções.

Efetivamente, o tribunal a quo limitou-se a recorrer ao princípio da livre apreciação da prova produzida para dar como assente a materialidade constante dos “Factos Assentes”, em conformidade com os artigos 392.º e 396.º do Código Civil e 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil.

Por outro lado, ainda que no mesmo sentido, por força dos princípios da oralidade e da imediação, o julgador do tribunal recorrido dispõe de uma posição privilegiada para aquilatar da seriedade, credibilidade e fidedignidade dos depoimentos, juízo que o tribunal ad quem apenas poderá sindicar se verificado qualquer erro manifesto na sua apreciação, suscetível de contaminar a decisão final, o que se não vislumbra.

Na realidade, perante a prova documental e testemunhal produzida, e atenta a “Fundamentação” constante da Sentença recorrida (Cfr. Fls. 492 e 493 Procº físico), não se reconhece a verificação de qualquer erro de julgamento, mormente suscetível de ser entendido como grosseiro, palmar ou evidente, não merecendo assim censura a decisão proferida no que à questão em apreciação concerne.

DOS ERROS DE JULGAMENTO DA MATÉRIA DE DIREITO
Requer-se a revogação da sentença do tribunal a quo por a mesma supostamente ter incorrido em erro de interpretação, no que concerne à inexistência do nexo de causalidade entre os factos dados como assentes e os danos invocados.
Em qualquer caso, não lograram os Recorrentes fazer prova do invocado, atenta a circunstância de não ter ficado suficientemente densificado e justificado o invocado erro de julgamento, no que concerne à interpretação e aplicação do direito.

Efetivamente, e como é pacifico quer na Doutrina quer na Jurisprudência, impor-se-ia a verificação cumulativa dos requisitos e pressupostos aplicáveis, e já supra enunciados, para que pudesse verificar-se a suscitada Responsabilidade Civil extracontratual.

Com efeito, nos termos do então aplicável DL nº 48.051, para que ocorresse a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas por atos ilícitos e culposos dos seus órgãos ou agentes, no exercício das suas funções e por causa delas, sempre seria necessária a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos:
a) Facto ilícito;
b) Culpa;
c) Dano e
d) Nexo de causalidade adequado entre o facto e o dano, sendo que a ação improcederá se um destes requisitos se não verificar.

Efetivamente, nos termos do art. 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 48.051, “o Estado e demais pessoas coletivas públicas respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de atos ilícitos culposamente praticados pelos respetivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício ”.

A responsabilidade civil extracontratual do Estado por factos ilícitos, correspondia pois, no essencial, ao conceito civilista da responsabilidade civil por atos ilícitos que tem assento no artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil.

Deste modo, a obrigação de indemnizar, imposta ao lesante, sempre dependeria da verificação dos enunciados pressupostos da responsabilidade.
Ainda relativamente ao nexo de causalidade é pacificamente adotada a doutrina da causalidade adequada, pelo que, para que alguém fique obrigado a reparar um dano sofrido por outrem, impõe-se não só que, em concreto, o facto tenha sido condição "sine qua non" do dano, mas também que, em abstrato, segundo o curso normal das coisas, esse facto seja uma causa adequada do dano.

Por outro lado, um facto que atuou como condição só deixa de ser considerado causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo em todo indiferente para a verificação do dano, tendo-o provocado só por circunstâncias excecionais, anormais, extraordinárias ou anómalas.

Consagrando o artigo 563.º, do Código Civil, a teoria da causalidade adequada, adotar-se-á a sua formulação negativa, segundo a qual a condição deixará de ser causa do dano sempre que seja de todo indiferente para a produção do dano e só se tenha tornado condição dele, em virtude de outras circunstâncias extraordinárias.

Aqui chegados, e ainda no que concerne ao nexo de causalidade, sempre se dirá que o entendimento adotado pelo tribunal a quo nos parece suficientemente claro, coerente e juridicamente acertado, pelo que não merece censura.

Com efeito, aí se diz, sem que os Recorrentes tenham contrariado tal entendimento, que “(...) os Autores não lograram demonstrar que o funcionamento da ETAR determinou o encharcamento dos seus terrenos, nem que o efluente polui os seus terrenos (veja-se que resultou provado que a Ré ATMAD faz frequentes análises à qualidade do efluente e que o mesmo pode ser utilizado na agricultura e que os eventuais danos causados nos terrenos dos Autores derivaram do encharcamento, cuja origem não se pode ligar ao funcionamento da ETAR)” (cfr. fls. 494 Procº físico).

Assim, e tal como sublinhado igualmente pelo Ministério Público, não resultou demonstrada qualquer relação direta de causa-efeito entre a atuação das Entidades Recorridas e os danos patrimoniais sofridos pelos Recorrentes, em face do que improcederá, igualmente por esta razão, o recurso interposto, até por se não reconhecer o preenchimento integral dos pressupostos aplicáveis, tal como decidido pela 1ª Instância.
Efetivamente, sublinha-se e aqui se reitera, pela sua relevância para o desfecho do presente Recurso, que os Recorrentes não lograram demonstrar que tenha sido o funcionamento da ETAR a determinar o encharcamento dos seus terrenos, nem que o efluente tenha poluído os seus terrenos.
Com efeito, sem que os recorrentes tenham demonstrado o contrário, é incontornável e insofismável ter ficado provado que a Águas do Norte SA faz frequentes análises à qualidade do efluente e que o mesmo pode ser utilizado na agricultura e que se é certo que os alegados danos terão resultado do encharcamento dos terrenos dos Recorrentes, não ficou demonstrado que o mesmo tenha tido origem no funcionamento da ETAR.
* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso, confirmando-se o sentido da decisão proferida em 1ª Instância.
Custas pelos Recorrentes

Porto, 22 de Janeiro de 2016
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco
Ass.: Joaquim Cruzeiro
Ass.: Luís Migueis Garcia