Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00922/09.3BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/28/2017
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:OPOSIÇÃO EXECUÇÃO FISCAL
GERÊNCIA DE FACTO
RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA
Sumário:I. O n.º 1 do art.º 24.º da LGT exige para responsabilização subsidiária a gerência efetiva ou de facto, ou seja, o efetivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera a gerência nominal ou de direito.
II. Incumbe à Administração Tributária, na qualidade de exequente e titular do direito de reversão, o ónus de alegar e provar os pressupostos que lhe permitem reverter a execução fiscal contra o administrador / gerente da devedora originária, designadamente, os factos integradores do efetivo exercício da gerência de facto em conformidade com a regra geral de quem invoca um direito tem que provar os respetivos factos constitutivos (artigo 342º, nº 1, do CC e artigo 74º, nº 1, da LGT). *
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:H...
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
A Recorrente, FAZENDA PUBLICA, não conformada com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu em 30.11.2011, que julgou procedente a oposição deduzida por H…, na execução fiscal n.º 2690200701000985, instaurada no Serviço de Finanças de Tarouca originariamente contra a sociedade Restaurante S…, Lda, e contra si revertida, por dívidas provenientes de IRC do ano de 2005, no valor de 1 300,01 €.

A Recorrente no recurso jurisdicional formulou nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(…) a) Incide o presente recurso sobre a douta sentença que julgou procedente o pedido formulado na oposição e declarou ilegítimo o chamamento à execução do revertido, a qual respeita a IRC dos anos de 2005, no montante de €1.300,01;

b) Em sede de probatório o Mmo. Juiz do Tribunal “a quo” fixou como factos não provados, no que concerne à questão que cumpre analisar, “que o Oponente tenha realizado qualquer acto de gerência da originária devedora aquando da ocorrência dos factos que originaram a dívida exequenda”.

c) Para o efeito, referiu o Mmo Juiz, que “não foi apresentada qualquer prova nem sequer aquela foi alegada, aliás o alegado, no despacho de reversão, bem como depois sustentado em sede de contestação, não passam de meros juízos conc1usivos”.

d) Com a ressalva do devido respeito não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente decidido, sendo nosso entendimento que, da factualidade e provas existentes nos autos, não se poderá extrair tal conclusão;

e) Outrossim, entende a Fazenda Pública que a douto sentença recorrida incorreu em erro no julgamento sobre a matéria de facto ao ter dado como não provado o exercício da gerência de facto pelo Oponente;

f) Ao abrigo das alíneas a) e b) do n.° 1 do art.° 712° do CPC, requer-se o aditamento ao probatório, fixado na douto sentença recorrida, da seguinte matéria de facto relevante para a discussão da causa e que resulta provada pelos documentos juntos aos autos:

o A originária devedora Restaurante 7…, Lda., constituiu-se por Contrato de Sociedade por Quotas lavrado em 20-02-1995, no Cartório Notarial de Moimento da Beira, tendo como objecto da sua actividade indústria hoteleira, restauração e similares (fls. 33 a 36 dos autos);

o De acordo com a escritura de constituição da sociedade foi nomeado gerente de direito o sócio H… (fls. 35 dos autos);

o A gerência manteve-se inalterada até à dissolução e encerramento da liquidação (fls. 39 dos autos);

o A declaração de início de actividade foi entregue pelo sócio gerente H… no Serviço de Finanças de Tarouca, em 26-04-1995 (fls. 40 e 41 dos autos);

o A declaração de cessação de actividade, para efeitos de IVA, foi entregue pelo sócio gerente H… no Serviço de Finanças de Moimenta da Beira em 02-08-2004 (fls. 42 e 43 dos autos):

o No dia 05-11-2003 foi apresentado no Serviço de Finanças de Tarouca, por H… e J…, ambos na qualidade de responsáveis subsidiários de Restaurante 7…, Lda., pedido de pagamento em prestações no âmbito do processo de execução fiscal n.° 2690-99/1000470 e apensos, instaurado contra aquela empresa (fls. 51 dos autos);

o A declaração Modelo 22 de IRC, que originou as dividas exequendas, foi entregue via Internet, pelo TOC da executada em 26-05-2006, indicando como representante legal o oponente (fls. 58 a 62 dos autos);

o Nas declarações Modelo 22 de IRC, dos exercidos de 1999, 2000, 2001, 2002, 2003, 2004 e 2005 o Oponente H… figura como representante legal da originária devedora (fls. 90 a 96 dos autos):

g) Relativamente à gerência de facto existe, portanto, prova documental nos autos que permite demonstrar e aferir da efectiva gestão de facto do Oponente, pelo que não se compreende a respectiva diminuição / desconsideração;

h) A declaração de cessação de actividade para efeitos de IVA, entregue no Serviço de Finanças de Moimenta da Beira, pelo sócio gerente H…, constitui, naturalmente, um acto de gerência realizado em representação da sociedade, isto é, um acto que vinculou juridicamente a sociedade;

i) No tocante ao pedido de pagamento em prestações ocorrido em 05-11-2003, este reporta-se a um processo de execução fiscal instaurado contra a originária devedora, Restaurante 7…, Lda., assinado pelo Oponente na qualidade de responsável subsidiário dessa empresa;

j) Depois, no que se reporta à qualidade de representante legal da originária devedora nas declarações Modelo 22 de IRC, que estiveram na base das dividas exequendas, (fls. 58 a 62 dos autos), a indicação de representante legal da empresa e do respectivo TOC não é um mero formalismo contabilístico, antes consiste no assumir de que os valores declarados correspondem à verdade, reflectem a actividade da empresa, equivalendo à assinatura do TOC e do representante legal da mesma;

k) Há assim uma responsabilização / vinculação do representante nos dados contidos na declaração, digamos, um «assinar» da referida declaração;

l) Ora, naturalmente que a assinatura das declarações contabilísticas da empresa corresponde a um acto corrente de gestão daquela, considerando que as pessoas colectivas estão impossibilitadas de agir por si próprias, incumbindo aos gerentes suprir tal incapacidade;

m) Assim, ficou demonstrado que o Oponente participou activamente na administração da sociedade originária devedora, vinculando-a perante terceiros, em nome, no interesse e em representação dessa sociedade;

n) Não se concebendo hipótese contrária - o Oponente vincula a originária devedora nas declarações periódicas de rendimentos e tal factualidade é inócua no tocante à gerência de facto Daquele na empresa vinculada;

o) O mesmo se diga relativamente às declarações Modelo 22 de IRC, dos exercícios de 1999, 2000, 2001, 2002, 2003, 2004 e 2005 (fls. 90 a 96 dos autos);

p) Também não se aceita a desresponsabilização do Oponente com o fundamento de que não se demonstrou a gerência de facto, e dificilmente se podia ter feito essa prova, em virtude da suposta cessação da actividade da devedora originária, quando os autos contêm elementos reveladores do exercício da gerência de facto por parte do Oponente;

q) Caso não concordasse com os valores contidos na declaração por si entregue (por eventualmente inexistir actividade - o que teria de ser demonstrado) não deveria ter enviado essa declaração (e caso esta viesse a ser oficiosamente efectuada impugnava a liquidação alegando inexistência de actividade, considerando, nomeadamente, que sem actividade comercial, industrial ou agrícola, isto é, sem facto tributário, não pode haver tributação), ou, notificado da liquidação, por si entregue, poderia apresentar impugnação judicial no prazo previsto na alínea a) do art.° 102° do CPPT (para o devedor originário) ou no prazo previsto na alínea c) do mesmo artigo (para o devedor subsidiário);

r) O que não se admite é eximir-se ao exercício das funções de gerência na devedora originária invocando inexistência de actividade daquela quando a liquidação revertida corresponde à actuação do gerente na esfera representativa da sociedade;

s) Isto é, a suposta inactividade não pode servir de sustentação do não exercício das funções de gerente, quando a liquidação revertida se ficou a dever à actuação daquele junto da devedora originária;

t) Na douta decisão em recurso, da matéria de facto provada, não consta qualquer circunstancialismo fáctico susceptível de afastar a culpa do recorrido na falta do pagamento de IRC de 2005, não tendo o oponente demonstrado ausência de culpa no pagamento do imposto em causa;

u) Por força da alínea b), do n.° 1, do artigo 24.°, da LGT, o recorrido responde subsidiariamente pelo pagamento da dívida de IRC de 2005 pelo que Tribunal “a quo” não podia extinguir, quanto a ele e nessa parte, o processo executivo;

v) Em suma, é nosso entendimento que a presente oposição deve ser julgada improcedente, pelo facto de estar demonstrado de forma bastante a gerência de facto do ora Oponente, aposto ao facto do mesmo nada ter diligenciado no sentido de convencer o Tribunal de não ter culpa nem qualquer responsabilidade no facto do património da sociedade ser insuficiente para a satisfação daquelas dívidas (ónus que sobre si impendia por força do disposto na alínea b) do n.° 1 do art.° 24° da LGT);

Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, ordenando-se, em consequência, a substituição da douta sentença recorrida, por outra em que se julgue improcedente, por não provada, a presente oposição, com as legais consequências. . (…)”


O Ministério Público junto deste tribunal teve vista nos autos emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sendo as de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito, e ainda, se os factos provados permitem decisão de mérito sobre o recurso.

3. JULGAMENTO DE FACTO
No Tribunal a quo, o julgamento da matéria de facto foi efetuado nos seguintes termos:
“(…) A) O Serviço de Finanças de Tarouca, instaurou a execução fiscal n.º 2690200701000985, contra a sociedade “Restaurante 7…, Lda”, por dívidas provenientes de IRC do ano de 2005, no montante de € 1.300,01.
B) A sociedade referida em A. iniciou a sua actividade em 26-04-1995, tendo cessado a mesma para efeitos de IVA em 30-09-2002 e para efeitos de IRC, nos termos da al. a) do n.º 5 do art. 8.º do CIRC, em 25-05-2006.
C) Por despacho de 09 de Junho de 2006 a execução reverteu contra o responsável subsidiário, o aqui oponente, H….
D) Do despacho de reversão, com interesse para a decisão, consta, para além do mais:
(…)
5. No período das dívidas, foram gerentes de direito e de facto:
. H…, …
6.(…)
A informação fáctica antes referida fundamenta-se no seguinte:
. Certidão da Escritura de Constituição de Sociedade, …
. Certidão da Conservatória do Registo Comercial de Tarouca, …
. Declarações Modelo 22, relativas aos anos de 1997 e 1998, ambas assinadas pelo sócio J…, …
. Cópia de guia de pagamento em reversão nos termos do Art. 160.º do CPPT, efectuado por ambos os sócios no Processo de Execução Fiscal, …
. Pedido de pagamento em prestações de dívidas de IVA em execução nos autos …, apresentado em 05 de Novembro de 2003, neste Serviço de Finanças, …
. Nas diligências efectuadas pelos funcionários deste Serviço, ao longo da tramitação dos processos, foram os sócios H… e …, que assumiram o papel de representantes, assinaram as notificações e citações e tomaram decisões.
Perante esta informação, a conclusão imediata foi a de que a responsabilidade por tudo quanto tenha ocorrido na empresa durante o período de tempo, não poderá ser personalizada em outrem que não os identificados.
Assim:
Constatada a insuficiência de bens penhoráveis da originária devedora, tendo como fundamento legal o disposto no artigo artigo 153/2.a) do CPPT, ordeno a reversão da execução contra os subsidiários responsáveis H… (…).

Factos não provados
Que o Oponente tenha realizado qualquer acto de gerência da originária devedora aquando da ocorrência dos factos que originaram a dívida exequenda.
Quanto a esta factualidade não foi apresentada qualquer prova nem sequer aquela foi alegada, aliás o alegado, no despacho de reversão, bem como depois sustentado em sede de contestação, não passam de meros juízos conclusivos.
Os demais artigos constituem meras asserções e considerações pessoais do Oponente ou conclusões de facto e/ou direito.

Motivação
Os factos provados assentam na análise crítica dos elementos constantes dos autos. “(…)
Ao abrigo do disposto no art.° 712.º do CPC, adita-se à matéria de facto os seguintes factos provados:

D) Em 24.06.2010, foi proferido despacho, nos presentes autos, onde consta queAnalisada a Petição Inicial que deu origem aos presentes autos, constatamos que as questões a decidir são essencialmente de direito, e a decisão a proferir passa pela análise dos documentos, juntos aos autos.
Contudo, atendendo ao principio da cooperação (…) notifique o autor para em 10 dias, esclarecer se mantém interesse na produção da prova testemunhal e na afirmativa indicar os factos(…)”Cfr. fls.102 dos autos.

E) Em 07.09.2010 o Oponente /Recorrido informa que mantêm interesse na produção de prova testemunhal e indica que pretende fazer prova aos factos constantes dos artigos 16 a 19 e 21 a 28 da petição inicial (fls. 107 e 108 dos autos)

4. JULGAMENTO DE DIREITO

4.1. A principal questão que cumpre resolver, consiste em apreciar se houve erro de julgamento de facto e de direito da sentença recorrida ao ter decidido que a Recorrente não fez prova que o Recorrido exerceu a gerência efetiva ou de facto na sociedade originária devedora.
Para melhor compreensão das questões que se colocam, vejamos uma síntese do processo.
Foi instaurada execução contra a sociedade Restaurante 7…, Lda. para pagamento da quantia de € 1 300,01 referente a IRC do exercício de 2005.
Por inexistência de quaisquer bens registados em nome da executada, a execução foi revertida contra os responsáveis subsidiários, entre os quais o oponente, ora Recorrido.
O revertido deduziu oposição judicial invocando, além do mais, falta de requisitos do título executivo; nulidade da citação, falta de prática de atos de administração (art.° 16º a 19.º da petição), falta de culpa no facto de o património se ter tornado insuficiente, inexistência de atividade da devedora originária desde 30.09.2002; falta de responsabilidade no pagamento das coimas.
A sentença recorrida considerou prioritário decidir se o oponente foi gerente de facto da devedora originária, ficando a demais argumentação prejudicada com o conhecimento desta questão.
Concluiu a sentença que o Oponente é parte ilegítima nos processos de execução aqui em causa decidindo, a final, julgar “totalmente procedente a presente oposição por falta de prova da gestão facto do revertido, aqui Oponente”.
Analisados os autos em 24.06.2010, foi proferido despacho onde consta que “Analisada a Petição Inicial que deu origem aos presentes autos, constatamos que as questões a decidir são essencialmente de direito, e a decisão a proferir passa pela análise dos documentos, juntos aos autos.
Contudo, atendendo ao princípio da cooperação (…) notifique o autor para em 10 dias, esclarecer se mantém interesse na produção da prova testemunhal e na afirmativa indicar os facto.”
A sentença julgou totalmente procedente a oposição, com base na falta de prova da gestão de facto do revertido, tendo sugerido, previamente a dispensa de prova testemunhal por “constatar” que as questões a decidir são essencialmente de direito, e a decisão a proferir passa pela análise dos documentos juntos aos autos.
O Recorrido, veio opor-se à dispensa da prova alegando que poderá mostrar-se necessária a prova do alegado nos artigos 16.º a 19.º e 21.º a 28.º , matéria que este pretende provar com recurso às testemunhas.
A este requerimento seguiu-se de imediato a sentença recorrida, não se pronunciando quanto à dispensa de testemunhas.
Importa relembrar que a execução fiscal tem por objeto a cobrança coerciva por dívidas provenientes de IRC de 2005 e respetivos juros.
A responsabilidade dos administradores ou gerentes de sociedades pelas dívidas tributárias, está prevista no artigo 24.º da LGT.
O artigo 24.º da LGT estabelece o seguinte: “1- Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.
A responsabilidade subsidiária dos administradores / gerentes, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efetivo do cargo.
Na Lei Geral Tributária retira-se da interpretação do exórdio do n.º 1 do art.º 24.º, onde se menciona expressamente o exercício de funções. Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam […] funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados…”
A responsabilidade subsidiária aí prevista não exige a gerência nominal ou de direito quando refere que “ Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados” (destacado nosso).
Desde logo, resulta dos citados normativos, que a responsabilidade subsidiária é atribuída em função do exercício do cargo de gerente e reportada ao período do respetivo exercício. Ou seja, a gerência de facto constitui requisito da responsabilidade subsidiária dos gerentes, não bastando, portanto, a mera titularidade do cargo, a gerência nominal ou de direito.
Como refere Jorge Lopes de Sousa, no Código do Procedimento e Processo Tributário, (III volume, anotação 24 ao art.º 204.º, pág. 473).“ (…) O mesmo se pode afirmar relativamente ao CPT e à LGT, pois nos citados arts. 13.º e 24.º respectivamente, faz-se referência ao exercício efetivo de funções ou do cargo, o que leva a concluir que não basta a mera qualidade jurídica de administrador ou gerente para servir de base à responsabilização subsidiária.
Se o administrador ou gerente de direito não exercia quaisquer funções de gerência de facto, não se justificava que fosse formulado em relação a ele um juízo de culpa susceptível de basear a responsabilidade subsidiária, já que não era possível a existência de nexo de causalidade entre a sua actuação e a situação de insuficiência patrimonial da sociedade, nem se podia falar em relação a ele de possibilidade de pagar as dívidas fiscais e não o fazer, dívidas essas de que, sem um exercício ao menos parcial da gerência, não poderia ter sequer conhecimento.”(…).
E é esta também a jurisprudência pacífica deste Tribunal espelhada nos acórdãos n.ºs 00349/05.6 BEBRG de 11.03.2010, 00207/07.0 BEBRG de 22.02.2012, 001517/07.1 BEPRT de 13.03.2014, 01944/10.7 BEBRG de 12.06.2014 e 01943/10.9 BEBRG de 12.06.2014 e do Pleno da secção do CT do Supremo Tribunal Administrativo de 28.02.2007, proferido no processo 01132/06 e 0861/08 de 10.12.2008 entre outros.
Assim, o n.º 1 do art.º 24.º da LGT exige para responsabilização subsidiária a gerência efetiva ou de facto, ou seja, o efetivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera a gerência nominal ou de direito.
Incumbe à Administração Tributária, na qualidade de exequente e titular do direito de reversão, o ónus de alegar e provar os pressupostos que lhe permitem reverter a execução fiscal contra o administrador / gerente da devedora originária, designadamente, os factos integradores do efetivo exercício da gerência de facto em conformidade com a regra geral de quem invoca um direito tem que provar os respetivos factos constitutivos (artigo 342º, nº 1, do CC e artigo 74º, nº 1, da LGT).
No caso sub judice importa apurar se os factos dados como provados na sentença recorrida permitem afirmar que o Recorrido não exerceu a gerência de facto.
Antes de mais, cumpre salientar que a gerência de facto de uma sociedade comercial consiste no efetivo exercício das funções que lhe são próprias e que passam, nomeadamente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de bancárias e outras entidade, e com os trabalhadores, tudo em nome, e no interesse e em representação dessa sociedade.
Para que se verifique a administração / gerência de facto é indispensável que o administrador / gerente use, efetivamente, dos respetivos poderes, que seja um órgão atuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo facto, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros - nestes termos, Rúben Anjos de Carvalho, Francisco Rodrigues Pardal, Código de Processo das Contribuições e Impostos, anotado e comentado, 2ª Edição, Coimbra, 1969, p. 139 - citado, entre outros, nos acórdãos do TCAN de 18/11/2010 e de 20/12/2011, Processos 00286/07 e 00639/04, respetivamente.
Desempenha funções de administrador / gerente de facto quem exterioriza a vontade das sociedades nos seus negócios jurídicos, quem manifesta a capacidade de exercício de direitos da sociedade, praticando atos que produzem efeitos na esfera jurídica desta.
Em síntese, nas situações previstas nas alíneas a) e b) do art.º 24.º da LGT, compete à Fazenda Pública, na qualidade de exequente o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária da gerência, o que significa que deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efetivo exercício da administração ou gerência.
A Administração Fiscal, procedeu à reversão da dívida contra o H…, uma vez que recolheu informação constante dos autos.
Do despacho de reversão consta que: “5. No período das dívidas, foram gerentes de direito e de facto:
. H…, …
6.(…)
A informação fáctica antes referida fundamenta-se no seguinte:
. Certidão da Escritura de Constituição de Sociedade, …
. Certidão da Conservatória do Registo Comercial de Tarouca, …
. Declarações Modelo 22, relativas aos anos de 1997 e 1998, ambas assinadas pelo sócio J…, …
. Cópia de guia de pagamento em reversão nos termos do Art. 160.º do CPPT, efectuado por ambos os sócios no Processo de Execução Fiscal, …
. Pedido de pagamento em prestações de dívidas de IVA em execução nos autos …, apresentado em 05 de Novembro de 2003, neste Serviço de Finanças, …
. Nas diligências efectuadas pelos funcionários deste Serviço, ao longo da tramitação dos processos, foram os sócios H… e …, que assumiram o papel de representantes, assinaram as notificações e citações e tomaram decisões.
Perante esta informação, a conclusão imediata foi a de que a responsabilidade por tudo quanto tenha ocorrido na empresa durante o período de tempo, não poderá ser personalizada em outrem que não os identificados.
Assim:
Constatada a insuficiência de bens penhoráveis da originária devedora, tendo como fundamento legal o disposto no artigo artigo 153/2.a) do CPPT, ordeno a reversão da execução contra os subsidiários responsáveis H…. (...)
A sentença recorrida entendeu que: “(...)Apurado a quem compete o ónus da prova da gestão de facto por parte da revertida impõe-se, sem mais considerandos (porque a clareza resultante do conjunto dos factos provados e não provados os dispensa), responder que a Entidade Exequente (EE), aqui FP, não só nada provou como nada alegou. E dificilmente o faria pois dos despachos que ordenaram a reversão e despacho que a precedeu não constam quaisquer “factos índice da gestão de facto”. A alegação concreta a EE não avançou em busca de factos índice limitando-se a indicação de elementos formais, como o decorrente do registo de matrícula da Originária devedora, vide al. D) da factualidade assente, onde além de tais elementos formais, constam apenas juízos conclusivos sobre uma eventual gerência de facto (efectivamente factos nenhum nos é oferecido pela EE, aliás, dificilmente o faria dado a cessação real da actividade da devedora originária no período a que se reportam as dívidas.).
Importa, aqui, salientar que o facto da AF, em sede de contestação, vir alegar que o oponente praticou actos que vinculam a sociedade, como o pedido de pagamento em prestações da dívida exequenda, em fase posterior aos exercícios a que a mesma diz respeito, não significa que naqueles exercícios tenha exercido a gestão de facto. Até porque se a empresa havia cessado a actividade, estando inactiva, difícil será conceber uma gestão efectiva.
Termos em que o Oponente é parte ilegítima nos processos de execução aqui em causa. . (…)”
A sentença recorrida errou no julgamento de direito e omitiu a realização de prova relevante para a decisão, fruto da errada apreciação de que as questões a decidir eram essencialmente de direito.
As questões suscitadas nestes autos foram já objeto de acórdão deste TCAN, proferido no processo n.º 1671/08.5BEVIS, de 27.06.2014, (tendo por Relator o primeiro adjunto do presente acórdão), onde as partes, a sentenças e as questões a apreciar são idênticas, divergindo apenas no ano do imposto em causa.
Por semelhança ao caso sub judice e por economia de meios, visando a interpretação e aplicação uniforme do direito (cfr. artigo 8.º n.º 3 do Código Civil), acolhemos parte da argumentação jurídica.
“(…) Quanto ao erro de julgamento de direito.
Depois de algumas considerações sobre a repartição do ónus da prova respeitante ã gerência de facto, a sentença concluiu - e bem - que este requisito da reversão da execução deve ser provado pela entidade exequente «pois é ela que exerce a reversão e aquela gestão é «um facto constitutivo» do direito a exercer a reversão», louvando-se para tanto no ac. do Pleno do STA de 28/02/2007.
Delimitando assim o ónus probatório a cargo da AT. a sentença conclui a dado passo que a «Entidade Exequente (EE)» aqui FP não só nada provou como nada alegou. E dificilmente o faria, pois dos despachos que ordenaram a reversão e despacho que a precedeu não constam quaisquer «factos índice da gestão de facto»
E continua a sentença.
«A alegação concreta a EE não avançou em busca de factos índice limitando-se a indicação de elementos formais, como o decorrente do registo de matrícula da Originária devedora, vide al. D) da factualidade assente, onde além de tais elementos formais, constam apenas juízos conclusivos sobre uma eventual gerência de facto (efectivamente factos nenhum nos é oferecido pela EE, aliás, dificilmente o faria dado a cessação real da actividade da devedora originária no período a que se reportam as dívidas.)».
Esta fundamentação é incompatível com o que a propósito alegou o ERFP na contestação (art.° 24° e 25°) onde são elencados um conjunto de factos (pedido de pagamento em prestações. entrega de declarações mod. 22 que originaram a dívida exequenda. como todas as outras) com que a AT pretendeu sustentar a gerência de facto do oponente na sociedade originária.
Mas para além disso, a própria sentença fixou na alínea D) dos factos provados
«D) Do despacho de reversão, com interesse para a decisão da causa, consta, para além do mais:

5. No período das dívidas, foram gerentes de direito e de facto:
- H… ….
6. (...)
A informação fáctica antes referida fundamenta-se no seguinte.
• Certidão da Escritura de Constituição de Sociedade,
• Certidão da Conservatória do Registo Comercial de Tarouca,
• Declarações Modelo 22, relativas aos anos de 1997 e 1998, ambas assinadas pelo sócio J…,
• Cópia de guia de pagamento em reversão nos termos do Art. 160.º do CPPT efectuado por ambos os sócios no Processo de Execução Fiscal.
• Pedido de pagamento em prestações de dívida de IVA em execução nos autos apresentado em 05 de Novembro de 2003, neste Serviço de Finanças.
Nas diligências efectuadas pelos funcionários deste Serviço, ao longo da tramitação dos processos foram os sócios H… e ..., que assumiram o papel de representantes, assinaram as notificações e citações e tomaram decisões.
Perante esta informação, a conclusão imediata foi a de que a responsabilidade por tudo quanto tenha ocorrido na empresa durante o período de tempo, não poderá ser personalizada em outrem que não os identificados».
Ora, perante estes factos provados constantes do despacho de reversão (que não consta dos autos mas deve constar, certamente, em apenso não remetido a este TCA) e tendo presente a noção de que conclusões de facto, são juízos de valor em si não jurídicos, emitidos a partir dos factos provados e exprimindo, designadamente, as relações de compatibilidade que entre eles se estabelecem, de acordo com as regras da experiência (José Lebre de Freitas. Código de Processo Civil anotado, vol. 2°. 2ª edição, pp. 637 e 638), facilmente concluímos que estes elementos factuais nada têm de conclusivo.
A sentença também errou ao fundamentar que dado a cessação real da actividade da devedora originária no período a que se reportam as dividas, dificilmente se provaria a gerência de facto. Fundamentou, ou pelo menos sugeriu, lendo o que entre parêntesis consta da sentença: efectivamente factos nenhum nos é oferecido pela EE, aliás, dificilmente o faria dado a cessação real da actividade da devedora originária no período a que se reportam as dívidas.
A sentença parece assumir que por via da cessação da actividade da devedora originária a prova da gerência efectiva ficaria mais difícil.
(…)
E prossegue o mesmo acórdãoQuando a prova é clara e transparente. a questão não oferece dúvidas de maior, podendo ainda o juiz decidir com o conforto de abundante jurisprudência sobre a responsabilidade subsidiária dos gerentes ou administradores.
Porém, é quando a prova está longe de ser imediata e cristalina, que maior empenho se impõe ao juiz no apuramento da verdade relativa aos factos que lhe é lícito conhecer, pois é assim «... que o juiz exercita o núcleo, a excelência, do seu múnus, é nesse momento que tem de fazer jus à sua condição de julgador, que se lhe impõe o acertado e responsável exercício do poder de julgar, aqui ao serviço da melhor, mais justa e equitativa, apreensão e tradução da realidade, da verdade, dos factos, com relação aos quais importa, sequentemente, aplicar o direito, tarefa, sobretudo, de cariz e apuro técnico (acessível, pois, a qualquer cultor do direito), determinada, condicionada, pelo quadro factual previamente traçado.)) (ac. deste TCAN n.° 00482/08.2BECBR de 30-04-2014 in www.dgsi.pt)
Défice instrutório
Tendo em os factos provados e a doutrina constante do ac. do Pleno do STA n.° 0458/13 de 16-10-2013 segundo a qual A fundamentação formal do despacho de reversão basta-se com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada (n° 4 do art. 23° da LGT) não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido, parece claro que a decisão sob recurso não se pode manter.
Mas também não pode este TCAN conhecer do mérito do recurso, pois a sentença enferma de manifesto défice instrutório que compromete a possibilidade de apreciação de todos os pressupostos do direito à reversão entre os quais a gerência efectiva do ora oponente, mas não só, que este nega como já supra se referiu.
Nestas circunstâncias, deve o tribunal «a quo», em conformidade com os poderes que o art.° 13° do CPPT lhe confere, proceder à inquirição das testemunhas, sem prejuízo de outras diligências que repute importantes para a decisão, e assim indagar a veracidade ou compatibilidade da alegação de nunca ter praticado actos de administração, e a assinatura dos documentos que se mostram provados, sem esquecer pronúncia sobre todas e demais questões suscitadas, mesmo aquelas que por erro na forma de processo não podem ser alvo de decisão de mérito, exceptuando aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (art.° 608°/2 CPC). (…)”
Transpondo para o presente acórdão a jurisprudência do acórdão n.º 1671/08.5 BEVIS, a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito por défice instrutório impondo-se a devolução dos autos à 1.ª instância, a fim de aí ser fixada a matéria de facto pertinente e, após, ser proferida nova sentença,ficando assim, prejudicadas as demais questões equacionadas pela Recorrente.

4.2.E assim formula-se a seguinte conclusão:

O n.º 1 do art.º 24.º da LGT exige para responsabilização subsidiária a gerência efetiva ou de facto, ou seja, o efetivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera a gerência nominal ou de direito.
II. Incumbe à Administração Tributária, na qualidade de exequente e titular do direito de reversão, o ónus de alegar e provar os pressupostos que lhe permitem reverter a execução fiscal contra o administrador / gerente da devedora originária, designadamente, os factos integradores do efetivo exercício da gerência de facto em conformidade com a regra geral de quem invoca um direito tem que provar os respetivos factos constitutivos (artigo 342º, nº 1, do CC e artigo 74º, nº 1, da LGT).


5. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão judicial recorrida ordenar-se a baixa dos autos ao Tribunal de 1ª instância para julgamento de facto e de direito de todas questões, se nada obstar.
Sem custas.

Porto, 28 de setembro de 2017
Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina Travassos Bento