Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00299/08.4BECBR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/21/2016
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:OPOSIÇÃO EXECUÇÃO FISCAL
JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO
GERÊNCIA DE FACTO
Sumário:I. Ao abrigo do regime ínsito no artigo 24º da LGT é pressuposto da responsabilidade subsidiária o exercício de facto da gerência, cuja prova impende sobre a Fazenda Pública, enquanto entidade que ordena a reversão da execução.
II.A fundamentação formal do despacho de reversão basta-se com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efetivada (nº 4 do art. 23º da LGT) não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efetivo das funções do gerente revertido.
III. Deve considerar-se fundamentado de direito um ato de reversão da execução fiscal quando ele se insere num quadro jurídico-normativo perfeitamente cognoscível.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:V...
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, datada de 05.07.2016, que julgou procedente a pretensão do Recorrido na presente instância de OPOSIÇÃO com referência à execução originariamente instaurada pelo Serviço de Finanças de Oliveira do Hospital contra a sociedade Transportes V…, Lda., no processo de execução fiscal nº 08092004010065667, e revertida contra V…, por dívida de IRC relativo ao ano de 2004, no valor de €5 585,23 e acrescidos.

A Recorrente formulou nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:
“ (…)1 - A Mma. Juiz do Tribunal “a quo” julgou procedente a oposição, nos autos acima identificados, em que o autor se opõe a reversão contra si, pelo Serviço de Finanças de Oliveira do Hospital, de dívida respeitante a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) de 2004, no montante de € 5.805,38 a ser exigida no processo de Execução Fiscal n.º 0809200401006576, de que era devedora originária a sociedade TRANSPORTES V…, NIPC 5…, determinando a extinção da mesma quanto ao oponente, por ilegitimidade deste como responsável subsidiário quanto às dívidas exequendas.
2- Considerou a Mma. Juiz, que analisado o caso e convocando a factualidade dada como provada, se impõe concluir que ficou por demonstrar qualquer facto integrador do conceito de gerência de facto, considerado fundamental para a responsabilização dos revertidos pela generalidade da jurisprudência dos tribunais superiores e da doutrina, por parte de quem tinha o respectivo ónus: o Exequente, Administração Tributária.
3- Refere expressamente a Mma. Juiz: “Com efeito a actividade instrutória do procedimento tendente à reversão da oposição contra o oponente não foi nenhuma. De facto nem no projecto de reversão, nem, ainda, no despacho de reversão (conforme resulta do probatório) é referida a consideração do Oponente como gerente de facto da sociedade. Admitindo embora, que tal identificação tenha sido retirada da certidão da conservatória junta aos autos, não se encontra na mesma, qualquer menção quanto ao exercício de facto, mas apenas a identificação dos órgãos sociais, o que, tendo em conta o regime acima exposto e a jurisprudência citada, é, claramente, insuficiente, já que, como se viu, não basta a gerência de direito para haver responsabilidade subsidiária, sendo pressuposto da mesma o efetivo exercício da gerência.”
4- Com todo o respeito pela douta decisão “a quo” , entende esta Representação da Fazenda que existiu erro na apreciação da prova, que conduziu à decisão pela procedência da oposição e que não foi tomado em conta o invocado em sede da contestação apresentada por esta Representação da Fazenda Pública.
5- Consta do ponto 4 dos factos dados como provados na douta sentença que: “O oponente enviou através de carta registada no dia 08.07.2007, o requerimento com o exercício de audição prévia para pelo Serviço de Finanças de Oliveira do Hospital .-Fls. 44 e ss. dos autos.”
6- Ora, no exercício desse direito de audição, o revertido ora oponente nos presentes autos confessa expressamente que foi gerente de direito e de facto da originária executada, a fls. 5, utilizando estas exactas expressões.
7- E no ponto 19.º da contestação é referido pela RFP: “ Acresce que, neste caso, a original devedora era gerida unicamente pelo ora oponente…”
8- Pelo que, o despacho de reversão proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Oliveira do Hospital que reverteu a dívida executiva da sociedade devedora originária, contra o ora oponente, tomou em conta todos os elementos constantes do processo, nomeadamente tal assumir da qualidade de gerente de facto, por parte do mesmo.
9- O que só pode resultar na consequência legal de inversão do ónus da prova, decorrente do disposto no art. 24.º, n.º 1 al. b) da Lei Geral Tributária, enfermando a douta decisão pela procedência da impugnação, de manifesto erro na apreciação da prova produzida nos autos.
10- Pelo que, deve tal sentença ser revogada e substituída por douto acórdão que dê como provada a gerência de facto da sociedade devedora originária, por parte do aqui oponente V…, como o mesmo expressa e livremente admitiu e conclua pela sua legitimidade e pela legalidade da reversão levada a cabo pelo Serviço de Finanças de Oliveira do Hospital.
Nestes termos e com o douto suprimento de V.ªs Ex.ªs, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por douto acórdão que conclua que o oponente geria de facto a sociedade devedora originária e consequentemente pela sua legitimidade processual e pela legalidade da reversão contra o mesmo levada a cabo pelo Serviço de Finanças de Oliveira do Hospital, mantendo a sua responsabilidade a título subsidiário e a tramitação da execução fiscal, assim se fazendo JUSTIÇA..(…)”

1.2 O Recorrido não apresentou contra-alegações.

Foram os autos a vista da Exmº Senhor Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal, que emitiu o douto parecer inserto a fls. 188 a 190 no sentido de ser concedido provimento ao recurso, na medida em que, o Recorrido na fase procedimental confessou que exerceu a gerência de facto da sociedade e da petição inicial não resulta que venha por em causa o que afirmou anteriormente.

Colhidos os vistos dos Exm°s Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para Julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em saber (i) se o ato de reversão padece de falta de fundamentação e (ii) se a sentença incorreu em erro de julgamento na apreciação que fez dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do Recorrido.

3. JULGAMENTO DE FACTO

No Tribunal a quo, o julgamento da matéria de facto foi efetuado nos seguintes termos:
“(…)1. Contra a sociedade “Transportes V…, Lda.”, foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Oliveira do Hospital, o processo de execução fiscal n.º 0809200401006576, para cobrança coerciva de dívida de IRC relativa ao exercício de 2004, juros de mora e custas no montante global de € 5.805,38 euros. – Fls. 35 e ss. dos autos, que se dão por integralmente reproduzidas, tal como as demais que a seguir se indicam.
2. Por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Oliveira do Hospital, de 14.09.2007, foi determinada a preparação do processo para efeitos de reversão contra o aqui Oponente e determinada a sua notificação para exercer o seu direito de audição. – Cfr. fls. 40 dos autos.
3. Por ofício datado de 14.09.2007, o Oponente foi notificado para o exercício de audição prévia, enviado através de carta registada com aviso de receção. – Fls. 41/43 dos autos.
4. O Oponente enviou, através de carta registada no dia 08.07.2007, o requerimento com o exercício de audição prévia para o Serviço de Finanças de Oliveira do Hospital. – Fls. 44 e ss. dos autos.
5. Por despacho de 23.01.2008, emanado pelo Chefe do Serviço de Finanças de Oliveira do Hospital, foi determinada a reversão contra o aqui Oponente das dívidas da sociedade comercial “Transportes V…, Lda.”, para cujo teor se remete, dando-se aqui por integralmente reproduzido, por uma questão de brevidade. – cfr. fls. 51/51 V.º dos autos.
6. O Oponente foi citado por reversão para o processo de execução fiscal referido em 1., através de carta registada com aviso de receção. – Fls. 52/52 V.º dos autos..(…)”

3.2. Aditamento oficioso à decisão sobre a matéria de facto
Ao abrigo do disposto no artigo 662.º do CPC, na redação aplicável, ex vi artigo 2º, alínea e) e 281.º do CPPT, importa aditar ao probatório a seguinte matéria que igualmente se encontra provada nos autos:

7. Em sede de audição prévia ao despacho de reversão o Oponente pronunciou-se, nos termos constantes de fls. 45 a 49 dos presentes autos, cujo teor aqui damos por integralmente reproduzido e que parcialmente se transcreve: (…) Ou seja : para que se verifique a responsabilidade subsidiária dos gerentes das sociedades de responsabilidade limitada no âmbito desse regime legal é necessário que para além da gerência nominal ou de direito, ocorra uma gerência real ou efectiva durante o período a que respeitam as dívidas.
E o ora requerente confessa que foi gerente de direito e de facto da originária executada.
Mas poderá considerar-se responsável subsidiário pelo pagamento?
Crê-se que não.
É que a culpa relevante não é a que eventualmente respeite apenas ao incumprimento da obrigação de pagamento do imposto em execução mas só aquela que se reporte substantivamente ao incumprimento das disposições legais destinadas à protecção dos credores, quando desse incumprimento resulte, em nexo de causalidade adequada a insuficiência da sociedade para satisfação dos créditos fiscais. –(…)».

8. O Oponente assinou a declaração de Inscrição no Registo / Inicio de Actividade na qualidade de legal representante da sociedade Transportes V… Lda. e único gerente ”, (cfr doc junto a fls. 37 e 38 dos presentes autos ).

9. Do despacho de reversão, referido em 5. consta que “(…) Dispõe o art.º 24.º da Lei Geral Tributária, aprovadas pelo Decreto - Lei n.º 398/98 de 17 de Dezembro, que:
Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração nas sociedades, cooperativas e empresas publicas são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.

Determina-se no artigo 23.º do mesmo diploma que a responsabilidade (…)

Por outro lado, o n.º 2 do artigos 153.º do Código do Procedimento e de Processo Tributário, refere que: (..)

Resulta claramente dos presentes autos:
Que a executada não possui bens penhoráveis;
Que foi responsável pela Administração/Gerência da executada no período que respeita a dívida, o seguinte Administrador/Gerente:
V…, NIF: 1…51, com residência na Av… 3400-302 Alvôco das Várzeas.

Tendo-se procedido à audição prévia, conforme dispõe o n.º 4 do artigo 60.º da Lei ….

Nestes termos e por todo exposto., atentas as disposições legais citadas, declaro a presente execução revertida contra o responsável subsidiário V…, NIF: 1…, com residência na Av… 3400-302 Alvôco das Várzeas(…)” (cfr. fls.30 e 31 dos autos.

4. JULGAMENTO DE DIREITO
Estabilizada a factualidade apurada cumpre, agora, entrar na análise do recurso jurisdicional “sub judice”, sendo que, como já ficou dito, as questões suscitadas resumem-se, a saber se o ato de reversão padece de falta de fundamentação e se a sentença incorreu em erro de julgamento na apreciação que fez dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do Recorrido.
Está em causa a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que julgou procedente a oposição deduzida pelo ora Recorrido, com fundamento na sua ilegitimidade para a execução, sustentada na falta de prova da gerência de facto pelo revertido.
Consta da sentença recorrida queOra, analisando o caso em apreço e convocando a factualidade dada como provada, impõe-se concluir que ficou por demonstrar qualquer facto integrador do conceito de gerência de facto, por parte de quem tinha o respetivo ónus e que era o Exequente, ou seja, a Administração Tributária.
Com efeito, a atividade instrutória do procedimento tendente à reversão contra o Oponente, não foi nenhuma. De facto, nem no projeto de reversão, nem, ainda, no despacho de reversão (conforme decorre do probatório) é referida a origem da consideração do Oponente como gerente de facto da sociedade. Admitindo, embora, que tal identificação tenha sido retirada da certidão da conservatória junta aos autos, não se encontra na mesma, qualquer menção quanto ao exercício de facto, mas apenas a identificação dos órgãos sociais, o que, tendo em conta o regime acima exposto e a jurisprudência citada, é, claramente, insuficiente, já que, como se viu, não basta a gerência de direito para haver responsabilidade subsidiária, sendo pressuposto da mesma o efetivo exercício da gerência.
Não logrou, pois, a Administração Tributária demonstrar o exercício, de facto, do cargo de gerente, pelo que não se verifica um dos pressupostos de que depende a efetivação da responsabilidade subsidiária prevista no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT.
E, em virtude do caráter cumulativo dos pressupostos da reversão (gerência de facto da sociedade, não ter culpa na insuficiência do património e existirem bens da executada originária) a falta de verificação de um deles determina, por si só, a ilegitimidade do Oponente.(…)»
A Recorrente insurge-se contra o decidido, alegando que o tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento ao considerar que não resulta demonstrado o pressuposto relativo ao exercício da gerência pelo Recorrido.
Alega a Recorrente que consta do ponto 4 dos factos dados como provados na douta sentença que o oponente enviou através de carta registada no dia 08.07.2007, o requerimento com o exercício de audição prévia para pelo Serviço de Finanças de Oliveira do Hospital e que no exercício desse direito de audição, o revertido, ora Recorrido nos presentes autos, confessa expressamente que foi gerente de direito e de facto da originária executada. E que, o despacho de reversão proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Oliveira do Hospital que reverteu a dívida executiva da sociedade devedora originária, tomou em conta todos os elementos constantes do processo, nomeadamente tal assumir da qualidade de gerente de facto, por parte do mesmo.
As questões suscitadas nestes autos foram já objeto de recentes acórdãos deste TCAN, salientando-se os acórdãos proferidos nos processos n.º 298/08.0 BECBR e 297/08.0BECBR, ambos de 24.11.2016, ainda inéditos, onde as partes e as questões a apreciar são as mesmas, deferindo somente no tipo de imposto tratando nos presentes autos de IRC do ano de 2004 e nos citados acórdãos reportando-se a IVA do mesmo ano.
Por semelhança ao caso sub judice e por economia de meios, visando a interpretação e aplicação uniforme do direito (cfr. artigo 8.º n.º 3 do Código Civil), acolhemos a argumentação jurídica aduzida no acórdão desta Secção, proferido no acórdão n.º 297/08.0BECBR.
Não ocorrendo justificação para dessa jurisprudência nos afastarmos, passaremos a transcrever, a fundamentação de tal aresto, aderindo a todo o seu discurso fundamentador com as adaptações indispensáveis à situação jurídica em análise.
“(…) Constitui jurisprudência pacífica do STA que “a responsabilidade subsidiária dos gerentes é regulada pela lei em vigor na data da verificação dos factos tributários geradores dessa responsabilidade, e não pela lei em vigor na data do despacho de reversão nem ao tempo do decurso do prazo de pagamento voluntário dos tributos” – cf. Acórdão daquele alto tribunal de 29/06/2011, proferido no proc.º 0368/11.
Estando, assim, em causa uma dívida tributária relativa ao ano de 200[4], como se alcança da certidão de dívida que está na génese da execução fiscal revertida contra a Oponente, o regime de responsabilidade subsidiária aplicável no caso vertente é o decorrente do art.º24.º da Lei Geral Tributária, (vigente no momento em que se verificou o facto gerador da responsabilidade –cf. artigo 12º do Código Civil), tanto assim que foi o normativo em que o órgão de execução fiscal alicerçou o despacho de reversão em apreço.

Preceitua o citado normativo, no segmento relevante in casu, que :
“1. Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.
(…) ”.
Neste preceito está, assim, prevista a responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes relativamente a dívidas cujo facto constitutivo tenha ocorrido no período do exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento tenha terminado depois deste exercício [alínea a)] ou vencidas no período do seu mandato [alínea b)].
No que tange às dívidas tributárias cujo facto constitutivo tenha ocorrido no período do exercício do seu cargo ou quando o prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois desse exercício (mas em que o gerente ou administrador já não exercia funções à data em que a dívida foi posta à cobrança) o administrador ou gerente é responsável se tiver sido por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para o seu pagamento. O ónus da prova da culpa recai, no entanto, sobre a Fazenda Pública.
Quanto às dívidas cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, o administrador ou gerente é responsável pelo seu pagamento, salvo se provar que a falta de pagamento lhe não foi imputável. Neste caso, existe uma presunção legal de culpa, recaindo sobre o administrador ou gerente o ónus da prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento ou de entrega da prestação tributária, porquanto “esta presunção, apesar de contrária à regra geral da responsabilidade extracontratual prevista no artigo 487º do Código Civil (CC), compreende-se neste caso, pois se o gestor não tiver culpa pela falta de pagamento ou de entrega do imposto ocorrida no período em que exerceu funções, ser-lhe-á fácil prová-lo (Cf. JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., II volume, anotação 32 ao art. 204º, pág. 356.). Note-se que, embora esta alínea b) se refira meramente a imputação, e não a culpa, a jurisprudência tem vindo a interpretá-la no sentido de que é sempre exigível a culpa do gestor, entendida esta como a inobservância ou violação de uma regra de conduta previamente estabelecida” –vide acórdão do TCAN de 29 de Outubro de 2009, Processo 228/07.2.
Mas para que seja imputada a responsabilidade subsidiária bastará a mera nomeação como gerente?
De facto, não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.
Como se aponta no Acórdão do STA, de 02-03-2011, proferido in proc.º0944/10, “… Na verdade, há presunções legais e presunções judiciais (arts. 350.º e 351.º do CC). As presunções legais são as que estão previstas na própria lei. As presunções judiciais, também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos». (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 486; Em sentido idêntico, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 215-216, e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, página 289.
No entanto, como se refere no acórdão deste STA de 10/12/2008, no recurso n.º 861/08, «o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum. E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pelo revertido e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que isso, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido. (Sobre esta «certeza» a que conduz a prova, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 191-192.).
Mas, se o Tribunal chegar a esta conclusão, será com base num juízo de facto, baseado nas regras da experiência comum e não em qualquer norma legal. Isto é, se o Tribunal fizer tal juízo, será com base numa presunção judicial e não com base numa presunção legal.»
Todavia, ainda que não seja possível partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de gerente que o revertida tinha, não se pode presumir a gerência de facto, é possível efectuar tal presunção se o Tribunal, à face das regras da experiência, entender que há uma forte probabilidade de esse exercício da gerência de facto ter ocorrido.
Contudo, por outro lado, na ponderação da adequação ou não de uma tal presunção em cada caso concreto, nunca há num processo judicial apenas a ter em conta o facto de o revertido ter a qualidade de direito, pois há necessariamente que ponderar outros elementos que, abstractamente, podem influir esse juízo de facto, como, por exemplo, o que as partes alegaram ou não e a prova que apresentaram ou deixaram de apresentar.
Como afirmou o STA no acórdão de 28/2/2007, lavrado in recurso n.º 1132/06, proferido em Pleno da Secção de Contencioso Tributário, «As presunções influenciam o regime do ónus probatório.
Em regra, é a quem invoca um direito que cabe provar os factos seus constitutivos. Mas, se o onerado com a obrigação de prova beneficia de uma presunção legal, inverte-se o ónus. É o que decorre dos artigos 342.º n.º 1, 350.º n.º 1 e 344.º n.º 1 do Código Civil.
Também aqui o que vale para a presunção legal não serve para a judicial. E a razão é a que já se viu: o ónus da prova é atribuído pela lei, o que não acontece com a presunção judicial. Quem está onerado com a obrigação de fazer a prova fica desonerado se o facto se provar mediante presunção judicial; mas sem que caiba falar, aqui, de inversão do ónus (…)
Quando, em casos como os tratados pelos arestos aqui citados, a Fazenda Pública pretende efectivar a responsabilidade subsidiária do gerente, exigindo o cumprimento coercivo da obrigação na execução fiscal inicialmente instaurada contra a originária devedora, deve, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, provar os factos que legitimam tal exigência.
Deste modo, provada que seja a gerência de direito, continua a caber-lhe provar que à designação correspondeu o efectivo exercício da função, posto que a lei se não basta, para responsabilizar o gerente, com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização.
Este efectivo exercício pode o Juiz inferi-lo do conjunto da prova, usando as regras da experiência, fazendo juízos de probabilidade, etc.
Mas não pode retirá-lo, mecanicamente, do facto de o revertido ter sido designado gerente, na falta de presunção legal.
A regra do artigo 346.º do Código Civil, segundo a qual «à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos», sendo então «a questão decidida contra a parte onerada com a prova», não tem o significado que parece atribuir-lhe o acórdão recorrido.
Aplicada ao caso, tem este alcance: se a Fazenda Pública produzir prova sobre a gerência e o revertido lograr provar factos que suscitem dúvida sobre o facto, este deve dar-se por não provado. Mas a regra não se aplica se a Fazenda não produzir qualquer prova.» …”.
Perante o exposto, que traduz o enquadramento da matéria em apreço, constitui dado adquirido que compete à Fazenda Pública o ónus de prova da efectividade da gerência, não lhe bastando para tanto demonstrar apenas que a revertida foi nomeada gerente da sociedade executada.
Tanto assim é que o legislador fiscal ao incluir na disposição legal apontada as expressões “exerçam, ainda que somente de facto, funções” e “período de exercício do seu cargo”, determinou que não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções.
Logo, para que o mecanismo da responsabilidade subsidiária possa operar impera que se verifique o efectivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto.
Ora perscrutado o despacho de reversão apreço e tal como bem refere a sentença Recorrida, verifica-se que aquela se operou ao abrigo do regime preceituado no artigo 24º da LGT.
Como é sabido a reversão é a decisão do órgão da execução fiscal pelo qual é chamado ao processo executivo alguém que não consta do título executivo como devedor. É pela reversão que se efectiva a responsabilidade subsidiária, ou seja, o chamamento à execução fiscal dos responsáveis subsidiários (cf. art. 23.º, n.º 1, da LGT).
A decisão de reversão deve, pois, obedecer a todos os requisitos das decisões administrativas, designadamente, às exigências de fundamentação impostas pelo art. 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, pelo art. 77.º da LGT e, especificamente no caso de reversão, pelo art. 23.º, n.º 4, da LGT, que dispõe: «A reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e de declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação».
É, pois, inequívoca a exigência da fundamentação da reversão, sendo que como vem sendo jurisprudencial e doutrinalmente entendido que o vício de falta de fundamentação que afecte o despacho de reversão é fundamento de oposição à execução fiscal, nos termos da alínea i) do n.º 1 do art. 204.º, do CPPT (() Sobre a questão, vide JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., II volume, anotação 5 ao art. 276.º, págs. 650 a 652.-() Neste sentido, entre outros, os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:– de 13 de Julho de 2005, proferido no processo com o n.º 0504/05, publicado no Apêndice ao Diário da República de 4 de Janeiro de 2006 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2005/32230.pdf), págs. 1669 a 1674, com texto integral disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/6f4bc749888992af80257042004b4f83?OpenDocument;
– de 8 de Março de 2006, proferido no processo com o n.º 01249/05, publicado no Apêndice ao Diário da República de 29 de Setembro de 2006 (
http://www.dre.pt/pdfgratisac/2006/32210.pdf), págs. 378 a 384, com texto integral disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/c383735d3ed092478025713300415625?OpenDocument; – de 11 de Abril de 2007, proferido no processo com o n.º 0172/07, publicado no Apêndice ao Diário da República de 24 de Abril de 2008 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2007/32220.pdf), págs. 770 a 773, com texto integral disponível em.
No caso sub judice, o Executado por reversão invocou como fundamento da oposição à execução fiscal a falta de fundamentação da decisão de reversão, designadamente porque nela não resultam esclarecidos os pressupostos relativo à fundada insuficiência de bens da primitiva devedora bem como à gerência de facto pelo Oponente da primitiva devedora.
A Mma Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra considerou que a Exequente não demonstrou o pressuposto para a responsabilização do revertido, concretamente o exercício da gerência de facto da primitiva devedora.
Todavia, desde já nos permitimos discordar de tal entendimento. Senão vejamos.
Tal como resulta do articulado inicial brande o Oponente, ora Recorrido, contra o despacho de reversão a alegação de que este padece de falta de fundamentação no que concerne aos pressupostos para a reversão, nomeadamente quanto ao exercício efectivo da gerência por banda do Oponente, fundamento que a Mma Juiz a quo enquadra nos seguintes “(…)O Oponente alega que, não consta nada no despacho de reversão sobre a sua gerência de facto na devedora originária Transportes V…, Lda.. Portanto, está em causa a apreciação de um dos pressupostos da reversão, que se traduz na matéria da legitimidade do Oponente na execução, e que é fundamento de oposição à execução na previsão da alínea b), do n.º 1, do artigo 204.º do CPPT.(…)”
Sem curar da bondade ou rigor técnico utilizado na determinação dos fundamentos da oposição importa antes de mais fazer uma breve incursão no que concerne ao despacho de reversão e aos elementos que dele devem constar. Ora, alerta-se, desde já, para o facto de que não releva se os fundamentos invocados em suporte do acto de reversão são ou não subsistentes (isto é, se o seu conteúdo sustenta o acto), mas se os mesmos foram invocados (estão lá), são claros e são congruentes entre si.
Na verdade, uma coisa é saber se a Administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a reversão da execução fiscal contra o ora Recorrente, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto () Isto, como bem salienta VIEIRA DE ANDRADE, sem prejuízo de a exigência de fundamentação formal não se bastar com «uma qualquer declaração do agente sobre os fundamentos do acto», nem de ser «a ausência total de menção dos fundamentos a única modalidade de vício de forma por incumprimento desse dever», pois «[o] conteúdo da declaração fundamentadora não pode ser o de um qualquer enunciado, há-de consistir num discurso aparentemente capaz de fundar uma decisão administrativa» (O Dever da Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, Almedina, 1991, pág. 231).); outra, bem diversa e situada já no âmbito da validade substancial do acto, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa.
Distinguindo a dimensão formal e a dimensão substancial do dever de fundamentação, VIEIRA DE ANDRADE diz que a diferença está «em que o dever formal se cumpre pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis; enquanto a fundamentação material exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo» (() Ob. e loc. cit.).
A fundamentação, tal como o prevê o artigo 77.º, n.º 1 da LGT, pode ser efectuada por «mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária». Contudo, a remissão para aqueles elementos tem de ser expressa, como resulta da utilização pela lei da expressão por nós sublinhada “declaração de concordância”. Quem declara “diz”, “afirma, “revela”. Assim, nos termos desta norma, a remissão tem de ser declarada, dita afirmada, revelada. O que está em consonância com a exigência constitucional de que a fundamentação seja expressa.
E na verdade só com uma remissão expressa é alcançado o fim visado com a exigência da fundamentação dos actos administrativos que é dar a conhecer ao interessado o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto, por forma a com ele se possa conformar ou, então, contra ele reagir.
Ora conforme se extrai do elenco dos factos provados, quer do projecto de reversão, quer do próprio despacho que a determina, constam a qualidade em que o revertido é chamado à execução, o exercício efectivo da gerência de facto da devedora originária, a natureza da dívida, o período a que respeita e os respectivos montantes, Por outro lado, nesse despacho refere-se, ainda, que a executada originária não tem bens penhoráveis, as normas legais que fundamentam a reversão. Por último, importa referir que, de acordo com o disposto no art.º 77.º da LGT, a decisão do procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres ou informações.
Acresce que, pelo teor da argumentação aduzida em sede de audição prévia e na presente oposição, resulta que o oponente apreendeu em toda a extensão o conteúdo do despacho de reversão, concretamente os factos em causa e os fundamentos da reversão, tanto assim que brande contra a reversão contra ele ordenada a sua falta de culpa pelo não pagamento dos créditos tributários.
Se bem interpretamos a posição assumida pelo Oponente o seu articulado inicial, este imputa a falta de fundamentação do despacho de reversão quer relativamente ao pressuposto da insuficiência de bens da devedora originária para satisfazer as respectivas obrigações tributárias, quer ao exercício da gerência de facto por considerar que do despacho de reversão deveriam constar elencadas as diligências feitas e a prova recolhida pelo órgão de execução fiscal no sentido de verificar o preenchimento de tais pressupostos, bem como os elementos relativos à divida exequenda.
Salvo sempre o devido respeito por opinião contrária, a questão da falta de fundamentação não se coloca relativamente à circunstância de no despacho de reversão não se esclarecer de que meios o órgão de execução fiscal lançou mão para constatar a falta de bens penhoráveis da executada originária e o exercício efectivo da gerência pelo revertido. ( cfr . Ac deste TCAN de 13.10.2016, ainda inédito, no qual interveio a mesma Relatora).
Sobre esta matéria, mutatis mutandis, já se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão do Pleno de 16.10.2013, lavrado in Rec 0458/13 cujo sumário parcialmente se transcreve: « A fundamentação formal do despacho de reversão basta-se com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada (nº 4 do art. 23º da LGT) não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido.»
Urge não olvidar que a quantia exequenda reporta-se a IVA , [IRC ]ou seja um imposto auto- liquidado …. e que a certidão de dívida acompanhou o despacho de reversão aquando da citação do executado, a qual deu a conhecer ( ou melhor, relembrou) ao Oponente a sua dívida tributária no processo em apreço.
Cotejando o probatório, dúvidas não se suscitam que ao órgão de execução fiscal ao lavrar o despacho de reversão estava perante a seguinte factualidade:
i) fora nomeado gerente único da devedora originária,
ii) Assinara documentos declarações, em nome e representação da devedora originária , na qualidade de gerente único;
iii) Em sede de audição prévia o revertido confessara ser o gerente de direito e de facto da devedora originária;
iv) o imposto em dívida resulta de auto-liquidação [(…..)],
v) que a devedora originária não tem bens penhoráveis.
Assim, constando do despacho de reversão que“(…) resulta claramente dos autos : que a executada não possui bens penhoráveis; que (o Oponente /revertido) foi responsável pela Administração /gerência da executada no período a que respeita a dívida (…)”,que fez acompanhar da respectiva certidão de dívida, Informação que suporta o despacho de reversão , ficou o Oponente na posse dos fundamentos do acto de reversão.´
Sobre a questão relativa à fundamentação de direito do despacho de reversão vide o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 08.04.2015 lavrado in rec. 0345/14, cujo sumario se transcreve :I - Deve considerar-se fundamentado de direito um acto de reversão da execução fiscal quando ele se insere num quadro jurídico-normativo perfeitamente cognoscível. II - A responsabilidade do gerente que se manteve na gerência da sociedade executada, conforme decorre do documento do registo comercial que instruiu o procedimento para reversão da execução fiscal e no qual se apoia o despacho de reversão, não pode deixar de ser aquela a que se refere a alínea b) do n.º 1 do art. 24.º da LGT, e que encontra expressão na afirmação feita nesse despacho de que «o sócio-gerente acima identificado exerceu de facto e de direito, a gerência da executada, no período a que respeitam as dívidas aqui em cobrança, relativas a IRC e IVA dos anos de 2001 a 2004 conforme certidão da narrativa da Conservatória do Registo Comercial [...]», pelo que, não podendo ser diverso o quadro jurídico configurável, o despacho de reversão se encontra fundamentado de direito, apesar de o seu texto não indicar expressamente a alínea do art. 24.º da LGT em que se apoia. (Sobre esta questão vide, entre outros, o Acórdão do STA de 12.02.2015, lavrado in Rec 1860/13, de 31.10.2015, lavrado in rec 0580/12).
E não se diga como o faz a Mma Juiz a quo, que: (…) analisando o caso em apreço e convocando a factualidade dada como provada, impõe-se concluir que ficou por demonstrar qualquer facto integrador do conceito de gerência de facto, por parte de quem tinha o respetivo ónus e que era o Exequente, ou seja, a Administração Tributária.
Com efeito, a atividade instrutória do procedimento tendente à reversão contra o Oponente, não foi nenhuma. De facto, nem no projeto de reversão, nem, ainda, no despacho de reversão (conforme decorre do probatório) é referida a origem da consideração do Oponente como gerente de facto da sociedade. Admitindo, embora, que tal identificação tenha sido retirada da certidão da conservatória junta aos autos, não se encontra na mesma, qualquer menção quanto ao exercício de facto, mas apenas a identificação dos órgãos sociais”, uma vez que olvida que foram juntos aos autos quer um documento assinado pelo Recorrido na qualidade de gerente único, quer a pronúncia deste em sede de audição prévia, na qual confessa ter sido o gerente de facto e de direito da devedora originária.
Volvendo ao despacho de reversão que está na génese dos presentes autos, resulta manifesto ter a Recorrente demonstrado o quadro factual e normativo que subjaz à ordenada reversão, não podendo in casu afirmar-se que os elementos carreados para os autos e que suportam o despacho de reversão são insuficientes para se poder concluir no sentido do exercício efectivo da gerência pelo Recorrido, uma vez que , como referido supra, “Este efectivo exercício pode o Juiz inferi-lo do conjunto da prova, usando as regras da experiência, fazendo juízos de probabilidade, etc.(…)”.
Destarte termos de concluir tal como acórdão 297/08.0 BEBCR pela procedência do recurso e consequente revogação da sentença recorrida.
Todavia, e uma vez que foram suscitadas pelo Recorrido, como fundamento de oposição à execução fiscal, quer a preterição de formalidades bem como a falta de culpa pelo não pagamento do IRC, e não tendo sido fixada matéria de facto, fica este Tribunal Central Administrativo Norte impedido de conhecer das mencionadas questões, impõe-se que os autos baixem ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra para conhecimento desses invocados fundamentos da oposição, se a tanto outras razões não obstarem.

4.3. E assim formulamos as seguintes conclusões:
I. Ao abrigo do regime ínsito no artigo 24º da LGT é pressuposto da responsabilidade subsidiária o exercício de facto da gerência, cuja prova impende sobre a Fazenda Pública, enquanto entidade que ordena a reversão da execução.
II.A fundamentação formal do despacho de reversão basta-se com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efetivada (nº 4 do art. 23º da LGT) não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efetivo das funções do gerente revertido.
III. Deve considerar-se fundamentado de direito um ato de reversão da execução fiscal quando ele se insere num quadro jurídico-normativo perfeitamente cognoscível.

5. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida ordenando a baixa dos autos TAF de Coimbra para aí prosseguirem os seus demais termos se a tal nada mais obstar.
Sem custas.

Porto, 21 de dezembro de 2016
Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina Travassos Bento