Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01100/16.0BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/31/2019
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:NULIDADE DO ACTO; CONTEÚDO ESSENCIAL DE UM DIREITO FUNDAMENTAL; DIREITO À SEGURANÇA SOCIAL; REDUÇÃO DA PENSÃO DE INVALIDEZ; PRAZO DE IMPUGNAÇÃO; ARTIGO 162º, Nº 2, DO CÓDIGO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DE 2015; ARTIGO 58º, Nº 2, ALÍNEA B) DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS.
Sumário:
1. Não é susceptível de estar afetado com o vício de nulidade tempo – artigo 162º, nº 2, do Código de Procedimento Administrativo de 2015 -, o despacho efectuou novo cálculo do valor da respectiva pensão de invalidez, reduzindo-a de 6.167,00 euros para 5.030,64 euros, por tal não afetar o conteúdo essencial de um direito fundamental, em particular do direito à segurança social.
2. É intempestiva a impugnação deste acto para alem do prazo de 3 meses contado deste a sua notificação ao interessado - artigo 58º nº 2 alínea b) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:JISC
Recorrido 1:Centro Nacional de Pensões
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO
Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

JISC veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga de 30.03.2017 pela qual foi julgada procedente a excepção de caducidade do direito de agir suscitada pelo demandado Centro Nacional de Pensões – Instituto da Segurança Social, I.P., na acção administrativa que o Recorrente moveu ao Recorrido para anulação do despacho que efectuou novo cálculo do valor da respectiva pensão de invalidez e que lhe fora notificado a 11.12.2012.
Invocou para tanto, e em síntese, que a decisão recorrida omitiu pronúncia sobre a violação pelo despacho impugnado do disposto no artigo 161º nº2, alínea d), do Código de Procedimento Administrativo de 2015, invocada na contestação e, por isso, é nula, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil de 2013, aplicável por força do artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos de 2015 e que face a tal violação, o acto impugnado é nulo, nulidade invocável a todo o tempo – artigo 162º, nº 2, do Código de Procedimento Administrativo de 2015, pelo que deve a decisão recorrida ser revogada e concluir-se como na petição inicial.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:
1. O acto impugnado é nulo porque violou um direito fundamental alvo de protecção constitucional directa (artigo 63º, n.º3, da Constituição da República).
2. Uma vez que, por ele, foi reduzido o valor de uma pensão atribuída e calculada ao abrigo da legislação especial (Lei n.º 90/2009, 31.08).
3. Como tal integrando o próprio conteúdo do direito à pensão (acórdão do Tribunal Constitucional n.º 862/2013, Diário da República, de 07.01.2014).
4. Sendo nulo o acto, a respectiva impugnação não está sujeita a prazo (artigo 58º, n.º 1, Código de Processo nos Tribunais Administrativos).
5. A sentença recorrida julgou intempestiva a impugnação, aplicando – erradamente – o prazo previsto no artigo 58º, n.º2, alínea b) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e, consequentemente, a norma de caducidade ínsita na alínea h) do n.º 1 do artigo 89º do mesmo Código.
6. Mas não se pronunciou sobre os fundamentos da nulidade invocada pelo Autor e que, em síntese, são os referidos nas conclusões anteriores, tendo antes qualificado a impugnação no âmbito de supostamente invocados “erros sobre pressupostos”, como tal, geradores de mera anulabilidade o que, na verdade, não aconteceu.
7. Assim, a sentença é nula por omissão de pronúncia (artigo 615º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil), como tal devendo ser reconhecida e declarada.
8. Quando assim se não entender, a sentença é violadora das disposições legais citadas e, portanto, deve ser revogada.
9. Em qualquer dos casos, deverá, em consequência, o Tribunal de Recurso decidir do objecto da causa, nos termos do artigo 449º-1 a 3 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
10. Concluindo-se, para tal efeito, como na petição inicial da acção julgando-a procedente por provada e, em consequência.
a) ser declarado nulo e de nenhum efeito, com as legais consequências, o acto de redução do montante da pensão identificado no artigo 18º da petição inicial;
b) ser o Réu condenado a repor a aplicação ao cálculo da pensão do Autor a fórmula de cálculo resultante do despacho a que se refere o artigo 1º da petição, reportado ao dia 13.07.2010;
c) ser o Réu condenado a pagar ao Autor a quantia correspondente à diferença entre o montante de pensões que efectivamente lhe pagou em consequência do acto impugnado e o valor que, de acordo com o exposto, lhe deveria ter pago, desde 01.01.2013 bem como todas as diferenças que, pelo mesmo motivo, se verificarem relativamente às prestações vincendas, até trânsito em julgado da sentença e execução da mesma, sendo que aquelas quantias somam, na data da propositura desta acção, 55.681,64 €.
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II –Matéria de facto.
A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:
1. O Autor intentou a presente acção pedindo a anulação do despacho que efectuou novo cálculo do valor da sua pensão de invalidez – ver articulado inicial no SITAF.
2. Este despacho foi notificado ao Autor em 11.12. 2012 – documento junto com o articulado inicial e acordo das partes.
3. O Autor em 01.02.2013 apresentou reclamação da decisão em crise (cfr. documento a fls. 03 do processo administrativo apenso que aqui se dá por integralmente reproduzido).
4. Reclamação que mereceu resposta expedida a 18.02. 2013 (cfr. documentos de fls. 5 e 6 do processo administrativo apenso).
5. A petição inicial deu entrada em 02.07.2016 ver articulado inicial no SITAF.
Factos que importa aditar (com relevo para a decisão, alegados na petição inicial, não especificamente impugnados e provados pelos documentos juntos à mesma, cuja genuinidade e autenticidade não foram postos em causa):
6. O Autor é beneficiário de pensão de invalidez atribuída pelo Réu, conforme despacho do Director de Unidade, no uso de competência delegada pelo Director do Centro Nacional de Pensões, despacho esse que lhe foi comunicado por ofício com a referência 6.1.2, de 19.10.2011, sendo o respectivo efeito reportado ao dia 13.07.2010 e o valor mensal da pensão fixado em 6.167,00€ pago por catorze meses em cada ano (artigo 1º da petição inicial).
7. O despacho de atribuição e fixação do valor da pensão fundou-se na aplicação do Decreto-Lei nº 187/2007, de 10.05, e na Lei nº 64-A/08, de 31.12 (artigo 2º da petição inicial).
8. Por ofício datado de 17.07.2012 com a referência VPIV2 e subscrito pela Directora de Unidade, o Centro Nacional de Pensões comunicou ao Autor a intenção de ser reduzido a 5.030,64€ o montante da pensão que lhe fora atribuída (artigo 12º da petição inicial).
9. Invocando-se como fundamento legal o artigo 101º do Decreto-Lei nº 187/07, de 10.05, o qual estabelece um limite superior para o valor das pensões, fixado em 12 indexantes de Apoios Sociais (IAS)(idem).
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III - Enquadramento jurídico.
1. Da omissão de pronúncia.
Alega o Recorrente que a decisão recorrida omite pronúncia sobre a nulidade do acto impugnado com o fundamento da violação do direito fundamental à pensão.
Vejamos
Determina a alínea d) do n.º1, do artigo 615º, do Código de Processo Civil actual, aplicável por força do disposto no artigo 1º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos actual, que a sentença é nula quando “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Este preceito deve ser compaginado com a primeira parte do n.º2, do artigo 608º, do mesmo diploma: “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.
Conforme é entendimento pacífico na nossa jurisprudência e na doutrina, só se verifica nulidade da sentença por omissão de pronúncia, a que aludem os citados preceitos, quando o juiz se absteve de conhecer de questão suscitada pelas partes e de que devesse conhecer (cfr. Alberto Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra 1984 (reimpressão), p.140; e acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 11.9.2007, recurso 059/07, de 10.09.2008, recurso 0812/07, de 28.01.2009, recurso 0667/08, e de 28.10.2009, recurso 098/09).
O erro de direito não se integra no conceito de falta de fundamentação ou omissão de pronúncia.
O erro no enquadramento jurídico leva à revogação da sentença e não à declaração de nulidade, nos termos da invocada norma da alínea d), do n.º1 do artigo 615º do actual Código de Processo Civil.
A nulidade só ocorre quando a sentença ou acórdão não aprecie questões suscitadas e não argumentos apresentados no âmbito de cada questão, face ao disposto nos artigos 697º e 608º do actual Código de Processo Civil.
Efectivamente, o tribunal não tem de se pronunciar sobre todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes, mas apenas fundamentar suficientemente em termos de facto e de direito a solução do litígio.
Questões para este efeito são todas as pretensões processuais formuladas pelas partes, que requerem a decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os específicos de qualquer acto especial, quando realmente debatidos entre as partes (Antunes Varela, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 122º, página 112), não podendo confundir-se as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões, argumentos e pressupostos em que fundam a respectiva posição na questão (Alberto dos Reis, obra citada, 143, e Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, volume III, 1972, página 228).
No mesmo sentido se orientou a jurisprudência conhecida, em particular os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 09.10.2003, processo n.º 03B1816, e de 12.05.2005, processo n.º 05B840; os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 21.02.2002, processo n.º 034852 (Pleno), de 02.06.2004, processo n.º 046570, e de 10.03.2005, processo n.º 046862.
Refere a Recorrente que a decisão recorrida padece de nulidade por não se ter pronunciado sobre uma causa de nulidade do acto impugnado.
Mas sem razão.
A decisão recorrida pronuncia-se expressamente sobre a invocação de tal nulidade do acto impugnado, nos termos que se reproduz pela sua clareza:
“O autor pretende que a presente acção está em tempo e que não estaria sujeito ao prazo de três meses previsto no nº 2 do art. 58º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, porquanto o acto que pretende impugnar estaria viciado de nulidade e não de mera anulabilidade, remetendo para o regime da nulidade.
Ora bem:
Em sede de acção administrativa especial de pretensão conexa com actos administrativos visar-se-á a declaração de nulidade ou anulação de um acto com base nos fundamentos previstos nos artigos 133º e 135º do Código de Procedimento Administrativo (DL Nº 442/91), respectivamente.”
Segue-se a enunciação do teor do artigo 133º do referido Código.
Continua a decisão recorrida:
“O art. 133º é bastante restritivo.
Da leitura da p.i., depreende-se que o único vício imputado será o erro nos pressupostos em que o Réu se baseou para decidir como decidiu. Segundo o Autor, será outra a leitura a fazer do regime legal aplicável.
Isto posto, a sanção prevista para o acto desconforme à lei é a mera anulabilidade e não a nulidade.
Assim sendo, somente poderia ser assacado ao acto sindicado vício gerador de anulabilidade. A desconformidade à lei, que é o que aqui está em causa, apenas é sancionada com a anulação do acto, nos termos do artigo 135º do Código de Procedimento Administrativo.
Nesta conformidade, caindo por terra o vício conducente à nulidade do acto, a acção que ora se contesta fica apenas restringida à apreciação do vício conducente à anulação do acto impugnado e que, ao contrário do que acontece com a declaração de nulidade, está, por lei, acometida a respeitar o prazo previsto no artigo 58º nº 2 alª b) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, ou seja, o prazo de 3 (três) meses.”
Pode concordar-se ou não com decisão proferida nos autos no sentido de não enveredar pela nulidade do acto impugnado, mas não pode concluir-se que não existe pronúncia explícita sobre tal questão, pelo que tem que julgar-se improcedente a arguida omissão de pronúncia e consequente nulidade da decisão recorrida.
2. O mérito da decisão recorrida. A nulidade do despacho impugnado.
Alega-se no artigo 1º da petição inicial que o Autor é beneficiário de pensão de invalidez atribuída pelo Réu, conforme despacho do Director de Unidade, no uso de competência delegada pelo Director do Centro Nacional de Pensões, despacho esse que lhe foi comunicado por ofício com a referência 6.1.2, de 19.10.2011, sendo o respectivo efeito reportado ao dia 13.07.2010 e o valor mensal da pensão fixado em 6.167,00€ pago por catorze meses em cada ano.
Alega-se no artigo 2º da petição inicial que o despacho de atribuição e fixação do valor da pensão fundou-se na aplicação do DL nº 187/2007, de 10.05, e na Lei nº 64-A/08, de 31.12.
Alega-se no artigo 12º da petição inicial que por ofício datado de 17.07.2012 com a referência VPIV2 e subscrito pela Directora de Unidade Carla Rainha, o Centro Nacional de Pensões comunicou ao Autor a intenção de ser reduzido a 5.030,64€ o montante da pensão que lhe fora atribuída.
Invocando-se como fundamento legal o artigo 101º do Decreto-Lei nº 187/07, de 10.05, o qual estabelece um limite superior para o valor das pensões, fixado em 12 indexantes de Apoios Sociais (IAS).
Esta matéria factual confina o litígio à discordância entre Autor e Réu sobre o valor da pensão de invalidez do Autor, propugnando este que a sua pensão é no valor de 6.167,00€ como inicialmente fixado pelo Réu e este defendendo que tal pensão é no montante de 5.030,64€, ou seja, estão divididos por uma diferença de 1.136,36€.
Esta redução de pensão levada a cabo pelo Réu ofende o conteúdo essencial do direito à pensão plasmado no artigo 66º, nº 3, da Constituição da República Portuguesa?
Já nos pronunciamos sobre esta questão nos acórdãos proferidos no Tribunal Central Administrativo Norte, com o mesmo relator, de 09.11.2012, no processo nº 00893/08.3 CBR, e de 19.06.2015, no processo nº 02755/12.0 PRT, de 19-06-2015:
I acórdão (sumário):
“1. O art. 63º da Constituição da República Portuguesa, relativo à segurança social, não tem, por regra, a força jurídica estabelecida pelos artigos 17º e 18º nº 1 do mesmo diploma fundamental, ou seja, a possibilidade de aplicação directa e vinculação das entidades públicas e privadas.
2. De igual modo, por regra, a violação do conteúdo essencial do direito à segurança social não se traduz na nulidade do acto administrativo que a pratique, face ao disposto na alínea d) do nº 2 do artigo 133º do Código de Procedimento Administrativo.
3. Verifica-se, no entanto, nos termos alegados esta violação, no caso de acto administrativo que determinou a suspensão das pensões de sobrevivência que recebiam a viúva e a filha órfã de um funcionário, nos valores de 180,08 e 120,05 euros por mês e quando os únicos rendimentos que ambas têm são as pensões pagas por uma seguradora nos valores mensais de 233,40 e 155,40 euros por mês.
4. A verificar-se a invocada violação de lei, este acto será nulo por violação do conteúdo essencial de um direito fundamental, pelo que a acção destinada a declarar essa nulidade pode ser intentada a todo o tempo, nos termos do nº 2 do art. 134º do Código do Procedimento Administrativo.”
II acórdão (sumário):
“1. Apenas se poderá considerar violado o conteúdo essencial deste direito para a finalidade de determinar se o acto é nulo, nos termos do disposto no art. 133º nº 2 alª d) do Código de Procedimento Administrativo, se não puder ser assegurado, com a negação do direito, um mínimo de existência condigna.
2.Não se verifica tal violação quando está em causa o pagamento de um 14º mês e o pagamento de igual montante de pensão correspondente a esse mês, ou subsidiariamente, o pagamento da importância de descontos que, segundo o autor, foram indevidamente efectuados para efeitos de aposentação relativos àquele período de pensão que não foi pago.”
O Recorrente não contradiz, antes aceita, que não foi respeitado o prazo de 3 meses de que dispunha para atacar o despacho em causa que lhe reduziu o montante da pensão se este for meramente anulável.
A questão que se coloca é, portanto, a de saber se o acto em apreço é nulo por ofender o conteúdo do direito fundamental à pensão previsto no artigo 63º, nº 3, da Constituição da República Portuguesa.
A ser meramente anulável, o direito a impugnar tal acto encontra-se caducado, tal como decidido.
Resulta do disposto no invocado preceito, contido na alínea d), do n.º 2 do artigo 133º do Código de Procedimento Administrativo de 1991, actual artigo 161º, nº 2, alínea d), do Código de Procedimento Administrativo actual, que são nulos os actos que “ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental”.
Para que se verifique a nulidade de um acto administrativo, tendo em conta este normativo, é necessário 1º - que haja a violação de um direito fundamental e 2º - que essa violação atinja o conteúdo essencial desse direito.
Não basta, portanto, que se verifique a violação de um direito fundamental é necessário ainda que essa violação atinja o conteúdo essencial do direito fundamental para que o acto fique ferido da grave invalidade que é a nulidade.
E violação de qualquer princípio apenas releva para este preceito quando traduzir a violação do conteúdo essencial de um qualquer direito fundamental, dado o preceito se referir em exclusivo a direitos e não a princípios e sendo certo que a violação de princípios, por si mesma, sem qualquer reporte a direitos, não afecta a esfera jurídica dos interessados.
Dito isto:
O direito aqui em causa é o direito à pensão de aposentação, integrado no direito à segurança social.
O direito à segurança social está consagrado nos artigos XXII e XXV, nº 1, parte final, da Declaração Universal dos Direitos Humanos (Adoptada e proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas em 10.12.1948:
“Toda a pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social; e pode legitimamente exigir a satisfação dos direitos económicos, sociais e culturais indispensáveis, graças ao esforço nacional e à cooperação internacional, de harmonia com a organização e os recursos de cada país.”
“Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade.”
Regras que também encontram acolhimento no nosso ordenamento jurídico fundamental.
Integrado no Capítulo II (Direitos e deveres sociais), do Título III (Direitos e deveres económicos, sociais e culturais), I Parte (Direitos e deveres fundamentais), dispõe o artigo 63º da Constituição da República Portuguesa, sob a epígrafe “Segurança social e solidariedade”:
“1. Todos têm direito à segurança social.
2. Incumbe ao Estado organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social unificado e descentralizado, com a participação das associações sindicais, de outras organizações representativas dos trabalhadores e de associações representativas dos demais beneficiários.
3. O sistema de segurança social protege os cidadãos na doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em todas as outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho.
4. Todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado.
(…)”.
A Constituição não só consagra, assim, o direito à segurança social como também impõe ao Estado a organização, coordenação e subsidiação de um sistema de segurança social unificado e descentralizado, definindo em parte o modelo de satisfação do direito fundamental em causa, mas não os seus precisos termos.
O que significa que apenas se pode retirar desta norma constitucional a obrigação genérica do Estado garantir protecção aos cidadãos em situações de desemprego, doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, mas não a sua concretização.
Daí que se entenda que o artigo 63º não tenha, por regra, a força jurídica estabelecida pelos artigos 17º e 18º, nº 1, todos da Constituição da República Portuguesa, ou seja, a possibilidade de aplicação directa e vinculação das entidades públicas e privadas.
Face às crescentes limitações orçamentais dos Estados para dar resposta às necessidades de apoio social, tem-se vindo a defender que os direitos fundamentais sociais estão sujeitos a uma “reserva do possível” em cada momento, na linha da ressalva já constante do artigo XXII (parte final) da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Claro que a aceitação sem reservas deste entendimento pode abrir a porta ao esvaziamento praticamente total dos direitos fundamentais sociais, sempre que as opções ideológicas do legislador ordinário o levem a estabelecer outras prioridades em detrimento das políticas sociais.
Assim se, por um lado, se deve ter em conta os constrangimentos financeiros do Estado e a margem de escolha dos governos eleitos, em função do seu projecto político, por outro lado também há que proteger a confiança dos cidadãos criada pelo sistema de protecção social estabelecido que deve ser assegurado no seu conteúdo mínimo. Isto mesmo resulta do Acórdão do Tribunal Constitucional invocado pelo Recorrente, nº 862/2013, de 19.12.2013, proferido no processo 1260/13, que não vai além do que se afirmou na tutela deste direito à pensão, integrado no direito à segurança social.
No dizer de Rui Medeiros, in Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, tomo I, p. 634, «os direitos sociais contêm também - ou podem conter – um conteúdo mínimo, nuclear ou, porventura essencial directamente aplicável».
O que significa que o legislador ordinário está confinado, na concretização do direito à segurança social (e de outros direitos derivados a prestações), entre, por um lado, a “reserva do possível” e, por outro, o mínimo de dignidade humana vigente em cada época.
Como sustentou o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 3/2010, processo n.º 176/09:
“Na verdade, naquelas circunstâncias típicas previstas no n.º 3, do artigo 63.º, quando esteja em causa a própria subsistência mínima e, portanto, a existência socialmente condigna, o direito à segurança social adquire uma urgência e uma força vinculante que o tornam directamente aplicável e o subtraem, em ampla medida, ao poder de legislar extrai-se do princípio da dignidade humana (artigo 1º da Constituição da República Portuguesa) um direito fundamental a um mínimo de existência condigna.”
Resulta em suma deste acórdão – que traduz o mais recente entendimento deste Tribunal – que se extrai do princípio da dignidade humana (artigo 1º da Constituição da República Portuguesa) um direito fundamental a um mínimo de existência condigna.
Também no sentido propugnado se pronuncia o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido no proc. nº 71/12.7 BRG, de 13.06.2014 (sumário):
“I- A violação do direito fundamental à segurança social consagrado no art. 63º da CRP só tem como consequência a nulidade do acto administrativo quando afecte, de forma socialmente inaceitável, o direito a uma existência condigna.
II- Em regra, a violação do conteúdo essencial do direito à segurança social não gera a nulidade da respectiva decisão administrativa, nos termos previstos na alª d) do nº 2 do art. 133º do CPA de 1991, mas sua mera anulabilidade.
(…)”.
No caso concreto, resulta da petição inicial e da documentação junta aos autos que o Recorrente sofreu uma diminuição da sua pensão, mas que continuou a receber a pensão mensal de 5.030,64€ em substituição da pensão mensal de 6.167,00€ inicialmente fixada pelo Réu.
Aqui não é posto em causa o núcleo essencial do direito fundamental à segurança social consagrado no artigo 63º da Constituição da República Portuguesa, uma vez que o Recorrente tem assegurado o direito a uma pensão que lhe assegura uma vida condigna, tendo o Estado assegurado a protecção adequada em caso de doença.
Nem o Autor em momento algum referiu que a redução da pensão atentou contra o seu direito a uma vida condigna ou não assegurou a protecção adequada em caso de doença, ou que não assegurou o mínimo indispensável para assegurar a sobrevivência com um mínimo de dignidade.
Não há, portanto, a violação do conteúdo essencial de um direito fundamental, a determinar a nulidade do acto impugnado, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 2, do artigo 133º do Código de Procedimento Administrativo de 1991, artigo 161º, nº 2, alínea d), do Código de Procedimento Administrativo de 2015.
Pelo que se verifica a excepção de caducidade do direito de agir, tal como decidido.
Termos em que se impõe manter a decisão recorrida.
***
IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional, pelo que mantêm a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Porto, 31.05.2019
Ass. Rogério Martins
Ass. Luís Garcia
Ass. Conceição Silvestre