Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00521/10.7BECBR |
Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
Data do Acordão: | 06/29/2017 |
Tribunal: | TAF de Coimbra |
Relator: | Mário Rebelo |
Descritores: | VÍCIOS DIFERENTES DOS ALEGADOS PRETERIÇÃO DE FORMALIDADE |
Sumário: | 1. Se no decurso do processo se tomar conhecimento que a liquidação que se pretende impugnar padece de vícios diferentes dos alegados, dever-se-á cumprir o contraditório chamando a AT a pronunciar-se. 2. A omissão dessa notificação constitui preterição de uma formalidade que influi no exame e decisão da causa, nos termos do Art. 195º do CPC.* * Sumário elaborado pelo Relator. |
Recorrente: | Autoridade Tributária e Aduaneira |
Recorrido 1: | M..., Lda. |
Decisão: | Concedido provimento ao recurso |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: O Exmo. Representante da Fazenda Pública inconformado com a sentença proferida pela MMª juiz do TAF de Coimbra que julgou procedente a impugnação deduzida contra a liquidação de IRC relativa ao exercício de 2007, no montante de € 2.159,51, dela interpôs recurso para este TCA terminando as alegações com as seguintes conclusões: 1) Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) referente ao ano de 2007, no valor de 2.159,51€, por haver decidido pela anulação da liquidação por falta de fundamentação, conforme está afirmado a fls. 2 e 14 da douta sentença. 2) Pretende a recorrente alegar violação do principio do contraditório porquanto o Tribunal “a quo” decidiu julgar a ação procedente por falta de fundamentação, quando a recorrente nunca foi notificada do novo argumento deduzido pela Impugnante (fundamentação a posteriori), bem como os argumentos que foram expendidos na petição inicial sobre a alegada fundamentação diziam exclusivamente respeito com a primeira liquidação de imposto e que foi impugnada no processo sob o n°264/10.1BECBR. 3) Em segundo lugar, pretende que a questão de mérito seja sindicada porque, no nosso humilde entendimento e respeitosamente, também constitui um errado julgamento, quanto a esta matéria, de facto e de direito. 4) Em primeiro lugar, toda a argumentação expendida na petição inicial sobre os alegados vícios (incluindo a da falta de fundamentação) está relacionada com a primeira liquidação de imposto que foi impugnada no âmbito do processo sob o n°264/10.1BECBR, conforme se pode aferir por aquela peça processual. 5) Por outro lado, está dito na douta sentença que “A Impugnante, em resposta, argumenta que a fundamentação a posteriori não é admissível”. - fls. 10 da douta sentença. 6) Acrescido ao facto de o Tribunal “a quo” ter tido o entendimento que a certidão emitida pela Administração Tributária, com a explicação para a alteração dos referidos montantes, foi emitida em momento posterior à liquidação e que portanto não podia servir de base do mesmo. 7) Ora, esta resposta da Impugnante, ora Recorrida, não consta do probatório, nem a RFP foi alguma vez notificada deste novo argumento deduzido pela Impugnante. 8) O principio do contraditório no âmbito do direito tributário está consagrado nos arts.° 9.°, n°1, artº 98.º e 99.°, todos da LGT, art.°3.°, n°3 do CPC e art.° 20.°, n.° 4, da CRP. 9) A RFP, ora recorrente, não foi notificada da resposta da Impugnante, em que esta vejo alegar fundamentação à posteriori do ato, bem como também não lhe foi dada a possibilidade de se pronunciar sobre esta nova causa de pedir, que é a fundamentação à posteriori. 10) Pelas disposições legais acima mencionadas, o Juiz deve observar e fazer cumprir ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo licito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito e de facto, mesmo de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem. 11) Ou seja, o princípio do contraditório visa assegurar a igualdade das partes mas também constituí um instrumento a evitar decisões surpresa. 12) Assim, voltando ao caso em concreto, não foi a recorrente notificada, nem lhe foi dada a possibilidade de se pronunciar sobre este novo argumento (nova causa de pedir) invocado pela recorrida, da alegada fundamentação à posteriori. 13) Sendo certo que o disposto no art.°264.° do CPC permite a alteração e ou ampliação da causa de pedir desde que haja acordo das partes, o que pressupõe também aqui a exigência, no caso, da pronuncia das partes. 14) E respeitosamente, a decisão judicial sob recurso teve em conta na sua decisão aquela argumentação da recorrida quanto à fundamentação à posteriori, disso é exemplo o que está dito a fls. 14 da sentença quando refere que: “(...) o facto de ter sido emitida pela Administração Tributária com a explicação para a alteração dos referidos montantes foi emitida em momento posterior à liquidação (...) pelo que não sendo tal fundamentação contextual (de modo expresso ou por remissão não pode servir de base do mesmo. 15) Assim, o Tribunal “a quo” ao ter decidido pela falta de fundamentação da liquidação, sem que em primeiro lugar, na petição inicial, tenha sido atribuída em concreto vícios relacionados com a liquidação em causa nos autos uma vez que os vícios imputados (inclusivamente da alegada fundamentação) estão relacionados com a primeira liquidação que foi discutida no processo sob o n°264/10.1BECBR, cujo processo lá transitou em julgado, não podia aqui, nestes autos, ser reapreciada a falta de fundamentação, nos termos em que foi alegada. 16) Por outro lado, também não foi dada a possibilidade à RFP de se pronunciar sobre a tal alegada resposta da Recorrida, em que esta alegou fundamentação à posteriori, parece-nos, e respeitosamente, existir violação do principio do inquisitório, o que consubstancia a prática de uma nulidade processual. 17) Não tendo a Recorrente sido notificada para se pronunciar sobre a fundamentação à posteriori alegada pela recorrida em sede de resposta, ocorreu no processo uma omissão susceptível de influir no exame e na decisão da causa, que tem como consequência a anulação dos termos processuais subsequentes ao momento em que tal notificação deveria ter ocorrido e não ocorreu, a determinar, naturalmente, a anulação da sentença recorrida - cfr. artigos 201º do CPC e 98°, n° 3, do CPPT, o que desde já se requer o reconhecimento de tal nulidade. 18) Sem prescindir e por dever de representação, pretende a recorrida ver também apreciada a questão de mérito: Em primeiro lugar, no probatório da douta sentença não consta como facto provado que em 21 de Setembro de 2012, após notificação para esse efeito, que a Impugnante esclareceu que a liquidação em apreço nos autos é diferente da liquidação de 2007 que foi sindicada no âmbito do processo n°264/10. 19) Facto que devia constar expressamente no probatório da douta sentença, porque é a própria Impugnante, ora recorrida que esclareceu, após notificação, que a liquidação (que na realidade é um acerto de contas) era diferente da liquidação de 2007 e que foi sindicada no âmbito do processo sob o n°264/10. 20) Sendo certo que o Tribunal “a quo” ignorou também que juntamente com aquela resposta em que a Impugnante esclareceu que a liquidação em apreço era diferente da liquidação de 2007 que foi sindicada no âmbito do processo acima identificado também ignorou que foi a própria Impugnante, ora Recorrida, que juntou a tal certidão emitida pelo Serviço de Finanças de Coimbra 1, em 14 de junho de 2010. - vide fls. 148 a 151 das autos. 21) Ou seja, tal certidão foi emitida em data anterior à da apresentação da impugnação judicial, o que demonstra até que, aquando da interposição da ação, a Impugnante tinha conhecimento das razões de facto e de direito daquela “liquidação adicional”, que na realidade não mais que uma “notificação de um acerto de contas”, conforme se pode aferir pelo documento a fls. 175 dos presentes autos. 22) Deverá constar como facto provado no probatório da douta sentença, o que desde já se requer, o seguinte: “Que no dia 21 de Setembro de 2012, após notificação do Tribunal, a Impugnante esclareceu que a liquidação em apreço nos autos é diferente da liquidação de 2007 que foi sindicada no processo sob o n°264/10, tendo juntado para o efeito certidão emitida pelo Serviço de Finanças de Coimbra 1, com data de 14 de junho de 2010”. 23) Ora, com todo o respeito pela douta decisão judicial e reconhecendo a análise efetuada pela Mma Juíza do Tribunal “a quo”, entende a Recorrente que existiu erro de julgamento na apreciação da prova e de aplicação do direito e que conduziu à decisão por tal procedência, por falta de fundamentação, o que conduzirá indubitavelmente revogação da decisão. 24) Isto porque, a douta sentença fez assentar exclusivamente a decisão de procedência na falta de fundamentação formal do ato de liquidação impugnado, com o fundamento de que o relatório de inspeção tributária nada refere ao montante dos pagamentos especiais por conta, bem como o reacerto financeiro é absolutamente omisso quanto aos motivos que determinaram a alteração dos valores corrigidos a titulo de pagamentos especiais por conta e pagamentos por conta e não remetia para qualquer outro ato, acrescido do facto de a certidão emitida pela AT ter sido emitida em momento posterior à liquidação, pelo que não podia servir de base ao mesmo. 25) Ora, não podemos aceitar este julgamento porque quem veio fazer a conjugação da liquidação impugnada com o relatório da inspeção foi a impugnante, ora Recorrida, tendo depois esta, já muito posteriormente, vindo esclarecer em sede judicial que efectivamente o Processo n°264/10 tem como objeto uma liquidação de IRC do ano de 2007, mas que, todavia, é diferente daquela que está em causa nos presentes autos (...)» - vide documento de fls. 148 do PA. - matéria factual que deverá ser dado como provado, conforme já requerido nas alegações deste recurso. 26) Sendo certo que, quando a Impugnante veio aos autos, no dia 21-09-2012, não veio requerer a fundamentação à posteriori do ato de liquidação, o que quer dizer que tinha percebido, e bem, os elementos que estavam subjacentes à notificação da nota de cobrança de acerto de contas. 27) Por outro lado, o reacerto financeiro que foi enviado à Impugnante, ora recorrida e que consta a fls. 177 e que foi levado ao probatório da douta sentença no ponto 12, fls. 8, foi considerado pelo Tribunal “a quo” como omisso quanto aos motivos que determinaram a alteração dos valores corrigidos a título de pagamentos especiais por conta e pagamentos por conta. 28) Ora, estamos na realidade perante uma notificação de acerto de contas decorrente de um reacerto financeiro (documentos de fls. 175 e 177 dos autos) e não perante um ato de liquidação, pelo que não é demonstrativo que o ato de liquidação careça de fundamentação ou que ela não esteja ao alcance da recorrida que, por até ter juntado uma certidão emitida pelo Serviço de Finanças de Coimbra 1, com data anterior à interposição da ação de Impugnação judicial, até demonstrou conhecê-la. 29) E a jurisprudência tem entendido nesta matéria da fundamentação do ato recorrido e da respetiva notificação, neste caso, estamos perante uma notificação de um acerto de contas, destacam-se alguns acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: “Não é pela notificação do acto praticada que há-de aferir-se da fundamentação deste. A notificação do acto administrativo constitui um acto complementar que apenas assegura a plena eficácia da acto comunicada e nada tem a ver com a fundamentação a que respeita”(Ac. do STA de 3/5/90 - Rec. n° 26086). “A notificação irregular de um acto administrativo não determina, só por si, a ilegalidade deste acto” (Ac. do STA de 4/2/92 - Rec. n° 12 074). 30) Parece-nos, que no caso, poder-se-ia discutir, quando muito da ineficácia do ato de liquidação por a respetiva notificação não reunir, desde logo, todos os requisitos legais (que no entanto tal causa de pedir nunca foi invocada nos autos), mas não da sua invalidade. 31) No entanto, a notificação do acerto de contas relativo ao valor de 2.159,51€ chegou mesmo a ser complementada, através daquela certidão emitida pelo Serviço de Finanças de Coimbra 1, emitida em 14 de junho de 2010 e que foi junta aos autos pela própria Impugnante, ora Recorrida e onde constam as explicações para a emissão daquela nota de cobrança de acerto de contas. 32) Assim, face ao que se deixou dito, não se conforma, a Recorrente, com a douta decisão recorrida, por considerar que a mesma enferma de erro de julgamento da matéria de facto e de direito, fazendo errónea apreciação da matéria de facto e violando, consequentemente as normas legais aplicáveis – artº 77.° da LGT. 33) E «O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida.» - Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, no proc. 06235/12, de 15-01-2013. Pelo exposto e com mui douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogada a sentença, como é de inteira JUSTIÇA. CONTRA ALEGAÇÕES. Não houve. PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo pela procedência do recurso. II QUESTÕES A APRECIAR. O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se foi cometida uma nulidade processual por violação do princípio do contraditório após alegação pela Impugnante do vício de fundamentação “a posteriori” e erro de julgamento de facto e de direito. Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.
“Assim, teve lugar uma nova liquidação para o ano de 2007, que teve como objectivo obter a reposição do montante dos pagamentos especiais por conta considerados neste ano, por erro administrativo, e cuja reposição se traduz no montante de 2.159,51, correspondente à nota de cobrança 2010 210322” (fls. 150). O Exmo. Representante da Fazenda Pública “completou” esta informação com esclarecimentos adicionais e concluiu que “...o montante impugnado nos presentes autos respeita a uma nota de cobrança resultante de correções aos valores dos PEC deduzidos indevidamente e não a qualquer liquidação” (fls. 156). Notificada, a Impugnante respondeu que a fundamentação “a posteriori” não é admissível em regra e que “tendo em conta a fundamentação dada a conhecer à ora requerente, descortina-se que os PEC apenas se poderão considerar deduzidos indevidamente depois de julgada e transitada a impugnação judicial apresentada contra a liquidação de IRC de 2007. Razão pela qual deve a tramitação do presente processo ser suspensa até que se verifique aquela circunstância, o que se requer” (fls. 162). Este requerimento não foi notificado ao Exmo. Representante da Fazenda Pública. Decorrido o prazo para alegações facultativas, os autos foram com vista ao MP em cujo parecer considerou que “A argumentação expendida na p.i. nada tem que ver com essa liquidação [liquidação de IRC relativa a 2007], reproduzindo-se quase na íntegra a p.i. visava outra liquidação de IRC do mesmo ano (e outra de 2004) que teve na origem correções aritméticas, apuradas em sede inspetiva. Verificando-se assim, que o pedido está em contradição com a causa de pedir, deverá considerar-se nulo todo o processo por ineptidão da p.i., nos termos do disposto no art.º 193º n.º 1 e 2 alínea b) do CPC, aplicável por força da alínea e) do art. 2º do CPPT” (fls. 188). Notificados deste parecer, apenas o ERFP respondeu confirmando que “o pedido está em contradição com a causa de pedir, deverá considerar-se nulo todo o processo por ineptidão da petição inicial, de acordo com o n.º 1 e 2 al. b) do art.º 193º do C.P.C.” (fls. 193) Na douta petição inicial a Impugnante contesta a liquidação adicional de IRC no montante de € 2159,51 que por “...ação de fiscalização levada a cabo pela Direção de Finanças de Coimbra, foi a impugnante inspecionada aos exercícios de 2004 a 2008, pelo que atenta a natureza do contencioso, que é de anulação dos actos de que é elemento constitutivo a fundamentação administrativa invocada, têm-se por oficiosamente adquiridos, de vez, para o processo aqueles fundamentos em que o Fisco se alicerçou para praticar os actos ora impugnados” (artigo 1º da douta petição inicial). Nos artigos subsequentes a Impugnante imputa vários vícios à liquidação como sejam a falta de fundamentação, a preterição do princípio da participação e o vício de violação de lei por não ter considerado os custos devidamente documentados. Todos estes vícios são reportados ao Relatório da Inspecção. Mas como já referimos, no decurso do processo ficamos a saber que a liquidação de IRC relativa a 2007, no valor de € 9.637,43, emergente do Relatório da Inspecção foi impugnada no processo 264/10. Então, se a liquidação do exercício de 2007 que resulta do relatório da Inspeção foi impugnada no processo 264/10, a que factos tributários corresponde a liquidação impugnada neste processo, também relativa ao ano de 2007? A resposta foi dada pela AT na certidão de 14/6/2010, supra referida, algo confusa, e no “esclarecimento” posterior” dado pelo Exmo. Representante da Fazenda Pública. Mas foi a MMª juiz que na sentença melhor clarificou a questão: “Decorre do probatório que foi emitida uma liquidação adicional para o ano de 2007, com o n.º 2009 8310030574, no valor de EUR 9.637,43 (cfr. ponto 15 do probatório), a qual foi objecto de impugnação no âmbito do processo n.º 264/10.1BECBR (cfr. ponto 22 do probatório). A referida liquidação foi, posteriormente, objecto de um reacerto financeiro, em 19.04.2010, na sequência do qual foi apurado o valor de EUR 11.796,94 (cfr. ponto 17 do probatório). Este reacerto deu origem a uma nova demonstração de acerto de contas da qual resultou o montante a pagar pela Impugnante no montante de EUR 2.159,61 (cfr. ponto 19 do probatório), e foi na sua sequência que foi instaurada a presente impugnação. Este quadro factual evidencia que a liquidação adicional do IRC de 2007, no valor de EUR 9.637,43 e que foi objecto de compensação em primeiro lugar, foi reformulada nos termos que constam do reacerto financeiro. Do confronto entre o teor da liquidação adicional e o teor do reacerto financeiro, verifica-se que a única diferença reside nos montantes dos pagamentos especiais por conta e dos pagamentos por conta considerados pela Administração Tributária (cfr. pontos 16 e 18 do probatório), diferença essa que originou um saldo a pagar pela Impugnante no valor de EUR 2.159,61. Embora não tenha sido emitida uma nova liquidação, o facto é que a Administração tributária tratou o referido reacerto financeiro como se de uma nova liquidação adicional de IRC de 2007 se tratasse, tendo inclusivamente efectuado uma demonstração de acerto de contas entre as duas liquidações, da qual resultou imposto a pagar a acrescer ao imposto apurado na sequência da liquidação objecto da primeira compensação.” Portanto, é neste ponto que nos encontramos. Há duas liquidações relativas a 2007, sendo que uma delas – a que se impugna nestes autos – é um reacerto da liquidação anterior (primeira liquidação) na medida em que os pagamentos especiais por conta efetuados pela Impugnante, foram imputados às liquidações de 2005 e 2006, pelo que, diz a AT, não poderiam ser utilizados no ano de 2007 (mas foram, “por erro administrativo”, como se diz na certidão de 14/6/2010). Por causa desse erro, foi efetuado o “reacerto” cuja liquidação se impugna nestes autos. Ora em face da “confusão” criada, devemos questionar se a causa de pedir articulada nesta impugnação tem alguma correspondência com o facto tributário subjacente ao “reacerto”/liquidação em causa. A MMª juiz verificou que o RIT “...nada refere quanto ao montante dos pagamentos especiais por conta, cuja alteração determinou a sua liquidação” (fls. 13 da sentença). Esta conclusão está certa. Nem a Impugnante nem o Exmo. Representante da Fazenda Pública alguma vez alegaram que os pagamentos especiais por conta eram referidos no Relatório, ou mesmo que a liquidação/reacerto emerge do relatório da Inspeção Tributária. Todavia, acrescentou depois a MMª juiz: “Compulsado o reacerto financeiro verifica-se que o mesmo é absolutamente omisso quanto aos motivos que determinaram a alteração dos valores corrigidos a título de pagamentos especiais por conta e pagamentos por conta e não remete para qualquer outro acto do qual pudesse constar a fundamentação. Acresce que a certidão emitida pela Administração Tributária com a explicação para a alteração dos referidos montantes foi emitida em momento posterior à liquidação (cfr. ponto 14 do probatório), pelo que não sendo tal fundamentação contextual (de modo expresso ou por remissão), não pode servir de base ao mesmo. Posto isto, é impossível apreender os motivos subjacentes à decisão da Administração Tributária alterar os valores considerados na liquidação adicional a título de pagamentos por conta, o que impede não só a Impugnante de se defender, como também o tribunal de apreciar a validade do acto. Sendo o vício sob apreciação meramente formal, incumbiria ainda apreciar a possibilidade da sua degradação. Sucede que, no caso em apreço, os vícios materiais alegados pela Impugnante não são próprios do acto impugnado, pois referem-se a vícios que não põem em causa a verificação dos pressupostos legais de que o mesmo depende. Com efeito, tais vícios estão relacionados com a primeira liquidação de imposto que foi impugnada no âmbito do processo n.º 264/10.1BECBR, pois referem-se à alteração da matéria colectável por correcções aritméticas, concretamente, por desconsideração de custos diversos e por tributação autónoma de despesas confidenciais – de resto, quanto aos referidos vícios já se formou caso julgado, pelo que também por tal facto não poderiam os mesmos ser apreciados nesta sede. Face ao exposto, a Administração Tributária não cumpriu com o dever de fundamentação formal do acto, pelo que procede o vício de falta de fundamentação do acto de liquidação de IRC de 2007 na parte impugnada nos autos, o que determina a sua anulação.” A MMª juiz reconhece que os vícios materiais alegados pela Impugnante não são próprios do acto impugnado, pois referem-se a vícios (...) relacionados com a primeira liquidação de imposto que foi impugnada no âmbito do processo n.º 264/10.1BECBR. Mas não obstante esta acertada conclusão, empreendeu a sua análise com base numa causa de pedir aparentemente diferente da alegada na petição inicial, sem a correspondente alteração nos termos legais Cfr. acórdão do STA n.º 030/11 de 29-06-2011 Relator: ANTÓNIO CALHAU Sumário: I - É admissível, em processo de impugnação judicial, a ampliação do pedido e da causa de pedir, nos termos do disposto no artigo 63.º do CPTA, ex vi do artigo 2.º, alínea e) do CPPT, sempre que se verifiquem factos supervenientes para o impugnante que lhe proporcionem a tomada de conhecimento de vícios de que não podia conhecer no momento da apresentação da petição inicial, assim permitindo ao impugnante invocar novos factos ou imputar novos vícios ao acto impugnado. II - É o que sucede quando a AT, já na pendência da impugnação, emitiu demonstração de acerto de contas e nova liquidação, na sequência de reclamação graciosa apresentada pelo impugnante., ou mesmo tivesse sido invocado de erro na alegação da causa de pedir (o que sempre estaria sujeito a limites restritos Cfr. Acórdão doSTA n.º 0586/1426-06-2014 Relator: CARLOS CARVALHO Sumário: I – Acolhe e exprime-se no art. 249.º do CC um princípio geral de direito que se mostra aplicável a todos os erros de cálculo ou de escrita juridicamente relevantes. II – Para o preenchimento legítimo do referido normativo importa que, como é entendimento uniforme, se considerem apenas como lapsos de escrita os que sejam ostensivos, aqueles que facilmente se detetem e se identifiquem como tais pelo e no seu contexto e que respeitem à expressão material da vontade e já não os que possam ter influenciado a formação dessa vontade. III – Os erros dizem-se de escrita quando se escreve ou representa, por lapso, coisa diversa da que se queria escrever ou representar, sendo que se consideram manifestos os erros quando estes são de fácil deteção, isto é, quando a própria declaração ou as circunstâncias em que ela é feita permitem a sua imediata identificação. IV – Está-se perante uma mera retificação quando a intenção que a motiva é, apenas e tão só, a correção de um evidente erro de escrita e não a sua modificação ou alteração substancial. V – A causa de pedir não consiste na categoria legal invocada, no facto jurídico abstrato configurado pela lei, mas, antes, nos concretos factos da vida a que se virá a reconhecer ou não, força jurídica bastante e adequada para desencadear os efeitos pretendidos pelo A., consubstanciando-se numa indicação de factos suficientes para individualizar o facto jurídico gerador da mesma [cfr. arts. 05.º e 581.º, n.º 4 do CPC/2013]. VI – A individualização duma ação, face ao que se mostra previsto no n.º 4 do citado art. 581.º do CPC/2013, afere-se pela causa [facto genético] do direito, o que a substancia ou fundamenta [teoria da substanciação]. VII – Para que o tribunal reconheça ao A. o direito que o mesmo invoca procedendo a sua pretensão há-de este alegar e provar os factos suscetíveis de gerar esse direito segundo a ordem jurídica constituída. VIII – Ressalvadas as situações em que se mostra como legalmente admissível a alteração/modificação da causa de pedir/pedido [cfr., nomeadamente, arts. 264.º e 265.º do CPC/2013] vigora o princípio da estabilidade da instância não sendo admissível, mormente, a alteração/modificação da causa de pedir após citação do R. [cfr. art. 260.º do mesmo Código]. IX – Não poderá aceitar-se que face à constatação da insubsistência da alegação na qual o A. sustentou a pretensão o mesmo possa pretender operar uma modificação/alteração do pedido e causa de pedir, “maxime” com vista a que, diferenciadamente do quadro factual invocado em sede de petição inicial, passasse a ser outra a conduta omissiva ilícita/ilegal imputada ao R. e, dessa forma, lograr obter a sua condenação na inibição do exercício de funções decorrente da aplicação conjugada dos arts. 02.º, 03.º e 04.º da Lei n.º 4/83.V – A causa de pedir não consiste na categoria legal invocada, no facto jurídico abstrato configurado pela lei, mas, antes, nos concretos factos da vida a que se virá a reconhecer ou não, força jurídica bastante e adequada para desencadear os efeitos pretendidos pelo A., consubstanciando-se numa indicação de factos suficientes para individualizar o facto jurídico gerador da mesma [cfr. arts. 05.º e 581.º, n.º 4 do CPC/2013]. ). E vai daí considerou que o reacerto financeiro é absolutamente omisso quanto aos motivos que determinaram a alteração dos valores corrigidos a título de pagamentos especiais por conta e pagamentos por conta e não remete para qualquer outro acto do qual pudesse constar a fundamentação, sem dar oportunidade à AT de se pronunciar sobre tal omissão de fundamentação (não se sabe se foram notificados ao sujeito passivo quaisquer outros elementos). Ou seja, iniciado o processo com a invocação de determinados vícios da liquidação, a MMª juiz “desviou” a sua análise para outros diferentes, incidindo agora sobre a omissão dos motivos que determinaram a alteração dos valores corrigidos a título de pagamentos especiais por conta. Tudo o que não foi alegado na petição inicial. Não concordamos com a MMª juiz quando no despacho de sustentação esclarece “que os fundamentos invocados pela Oponente na referida resposta não vieram ampliar o objecto da causa, uma vez que o vício de forma por falta de fundamentação já se encontrava alegado na petição inicial. Assim, inexiste qualquer violação do princípio do contraditório pois a Fazenda Pública teve oportunidade de se pronunciar sobre o alegado vício em sede de contestação”. Ora o vício de falta de fundamentação foi realmente alegado na douta petição inicial mas referente ao RIT com base no qual foi efetuada a liquidação impugnada no processo n.º 264/10. Não em relação ao conteúdo da liquidação que agora nos ocupa. E no que respeita à certidão de 14/6/2010 (fls. 149), já referida, a MMª juiz retira-lhe qualquer relevância por ter sido “...emitida em momento posterior à liquidação (cfr. ponto 14 do probatório), pelo que não sendo tal fundamentação contextual (de modo expresso ou por remissão), não pode servir de base ao mesmo. Posto isto, é impossível apreender os motivos subjacentes à decisão da Administração Tributária alterar os valores considerados na liquidação adicional a título de pagamentos por conta, o que impede não só a Impugnante de se defender, como também o tribunal de apreciar a validade do acto”. Ora, a alegação de que a fundamentação da liquidação/reacerto não é contemporânea do acto é uma alegação da Impugnante no requerimento, precisamente aquele que não foi notificado ao Exmo. Representante da Fazenda Pública. Ou seja, para além do “desvio” para uma causa de pedir diferente, parece-nos claro que a MMª juiz não poderia decidir como decidiu sem dar oportunidade à AT de se pronunciar sobre a questão, notificando-a do requerimento apresentado pela Impugnante a fls. 162 dos autos. Sabendo-se que a notificação serve para chamar alguém a juízo ou dar conhecimento de um facto (art. 219/2 do CPC e 35º/1 do CPPT) o requerimento em causa não poderia deixar de ser notificado ao Exmo. Representante da Fazenda Pública na medida em que é introduzido um elemento (um vício) novo. Para mais, tendo em consideração a natureza algo atípica dos autos, sempre se imporia a notificação do Exmo. Representante da Fazenda Pública para se pronunciar sobre a questão da fundamentação “a posteriori” referente à liquidação em causa. A omissão de notificação constitui preterição de uma formalidade que pode influir no exame e decisão da causa, razão porque se impõe a anulação dos atos posteriores ao articulado de fls. 162, e anulação dos actos subsequentes que dele dependam absolutamente, nos termos do Art. 195º do NCPC. A solução dada a esta questão inutiliza a apreciação das restantes (art. 608º/2 "ex vi" do art. 663º/2 do CPC). V DECISÃO. Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em conceder provimento ao recurso, anular todo o processado posterior ao requerimento de fls. 162, devendo os autos baixar ao tribunal “a quo” para cumprimento do contraditório e demais termos, se nada mais obstar. Porto, 29 de junho de 2017. Ass. Mário Rebelo Ass. Cristina Travassos Bento Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira |