Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00044/17.3BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/25/2018
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Pedro Vergueiro
Descritores:RECURSO
MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA
NULIDADE DA SENTENÇA POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO
ERRO NOS PRESSUPOSTOS DE FACTO E DE DIREITO
Sumário:I) Em relação à nulidade da sentença por falta de fundamentação, há que ter em atenção que, como é sabido, só se verifica tal nulidade quando ocorre falta absoluta de fundamentação, sendo que há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
II) Ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 662º nº 1 do C. Proc. Civil, incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.
III) De acordo com o exposto nos artigos 87.º, n.º 1, alínea f) e 89.º-A, n.º 5 da Lei Geral Tributária, constituem pressupostos legais vinculativos da actuação da administração tributária no sentido da determinação da matéria tributável nos termos ali previstos e que esta está, portanto, obrigada a provar (cf. artigo 74º, nº 1 da LGT e artigo 342º, nº 1 do Código Civil): (i) acréscimo de património ou despesa efectuada, incluindo liberalidades, de valor superior a € 100.000 e bem assim (ii) a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados.
IV) O facto manifestado não se subsume apenas a uma realidade que é do conhecimento público, podendo derivar, como no caso, dos elementos registados e que vieram ao conhecimento da AT na sequência do acesso à contabilidade da sociedade identificada nos autos.
V) A partir do momento em que a AT fez a prova da verificação dos pressupostos legais do recurso a métodos indirectos para a determinação da matéria tributável que suporta o acto posto em crise, passou então a recair sobre os Recorrentes o ónus da prova da inexistência dos factos tributários ou de erro ou excesso na quantificação da matéria tributável efectuada, sendo que para afastar a utilização de métodos indirectos de avaliação da matéria tributável o contribuinte tem de demonstrar que detinha proventos que não tinham de ser declarados para efeitos de imposto sobre o rendimento, suficientes para assegurar a manifestação de fortuna que estiver na base de tal utilização, só sendo esta afastada se esses proventos chegarem para assegurar a totalidade da manifestação de fortuna em causa, sendo ainda necessário que se demonstre que ela foi efectivamente assegurada com esses bens.
V) Nestas condições, não merece censura o exposto na decisão recorrida, quando refere que estamos na presença de um rendimento cuja origem é identificada, mas não a sua natureza, pelo que deverá preencher o carácter residual inerente à tipificação como rendimento, à luz da teoria do rendimento-acréscimo, dos acréscimos patrimoniais não justificados, como acréscimo inominado que é, não sendo suficiente para afastar a tributação a circunstância de estarem identificados a origem e os destinos dados aos levantamentos. *
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:C... e A...
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
A Autoridade Tributária e Aduaneira, inconformada veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, datada de 11-05-2017, que julgou improcedente a excepção da caducidade do direito de recorrer e, igualmente inconformados, vieram C... e A..., devidamente identificados nos autos, interpor recurso jurisdicional da sentença do mesmo TAF, datada de 27-11-2017, que negou provimento ao recurso apresentado contra a decisão da Sra. DIRECTORA DE FINANÇAS DE BRAGA, de tributação por avaliação indirecta, do rendimento tributável em sede IRS, dos anos de 2013 e 2014.

Relativamente ao recurso do despacho interlocutório proferido em 11-05-2017, a Autoridade Tributária e Aduaneira formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 540-544), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(…)
I. Na sequência da citação que lhe foi remetida, a entidade pública demandada, contestando, excepcionou a caducidade do direito de acção. Assim dizendo,
II. O presente meio processual, é um processo de natureza urgente, conforme resulta do nº 1 do artigo 146°-D do CPPT.
III. O prazo para deduzir o presente meio processual é de dez dias, como impõem os nsº 1 e 2 do art.º 146.º – B do CPPT, aplicável por via do nº 5 do mesmo artigo
IV. O prazo é um prazo peremptório e de caducidade, porque aparece como extintivo do respectivo direito de pedir judicialmente o reconhecimento de uma certa pretensão.
V. Termos em que é manifestamente intempestivo o recurso apresentado, que deu entrada no tribunal no dia 04/01/2017, porque interposto, muito para além dos 10 dias previsto no art.º 146.º-B do CPPT, que se devem contar da data da notificação da decisão, ocorrida a 20/12/2016.
VI. Pese embora a argumentação deduzida em sede de contestação, o tribunal a quo, produz a sua decisão, com fundamento em raciocínio que omite por completo a natureza urgente do processo.
VII. Mais, suportando-se em jurisprudência prolatada, por um lado sobre matéria de facto e de direito diversa da dos presentes autos, e, por outro com escopo decisório diferente daquele de que se recorre, e portanto nela não se podendo socorrer o tribunal a quo para decidir como decidiu.
VIII. O nº 1 do art. 146º-B do CPPT determina que o presente meio processual acessório é regulado pelo disposto nas normas sobre o processo nos tribunais administrativos, donde por via da remissão do art. 1º do CPTA para o CPC, ao caso em apreço é aplicado o disposto no art. 138º nºs 1 e 4.
IX. De que resulta que, nos processos urgentes (nº 1,parte final), o prazo para a propositura de acção (nº 4) não suspende em férias judiciais (nº 1,parte final). Mais, sem conceder, e se assim não for entendido,
X. A alínea e) do art. 279º do CC, é omissa quanto aos processos urgentes.
XI. Sendo que, ao presente meio processual deverão aplicar-se subsidiariamente as regras do CPTA.
XII. Donde, e por via da remissão do art. 1º do CPTA para o CPC), nos processos urgentes, o prazo para a propositura de acção não suspende em férias judiciais, nem o mesmo, terminando em férias judiciais se transfere para o primeiro dia útil seguinte.
XIII. A corroborar o que vem de se dizer, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo n.º 11831/02, de 12-12-2002, em que é decidido que, não apenas o prazo de propositura de acção de carácter urgente se não suspende em férias judiciais, como ainda, se o último dia para intentá-la findar em período de férias, será então esse o derradeiro dia para fazer valer em juízo o correspondente direito subjectivo.
XIV. Posto que se impõe a anulação do despacho proferido em primeira instância, de que ora se recorre.
Termos em que, e com o mui douto suprimento de V. Exas, deve o presente Recurso Jurisdicional ser julgado totalmente procedente, revogado o douto despacho recorrido, substituindo-se por outro que julgue procedente a invocada excepção, absolvendo a ED do pedido.”

Não houve contra-alegações.

Quanto ao recurso da sentença proferida em 27-11-2017, os recorrentes C... e A... formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 677-686), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(…)
A. O presente recurso vem interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Braga, com data de 27/11/2017, que julgou improcedente o recurso proposto pelos recorrentes sobre o despacho que determinou a avaliação da sua matéria colectável por métodos indirectos, relativamente aos anos de 2013 e 2014.
B. Corridos os autos, o Tribunal conheceu do pedido dos recorrentes, donde veio a concluir pela improcedência daquele recurso, reconhecendo, nomeadamente, a legalidade da decisão de recurso a métodos indirectos e a sua consequente procedência.
C. Com efeito, conclui o Tribunal a quo - mal, no nosso entender - que os recorrentes não teriam logrado fazer prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados nos exercícios de 2013 e 2014, sendo outra a fonte do consumo evidenciado não justificado.
D. Ora, desta mesma premissa - que, só por si, no nosso entender, sempre deveria determinar decisão diversa da tirada nos autos, como adiante veremos -, conclui o Tribunal a quo que nenhuma ilegalidade enferma o facto de a Administração fiscal não ter corrigido, na esfera da devedora originária, tais valores e o pretender na sede dos Recorrentes, porquanto qualificando tais rendimentos como acréscimos patrimoniais não justificados.
E. Contudo, entendem os ora recorrentes que, desde logo, o Tribunal a quo errou na apreciação da prova, na medida em que valorou o depoimento da testemunha L…, de modo bastante incongruente e mesmo truncado.
F. Por outro lado, entendem os ora recorrentes, como não podia deixar de ser, em face da apreciação de direito contida na sentença, que o Tribunal a quo erra clamorosamente na apreciação da matéria de direito, mormente por esvaziar de conteúdo os artigos 87.° e 89.°-A da LGT e, em rigor, a sua aplicação in casu.
G. Assim, entende a recorrente que a decisão sub judice merece censura, porquanto:
a. padece de ANULABILIDADE, por erro de julgamento e fundamentação das suas decisões em matéria de prova - i.e., por erro evidente no exame crítico das provas que serviram de base para formar a convicção do Tribunal, em violação do disposto no n° 2 do artigo 123° do CPPT e dos n°s 2 e 3 do artigo 659° do CPC, ex vi alínea e) do art. 2.° do CPPT;
b. padece de ANULABILIDADE, por erro de julgamento da matéria de direito, em violação do disposto no n° 1 do artigo 123° do CPPT e do n° 2 do artigo 659° do CPC, ex vi alínea e) do art. 2.° do CPPT;
H. A recorrente não se conforma com o sentido da sentença proferida pelo Tribunal a quo quanto às questões acima mencionadas. Entende a recorrente que a decisão recorrida merece censura porquanto: (i) padece de ANULABILIDADE, por de julgamento e fundamentação das suas decisões em matéria de prova - i.e., por erro evidente no exame crítico das provas que serviram de base para formar a convicção do Tribunal, em violação do disposto no n°2 do artigo 123° do CPPT e dos n° 2 e 3 do artigo 659° do CPC; (ii) padece de ANULABILIDADE, por erro de julgamento da matéria de direito, concretamente no que respeita à aplicação dos artigos 87.° e 89.°-A da LGT, em violação do disposto no artigo 52.° da LGT, 20.° da CRP, n° 1 do artigo 123° do CPPT e do n°2 do artigo 659° do CPPT.
I. Em relação ao vício de ANULABILIDADE POR ERRO NO EXAME CRÍTICO DAS PROVAS QUE SERVIRAM DE BASE PARA FORMAR A CONVICÇÃO DO TRIBUNAL, dir-se-á que a sentença recorrida se apresenta em claro desvio dos ditames essenciais de fundamentação, por se limitar, praticamente, a referir os meios de prova em que se funda.
J. Em suma, dir-se-á que faltam índices racionais de credibilidade de tais provas, condições legitimantes de uma fundamentação sobeja; falta saber por que razão não foram considerados como provados factos intensivamente corroborados por testemunhas que, afinal, são merecedoras de crédito.
K. O Tribunal desconsidera, sem justificar, factos provados pela testemunha L…, cujo depoimento aliás reputa de válido.
L. Não é, enfim, possível, pelos dados disponíveis na sentença recorrida, conhecer os motivos de facto que levaram o tribunal a decidir no sentido em que o fez, explicitando as razões pelas quais credenciou os meios de prova que mencionou, não considerando atendíveis, para efeitos probatórios, os depoimentos recolhidos das testemunhas inquiridas e ajuizando-os no sentido da sua irrelevância para a decisão da causa.
M. A argumentação de facto e de direito explanada na sentença não é minimamente idónea ou suficiente a evidenciar o iter cognoscitivo que encaminhou o Tribunal a enveredar por esta decisão, em detrimento de outra.
N. Não consistindo a fundamentação da sentença recorrida, em matéria de facto, na sua apreciação crítica, de forma a ser possível conhecer as razões por que se decidiu no sentido decidido e não noutro, é a mesma anulável, por deficiente fundamentação da decisão, equiparada à sua falta por inviabilizar o objectivo legal, nos termos do n° 2 do artigo 123° do CPPT, n° 2 e 3 do artigo 659° do CPC, consequência que prejudica a apreciação das demais questões suscitadas no recurso.
O. Finalmente, em relação ao arguido vício de ANULABILIDADE DA SENTENÇA POR ERRO DE JULGAMENTO DA MATÉRIA DE DIREITO, deve o mesmo ser verificado em concreto, por referência individualizada a cada uma das questões relativamente às quais deu o tribunal recorrido uma resposta de sentido negativo.
P. A admitir-se esta interpretação das normas indicadas, estaria claramente posto em causa o principio da tutela jurisdicional efectiva dos recorrentes, com arrimo nos artigos 20.° e 268.° da CRP, na medida em que, por mera conjugação dos interesses da AT e dos expedientes ao seu dispor, seria coarctado aos recorrentes o direito a serem tributados de acordo com a sua efectiva capacidade contributiva.
Q. Termos em que deverá entender-se que a decisão recorrida, que julga improcedente recurso da decisão de aplicação de métodos indirectos pelos recorrentes, assenta em erro de julgamento em matéria de direito, aqui relevado na deficiente interpretação e aplicação do direito, violando o disposto nos artigos 87.° e 89.°-A da LGT, bem como o princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva e da proibição de indefesa, ínsito no artigo 20.° da CRP.
R. Nesta medida, sendo clamoroso o erro na apreciação e na aplicação das normas invocadas, padece a sentença em crise de erro de julgamento, tal como vem invocado, o que deverá ditar a consequente anulação da decisão em crise.
S. Do mesmo modo, sendo que o acto em apreço afronta o princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, ínsito no n.º 1 do artigo 20.º da Constituição da Republica Portuguesa (CRP), também nesta medida a sentença padece de vício.
T. Errando a aplicação destes normativos, a sentença deve ser anulada.
TERMOS EM QUE DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE, POR PROVADO, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, DESIGNADAMENTE A ANULAÇÃO DA SENTENÇA RECORRIDA.”

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou contra-alegações (cfr. fls. 740-747), tendo concluído da seguinte forma:
“(…)
I. Pretendendo fazer uso da faculdade prevista na alínea c) do nº 5 do art. 139º do CPC, o A deveria ter procedido ao pagamento de multa no valor de 7 UC's, atento o valor fixado ao processo na sentença recorrida. Pelo que deve o presente recurso ser julgado intempestivo.
II. A decisão sobre a matéria de facto é explicita quanto às fontes em que se alicerça, quer no que respeita à prova documental quer testemunhal, tendo o Tribunal a quo o cuidado de, não só motivar a sua convicção como também, citar parte dos depoimentos que concorreram para a respectiva motivação, apreciando-os criticamente, cumprindo inteiramente com o preceituado no art. 123º do CPPT e no art. 659º do CPC.
III. Como, de resto, tem sido entendimento pacifico da jurisprudência - vide, por todos, o Acórdão do STA, proferido em 12/16/2004, proc. 04B3896:
IV. É o A. que, em sede do presente recurso, não cumpre com nenhum dos ónus impostos pelo art. 640º do CPC.
V. Em momento algum, se verificou o desrespeito pelos direitos, liberdades ou garantias da A., nem pelo direito à tutela jurisdicional efectiva, ou pelo principio da capacidade contributiva.
VI. Ao contrário do afirmado não há impossibilidade prática, a haver seria impossibilidade fabricada, premeditada, para não se ver tributado nem na esfera das empresas, nem na sua esfera pessoal.
VII. De toda a prova documental e de todos os depoimentos prestados resultou inequívoco que o A é o gerente de facto da sociedade B..., único gerente, que fez seus os montantes contantes do RI e da contestação, usando-os em proveito próprio, e que nunca devolveu esses montantes
VIII. Valores que, pese embora tenham sido recebidos, integrado o património dos A. e por eles usados em proveito próprio, não declarou.
IX. Os A pretendem sem sede do presente recurso, desfocar a questão - com efeito, não se desconhece a fonte do acréscimo patrimonial, porém, tal circunstância não afasta de per si o regime legal em causa. É necessário que o A. prove que tais valores não eram passíveis de declaração e de tributação.
X. De outro modo estaria encontrado o caminho para auferir rendimentos fugindo á tributação.
XI. Pretende agora o A. que os valores deveriam ser tributados a título de remuneração. Mas só o pretende neste momento, agora, que, em resultado da acção inspectiva os mesmos foram detectados na sua esfera patrimonial, sendo que, nem nesse momento, podendo-o fazer, optou por regularizar a situação tributária, declarando-os com rendimentos remuneratórios do cargo de gerente que exercia.
XII. Vem agora já em sede de recurso jurisdicional, aduzir tal questão, que não pode, de direito ser acolhida.
XIII. Resulta por demais evidente que o A. jamais pretendia, como não pretende restituir os montantes em causa, tanto assim que os consumiu em produtos/serviços não produtivos, não geradoras de rendimentos aptos àquela alegada restituição. E, não dispondo os A. de activos que lhes permitam a devolução do dinheiro, é por demais evidente que tais levantamentos se fizeram a titulo de liberalidade. Liberalidade que os A. não declararam, e que não foi tributada.
XIV. E, sendo assim, não beneficiando da qualidade de sócio, os rendimentos que fez seus, e que são efectivamente rendimentos, e não mútuos, à semelhança dos rendimentos que retirou da C..., são, nos termos do Código do IRS, em conjugação com a LGT, rendimentos enquadráveis na categoria G
XV. Estamos na presença de um rendimento cuja origem é identificada, mas não a sua natureza, pelo que deverá preencher o carácter residual inerente à tipificação como rendimento, à luz da teoria do rendimento-acréscimo, dos acréscimos patrimoniais não justificados, como acréscimo inominado que é, afastado que está qualquer nexo de causalidade entre a prestação do trabalho, na qualidade de gerente, e a sua remuneração, inexistindo qualquer tipo de reciprocidade entre as tarefas desempenhadas e o acréscimo patrimonial identificado.
XVI. A circunstância de os A. terem identificado a origem e os destinos dados aos fundos, não é suficiente para afastar a tributação.
XVII. Dizer apenas que os montantes auferidos provieram de levantamentos e foram consumidos de forma diversa (justificação), não afasta a tributação.
XVIII. Os valores de que os A. passaram a dispor, e deles dispondo efectivamente, e a titulo definitivo, configuram rendimentos com tipificação prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRS, porquanto estamos na presença de “acréscimos patrimoniais não justificados”.
XIX. A ilicitude do desvio daqueles montantes, da esfera patrimonial da empresa, para a esfera patrimonial dos A., não afasta a tributação.
XX. Como bem dizem os A., ao invocarem o princípio da capacidade contributiva, e como resulta da Constituição e do nº 1 do art. 4º da LGT, “Os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património.” Negrito e sublinhado nossos.
XXI. Ora os A. revelaram uma capacidade contributiva, de origem não isenta, que se demonstra através da disponibilidade de valores e da utilização dos mesmos em consumos variados.
XXII. Ainda que justificada a origem da capacidade contributiva acrescida, o recurso a métodos indirectos, ao contrário do pretendido pelos A. só se afasta se os rendimentos não forem tributáveis.
XXIII. Posto que, face aos elementos constantes do processo, continua a não ser ilidida a presunção de que se tratam de rendimentos tributáveis não declarados.
XXIV. Resulta pois, carecer o A. de qualquer razão, devendo manter-se a sentença recorrida na ordem jurídica.
Termos em que, e com o mui douto suprimento de V. Exas, deve
Ser dado provimento ao recurso do despacho interlocutório deduzido pela ED, ou, se assim não for entendido, deve ser julgado improcedente o recurso deduzido pelo A e confirmada a sentença proferida em primeira instância.”

O Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido da improcedência dos recursos interpostos – cfr. fls. 756-759 dos autos.

Sem vistos, por se tratar de processo classificado de urgente, vem o processo à Conferência para julgamento.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, em analisar a invocada nulidade da sentença por falta de fundamentação e o apontado erro de julgamento de facto e ainda apreciar a legalidade da decisão de fixação da matéria tributável, por erro nos pressupostos de facto e de direito no que concerne à decisão de aplicação dos métodos indirectos.
3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
A fls. 519 dos autos, consta a seguinte matéria de facto dada como provada:
1. No decurso de acção inspectiva efectuada aos Recorrentes, credenciada pelas Ordens de Serviço nº 0I201602273 e nº 0I201602274, relativas ao IRS de 2013 e 2014, foi determinada a avaliação da matéria colectável mediante recurso a métodos indirectos, por despacho notificado em 12/12/2016.

2. O presente recurso foi apresentado em 4/1/2017.

Já na sentença de fls. 646 a 660, consta o seguinte:
“(…)
Com interesse para a decisão a proferir, julgam-se provados os seguintes factos:
A. Os Recorrentes apresentaram a declaração modelo 3 de IRS do ano de 2013, na qual declararam rendimentos da categoria A no montante de 13.487,60€ – cfr. declaração de fls. 55 do suporte físico dos autos;
B. Da declaração referida no ponto anterior resultou um rendimento colectável de 5.278,00 € e um reembolso no montante de 523,65 € – cfr. liquidação de fls. 56 do suporte físico dos autos;
C. Os Recorrentes apresentaram a declaração modelo 3 de IRS do ano de 2014, na qual declararam rendimentos da categoria A no montante de 15.934,54€ – cfr. fls. 57-58 do suporte físico dos autos;
D. Da declaração referida no ponto anterior resultou um rendimento colectável de 7.726,54 € e um reembolso no montante de 882,38 € – cfr. liquidação de fls. 59 do suporte físico dos autos;
E. Os Recorrentes, a coberto das ordens de serviço n.º OI201602273 e OI201602274, de 08-09-2016, foram objecto de procedimento inspectivo, de âmbito parcial (IRS de 2013 e 2014), levada a cabo pela Divisão de Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Braga – cfr. fls. 7-8 do processo administrativo, em formato digital, disponível na plataforma electrónica SITAF;
F. O procedimento inspectivo aludido no ponto anterior foi desencadeado na sequência do procedimento inspectivo efectuado a coberto das ordens de serviço n.º OI201502706 e OI201502707, em que figurava como sujeito passivo inspeccionado a sociedade B…, Lda. – cfr. informação de fls. 26 do suporte físico dos autos e respectivo relatório de inspecção tributária a fls. 208 e seguintes, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
G. Em 16-12-2015, no âmbito do procedimento inspectivo efectuado à sociedade B…, Lda. e aludido em F), o Recorrente C..., afirmou, em termo de declarações, o seguinte:
1. “Tem noção do montante levantado em diferentes balcões da Caixa de Crédito Agrícola, durante os anos de 2013 e 2014?
Resposta: Pensava que ascendiam a cerca de 600.000,00€. Depois de informado pela inspecção tributária, na presente diligência, fiquei informado que ascenderam a 850.000,00€.
2. Quem foi a pessoa responsável pelos levantamentos referidos?

Resposta: Fui eu, C…, quem efectuou os levantamentos ao balcão da CCAM da zona de Guimarães. Tenho ideia de uma vez ter feito levantamentos num balcão do Algarve.
3. Tem consciência de que tais levantamentos foram feitos em prejuízo do património da empresa?
Resposta: Tomei consciência que prejudiquei as duas empresas (C…, LDA. e B…, LDA.) na altura em que fui objecto de anterior procedimento de inspecção tributária e nessa altura tomei a decisão de parar com tal comportamento.
4. Sabia em 2014, na altura dos levantamentos, que tinha IRC a pagar e IVA a pagar?
Resposta: O IVA não sabia. Os lucros (IRC) sabia que tinha que pagar. Não sabia é que era tanto.
5. Qual o destino que deu aos levantamentos efectuados acima referidos?
Resposta: Em prostitutas (em Guimarães, Braga, Santa Maria da Feira, Tuy – Espanha e Eindhoven – Holanda). Casinos. Consumos diversos (carros, férias, jantares, etc.)” – cfr. termo de declarações fls. 49-50 do suporte físico dos autos;
H. No âmbito do procedimento inspectivo efectuado aos Recorrentes e aludido em E), foi autorizado pelos Recorrentes o acesso à Administração Tributária a todas as contas bancárias de que eram titulares ou co-titulares, bem como às contas da sociedade B…, Lda. – cfr. autorizações de fls. 89 a 95 do suporte físico dos autos;
I. Pelo ofício n.º 5086511 de 20-09-2016, expedido sob o registo “RF096144896PT”, foram os Recorrentes notificados para prestar esclarecimentos, com o seguinte teor:
De acordo com a informação recolhida na sociedade B…– LDA., NIPC 5…, o gerente de facto C... realizou, em 2013 e 2014, levantamentos das contas bancárias da sociedade referida que ascenderam a 926.853,27€ (409.295,57€ em 2013 e 517.557,70€ em 2014).
Estes valores não são compatíveis com o total de rendimentos declarados nos anos de 2013 e 2014 (rendimento líquido de 5.278,00€ e de 7.726,54€, respectivamente), através da declaração modelo 3 do IRS, evidenciando uma discrepância superior a 100.000,00€ que carece de ser justificada para efeitos de eventual afastamento da aplicação da alínea f) do n.º 1 do art.º 87º da LGT (Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de dezembro).
Assim, nos termos da alínea b) do n.º 3 do art.º 29º conjugado com os artigos 9º e 48º, todos do RCPITA (Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 413/98, de 31 de dezembro) e artigo 59º da LGT, notifica-se V. Exa. para, no prazo de 15 dias, prestar os esclarecimentos tidos por convenientes, visando justificar a discrepância evidenciada entre os rendimentos declarados e os montantes levantados. Para isso, deverá fundamentar documentalmente a origem do capital aplicado.
Mais se informa que, de acordo com o n.º 11 do artigo 89º-A da LGT “a avaliação indirecta no caso da alínea f) do artigo 87º deve ser feita no âmbito de um procedimento que inclua a investigação das contas bancárias, podendo no seu decurso o contribuinte regularizar a situação tributária, indicando e justificando a natureza dos rendimentos omitidos e corrigindo as declarações dos respectivos períodos (…)” – cfr. fls. 195 do processo administrativo, em formato digital, disponível na plataforma electrónica SITAF;
J. Na sequência da notificação identificada no ponto anterior os Recorrentes apresentaram resposta com o seguinte teor:
Exmo Sr. Inspector:
Em resposta à notificação acima identificada, cumpre transmitir que os esclarecimentos solicitados foram já transmitidos no âmbito do processo, desta Direcção de Finanças, relacionado com a empresa “B…, Lda.”, designadamente na diligência ocorrida a 16/12/2015.
Tal como resulta aí explícito, e desta própria notificação, tratou-se de uma actuação ao nível de gestão de facto da referida sociedade, não susceptível de integrar ou de ser equacionado em termos de qualquer rendimento pessoal (…)” – cfr. fls. 196 do processo administrativo, em formato digital, disponível na plataforma electrónica SITAF;
K. Pelo ofício n.º 5087318 de 18-10-2016, expedido sob o registo “RF109547556PT”, foram os Recorrentes notificados do projecto de relatório de inspecção tributária, para, querendo, exercer o direito de audição, no prazo de 15 dias – cfr. fls. 9 do processo administrativo, em formato digital, disponível na plataforma electrónica SITAF;
L. Os Recorrentes não exerceram o direito de audição – cfr. informação de fls. 210/verso do processo administrativo, em formato digital, disponível na plataforma electrónica SITAF;
M. Em 07-11-2016, foi elaborado o relatório de inspecção tributária, constante de fls. 199/211 do processo administrativo, em formato digital, disponível na plataforma electrónica SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, destacando-se o seguinte:

(…)
IV.2 – O carácter indissociável das conclusões do procedimento de inspecção com referência às OI201502706 e OI201502707 (B…) e as conclusões do presente procedimento (OI201602273 e OI201602274)
(…)
A actividade desenvolvida pela empresa assenta essencialmente nos seguintes vectores:
a) Fornecimento de solução “chave na mão” da montagem de explorações agrícolas de frutos vermelhos (framboesas «, mirtilos e groselhas);
b) Tem como principais clientes jovens agricultores que beneficiam de financiamento comunitário (subsídios);
c) Tem como principal fornecedor (plantas e outros bens e serviços) a empresa Z…, LDA. (NIPC 5…). Está é também a empresa que assegura aos clientes da B… o escoamento de toda a produção.
As diligências externas foram iniciadas com a assinatura das credenciais acima referidas. Essa assinatura foi efectuada nas instalações da G… (NIPC 5…) local onde são prestados os serviços de contabilidade à B….
Como já amiúde referido neste relato, a pessoa que procedeu à assinatura das credenciais foi o sp A. Foi igualmente ele (sp A) o responsável (cf. informações relativas ao procedimento de inspecção com referência OI201301777) pelos atos de gestão da sociedade C…, LDA. (NIPC 5…) – doravante apenas C…, designado esta unidade económica, que tem como sócios o sp A e o sp B.
A sociedade C… descontinuou a sua actividade em meados de 2013, tendo a mesma passado a ser desenvolvida pela B….
A sociedade C… é ela também devedora à Fazenda Pública, à presente data de, um valor que ascende a 208.616,06€ (repartido entre vários impostos – IVA, IRS, IRC – juros e coimas) – cf. anexo X. Se com este último facto levarmos também em linha de conta que a B…, na presente data, é também ela devedora à Fazenda Pública (com origem em factos de natureza idêntica à sua congénere) de valores que ascendem a 264.875,33€, concluímos de forma inexorável que as duas empresas, de que foi e é gerente de facto o sp A, devem à Fazenda Pública um valor que se aproxima de meio milhão de euros.
IV.3.- Situação patrimonial e fiscal dos sp’s
Atendendo à situação patrimonial e fiscal das empresas em que o sp A é sócio, sócio-gerente e/ou gerente de facto, os seguintes aspectos relevam:
A sociedade C…, de acordo com os elementos declarados à AT (via IES/DA) em 2013, tem ativos não correntes no valor de 1.000,00 €. Os restantes elementos do ativo são constituídos, basicamente, por dívidas de clientes e valores em caixa e depósitos à ordem. Atendendo ao histórico recolhido em outras ações de fiscalização (supra melhor identificadas) e ao comportamento fiscal descuidado evidenciado pelo gerente, afiguram-se como insuscetíveis de cobrança os valores de que a Fazenda é credora. Refira-se também que esta sociedade, de acordo com os elementos cadastrais da AT, encerrou a sua atividade para efeitos de IVA, em 2014-07-31. Facto que desvela a baixa probabilidade de geração de proventos necessários à solvabilidade de compromissos assumidos,
Refira-se também que, e ainda relativamente à sociedade C..., de que também é sócio-gerente o sp A, foi possível identificar o mesmo modus faciendi levantamento de verbas avultadas da sociedade para proveito próprio do(s) sócio(s) e/ou gerente(s) - marido e mulher. Em consequência da ação de fiscalização de que foi alvo a C... (atrás referida) e como dessa unidade económica o sp A é sócio, foi o mesmo tributado por adiantamento por conta de lucros (nos termos da alínea h), do n.º 2 do artigo 5º do Código do IRS). O sp. C…, enquanto substituto tributário e também responsável na esteira dos artigos 20° e 28° da Lei Geral Tributária (LGT), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de dezembro) regularizou a sua obrigação acessória, declarando o imposto que devia ter sido retido e entregue, não cumprindo todavia a obrigação principal, como decorre dos números 1 e 2 do artigo 31º, ainda da LGT. Não pagou, portanto o imposto devido (vide Anexo IX).
A sociedade B... de acordo com os elementos declarados à AT (via IES/DA) em 2014 tem ativos não correntes no valor de 8.470,67 €. Os restantes elementos do ativo são constituídos, basicamente, por dívidas de clientes e outros ativos correntes (estes, de acordo com os elementos da sua contabilidade, de valor superior a 850.000,00 €). Atendendo ao histórico recolhido em outras ações de fiscalização (melhor supra identificadas) e ao comportamento fiscal descuidado evidenciado pelo gerente, afiguram-se como insuscetíveis de cobrança os valores de que a Fazenda Pública é credora. Refira-se também que esta sociedade, de acordo com os elementos recolhidos em sede de procedimento externo de inspeção, descontinuou a sua atividade. Facto que desvela também a baixa probabilidade de geração de proventos necessários à solvabilidade de compromissos assumidos.
Os sujeitos passivos (agregado familiar constituído pelo sp A, pelo sp B e filho menor) declararam em 2014 um rendimento coletável de cerca de 7.700,00 €. Não tem (ele e os elementos que constituem o seu agregado familiar) qualquer viatura ou imóvel registada em seu nome.
Os ativos financeiros (depósitos e outros) dos sujeitos passivos, em 2014, ascendem a cerca de 1.300,00 €. E os passivos financeiros (créditos contraídos) são de cerca de 56.000,00 €. A conjugação dos valores declarados à AT, com aqueles que foram possíveis de recolher em processo de derrogação do sigilo bancário (como adiante veremos), é de molde a concluir que os sp's não evidenciam capacidade para solver as dívidas pelas quais venham a ser eventualmente responsabilizados,
O sp A, em 2015-12-16 transmitiu para o sp B, sua esposa, a quota de que era proprietário na empresa Z… LDA (NIPC 5…). Refira-se que o procedimento de inspeção tributária que permitiu a compilação dos factos que ora se dá nota (procedimento dirigido à B...), foi iniciado em 2015-12-02.
IV.4.- Conclusões intermédias
De tudo aquilo que acima se expôs, resultam várias conclusões, cujas consequências, limitadas às fronteiras do presente procedimento, se estampam nos pontos e capítulos seguintes.
A primeira conclusão é a de que, enquanto gerente de facto da B... (cinjamo-nos apenas a esta sociedade), o sp A esvaziou-a de meios líquidos mais do que suficientes para solver os compromissos com os seus credores, sendo protagonista entre estes a Fazenda Pública. Frustrou os créditos da B... (matéria a ser tratada em outro âmbito). E disso constitui prova as afirmações documentadas em Anexo V e o comportamento relapso manifestado.
Uma segunda conclusão é a de que ao adotar esta prática (servir-se de elevados montantes em numerário) o sp A encaminhou aqueles montantes para o seu património (dando-lhe, alegadamente, um destino de consumo particular) sabendo (como asseverou em termo de declarações) que a empresa B... tinha dívidas para com a Fazenda Pública, Frustrou os créditos da B... (matéria a ser tratada em outro âmbito). E disso constitui prova as afirmações documentadas em Anexo V e o comportamento relapso manifestado.
Acresce que - terceira conclusão - ainda que os sujeitos passivos pudessem arrojar classificar os montantes como empréstimos da B... para com o seu gerente de facto, este sabia (e sabe) que não vai devolver esses hipotéticos empréstimos. Porque, como já se referiu no ponto IV.3.-, os gastou e porque não evidencia riqueza para os devolver.
Em quarto lugar concluiu-se que não podemos escamotear esta trindade de uma só pessoa: a B... age por vontade do sp A, o gerente da B... é o sp A, e o sp. A canalizou as verbas percecionadas para consumos particulares. O mesmo é dizer que B..., gerente e sp A se fundem na pessoa de C....
Para efeitos de terceira e quarta conclusões, atente-se no pequeno resumo do conjunto de direitos e obrigações (pessoais e empresariais) do mesmo C...:
- imagem omissa -
IV.5.- O recurso à avaliação indirecta
A LGT estatui na alínea f), do n.º 1 do seu artigo 87º que “a avaliação indireta só pode efetuar-se em caso de (...) acréscimo de património ou despesa efetuada, incluindo liberalidades, de valor superior a € 100 000, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos não declarados".
Mais adiante, dispõe a mesma LGT, no n.º 11 do seu artigo 89º-A, que "a avaliação indireta no caso da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º deve ser feita no âmbito de um procedimento que inclua a investigação das contas bancárias”. Destarte, solicitámos (Anexo XI):
a) Ao sp A, acesso a todas as contas bancárias da B...;
b) Ao sp A, acesso a todas as contas bancárias de que ele (spA) é titular ou co-titular; c) Ao sp B, acesso a todas as contas bancárias de que ele (sp B) é titular ou co-titular.
Em cumprimento do artigo 59.º da LGT (princípio da colaboração) e artigo 9.º do RCPITA (princípio da cooperação), ambos os sujeitos passivos anuíram em permitir os acessos pretendidos.
De entre a miríade de elementos recebidos nesta unidade orgânica, em consequência da difusão, por parte da entidade reguladora (Banco de Portugal - BdP) pelo sistema bancário do pedido de identificação de contas e ulterior pedido de informações pormenorizadas de movimentos, relevam os elementos constantes do Anexo XII:
Conta: 1120 40259012078
Balcão: 1120
NIB: 0…
Banco: CCAM TERRAS SOUSA, AVE, BASTO E TÂMEGA CRL
Titular: B… LDA.
Movimentos: 2013 e 2014.
Deste Anexo XII destacam-se os levantamentos ao balcão efetuados pelo sp. A e, bem assim, alguns levantamentos por cheque em que é beneficiário esse mesmo sp A (o referido anexo constitui um relevante elemento de prova porquanto identifica datas e montantes e dá a conhecer TODOS os documentos idóneos usados na concretização das retiradas de dinheiro ASSINADOS pelo sp A). Todos esses levantamentos foram expurgados dos extratos de conta referidos e coligidos na tabela que se patenteia em Anexo XIII e cujo resumo de seguida se expõe em quadro 6:

Como se infere pela leitura aos dados constantes da tabela supra, duas asserções podem desde já ser formuladas:

Os valores recebidos pelo sp A não coincidem com aqueles que a contabilidade evidencia e que foram inicialmente mencionados na reunião de 2015-12-16 entre estes serviços de inspeção tributária e o mesmo sp A, no âmbito da ação inspetiva à B...: os montantes efetivamente recebidos ascenderam a 863.448,27€ e não a 850.000,00 € ;
O valor total dividiu-se pelos dois períodos de imposto (2013 e 2014) e de acordo com a distribuição acima referida.
Chegados a este ponto, impõe-se a comparação dos montantes acima enunciados, cujo valor exato e inequívoco foi assumido pelo sp A, ter sido recebido, com os valores declarados por esse mesmo agregado nos períodos de 2013 e 2014. E para tal, chama-se aqui novamente à colação o Anexo VII (declarações de rendimentos de 2013 e 2014 e respetivas liquidações) onde é possível relevar (em quadro 7) os seguintes rendimentos líquidos declarados pelo agregado familiar constituído pelos sujeitos passivos. A e B (e filho menor):

A análise dos elementos declarados permite gizar as seguintes conclusões:
Ambos os sujeitos passivos auferem apenas rendimentos da categoria A (trabalho dependente);
Nenhum dos movimentos patenteados nos Anexos XII e XIII serviu para pagar esses rendimentos da categoria A (como melhor se infere pela leitura daquilo que relatamos em nota de rodapé n.º 2);
De onde se conclui que a totalidade dos valores resumidos no quadro 4 (levantamentos bancários efetuados pelo sp A ao longo de 2013 e 2014) não foi declarada pelos sujeitos passivos.
De tudo aquilo que acabamos de expor conclui -se de forma inexorável, estamos na presença de uma situação factual suscetível de enquadramento na citada alínea f) do n.° 1 do artigo 87.º da LGT. Pelo que, a totalidade dos montantes identificados por período de imposto, configura um rendimento com tipificação prevista na alínea d) do no 1 do artigo 9º do Código do IRS, porquanto estamos na presença de "acréscimos patrimoniais não justificados”.
Nos termos previstos no n.º 3 do artigo 89º-A foi notificado o sujeito passivo (nosso oficio no 508.6511 de 2016-09-20) no sentido de justificar a fonte do acréscimo patrimonial referido. Respondeu o sujeito passivo através de ofício registado (de 2016-09-30) dizendo que “os esclarecimentos foram já transmitidos (...) na diligência ocorrida a 16/12/2015". (cf. Anexo XIV)
V- CRITÉRIOS DE CÁLCULO DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRETOS
De tudo aquilo que acima foi referido, o critério de cálculo utilizado para a determinação da matéria tributável é resultado do acréscimo ao rendimento da totalidade dos valores plasmados em quadro 6 que ora se recupera:

Este critério está devidamente escorado na alínea a) do n.º 5 do artigo 89º-A da LGT, que prevê e obriga a que, "para efeitos da alínea f) do n.º 1 do artigo 87º (...) considera -se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G (...) a diferença entre o acréscimo de património ou a despesa efetuada, e os rendimentos declarados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação”. Acrescenta a alínea d) deste mesmo número e artigo que "consideram-se como rendimentos declarados os rendimentos líquidos das diferentes categorias de rendimentos".
Estes montantes, como também foi já referido, têm respaldo na alínea d) do n.º 1 do artigo 9º do Código do IRS - "acréscimos patrimoniais não justificados" - e por isso, como também já foi referido e ora repetimos, enquadráveis na categoria G de rendimentos (…) ”;
N. Por despacho da Sra. Directora de Finanças de Braga, datado de 12-12-2016, que sancionou as conclusões do relatório de inspecção tributária foi determinada a correcção por avaliação indirecta do rendimento tributável dos Recorrentes em IRS, respeitante a 2013 e 2014, e fixado o rendimento de, respectivamente, 415.573,57€ e 466.879,24€ – cfr. fls. 197/199 do processo administrativo, em formato digital, disponível na plataforma electrónica SITAF;
O. O relatório de inspecção tributária e a fixação do rendimento colectável de IRS, por métodos indirectos, foi notificado aos Recorrentes em 20-12-2016 – cfr. fls. 198 do processo administrativo, em formato digital, disponível na plataforma electrónica SITAF;
P. A petição inicial do presente recurso foi remetida ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga em 04-01-2017 – cfr. comprovativo de entrega de documento a fls. 2 do suporte físico dos autos;
Mais se provou que:
Q. Do extracto da conta 278-OUTROS DEVEDORES E CREDORES, da contabilidade da sociedade B…, LDA., constam os seguintes movimentos a débito na conta corrente de C...:
- imagem omissa -
- cfr. fls. 599 do suporte físico dos autos;
R. Tais lançamentos contabilísticos têm por base extractos bancários e afirmações verbais do Recorrente C….
*
Factos não provados
1) Os levantamentos dos montantes pelos Recorrentes da Sociedade B…, LDA., e que se encontram reflectidos na conta 278-OUTROS DEVEDORES E CREDORES, foram efectuados a título de financiamento (mútuo);
2) Os Recorrentes tinham a intenção de restituir aqueles montantes à sociedade.
*
Motivação da matéria de facto
A convicção do Tribunal alicerçou-se na análise crítica do teor dos documentos constantes dos autos e do processo administrativo junto, cujo teor se dá integralmente por reproduzido, tudo conforme se encontra especificado em cada um dos pontos do probatório.
Para a formação da convicção do Tribunal também contribuíram os depoimentos isentos e objectivos de Al… e L….
No que concerne ao ponto R) do probatório, o mesmo assenta no depoimento da testemunha L…, contabilista da sociedade B…, Lda. nos anos de 2013 e 2014, que questionada sobre com que base ou em que documentos assentavam os lançamentos contabilísticos da conta 278 – outros devedores e credores, afirmou que era com base nos extractos bancários e através de perguntas que fazia ao Sr. C… sobre o destino daqueles montantes, ao que lhe era respondido, simplesmente, que eram empréstimos a seu favor. Confrontada sobre os lançamentos contabilísticos sem qualquer documento de suporte à operação, designadamente contrato de mútuo, admitiu não se tratar do procedimento contabilístico correcto, mas «era o que tinha».
Motivo porque se deu por assente tal facto, aliás, em conformidade com o relatado em sede de procedimento inspectivo e confirmado em sede de audiência pela testemunha Al…, subscritor do relatório inspectivo subjacente à decisão recorrida.
No que tange à matéria de facto considerada não provada, apesar dos elementos documentais juntos aos autos e da prova testemunhal produzida, não resultou provado quer o financiamento dos Recorrentes a título de mútuo, quer a intenção de devolução dos mencionados valores à sociedade B…, Lda., nos termos seguidamente explicitados.
O mútuo encontra-se previsto nos artigos 1142º e ss. do Código Civil, correspondendo ao denominado empréstimo de coisas fungíveis. É um contrato nominado e típico uma vez que o CC não apenas o reconhece como categoria jurídica com também estabelece o seu regime. O mútuo é um contrato primordialmente não formal uma vez que, só acima de certos valores é sujeito a forma especial.
O artigo 1143º do CC, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 116/2008, de 04 de Julho, impõe a celebração por escritura pública ou por documento particular autenticado dos mútuos de valor superior a 25.000,00 €. A violação da formalidade ad substantiam implica uma invalidade insanável, pelo disposto no artigo 220º do CC.
No caso em apreço, não foi respeitada a forma legal estabelecida, pelo que o contrato sempre seria nulo.
Todavia, ainda que se entenda que os efeitos da nulidade apenas funcionam inter partes, como se decidiu no acórdão do TCA-Norte de 15-12-2011, processo n.º 00357/09.8BEPNF, disponível em www.dgsi.pt, julgamos que não resultou provado que o referido contrato de mútuo se tenha efectivamente concretizado, ainda que de modo informal.
Com efeito, o levantamento de tais montantes, de valor superior a 850.000,00€, sem qualquer garantia para o caso de incumprimento, sem que se encontrem definidas quaisquer condições e modalidade do reembolso, bem como regime, periodicidade e data de vencimento das prestações, associado ao comportamento similar do Recorrente em outras sociedades por si detidas, de que dá nota o procedimento inspectivo efectuado nos autos, é de molde a convencer o Tribunal quanto à apropriação de tais valores por parte dos Recorrentes.
Também o depoimento das testemunhas apresentadas pelos Recorrentes não é susceptível de convencer o Tribunal da existência do financiamento da sociedade aos Recorrentes, porquanto não obstante terem afirmado que o levantamento de tais valores o foi efectuado tendo presente a necessidade de posterior restituição, certo é que nada foi devolvido, conforme o informou a testemunha F….
A propósito da devolução, importa salientar que se mostram ultrapassados 3 e 4 anos, respectivamente, sobre a data em que ocorreram os levantamentos de tais valores, sem que tenha sido dada nota de qualquer restituição de valores dos Recorrentes à sociedade, devendo os Recorrentes, mais do que reiterar a intenção/vontade de devolver os valores à sociedade, informar o porquê de ainda não o terem feito, como o pretendem fazer, e quando o irão fazer.
Ora, segundo as regras de experiência comum, não é plausível que o empréstimo, com a materialidade dos valores aqui envolvidos, tenha sido efectuado sem exigência de qualquer contrapartida ou justificação e apenas alicerçado na intenção de restituição do gerente à sociedade.
Ainda para mais quando tais valores tiveram por destino aqueles que o Recorrente fez constar em termo de declarações e constante do ponto G) do probatório.
Em resumo, através da prova documental e testemunhal produzida nos autos, não resultou demonstrado que os montantes levantados, durante os anos de 2013 e 2014, quer ao balcão quer por cheque, sacados da conta n.º 1120 40259012078, da sociedade B…, Lda. tiveram origem em financiamento (mútuo), com intenção de restituição, razão pela qual, nenhuma alternativa restava ao Tribunal senão dar como não provada tal factualidade.
O que se decidiu, nos termos atrás expostos.”

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3.2. DE DIREITO
Como já ficou dito, a Autoridade Tributária e Aduaneira questiona a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, datada de 11-05-2017, que julgou improcedente a excepção da caducidade do direito de recorrer no âmbito dos presentes autos.
Ora, nos termos do art. 660º do C. Proc. Civil “O tribunal só dá provimento à impugnação das decisões interlocutórias, impugnadas conjuntamente com a decisão final nos termos do n.º 3 do artigo 644.º, quando a infração cometida possa modificar aquela decisão ou quando, independentemente dela, o provimento tenha interesse para o recorrente.”.
Tal significa que, antes de mais, cabe apreciar o recurso da decisão recorrida, porquanto, em função do resultado dessa apreciação pode ficar prejudicado o conhecimento do recurso relativo ao despacho interlocutório.

A partir daqui, cabe entrar na análise da realidade em equação em termos essenciais nos autos, sendo que a este Tribunal, está cometida, desde logo, a tarefa de indagar da nulidade da sentença por falta de fundamentação com referência à falta de exame crítico das provas (embora os Recorrentes, como se verá falem de anulabilidade, o art. 125º nº 1 do CPPT refere que constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer, de modo que, crê-se que este será o melhor enquadramento para o exposto pelos Recorrentes).
Com efeito, os Recorrentes invocam em relação ao vício de ANULABILIDADE POR ERRO NO EXAME CRÍTICO DAS PROVAS QUE SERVIRAM DE BASE PARA FORMAR A CONVICÇÃO DO TRIBUNAL, dir-se-á que a sentença recorrida se apresenta em claro desvio dos ditames essenciais de fundamentação, por se limitar, praticamente, a referir os meios de prova em que se funda, pois que faltam índices racionais de credibilidade de tais provas, condições legitimantes de uma fundamentação sobeja; falta saber por que razão não foram considerados como provados factos intensivamente corroborados por testemunhas que, afinal, são merecedoras de crédito, sendo que não é, enfim, possível, pelos dados disponíveis na sentença recorrida, conhecer os motivos de facto que levaram o tribunal a decidir no sentido em que o fez, explicitando as razões pelas quais credenciou os meios de prova que mencionou, não considerando atendíveis, para efeitos probatórios, os depoimentos recolhidos das testemunhas inquiridas e ajuizando-os no sentido da sua irrelevância para a decisão da causa, verificando-se que a argumentação de facto e de direito explanada na sentença não é minimamente idónea ou suficiente a evidenciar o iter cognoscitivo que encaminhou o Tribunal a enveredar por esta decisão, em detrimento de outra e não consistindo a fundamentação da sentença recorrida, em matéria de facto, na sua apreciação crítica, de forma a ser possível conhecer as razões por que se decidiu no sentido decidido e não noutro, é a mesma anulável, por deficiente fundamentação da decisão, equiparada à sua falta por inviabilizar o objectivo legal, nos termos do n° 2 do artigo 123° do CPPT, n° 2 e 3 do artigo 659° do CPC, consequência que prejudica a apreciação das demais questões suscitadas no recurso.
Relativamente ao núcleo essencial desta arguição, há que ter em atenção que, como é sabido, só se verifica tal nulidade quando ocorre falta absoluta de fundamentação - Ac. do S.T.A. de 16-11-2011, Proc. nº 0802/10, www.dgsi.pt - , sendo que tal como refere o Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, página 140 “há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.”.
Porém, como refere o Cons. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 5ª ed., Vol. I, pág. 909, “deverão considerar-se como falta absoluta de fundamentação os casos em que ela não tenha relação perceptível com o julgado ou seja ininteligível, situações em que se está perante uma mera aparência de fundamentação.
Com efeito, a fundamentação destina-se a esclarecer as partes, primacialmente a que tiver ficado vencida, sobre os motivos da decisão, não só para ficar convencida de que não tem razão, mas também porque o conhecimento daqueles é necessário ou, pelo menos, conveniente, para poder impugnar eficazmente a decisão em recurso ou arguir nulidades, designadamente a derivada de eventual contradição entre os fundamentos e a decisão.
Por isso, quando a fundamentação não for minimamente elucidativa das razões que levaram a decidir como se decidiu deverá entender-se que se está perante uma nulidade por falta de fundamentação”.
Por outro lado, quanto à nulidade decorrente da falta de exame crítico das provas, é sabido que nos termos do disposto nos arts. 123º nº 2 do CPPT e 659º nº 3 do C. Proc. Civil, na elaboração da decisão final o julgador está vinculado a elencar discriminadamente, a factualidade demonstrada da não provada, fundamentando porque veio a tomar o sentido decisório final, seja no que concerne ao julgamento da matéria de direito, seja, como é axiomático e evidente, no que diz respeito ao julgamento da matéria de facto, na medida em que aquele mais não será do que subsunção desta última ao enquadramento jurídico tido por relevante e aplicável.
Ora, cumpre notar que o vício em apreço, em qualquer das vertentes apontadas, apenas ocorre quando haja ausência total de fundamentos, sendo que, é ponto assente que na sentença posta em crise foi analisada a prova produzida, nomeadamente a prova testemunhal, pois consignou-se que “A convicção do Tribunal alicerçou-se na análise crítica do teor dos documentos constantes dos autos e do processo administrativo junto, cujo teor se dá integralmente por reproduzido, tudo conforme se encontra especificado em cada um dos pontos do probatório.
Para a formação da convicção do Tribunal também contribuíram os depoimentos isentos e objectivos de Al… e L….
No que concerne ao ponto R) do probatório, o mesmo assenta no depoimento da testemunha L…, contabilista da sociedade B…, Lda. nos anos de 2013 e 2014, que questionada sobre com que base ou em que documentos assentavam os lançamentos contabilísticos da conta 278 – outros devedores e credores, afirmou que era com base nos extractos bancários e através de perguntas que fazia ao Sr. C… sobre o destino daqueles montantes, ao que lhe era respondido, simplesmente, que eram empréstimos a seu favor. Confrontada sobre os lançamentos contabilísticos sem qualquer documento de suporte à operação, designadamente contrato de mútuo, admitiu não se tratar do procedimento contabilístico correcto, mas «era o que tinha».
Motivo porque se deu por assente tal facto, aliás, em conformidade com o relatado em sede de procedimento inspectivo e confirmado em sede de audiência pela testemunha Al…, subscritor do relatório inspectivo subjacente à decisão recorrida.
No que tange à matéria de facto considerada não provada, apesar dos elementos documentais juntos aos autos e da prova testemunhal produzida, não resultou provado quer o financiamento dos Recorrentes a título de mútuo, quer a intenção de devolução dos mencionados valores à sociedade B…, Lda., nos termos seguidamente explicitados.
O mútuo encontra-se previsto nos artigos 1142º e ss. do Código Civil, correspondendo ao denominado empréstimo de coisas fungíveis. É um contrato nominado e típico uma vez que o CC não apenas o reconhece como categoria jurídica com também estabelece o seu regime. O mútuo é um contrato primordialmente não formal uma vez que, só acima de certos valores é sujeito a forma especial.
O artigo 1143º do CC, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 116/2008, de 04 de Julho, impõe a celebração por escritura pública ou por documento particular autenticado dos mútuos de valor superior a 25.000,00 €. A violação da formalidade ad substantiam implica uma invalidade insanável, pelo disposto no artigo 220º do CC.
No caso em apreço, não foi respeitada a forma legal estabelecida, pelo que o contrato sempre seria nulo.
Todavia, ainda que se entenda que os efeitos da nulidade apenas funcionam inter partes, como se decidiu no acórdão do TCA-Norte de 15-12-2011, processo n.º 00357/09.8BEPNF, disponível em www.dgsi.pt, julgamos que não resultou provado que o referido contrato de mútuo se tenha efectivamente concretizado, ainda que de modo informal.
Com efeito, o levantamento de tais montantes, de valor superior a 850.000,00€, sem qualquer garantia para o caso de incumprimento, sem que se encontrem definidas quaisquer condições e modalidade do reembolso, bem como regime, periodicidade e data de vencimento das prestações, associado ao comportamento similar do Recorrente em outras sociedades por si detidas, de que dá nota o procedimento inspectivo efectuado nos autos, é de molde a convencer o Tribunal quanto à apropriação de tais valores por parte dos Recorrentes.
Também o depoimento das testemunhas apresentadas pelos Recorrentes não é susceptível de convencer o Tribunal da existência do financiamento da sociedade aos Recorrentes, porquanto não obstante terem afirmado que o levantamento de tais valores o foi efectuado tendo presente a necessidade de posterior restituição, certo é que nada foi devolvido, conforme o informou a testemunha F….
A propósito da devolução, importa salientar que se mostram ultrapassados 3 e 4 anos, respectivamente, sobre a data em que ocorreram os levantamentos de tais valores, sem que tenha sido dada nota de qualquer restituição de valores dos Recorrentes à sociedade, devendo os Recorrentes, mais do que reiterar a intenção/vontade de devolver os valores à sociedade, informar o porquê de ainda não o terem feito, como o pretendem fazer, e quando o irão fazer.
Ora, segundo as regras de experiência comum, não é plausível que o empréstimo, com a materialidade dos valores aqui envolvidos, tenha sido efectuado sem exigência de qualquer contrapartida ou justificação e apenas alicerçado na intenção de restituição do gerente à sociedade.
Ainda para mais quando tais valores tiveram por destino aqueles que o Recorrente fez constar em termo de declarações e constante do ponto G) do probatório.
Em resumo, através da prova documental e testemunhal produzida nos autos, não resultou demonstrado que os montantes levantados, durante os anos de 2013 e 2014, quer ao balcão quer por cheque, sacados da conta n.º 1120 40259012078, da sociedade B…, Lda. tiveram origem em financiamento (mútuo), com intenção de restituição, razão pela qual, nenhuma alternativa restava ao Tribunal senão dar como não provada tal factualidade.
O que se decidiu, nos termos atrás expostos.

Presente o exposto, e considerando os termos da decisão recorrida, é manifesto que a afirmada nulidade, em qualquer das vertentes descritas, não pode ser atendida na medida em que foram fixados os factos descritos no probatório relacionados com a problemática em causa, procedendo-se depois à análise das questões apontadas nos autos, o que significa que, nesta matéria, se exteriorizam as razões de facto e de direito que fundamentam a decisão, de modo que, não podemos acompanhar a análise dos Recorrentes quanto à invocada nulidade da sentença, impondo-se agora centrar a análise no âmbito do erro na valoração crítica das provas, o que nos remete para o eventual erro de julgamento quanto à matéria de facto.

Quanto ao julgamento da matéria de facto, crê-se pertinente apontar que o poder de cognição deste Tribunal sobre a matéria de facto ou controlo sobre a decisão de facto prolatada pelo tribunal “a quo” não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento de facto - art. 640º do C. Proc. Civil, porquanto, por um lado, tal possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgados e desde que cumpra os pressupostos fixados no aludido art. 640º do C. Proc. Civil, e, por outro lado, o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade (vide sobre esta problemática A.S. Abrantes Geraldes in: “Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. II, págs. 250 e segs.).
Daí que sobre o recorrente impende um especial ónus de alegação quando pretenda efectuar impugnação com aquele âmbito mais vasto, impondo-se-lhe, por conseguinte, dar plena satisfação às regras previstas no art. 640º do C. Proc. Civil.
É que ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 662º do C. Proc. Civil, incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.
Diga-se ainda que a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova por parte do julgador que se mostra vertido no art. 607º do C. Proc. Civil, sendo certo que na formação da convicção daquele quanto ao julgamento fáctico da causa não intervém apenas elementos racionalmente demonstráveis, mas também factores não materializados, visto que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação e/ou na respectiva transcrição, o que significa que a convicção do tribunal se forma de um modo dialéctico, pois, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas produzidas nos autos, importa atender também à análise conjugada das declarações produzidas e dos depoimentos das testemunhas, em função das razões de ciência, da imparcialidade ou falta dela, das certezas e ainda das lacunas, das contradições, das hesitações, das inflexões de voz, da serenidade, dos “olhares de súplica” para alguns dos presentes, da "linguagem silenciosa e do comportamento", da própria coerência de raciocínio e de atitude demonstrados, da seriedade e do sentido de responsabilidade evidenciados, das coincidências e inverosimilhanças que transpareçam no decurso da audiência de julgamento entre depoimentos e demais elementos probatórios.
Ao invés do que acontece nos sistemas da prova legal em que a conclusão probatória está prefixada legalmente, nos sistemas da livre apreciação da prova, como o nosso, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do discussão em sede de julgamento, com base apenas no juízo que se fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
Note-se, contudo, que este sistema não significa puro arbítrio por parte do julgador.
É que este pese embora livre no seu exercício de formação da sua convicção não está isento ou eximido de indicar os fundamentos onde aquela assentou por forma a que, com recurso às regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquele processo de formação da convicção sobre a prova ou não prova daquele facto, permitindo, desta feita, sindicar-se o processo racional da própria decisão.
Aliás, a nossa lei processual determina e faz impender sobre o julgador um ónus de objectivação da sua convicção, através da exigência da fundamentação da matéria de facto (da factualidade provada e da não provada), devendo aquele analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção.
É que não se trata de um mero juízo arbitrário ou de simples intuição sobre veracidade ou não de uma certa realidade de facto, mas antes duma convicção adquirida por intermédio dum processo racional, objectivado, alicerçado na análise critica comparativa dos diversos dados recolhidos nos autos na e com a produção das provas e na ponderação e maturação dos fundamentos e motivações, sendo que aquela convicção carece de ser enunciada ou explicitada por expressa imposição legal como garante da transparência, da imparcialidade e da inerente assunção da responsabilidade por parte do julgador na administração da justiça.
À luz desta perspectiva temos que se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
Ora, como já ficou claro, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, o que significa que o Recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida.

Neste domínio, apesar de os Recorrentes discorrerem de forma até bastante interessante sobre a matéria da apreciação da prova e sua motivação, o cerne do exposto resume-se à apreciação do depoimento da testemunha L…, contabilista da empresa de onde provieram os valores que foram utilizados pelo recorrente como a título de despesa, sublinhando os Recorrentes que o tribunal é peremptório e não hesita em qualificar o depoimento da testemunha como isento e objectivo, no entanto, considera como não provado que os levantamentos dos montantes pelos Recorrentes da Sociedade B… LDA., foram efectuados a título de financiamento (mútuo) e que os Recorrentes tinham intenção de restituir aqueles montantes à sociedade, sendo que do depoimento isento e objectivo daquela testemunha, resulta justamente o contrário, na exacta medida em que aquela afirma, de forma peremptória que, o Sr. C…, gerente da sociedade, sempre lhe disse que seria assim, existindo uma clara contradição entre a prova produzida e a conclusão tirada.
Será assim?
Pois bem, ponderando o exposto pelos Recorrentes e o que consta da motivação de facto, entende-se que a actuação do Tribunal a quo não merece a crítica severa que os Recorrentes lhe dirigem.
Com efeito, o Tribunal não escamoteou que a aludida testemunha quando “questionada sobre com que base ou em que documentos assentavam os lançamentos contabilísticos da conta 278 – outros devedores e credores, afirmou que era com base nos extractos bancários e através de perguntas que fazia ao Sr. C… sobre o destino daqueles montantes, ao que lhe era respondido, simplesmente, que eram empréstimos a seu favor. Confrontada sobre os lançamentos contabilísticos sem qualquer documento de suporte à operação, designadamente contrato de mútuo, admitiu não se tratar do procedimento contabilístico correcto, mas «era o que tinha»”.
Ora, aquilo que o Tribunal descreve não é diferente do exposto pelos Recorrentes, não se verificando qualquer contradição nos termos reclamados pelos Recorrentes.
Na verdade, o Tribunal ponderou os elementos destacados pela testemunha, referindo que o destino dos montantes em causa, de acordo com o exposto pelo Recorrente marido, eram empréstimos a favor deste, o que levou à consagração do exposto em Q) e R) do probatório, aludindo ao RIT para afirmar a realidade relativa aos lançamentos contabilísticos.
No entanto, o Tribunal afastou-se da realidade substancial subjacente ao escriturado, considerando que o levantamento de tais montantes, de valor superior a 850.000,00€, sem qualquer garantia para o caso de incumprimento, sem que se encontrem definidas quaisquer condições e modalidade do reembolso, bem como regime, periodicidade e data de vencimento das prestações, associado ao comportamento similar do Recorrente em outras sociedades por si detidas, de que dá nota o procedimento inspectivo efectuado nos autos, é de molde a convencer o Tribunal quanto à apropriação de tais valores por parte dos Recorrentes e também o depoimento das testemunhas apresentadas pelos Recorrentes não é susceptível de convencer o Tribunal da existência do financiamento da sociedade aos Recorrentes, porquanto não obstante terem afirmado que o levantamento de tais valores o foi efectuado tendo presente a necessidade de posterior restituição, certo é que nada foi devolvido, conforme o informou a testemunha F…, sendo que a propósito da devolução, importa salientar que se mostram ultrapassados 3 e 4 anos, respectivamente, sobre a data em que ocorreram os levantamentos de tais valores, sem que tenha sido dada nota de qualquer restituição de valores dos Recorrentes à sociedade, devendo os Recorrentes, mais do que reiterar a intenção/vontade de devolver os valores à sociedade, informar o porquê de ainda não o terem feito, como o pretendem fazer, e quando o irão fazer, mais referindo que segundo as regras de experiência comum, não é plausível que o empréstimo, com a materialidade dos valores aqui envolvidos, tenha sido efectuado sem exigência de qualquer contrapartida ou justificação e apenas alicerçado na intenção de restituição do gerente à sociedade.
Pois bem, perante este conjunto de elementos alinhados de forma congruente pelo Tribunal a quo, fazendo apelo de forma muito pertinente ao caminho entretanto decorrido, que apenas vem conferir maior virtualidade à análise daquele Tribunal, os Recorrentes limitam-se a esgrimir o depoimento de uma testemunha nos termos acima apontados.
Nestes termos, tem de entender-se que a posição do Tribunal a quo está fundamentada de forma clara, não existindo qualquer contradição, pois que o Tribunal não colocou em crise o depoimento em crise, a que conferiu validade, limitando-se a não valorar a informação via Recorrente marido sobre o destino dos valores em causa, situação que se compreende, não se compreendendo a indignação exibida pelos Recorrentes que, aliás, sobre os argumentos do Tribunal a quo, nada dizem em concreto, ficando-se pela inexistente contradição, o que implica a improcedência do recurso nesta parte.

Sobre a questão de direito discutida nos autos, diga-se que nos termos do artigo 1.º do CIRS, o imposto sobre o rendimento das pessoas singulares incide sobre o valor anual dos rendimentos das categorias, ali enunciadas, mesmo que provenientes de actos ilícitos, depois de efectuadas as correspondentes deduções e abatimentos, sendo que a categoria que interessa aos presentes autos é a categoria G - incrementos patrimoniais, que está definida no artigo 9.º do CIRS, norma de acordo com a qual (nº 1 al. d)) constituem incrementos patrimoniais «os acréscimos patrimoniais não justificados, determinados nos termos dos artigos 87.º, 88.º ou 89.º-A da lei geral tributária», acrescentando o nº 3 da citada norma que “São igualmente considerados incrementos patrimoniais aqueles a que se refere o n.º 5 do artigo 89.º-A da lei geral tributária", pelo que, há uma remissão para os artigos que regem a avaliação indirecta da matéria tributável.

Nos termos do citado artigo 87.º, n.º 1, alínea f) e 89.º-A, n.º 5 da Lei Geral Tributária, a avaliação indirecta só pode efectuar-se em caso de “acréscimo de património ou despesa efectuada, incluindo liberalidades, de valor superior a € 100.000, verificados simultaneamente … com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados.”

Decorre, pois, das normas agora apontadas, que constituem pressupostos legais vinculativos da actuação da administração tributária no sentido da determinação da matéria tributável nos termos ali previstos e que esta está, portanto, obrigada a provar (cf. artigo 74º, nº 1 da LGT e artigo 342º, nº 1 do Código Civil): (i) acréscimo de património ou despesa efectuada, incluindo liberalidades, de valor superior a € 100.000 e bem assim (ii) a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados.
Como assinala a melhor doutrina, “a tributação dos rendimentos inferidos das manifestações de fortuna tem como fundamento o dever fundamental de pagar impostos e a necessidade, daí decorrente, de combater a evasão fiscal [que] visa evitar que certo tipo de rendimentos, actuais ou passados, que tenham escapado ao controlo legal, deixem de ser tributados” - nestes termos, João Sérgio Ribeiro, Tributação Presuntiva do Rendimento, Um Contributo para Reequacionar os Métodos Indirectos de Determinação da Matéria Tributável, Almedina, 2010, pág. 273.
Na sequência do exposto, cabe então à Administração Tributária (art. 74.º, n.º 1, da LGT e art. 342.º, n.º 1, do C. Civil) provar o facto que, segundo a lei, constitui uma manifestação de fortuna e ao sujeito passivo cabe o ónus de provar que os rendimentos declarados correspondem à realidade e que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo do património ou da despesa efectuada (ou seja, ocorre uma inversão do ónus da prova).

Diga-se ainda que o facto manifestado não se subsume apenas a uma realidade que é do conhecimento público, podendo derivar, como no caso, dos elementos registados e que vieram ao conhecimento da AT na sequência do acesso à contabilidade da sociedade B…, Lda.

No caso presente, na sequência do procedimento de inspecção tributária, temos como adquirido que os ora Recorrentes, evidenciam realização de despesa amplamente superior a 100.000,00€, verificada simultaneamente com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados., pois que, ao declararem rendimentos da categoria A, nos exercícios de 2013 e 2014, no montante de, respectivamente 13.487,60€ e 15.934,54€ e ao evidenciarem consumos no exacto montante dos levantamentos efectuados na sociedade B…, Lda. [assumidos pelo Recorrente aquando do termo de declarações, cfr. ponto G) do probatório], isto é, 409.295,57€ em 2013, e 459.152,70€ em 2014, existe objectiva divergência, não justificada, entre a realização de despesa pelos sujeitos passivos nos referidos períodos de tributação e o rendimento declarado, motivo pelo qual tais valores foram fixados como rendimento colectável resultante de correcção à matéria tributável por métodos indirectos, como incremento patrimonial injustificado, a enquadrar na categoria G (art. 9.º, n.º 1, alínea d), do CIRS), nos termos do disposto da alínea a) do n.º 5 do art. 89.º-A da LGT.

Assim, e na medida em que o recurso ao método indirecto foi fundamentado na alínea f) do nº 1 do artigo 87.º da LGT, norma que estabelece que “a avaliação indirecta só pode efectuar-se em caso de: … f) Acréscimo de património ou despesa efectuada, incluindo liberalidades, de valor superior a (euro) 100 000, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados”, face à factualidade que vem provada, tem de considerar-se justificado.

Nesta sequência, e a partir do momento em que a AT fez a prova da verificação dos pressupostos legais do recurso a métodos indirectos para a determinação da matéria tributável que suporta o acto posto em crise, passou então a recair sobre os Recorrentes o ónus da prova da inexistência dos factos tributários ou de erro ou excesso na quantificação da matéria tributável efectuada.

Com efeito, e como referem Diogo Leite Campos, Benjamim da Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária, Anotada e comentada, 4ª edição, 2012, pág. 782-783, “… De harmonia com o n.º 3 deste art. 89.º-A, quando se prova a existência de uma das manifestações de fortuna dos tipos previstos no n.º 4 ou uma situação enquadrável na alínea f) do n.º 1 do art. 87.º da LGT, cabe ao sujeito passivo a prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que a fonte das manifestações de fortuna evidenciadas não é rendimentos sujeitos a declaração em sede de impostos sobre o rendimento. …
Para afastar a utilização de métodos indirectos de avaliação da matéria tributável o contribuinte tem de demonstrar que detinha proventos que não tinham de ser declarados para efeitos de imposto sobre o rendimento, suficientes para assegurar a manifestação de fortuna que estiver na base de tal utilização, só sendo esta afastada se esses proventos chegarem para assegurar a totalidade da manifestação de fortuna em causa.
Porém, se o sujeito passivo conseguiu demonstrar que parte dos proventos que asseguraram a manifestação de fortuna não tinham de ser declarados, não será afastada a utilização de métodos indirectos, mas ao rendimento presumido nos termos deste art. 89.º-A, que é a base da tributação, será de abater a parte dos proventos que se tiver provado que não tinham de ser declarados.
Para tal demonstração, não basta que se demonstre que o sujeito passivo possuía, no período de tempo em causa, bens suficientes que lhe permitiriam assegurar a manifestação de fortuna, sendo necessário que se demonstre que ela foi efectivamente assegurada com esses bens. …”.

Nesta sequência, e na defesa da sua posição, os Recorrentes pretendem afastar o exposto, referindo que o procedimento inspectivo que subjaz ao acto recorrido resulta directamente de outro procedimento inspectivo incidente sobre a já referida B... e nos termos daquele primeiro procedimento de inspecção, seja no procedimento de inspecção a que directamente se reporta esta petição, a AT concluiu, de forma inequívoca, que o recorrente tomou aqueles fundos da dita sociedade comercial que geria (B...), a título de financiamento (mútuo), o que, aliás, está devidamente reflectido como tal na contabilidade daquela sociedade e, note-se, foi efectivamente confirmado em sede de inquirição e como a própria AT reconhece ao longo dos referidos relatórios de inspecção, o recorrente não tomou aqueles fundos a título de rendimento, seja como antecipação de lucros (por não ser sócio), seja como remuneração do seu trabalho (como ali se atesta), fê-lo, unicamente, a título de financiamento, para uso próprio, sempre com a intenção clara de o restituir, o que, aliás, era do conhecimento dos sócios da empresa, que anuíram.

Neste ponto, cremos que os Recorrentes fazem uma leitura demasiado generosa da situação em apreço, dado que, no RIT que resultou do procedimento de inspecção de que falam agora os Recorrentes, perante a constatação do facto nuclear para estes autos, o Recorrente marido foi ouvido em declarações, assumiu o levantamento dos valores em causa e curiosamente nunca falou em empréstimos, sendo que uma das conclusões descritas (al. d)) na página 22 do RIT refere que o Recorrente marido “não evidencia capacidade nem vontade de devolver aquilo que retirou das contas bancárias da B...”, de modo que, o que fica exposto não tem a virtualidade que os Recorrentes lhe pretendem atribuir, até porque, quando se olha para o probatório, a justificação avançada para a situação (financiamentos) foi considerada como não provada.

Diga-se ainda que, como refere a decisão recorrida, estamos na presença de um rendimento cuja origem é identificada, mas não a sua natureza, pelo que deverá preencher o carácter residual inerente à tipificação como rendimento, à luz da teoria do rendimento-acréscimo, dos acréscimos patrimoniais não justificados, como acréscimo inominado que é, não sendo suficiente para afastar a tributação a circunstância de estarem identificados a origem e os destinos dados aos levantamentos.

Os Recorrentes referem depois que, mesmo a admitir-se que não houve o referido mútuo (e mesmo, que não havia a intenção de restituir aqueles montantes), isso não punha em causa a evidência de que tais valores adviriam à esfera do gerente pela única via legítima e lógica que resultava da relação entre a empresa e o seu gerente: a título de remuneração.

Pois bem, por aqui se verifica a total inconsistência do exposto pelos Recorrentes, dado que, esgrimem agora alternativa de análise (dita supletiva) que não tem qualquer sentido em função do que já ficou exposto e nem sequer se percebe como é que agora se poderia equacionar a matéria nesses termos.

Do mesmo modo, resulta manifestamente artificial a invocada violação da Lei Fundamental ao nível do princípio da tutela jurisdicional efectiva, na medida em que o presente meio processual constitui a forma de colocar em crise o procedimento da AT, além de que o princípio da proibição da indefesa não pode ser confundido com a incapacidade dos Recorrentes em demonstrarem uma realidade susceptível de lhe permitir cumprir com o ónus que a lei lhes comete nos termos acima assinalados.

Em suma, aquilo que é sabido é que os valores em apreço transitaram da sociedade para o Recorrente marido, que assumiu essa situação, e que deu a esses valores o destino que entendeu, situação de que deriva a necessidade de os Recorrentes justificarem que tais rendimentos não estavam sujeitos a tributação, o que não fizeram.
Deste modo, tal como decidido, não o tendo efectuado, nenhuma censura merece a actuação da Administração Fiscal que qualificou tais montantes, percepcionados e consumidos pelos Recorrentes, como acréscimos patrimoniais não justificados, nos termos dos normativos mencionados, pois que não existe matéria (nada tendo os Recorrentes demonstrado neste domínio) capaz de enquadrar a situação nas outras categorias de rendimento contempladas em sede de IRS.
Assim sendo, na improcedência das conclusões da alegação dos recorrentes, impõe-se, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências.
Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.
Fica prejudicado o conhecimento do recurso relativo ao despacho interlocutório.


4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pelos Recorrentes, mantendo-se a decisão judicial recorrida.
Custas pelos Recorrentes.
Notifique-se. D.N..
Porto, 25 de Janeiro de 2018
Ass. Pedro Vergueiro
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos