Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00474/16.8BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/16/2021
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Paulo Moura
Descritores:FATURAS FALSAS; FACTOS-ÍNDICE; NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO.
Sumário:I - Logrando a administração Tributária demonstrar os factos-índice em que se baseia para afirmar que as operações tituladas pelas faturas não correspondem a verdadeiras e reais transações comerciais, passa a impender sobre o contribuinte o ónus da prova da efetiva realização dessas operações materiais.

II – As operações simuladas não podem ser valoradas em sede de IRC como variação patrimonial negativa para o resultado do exercício, nem como custos para a manutenção da fonte produtora.
Recorrente:A., LDA
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
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A., Lda., interpõe recurso da sentença que julgou improcedente a Impugnação Judicial deduzida contra a liquidação adicional de IRC do ano de 2011, no valor total de € 39.360,01, por entender que ocorreu falta de pronúncia e erro de julgamento.

Formula nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:
1) Falta de pronuncia sobre as alegações produzidas pela recorrente nos termos do artigo 120º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, pois o Juiz do Tribunal a quo deve conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e cuja apreciação não tenha ficado prejudicada, sob pena de, não o fazendo, a Sentença ficar ferida de nulidade (artigo 125º do C.P.P.T. e 608º, nº 2 e 615º, nº 1, alínea d) do C.P.C.).
2) E isto, porque o Tribunal a quo deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer (artigos 99º da Lei Geral Tributária e artigo 13º do C.P.P.T.).
3) O Meritíssimo Juíz “a quo” incorreu em erro de julgamento e não apreciou todas as questões postas em crise pela impugnante, ora recorrente, e aquelas que apreciou, fê-lo, salvo o devido respeito, de forma não fundamentada, sem conseguir dar respostas através dos factos e fundamentos de direito, o que só por si conduz ao vicio da nulidade da sentença recorrida (artigo 125º, nº 1 do CPPT).
4) Em primeiro lugar, existe caducidade do direito à liquidação, pois sendo esta respeitante ao ano de 2011, a liquidação devia ter sido validamente notificada ao contribuinte até 31 de Dezembro de 2015, o que não ocorreu, como preceitua o artigo 45º, nº 1 da Lei Geral Tributária, ou seja, deveria ter sido notificada no prazo de 4 anos.
5) No caso sub judice, a Autoridade Tributária e Aduaneira ao tentar notificar o contribuinte de uma liquidação adicional de IRC por carta registada, no ano de 2011, e tendo esta sido devolvida ao remetente – Serviço de Finanças de Feira –1, nunca se poderia considerar e funcionar no caso sub judice, a presunção do artigo 39º, nº 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
6) Pois, como é notório e manifesto, sendo a carta devolvida ao remetente, no caso sub judice ao Serviço de Finanças de Feira 1, tal devolução impede que se presuma o seu recebimento, pois nesse caso não funciona a presunção prevista no nº 1 do artigo 39º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ou seja, da recepção da carta no terceiro dia posterior ao do registo.
7) Com efeito, o facto constante do nº 9 do probatório não está correto quando refere que do sítio informático de serviços de correios de Portugal (CTT), consta que a entrega das cartas aludidas no ponto anterior (o nº 8) foi conseguida em 16-12-2015
8) Quando a Impugnante, ora recorrente, nada recebeu.
9) Quem recebeu as cartas referidas no ponto nº 8 e 9 do probatório foi o Serviço de Finanças de Feira – 1, em 16-12-2015.
10) Existindo no caso sub judice, erro de julgamento do Juiz do Tribunal “a quo”.
11) Daí que, em 17-12-2015, o Chefe do Serviço de Finanças de Feira – 1 emitiu “mandado de notificação” relativo á liquidação e acerto de contas, para que o contribuinte procedesse, no prazo de 30 dias, a contar da assinatura do mandado, efetuar o pagamento no valor de 39.360,01 € de IRC, ano 2011, o que demonstra e prova, sem margem para dúvidas, que as cartas foram devolvidas ao remetente e recebidas pelo Serviço de Finanças de Feira 1.
12) E, não tendo sido cumprido o Mandado de Notificação emitido pelo Serviço de Finanças de Feira 1 até 31 de Dezembro de 2015, a Fazenda pública não faz prova de que notificou validamente a Impugnante da Liquidação adicional de IRC 2011 até 31 de Dezembro de 2015.
13) E, sendo de 4 anos o prazo de caducidade do direito à liquidação, verifica-se que no caso sub judice, decorreu o prazo de caducidade relativamente ao IRC ano 2011, pelo que, é ilegal a liquidação adicional impugnada de IRC, Ano 2011.
14) Ora, o Juiz do Tribunal a quo nem se pronunciou sobre a questão da Caducidade do Direito à liquidação, ano 2011.
15) É princípio estruturante do processo judicial tributário o princípio do Inquisitório pleno, previsto nos artigos 13º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e artigo 99º da Lei Geral Tributária, ou seja, o processo judicial tributário não é um processo de partes, nos termos do qual o Juiz deve ordenar as diligências necessárias para a descoberta da verdade material.
16) Assim, invocando a impugnante, ora recorrente, que não foi notificada da liquidação adicional de IRC ano 2011 e que esta nunca chegou ao seu conhecimento até 31 de Dezembro de 2015, devia o Juiz do Tribunal a quo ter ordenado que a Fazenda Publica fizesse prova documental dessa notificação, caso ela tivesse ocorrido, o que não fez, pois apenas consta dos autos que a carta terá sido devolvida ao remetente, designadamente, ao Serviço de Finanças de Feira 1.
17) Ora, em processo judicial tributário só é lícito julgar com base no ónus da prova depois de terem sido ordenadas todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material dos factos de que é lícito conhecer, nomeadamente, o alegado pelas partes, no caso, pela impugnante, ora recorrente.
18) A Sentença recorrida ao julgar improcedente a impugnação judicial com base no ónus da prova, sem saber se a impugnante, ora recorrente, foi ou não validamente notificada até 31 de Dezembro de 2015, ou seja, se esta notificação terá chegado ao conhecimento efetivo da Impugnante até 31 de Dezembro de 2015, a Douta Sentença afronta clamorosamente o princípio do inquisitório, enquanto princípio estruturante do processo judicial tributário.
19) Assim, a Douta Sentença recorrida ao julgar improcedente a Impugnação Judicial, julgou com base em erro, pois a Liquidação adicional de IRC Ano 2011 não foi recebida pela Impugnante até 31 de Dezembro de 2015 e, consequentemente, é notório que a Impugnante não foi validamente notificada da Liquidação que se impugna, pelo que o presente recurso deve ser totalmente procedente, sem mais.
20) Por outro lado, o Juiz do Tribunal a quo considerou como provados os factos constantes no Ponto 4 da Matéria de facto dada como provada na Douta Sentença recorrida, considerando como provado tudo o que foi alegado pelo Senhor Inspector Tributário no Relatório Final elaborado à Impugnante, aqui recorrente (Páginas 3 a 27 da Douta Sentença).
21) Contudo, todo o conteúdo do Relatório Final da Autoridade Tributária e Aduaneira elaborado à Impugnante são meras conclusões subjetivas do Senhor Inspector Tributário, sem qualquer fundamento de facto e de direito, sendo certo que do Relatório da Impugnante, aqui recorrente, apenas constam excertos dos alegados Relatórios dos fornecedores, escolhidos pelo livre arbítrio do Senhor Inspetor Tributário, pelo que tais Relatórios não foram juntos ao Relatório Final da Impugnante, nem ao Processo Administrativo (PA), pelo que nada do que consta dos mesmos pode servir de prova para o que quer que seja, pois consubstancia prova inexistente nestes autos.
22) Ora, para a Impugnante, aqui recorrente, ter um resultado obtido em relação aos proveitos/vendas no ano de 2011, no valor de 2.686.398,10 € (Dois milhões seiscentos e oitenta e seis mil trezentos e noventa e oito euros e dez cêntimos), necessariamente teve de comprar mercadoria e recorrer a serviços prestados nos valores constantes das faturas dos seus fornecedores, pois não pode ter vendas no valor 2.686.398,10 € (Dois milhões seiscentos e oitenta e seis mil trezentos e noventa e oito euros e dez cêntimos), sem comprar mercadoria ou recorrer aos serviços prestados dos seus fornecedores.
23) E, é a resposta a esta questão que foi omissa na Douta Sentença de que se recorre.
24) É notório que a Autoridade Tributária e Aduaneira não fez prova que a Impugnante, aqui recorrente, não tenha comprado e vendido as mercadorias a que se referem as concretas faturas que reputou de falsas (artigo 74º, nº 1 da L.G.T.).
25) O Juiz do Tribunal a quo deveria ter dado como matéria provada que as faturas em causa são verdadeiras, pois foi junta aos autos documentação que não foi impugnada e que fazem prova plena das referidas transações e prestações de serviços entre os dois fornecedores e a Impugnante, aqui recorrente, nomeadamente, recibos e cheques comprovativos do pagamento das referidas faturas.
26) Pelo que, não podia a Autoridade Tributária e Aduaneira, bem como o Juiz do Tribunal a quo, pôr em causa as faturas totalmente documentadas e pagas, documentos estes juntos aos autos que não foram impugnados, pelo que fazem prova plena da veracidade das transações tituladas pelas faturas, sendo certo que a Autoridade Tributária e Aduaneira não logrou ilidir a presunção de veracidade de que goza a contabilidade do Impugnante (artigo 75º, nº 1 da Lei Geral Tributária).
27) A Sentença recorrida é contraditória entre os fundamentos e a decisão, e isto, porque a fundamentação não contém quaisquer elementos de facto que permitam retirar a conclusão de que entre a Impugnante e os emitentes das faturas em causa tenha sido feito um acordo simulatório com vista a enganar terceiro (artigo 240º do Código Civil).
28) Ora, o ónus da prova que sobre a impugnante, ora recorrente impendia foi concretamente realizado, pois resulta dos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados, que a impugnante, aqui recorrente, adquiriu mercadoria e serviços prestados constantes nas faturas e procedeu ao seu pagamento, pelo que provou a existência e veracidade das transações postas em causa no ano de 2011.
29) Por isso, a aqui recorrente, considera processualmente inconcebível que todos os factos dados como provados na Douta Sentença recorrida, se sustentem em prova documental que não existe nos autos, ou seja, em Relatórios de Inspeção de outros contribuintes, no caso sub judice, das Sociedades N., Lda. e C., Lda., cujos Relatórios não foram juntos ao Relatório Final da Impugnante, ora recorrente, apenas e só alegadamente transcritos “excertos” de partes desses Relatórios “à escolha” e segundo o livre arbítrio do Senhor Inspector Tributário.
30) Pelo que, considera a Impugnante, ora recorrente, ter ocorrido no caso sub judice, nulidade insanável, com a falta de notificação à impugnante dos Relatórios de Inspeção dos emitentes em causa, nos termos prescritos do artigo 115º, nº 3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
31) Não podendo o Tribunal a quo dar como provado factos unicamente constantes nos Relatórios dos emitentes (Ponto 4 dos factos provados), quando tais Relatórios nunca foram juntos como prova nestes autos – prova inexistente.
32) Acresce que, a Inspecção Tributária não efectuou qualquer controlo quantitativo da produção e das matérias primas consumidas no exercício de 2011, junto da sociedade impugnante, nem colocou em causa o custo das mercadorias vendidas e matérias primas consumidas no valor de 2.142.686,64 € (página 4 do Relatório Final e Ponto 3 da matéria dada como provada na Douta Sentença).
33) E, não tendo feito o controlo quantitativo das existências com referência ao exercício de 2011, a Autoridade Tributária e Aduaneira não demonstrou e não provou que as operações tituladas nas faturas não existiram, como permite a alínea b) do nº 1 do artigo 29º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira.
34) Daí que, as referências feitas no Relatório Final carecem de fundamentação, uma vez que o Custo das Mercadorias Vendidas e Consumidas, nem sequer foi posto em causa pela Autoridade Tributária e Aduaneira (quadro da página 4 do Relatório Final).
35) Por outro lado, como se verifica do quadro da página 24 do Relatório, a Inspeção Tributária admite que a escrita da sociedade contribuinte reflete o resultado efetivamente obtido em relação ao volume de negócios de 2.686.398,10 €, no exercício de 2011 (Ponto 3 da matéria dada como provada na Douta Sentença).
36) E aceita, na integra, como se verifica do Relatório Final, o volume de negócios no valor de 2.686.398,10 €, e o Custo das Mercadorias Vendidas no valor de 2.142.686,64 €, onde se incluem as faturas postas em causa no valor de 130.157,90 €, conforme página 19 da Douta Sentença recorrida.
37) Pelo que, é contra a lei, a invocação que é feita no inicio da página 32 da Douta Sentença pelo Juiz do Tribunal a quo de que: “a AT não tem o encargo de provar a falsidade das faturas”, pois tal afirmação viola as regras do ónus da prova exigido pelo nº 1 do artigo 74º e ainda pelo nº 2 do artigo 75º, ambos da Lei Geral Tributária, que exige “indícios fundados”, o que não é o caso sub judice, pois nem sequer existem nos autos os alegados Relatórios dos emitentes.
38) Assim, a Autoridade Tributária e Aduaneira não cumpriu o ónus probatório que sobre si impendia no sentido da fundamentação substancial do acto que a lei exige para legitimar o acto de liquidação de IRC aqui impugnado que está desconforme com a lei, assim como a Douta Sentença do Tribunal a quo.
39) Pelo que, assim sendo, a violação do Princípio do Contraditório consignado nos artigos 45º, nº 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário e ainda artigo 8º do Regime Complementar do Procedimento da Inspecção Tributária e artigo 98º da L.G.T. consubstancia preterição de formalidade legal essencial e constitui vicio de violação de lei.
40) Por fim, refira-se que é insustentável o entendimento do Juíz do Tribunal a quo, no final da página 46 da Douta Sentença recorrida quando refere, no âmbito da relevação de custos, que: “Portanto, não há dúvida de que a AT considerou, mal ou bem, que o valor relativo às faturas reputadas como falsas não pode ser deduzido, isto é, não pode contribuir para o resultado fiscal do ano 2011”.
41) Pelo que, tal revela a falta de fundamentação de facto e de direito da liquidação impugnada.
42) Assim, a fundamentação do acto de liquidação de IRC, ano 2011, é manifestamente insuficiente para determinar e tomar eficaz o acto de liquidação, pelo que este viola o disposto nos artigos 77º, nº 1 da Lei Geral Tributária e artigo 268º, nº 3 da Constituição da República Portuguesa.
43) No caso sub judice, a Autoridade Tributária e Aduaneira concluiu que as faturas em causa não titulam operações reais com base em razões atinentes aos emitentes das faturas.
44) As afirmações de que as sociedades emitentes não possuem estrutura, nem capacidade para o fornecimento dos bens e serviços faturados seria, em princípio, um mero indicador, contudo as afirmações feitas no Relatório Final da Impugnante, aqui recorrente, não são especificamente reportadas às faturas aqui em causa, mas a toda a faturação das sociedades emitentes.
45) Por outro lado, a inexistência de capacidade para armazenamento dos bens declarados pelos emitentes poderá sugerir apenas que os bens terão sido armazenados em local desconhecido pela AT, mas não necessariamente que aquelas faturas em particular não fossem verdadeiras.
46) Parece, aliás, que a fiscalização pretendeu apenas pôr em causa a credibilidade dos emitentes (por estarem envolvidos em processos crimes conexos com faturação falsa) mas, como referia o Prof Saldanha Sanches (in “A Quantificação da Obrigação Tributária”, p. 361) a ausência de credibilidade subjectiva dos sujeitos não constitui fundamento da avaliação administrativa. Até, porque, se o perfil fiscal do sujeito passivo pudesse, em si mesmo, fundamentar as correções, isso implicaria que a presunção do artigo 75º da Lei Geral Tributária só valeria para os sujeitos passivos que nunca tivessem tido algum litígio com a administração tributária, o que não tem respaldo no texto da lei (Neste sentido, Acórdão do TCAN de 30/09/2014, Processo 313/06.8BEPNF)
47) “Na verdade, a circunstância de esta sociedade estar referenciada noutra ação de inspeção como emitente de faturas' falsas não significa que as operações tituladas pelas faturas aqui em causa não correspondam a operações reais. É que um determinado sujeito passivo pode estar referenciado como emitente de faturas falsas e efectivamente emitir faturas que não têm subjacente qualquer operação económica e, simultaneamente, dedicar-se à actividade económica para que está colectado, prestando os correspondentes serviços ou fornecimentos. O que está em causa não é saber se essa sociedade emitiu ou não faturas que não correspondem a operações reais, mas sim saber se as operações que constam das faturas aqui em causa, reportadas ao ano de 2003, correspondem ou não a operações reais” (in, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido em Porto, 7 de Novembro de 2019, no Recurso interposto no Processo de Impugnação Nº 807/08.0BEVIS, página 19 do Acórdão).
48) A Autoridade Tributária e Aduaneira não procedeu a qualquer diligência junto da utilizadora das faturas (ora Impugnante) no sentido de confirmar a veracidade de tais operações económicas. “Deveria, designadamente, ter apurado se as mercadorias constantes das faturas em causa tinham dado entrada nas instalações da Impugnante, como se processavam as encomendas das mercadorias e o respectivo circuito, se os fornecimentos a que aludem as faturas têm ou não correspondência com o volume de negócios da Impugnante, a relação entre estes custos e os proveitos obtidos, das relações comerciais existentes entre sociedades emitente e utilizadora, sobre os meios de pagamento utilizados, etc.” (in, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido em Porto, 7 de Novembro de 2019, no Recurso interposto no Processo de Impugnação Nº 807/08.0BEVIS, página 20 do Acórdão).
49) Ora, tal inércia dos serviços de inspeção não se mostra conforme aos deveres legais de investigação da verdade material que incidem sobre a administração tributária, sendo, pois, de concluir que esta não realizou todas as diligências instrutórias necessárias à demonstração dos pressupostos em que assentavam os alegados indícios apurados junto das sociedades emitentes.
50) E, nesta conformidade, os alegados indícios recolhidos pela administração tributária não permitem suportar, objectivamente e à luz das regras da experiência comum, a conclusão a que chegou e na qual fez repousar a decisão de corrigir a matéria tributável da Impugnante, ora recorrente. O que significa que a administração tributária não se desonerou do ónus que sobre si impendia de fundamentar a legalidade da sua actuação conducente à liquidação impugnada.
51) Foram violados os artigos 55º, 58º, 77º, nº 1 e 2, artigo 98º e 99º da Lei Geral Tributária, 13º, 45º, nº 1, 98º, nº 1, alínea b), 115º, nº 3 e 125º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e ainda artigos 13º, 20º, 266º, nº 2 e 268º, nº 3 da Constituição da República Portuguesa.
Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre douto suprimento de V.Exas., deverá o presente Recurso ser julgado totalmente procedente e, em consequência, se revogue a DOUTA SENTENÇA recorrida, anulando-se por ilegal a liquidação de IRC, ano de 2011, objecto dos autos, por caducidade do direito à liquidação, falta de fundamentação e existência de nulidades, a bem da JUSTIÇA.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado improcedente.

Foram dispensados os vistos legais, nos termos do n.º 4 do artigo 657.º do Código de Processo Civil, com a concordância das Exmas. Desembargadoras Adjuntas, atenta a disponibilidade do processo na plataforma SITAF (Sistema de Informação dos Tribunais Administrativos e Fiscais).
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Delimitação do Objeto do Recurso – Questões a Decidir.

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respetivas conclusões [vide artigos 635.º, n.º 4 e 639.º CPC, ex vi alínea e) do artigo 2.º, e artigo 281.º do CPPT] são as de saber se ocorre omissão de pronúncia e se existe erro de julgamento de facto e de direito.
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Relativamente à matéria de facto, o tribunal, deu por assente o seguinte:

3 – Fundamentação
3.1 Matéria de facto dada como provada.
Com base nos documentos junto aos autos e no processo administrativo (PA) apenso considera-se provada a seguinte matéria de facto, com relevância para a decisão:
1. A sociedade impugnante dedica-se à compra e venda de rolhas de cortiça e outros capsulados em diversos materiais – fls. 3vº do PA, não impugnado;
2. Para o exercício dessa atividade, a impugnante encontra-se enquadrada fiscalmente no regime geral do IRC e no regime normal trimestral do IVA – Idem;
3. Relativamente ao ano 2011 a sociedade impugnante declarou o lucro de € 77.115,42, conforme quadro seguinte:
2011
Vendas2.686.398,10
CMVMC2.142.686,64
FSE445.589,25
Custos com pessoal11.511,81
Outros rendimentos4.211,45
Outros gastos563,75
Amortizações12.401,81
Juros1.360,84
IRC19.600,00
Resultado Líquido Exercício56.895,45
Acréscimos Quadro 720.229,97
LUCRO tributável77.115,42
- ponto II.3.5, a pág.4, do Relatório, a fls. 4 do PA;
4. Com base na Ordem de Serviço nº OI201501405, de 2/6/2015, a AT levou a cabo uma ação inspetiva externa à situação tributária da agora impugnante, que culminou com o Relatório final de 4/12/2015, homologado por despacho da mesma data, em cujo ponto “III- Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas” consta, além do mais, o seguinte: «III.1 Delimitação do conceito legal de facturas falsas (...) III.2. DOCUMENTOS RELEVADOS NA CONTABILIDADE DO SUJEITO PASSIVO COM INDÍCIOS DE SE TRATAR DE FATURAS FALSAS
Analisada a contabilidade da empresa “A., Lda” referente ao ano de 2011 encontraram-se relevados diversos documentos sobre os quais existem fundados indícios de se tratar de faturas falsas, tendo o IVA nelas mencionado sido deduzido pelo sujeito passivo nas declarações periódicas entregues e o valor da sua base tributável sido considerado como gasto do período para efeitos de apuramento da matéria coletável sujeita a IRC.
As faturas em causa são as que se descrevem no quadro seguinte, separadas pelo período de imposto em que foram relevadas na contabilidade da empresa:
Nº cont.Nº faturaDataFornecedorBase trib.IVAValor total
55044904-07-2011C., Lda€ 22.500,00€ 5.175,00€ 27.675,00
73017001-09-2011N., Lda€ 5.060,00€ 1.163,80€ 6.223,80
74417214-09-2011N., Lda€ 33.300,00€ 7.659,00€ 40.959,00
74516021-07-2011N., Lda€ 3.240,00€ 745,20€ 3.985,20
Total 3º trimestre 2011€ 64.100 00€ 14.743 00€ 78.843 00
100618017-11-2011N., Lda€ 2.446,90€ 562,79€ 3.009,69
101345527-10-2011C., Lda€ 5.400,00€ 1.242,00€ 6.642,00
102017911-11-2011N., Lda€ 16.200,00€ 3.726,00€ 19.926,00
111919027-12-2011N., Lda€ 18.000,00€ 4.140,00€ 22.140,00
112019420-12-2011N., Lda€ 18.450,00€ 4.243,50€ 22.693,50
114418830-11-2011N., Lda€ 5.561,00€ 1.279,03€ 6.840,03
Total 4º trimestre de 2011€ 66.057 90€ 15.193 32€ 81.251 22
Total Ano de 2011130.157,90 €29.936 32 €160.094,22€
III.2.1. Faturas timbradas em nome da empresa “N., Lda”, NIF: 509 024 238
III.2.1.1. Elementos recolhidos junto do emitente
A empresa “N., Lda” foi inspecionada pela Inspetora Tributária A., em serviço na D.F. Aveiro, no cumprimento das Ordens de Serviço 01201100721, 01201200695 e 01201400371.
No decurso dessas inspeções apurou-se que a empresa “N., Lda” desde o final de 2010 deixou de exercer qualquer atividade, sendo falsas as faturas timbradas em seu nome e detetadas no setor corticeiro referentes aos anos de 2011 e 2012.
A “N., Lda” coletou-se, em 30-06-2009, para o exercício da atividade de “Indústria de Preparação da Cortiça” (CAE 16293), com sede na Rua (…), tendo como sócio-gerente A.. Sucedeu e antecedeu outras sociedades geridas pelo referido A. ou pelo seu núcleo familiar.
De acordo com o que foi possível apurar nas diversas diligências inspetivas realizadas a este conjunto de empresas, que se comprovou serem de facto todas controladas pelo núcleo familiar de A. e O. (irmã), a única atividade efetivamente exercida nas instalações localizadas no n.º 1330 da Rua (…) foi precisamente a prestação de serviços o de fabrico de rolhas para a firma “A., SA”.
A atividade da “N., Lda” consistiu, durante os anos de 2009 e 2010, exclusivamente na prestação de serviços de fabrico de rolhas à empresa “A., SA”, NIF (...). O edifício e as máquinas e equipamentos para o exercício desta atividade, bem como a mão-de-obra necessária, eram da responsabilidade da “N., Lda”.
Para substituir a “N., Lda” nesta atividade foi constituída em 26-11-2010 a firma “O., Lda”, NIF (…), que possui como sócio-gerente único a Sra. O., NIF (…), irmã de A.. Esta empresa dedica-se exatamente ao mesmo negócio da sua antecessora (a “N., Lda”) e labora desde essa data exatamente no mesmo local.
De acordo com a base de dados da AT (declaração Modelo 10 apresentada pelo contribuinte), a “N., Lda” pagou rendimentos da categoria A (trabalho dependente) no ano de 2010 a 8 funcionários, que se cifraram em € 19.253,96€ e incluem € 2.907,69 pagos ao sócio-gerente;
Em 2011 e 2012 a “N., Lda” não declarou ter pago quaisquer rendimentos do trabalho a quem quer que fosse.
Temos pois que, a partir do final do ano de 2010 a “N., Lda” não possuía empregados, máquinas, ou sequer instalações para o exercício da atividade, tendo sido substituída no exercício
da sua atividade pela empresa “O.”.
Não foi assim verificada a existência de estrutura empresarial necessária ao exercício de uma atividade de natureza comercial ou industrial por parte do sujeito passivo “N., Lda” que atinja os montantes mencionados nas faturas timbradas em seu nome nos exercícios de 2011 e 2012, e utilizadas pelos pretensos clientes quando a “N., Lda” já não possuía instalações onde laborar, nem máquinas, nem funcionários ao seu serviço.
No decurso da ação inspetiva tomou-se conhecimento de uma comunicação escrita apresentada por A. no dia 14-04-2011 junto do Serviço de Finanças da Feira 2, dando a conhecer o extravio do livro de faturas de venda da “N., Lda” e informando que a última fatura emitida terá sido a nº. 75, em 21-12-2010, acrescentando, e passamos a citar: “se houver faturas posteriores a essa data não são do seu conhecimento”. Junta a essa comunicação foi apresentada denúncia efetuada no Posto da GNR de Santa Maria de Lamas datada de 05-03­-2011, do desaparecimento do interior da sua residência de 1 livro de faturas no período compreendido entre os dias 15 e 28 de Fevereiro de 2011.
A “N., Lda” foi cessada oficiosamente pela administração fiscal à data de 30-06-2012, termos do n.º 2 do art.º34.º do Código do IVA.
Na ação inspetiva levada a efeito a coberto da OI201100721, concluída em 06-03-2012, foram reunidos fortes indícios de que a “N., Lda” terá utilizado e emitido faturas falsas no ano de 2010 e terá emitido faturas falsas no ano de 2011, integrando um circuito de faturação que permitiu aos seus utilizadores a dedução do IVA mencionado nas faturas timbradas em seu nome. Passamos a transcrever excerto do Relatório de Inspeção Tributária elaborado nessa data:
“(...) De tudo o que se expôs até aqui no presente Relatório, resultam apurados os seguintes factos:
a - Encontram-se registadas na contabilidade do sujeito passivo N. no ano de 2010 aquisições tituladas por faturas timbradas em nome de indivíduos indiciados como emitentes de faturas falsas, representativas de 95% do total das aquisições registadas;
b. Não se detetaram quaisquer aquisições de apara nem, face às aquisições de cortiça distadas na sua contabilidade, seria possível a sua produção nas quantidades que constam das (aluías timbradas em nome da N. no ano de 2010, e utilizadas pelas C xxx Lda; (não identificada por razões de sigilo fiscal)
c Não foi verificada a existência de estrutura empresarial necessária ao exercício de uma atividade de natureza comercial ou industrial por parte do sujeito passivo N. que atinja os montantes mencionados nas faturas timbradas em seu nome nos exercícios de 2010 e 2011, e utilizadas pelas C xxx Lda (não identificada por razões de sigilo fiscal), quando a N. já não possuía instalações onde laborar, nem máquinas, nem funcionários ao seu serviço, nem mesmo sequer o seu sócio-gerente;
d. O mesmo acontece relativamente às faturas timbradas em nome da N. no ano de 2011 e utilizadas pela sociedade O xxx Lda (não identificada por razões de sigilo fiscal): estando parada, não possuindo instalações, máquinas nem pessoal ao seu serviço, a N. nunca poderia ter prestado serviços nos montantes mencionados em tais faturas; quanto ao imobilizado, concluiu-se que ou nunca foi adquirido pela N., razão pela qual nunca poderia ter sido vendido, ou então registou um acréscimo de valor inexplicável;
f. Foram verificadas incongruências entre os artigos mencionados nas faturas de aquisição e os que constam das faturas de venda, concluindo-se que se encontram mencionados em faturas de venda timbradas em nome do sujeito passivo N. artigos que não constam mencionados nos stocks, nem nas faturas de aquisição, nem seriam passíveis de ser produzidos com as matérias-primas existentes.
Termos em que se constata a verificação de fortes indícios de que a N. terá utilizado e faturas falsas no ano de 2010 e emitido faturas falsas no ano de 2011, integrando este sujeito passivo no circuito de faturação que permitiu aos seus utilizadores a dedução do IVA mencionado nas faturas timbradas em seu nome. (...)» - fim de transcrição.
Mais tarde, a “N., Lda” foi novamente inspecionada externamente a coberto da Ordem de Serviço n.º OI201200695, pela referida inspetora tributária (A.), que
teve caráter geral para os anos de 2011 e 2012 e da Ordem de Serviço n.º OI201400371, também realizada pela inspetora tributária A., que teve caráter parcial em sede de IRC para o ano de 2010. Nessas ações inspetivas, que ficaram concluídas em 13-116-2014, foram reunidos fortes indícios de que a “N., Lda” terá emitido faturas falsas nos anos de 2011 e 2012. Passamos a transcrever excerto do Relatório de Inspeção Tributária elaborado nessa data:
“(...) Das diligências relatadas nos pontos anteriores do presente Relatório, podemos retirar as seguintes conclusões:
- Das diligências efetuadas e da consulta ao sistema informático da AT, não consta nenhum sujeito passivo a declarar vendas à N. nos anos de 2011 e 2012, podendo concluir-se que esta nunca efetuou qualquer compra de cortiça, de rolhas, ou de qualquer outro produto ou subproduto de cortiça nesses períodos;
- Quanto aos transportes das mercadorias, quando existem guias de remessa e elas estão preenchidas, as matrículas indicadas correspondem a viaturas que nunca poderiam ter realizado tais transportes;
- Relativamente ao pagamento das faturas, a grande maioria foram efetuados através de cheque, que se verificou ter sido levantado à boca de caixa pelo sócio-gerente A., desconhecendo-se o destino dado a esse dinheiro;
- Foram detetadas 98 faturas timbradas em nome da N. nos anos de 2011 e 2012, das 350 por esta requisitadas, emitidas para 13 utilizadores diferentes, ascendendo ao montante de € 1.026.604, 05, acrescido de IVA no valor de € 236.118, 93;
- Estes montantes são referentes aos anos de 2011 e 2012, referindo-se ao período compreendido entre 12-01-2011 e 28-06-2012 (datas da primeira e última facturas localizadas) sendo valores que, para se atingirem, obrigavam à existência de uma estrutura física de f significativa dimensão;
- Analisadas as contas bancárias tituladas pela sociedade, confirmou-se que tal volume de faturação não se encontra nelas refletido, revelando um diminuto movimento já no ano de 2011;
- Ouvido em declarações por diversas vezes nos anos de 2011, 2012 e 2014, o sócio-gerente da N. apresentou um discurso incoerente e contraditório, conforme se resume: - Em 01-04-2011 afirmou que as máquinas da N. se encontravam penhoradas em processo de execução fiscal e a ser utilizadas pela sociedade O xxx Lda (não identificada porá razões de sigilo fiscal), e que o seu objetivo era encerrar a empresa assim que esta pagasse todas as suas dívidas;
- Em 14-02-2012 não reconheceu as faturas timbradas em nome da N. que foram contabilizadas pela firma C xxx Lda (não identificada por razões de sigilo fiscal) no ano de 2010 e no 1º semestre de 2011;
- Em 31-01-2014 declarou que atividade que exerceu em nome desta sociedade desde o ano de 2011 foram esporadicamente negócios de compra e venda de cortiça e seus derivados e que todas as faturas que emitiu foram enviadas para a contabilidade, não reconhecendo mais nenhuma além dessas, como tendo sido por si ou por seu mando emitidas;
- Em 05-05-2014 confirmou não possuir elementos da contabilidade posteriores ao 10 trimestre de 2011 e ter deixado de possuir pessoal ao serviço da empresa a partir do momento em que a sua irmã passou a exercer a atividade que a N. exercia, em nome da sociedade O xxx Lda (não identificada por razões de sigilo fiscal); confrontado com as faturas detetadas e não contabilizadas nem declaradas para efeitos fiscais nos anos de 2011 e 2012, disse que tinham sido por si preenchidas, ou assinadas, tendo identificado algumas pessoas com quem terá negociado nas empresas utilizadoras das mesmas – porém, não conseguiu indicar nenhum fornecedor das mercadorias mencionadas nessas faturas, nem tão pouco justificar o motivo por que os respetivos pagamentos terão sido realizados em numerário ou, quando realizados em cheque, qual o destino dado ao dinheiro que foi sempre levantado à boca de caixa;
11 Em resumo, podemos concluir que todas as faturas timbradas em nome da N. detetadas nos anos de 2011 e 2012 são falsas, pois esta não terá adquirido, produzido ou vendido qualquer produto de cortiça neste período. (...)” Fim de transcrição.
Em face dos factos apurados nestas últimas ações inspetivas, concluíram os serviços de inspeção que a “N., Lda” terá deixado de facto de exercer a atividade de Indústria de Preparação da Cortiça para a qual se encontrava coletada em finais do ano de 2010. Não obstante, foram detetadas faturas emitidas em 2011 e no 1º semestre de 2012, sobre as quais recaem fortes suspeitas de não titularem operações reais.
Verificou-se portanto que, sendo manifesto que não estava a ser exercida qualquer atividade, nem havia intenção de a exercer, razão pela qual, por força do disposto no nº. 2 do artigo 34º do CIVA e no nº. 6 do artigo 8º do CIRC, se procedeu à sua cessação oficiosa para efeitos de IVA e IRC reportada à data de 30 de Junho de 2012, que corresponde à data da última fatura localizada.
Ora, um dos objetivos da manutenção em atividade da “N., Lda.”, sem possuir qualquer estrutura, seja de que tipo for, depois de ter sido substituída pela empresa “O., Lda.” neste negócio (prestação e serviços de fabricação de rolhas de cortiças para a empresa “A., SA”) e da posterior utilização da W. e constituição da M. por parte deste núcleo familiar (ambas, meramente instrumentais), foi precisamente, através da utilização de faturas falsas timbradas em nome destas três sociedades, conseguir obter imposto para deduzir ao IVA liquidado nas referidas prestações de serviços efetuadas, diminuindo assim o imposto a pagar, ou mesmo apurando um crédito de IVA a favor da sociedade “O., Lda” ou, nas demais empresas em nome de quem foram posteriormente emitidas faturas, por uma destas empresas.
III.2.1.2. Elementos recolhidos junto da empresa “A., Lda”
Na contabilidade da empresa “A., Lda” encontram-se relevadas as faturas atrás identificadas e de que se junta fotocópia a este relatório (anexo 4) onde constam os seguintes elementos:
Nº faturaDataArtigoMaterialCalibreQuantidadeUnidadePreço
17001-09-2011Aparaespecial 4040kg€ 0,75
17001-09-2011Aparabroca 3500kg€ 0,58
17214-09-2011serviços prestadoson r, escolher45x243700milheiro€ 9,00
16021-07-2011serviços prestadoslavar, marcar, ensacar360milheiro€ 9,00
18017-11-2011Discos 26 N.147,3milheiro€ 25,00
18017-11-2011Discos 26 N.247,2milheiro€ 17,00
18017-11-2011Discos 26 N.338,5milheiro€ 12,00
17911-11-2011serviços prestadosponçar, topejar, chanfrar e lavar1800milheiro€ 9,00
19007-12-2011serviços prestadosponçar, topejar, chanfrar e lavar2000milheiro€ 9,00
19420-12-2011serviços prestadosponçar, topejar, chanfrar e lavar2050milheiro€ 9,00
18830-11-2011AparaEspecial 3560kg€ 0,85
18830-11-2011AparaBroca 3900kg€ 0,65
Analisando-se o conteúdo dos documentos, encontram-se diversas incongruências:
A) As faturas nº 160, 170, 172 não indicam qual o local e data de carga ou descarga, nem possuem guia de transporte onde constem esses elementos.
B) A data em que as supostas aquisições teriam ocorrido, a empresa “A., Lda” não possuía instalações onde pudesse armazenar quaisquer existências. Apenas em 2013, passaram a ocupar um armazém localizado em Esmoriz e em 2015 mudaram-se para a sua sede atual. Conforme nos foi informado pelos gerentes da “A., Lda”, até essa data dependeram para o exercício da sua atividade do facto de as datas das suas vendas coincidirem aproximadamente, quando não coincidiam totalmente, com as datas das compras das mercadoria, ficando assim essas mercadorias nas instalações dos seus fornecedores até serem carregadas diretamente de lá com destino aos clientes da “A., Lda.”.
Ora, sabendo-se que a “N., Lda” não possuía instalações onde essas mercadorias pudessem estar armazenadas e não as possuindo igualmente a “A., Lda”, deparamo-nos com a impossibilidade de as mercadorias não ocuparem qualquer espaço físico no período que mediaria entre a compra e a venda.
De facto:
. na fatura nº 170 titula-se a suposta compra de 7.540 kg de apara em 1 de setembro de 2011, sendo que o sujeito passivo apenas efetuou vendas de apara após essa data em 21 de outubro de 2011.
. na fatura nº 180 titula-se a suposta compra de 133.000 discos de cortiça em 17 de novembro de 2011, sendo que o sujeito passivo apenas efetuou vendas de discos após essa data em 14 de dezembro de 2011. Nesta fatura indica-se que as mercadorias teriam sido carregadas em Lourosa (onde a “N., Lda” já não possuía instalações) e descarregadas em Cortegaça (onde a “A., Lda” não possuía instalações, mas apenas a residência particular do seu gerente que coincidia ao tempo com a sede da empresa).
. na fatura nº 188 titula-se a suposta compra de 7.460 kg de apara em 30 de novembro de 2011, sendo que o sujeito passivo apenas efetuou vendas de apara após essa data em 19 de dezembro de 2011.
C) Nas faturas nº 179 e 180, e nas guias transporte nº 507 e 515, referentes respetivamente às faturas nº 190 e 194 indica-se como tendo sido usado no transporte a viatura com a matrícula XX-XX-XX. Ora, essa viatura trata-se dum veículo ligeiro de passageiros, da marca Nissan Sunny, com matrícula cancelada desde maio de 2008 (anexo 5). Ora, nunca poderia tal viatura ter efetuado os supostos transportes de 1.800.000 rolhas, 133.000 discos, 2.000.000 rolhas e 2.050.000 rolhas
mencionados nas referidas faturas e guias de transporte.
D) A fatura nº 172 refere serviços prestados executados em 3.700.000 rolhas de calibre 45x24 à data de 14 de setembro de 2011. Ora, tendo os supostos serviços nas referidas rolhas sido concluídos nessa data, seria de esperar que entre essa data e o final do ano o sujeito passivo ou vendesse as referidas rolhas, ou que as mesmas constassem do seu inventário final. No entanto, até ao final do ano de 2011 o sujeito passivo apenas efetuou vendas de 1.745.000 rolhas desse calibre (faturas de venda 267, 309 e 310).
Seria assim de esperar que à data de 2012-12-31 estivessem em stock, pelo menos, 1.955.000 rolhas de calibre 45x24. No entanto, no inventário final desse ano não consta qualquer quantidade de rolhas desse calibre (anexo 6).
Refira-se ainda que 505.000 das rolhas desse calibre vendidas entre setembro e dezembro de 2011 foram adquiridas apenas em 23 de dezembro de 2011 (fatura nº 1526 de “A., S.A.”), ou seja, à data em que os supostos serviços teriam sido prestados não estariam na posse da “A., Lda”, pelo que a discrepância é ainda maior.
E) Além da já referida fatura nº 172, também as faturas nº 160, 179, 190 e 194 indicam a suposta prestação de serviços por parte da “N., Lda” à “A., Lda” no tratamento e preparação das rolhas para venda. No entanto, conforme já referido no presente relatório, a “N., Lda” não tinha à data meios para poder desenvolver essas tarefas. Não possuía empregados, máquinas, ou sequer instalações onde as pudesse levar a cabo.
F) As faturas timbradas em nome da “N., Lda” encontradas na contabilidade da empresa “A., Lda” no ano de 2011 pertencem todas a um livro requisitado em 28 de julho de 2011 na gráfica “G., Lda”, localizada na Rua (…). Ora, a fatura nº 160 foi emitida com data de 21 de julho de 2011, ou seja, com data anterior à da própria aquisição do referido livro de faturas.
G) Tendo-se procedido à análise sequencial da faturação já detetada emitida pela “N., Lda” comparativamente com a data inscrita nas mesmas, verifica-se a existência de diversas anomalias, conforme melhor se compreenderá analisando o mapa abaixo:
DataFaturaCliente
21-07-2011160N., Lda
22-11-2011169(omitido devido ao sigilo fiscal)
01-09-2011170N., Lda
14-09-2011172N., Lda
16-09-2011173(omitido devido ao sigilo fiscal)
19-12-2011174(omitido devido ao sigilo fiscal)
05-12-2011175(omitido devido ao sigilo fiscal)
21-10-2011176(omitido devido ao sigilo fiscal)
11-11-2011179N., Lda
17-11-2011180N., Lda
02-11-2011181(omitido devido ao sigilo fiscal)
30-11-2011188N., Lda
07-12-2011190N., Lda
20-12-2011194N., Lda
a fatura nº 169 foi recolhida noutro utilizador das faturas da N., Lda', tendo sido emitida com data posterior à das faturas nº 170, 172, 179 e 180 (todas recolhidas na “A., Lda”) e das faturas nº 173 e 181 recolhidas noutros utilizadores;
a fatura nº 174, recolhida noutro utilizador das faturas da “N., Lda”, foi emitida com data posterior à das faturas nº 179, 180, 188 e 190 (todas recolhidas na “A., Lda”) e das faturas nº 175 e 181 recolhidas noutros utilizadores.
a fatura nº 175, recolhida noutro utilizador das faturas da “N., Lda”, foi emitida com data posterior à das faturas nº 179, 180 e 188 (todas recolhidas na “A., Lda”) e das faturas nº 175 e 181 recolhidas noutros utilizadores.
Esta é uma situação típica e recorrente no caso das faturas falsas, onde a sequência numérica é respeitada quando analisado cada utilizador individualmente, mas quando é feita uma análise global, conclui-se pela mais completa confusão, pois o emitente acaba por perder a noção das datas das faturas emitidas.
Refira-se ainda que, à data do presente relatório, se desconhece ainda o destino de muitas das faturas supostamente emitidas pela “N., Lda” para outras empresas, pelo que as incoerências quanto às datas de emissão poderão ainda ser maiores.
H). Quanto aos pagamentos, conforme tinha já sido apurado aquando da inspeção à empresa “N., Lda”, os mesmos encontram-se titulados por cheques que foram levantados ao balcão pelo gerente dessa sociedade, desconhecendo-se o destino dado depois a esse dinheiro, sendo no entanto certo que não terá entrado em contas bancárias da mesma.
No entanto, há ainda outros factos anómalos detetados quanto aos referidos pagamentos na contabilidade da empresa “A., Lda”.
Da pasta nº 6, contendo documentos da contabilidade da empresa “A., Lda” referentes ao ano de 2011, foram apreendidos os recibos nº 179, 180, 190 e 194, titulando supostamente os seguintes pagamentos:
- recibo nº 179-€ 19.926,00, em 2011-11-11
- recibo nº 180 - € 3.009,68, em 2011-11-17 recibo nº 190 - € 22.140,00, em 2011-12-07 - recibo nº 194 - € 22.693,50, em 2011-12-20.
Apesar de se encontrarem arquivados na referida pasta, os referidos recibos não se encontram lançados na contabilidade da empresa “A., Lda”.
Analisando a conta corrente da empresa “N., Lda” na contabilidade da “A., Lda”, verifica-se aliás que não só os supostos pagamentos não estão relevados, como transita para períodos seguintes o saldo de € 100.899,53.
Ora, não tendo à data dos referidos recibos a “A., Lda” procedido ainda ao pagamento dos valores neles mencionados, fica por explicar a razão pela qual foram os mesmos emitidos com essa data e não com a data em que esses pagamentos teriam supostamente ocorrido. Mais uma vez, trata-se duma situação típica no caso das faturas falsas, em que os recibos são emitidos com a mesma data em que as faturas que lhes correspondem, não ocorrendo nessas datas qualquer movimento financeiro.
III.2.1.3. Conclusão
A empresa “N., Lda” não desenvolve desde 2010, qualquer atividade ligada ao setor corticeiro, não possuindo tão pouco estrutura empresarial para desenvolver essa atividade.
No decurso da reunião ocorrida em 2015-10-28, estando presentes os dois gerentes da empresa, M. e J., bem como o signatário deste relatório e ainda o inspetor A., admitiram os gerentes da empresa desconhecer as instalações da “N., Lda”. Acrescente-se que, nessa mesma reunião, foi inicialmente referido pelo gerente J. que os serviços faturados pela N. tinham incidido sobre rolhas vendidas à A. pela própria N., isto é, estaria a ser debitado nas faturas em causa não só os serviços aí aludidos, como também as próprias rolhas. Alertado que o descritivo das faturas e respetivos valores apontavam para que estivesse a ser debitado, não as rolhas mas apenas os serviços, o referido gerente alterou a sua resposta, reconhecendo estar em causa apenas serviços. Todavia, e apesar de convidado a apresentar tais documentos, não foram apresentados os documentos de transporte que acompanharam as rolhas: das instalações do produtor das rolhas (não se sabe quem), para as instalações da N. para serem prestados tais serviços (não se sabe onde), para o regresso às instalações do produtor das rolhas para contar e embalar (não se sabe quem) e, por fim, para o cliente da A. (não se sabe qual).
Detetam-se claras incongruências entre as compras que a empresa “A., Lda” declara ter efetuado a essa empresa e as vendas e existências finais por si declaradas, bem como incongruências quanto ao transporte, armazenamento, locais de carga e descarga e a própria numeração sequencial das faturas.
Apuram-se ainda divergências entre as datas com que foram emitidos os recibos relativos aos supostos pagamentos das faturas e as datas em que esses pagamentos teriam supostamente ocorrido. A “N., Lda” encontra-se -já indiciada em diversos processos como emitente de faturas falsas e o seu gerente, A., em outros mais em nome doutras empresas.
Todos estes elementos permitem concluir que as faturas timbradas em nome de “N., Lda” relevadas na contabilidade da empresa “A., Lda” são falsas, não consubstanciando qualquer efetiva transação comercial ocorrida entre esses intervenientes.
III.2.2. Faturas timbradas em nome de “C., Lda”, NIF (...)
III.2.2.1. Elementos recolhidos junto do emitente
A empresa “C., Lda” esteve coletada pelo exercício da atividade de “comércio por grosso de cortiça em bruto”, CAE 46213, entre 2005-01-24 e 2013-03-31.
Essa empresa foi inspecionada pelo IT J., em serviço na D.F. Aveiro, no cumprimento das Ordens de Serviço 01200900782 e 01201100125 e pelo signatário deste relatório no cumprimento da ordem e serviço 01201102763.
No cumprimento dessas ordens de serviço apurou-se que essa empresa terá utilizado faturas falsas nos anos de 2007, 2008, 2009, 2010 e 2011.
Tendo a Ordem de Serviço 01201100125 sido cumprida precisamente no decurso do ano de 2011, apurou-se que nesse período o sujeito passivo não possuía quaisquer instalações ou outros ativos fixos tangíveis, ou empregados afetos ao exercício da atividade pela qual estava coletado.
No local da sua sede, Rua (…), apurou-se apenas existir uma residência particular, onde morava a sua mãe, sendo inexistentes no local quaisquer indícios do exercício de qualquer atividade comercial ou industrial ligada ao setor corticeiro ou a outro.
O próprio gerente da empresa, ouvido no cumprimento das ordens de serviço atrás identificadas, referiu que à data apenas efetuava alguns pequenos negócios de compra e venda de apara.
Certo é que em 2011 a empresa “C., Lda” não possuía instalações, máquinas, viaturas ou empregados que lhe permitissem realizar qualquer atividade industrial ou sequer o armazenamento de mercadorias.
III.2.2.2. Elementos recolhidos na empresa “A., Lda”
Na contabilidade da empresa “A., Lda” encontram-se relevadas as faturas atrás identificadas e de que se junta fotocópia a este relatório (anexo 7) onde constam os seguintes elementos:
Nº faturaDataArtigoMaterialCalibreQuantidadeUnidadePreço
ponçar, topejar
44904-07-2011serviços prestadose escolher45x243000milheiro€ 7,50
ponçar, topejar,
45527-10-2011serviços prestadoschanfrar e lavar600milheiro€ 9,00
Analisando-se o conteúdo dos documentos, encontram-se diversas incongruências:
A) A fatura nº 449 refere a suposta prestação de serviços de topejar, chanfrar e lavar 600.000 rolhas, que teriam sido transportadas em 25 de outubro de 2011 entre Paços de Brandão e Lourosa.
Nem a empresa “C., Lda”, nem a empresa “A., Lda” possuem quaisquer instalações em Paços de Brandão ou Lourosa.
B) A fatura nº 449 refere a prestação de serviços de ponçar, topejar e escolher 3.000.000 rolhas de calibre 45x24, que teriam sido transportadas metade em 4 de maio de 2011 entre Lamas e Cortegaça e a outra metade em 30 de junho de 2011 entre Lourosa e Cortegaça.
Conforme referido, nenhuma das empresas possui ou possuiu instalações em Lourosa e em Cortegaça a empresa “A.” apenas possuía a sede que coincidia com a residência particular dos gerentes da sociedade, sem qualquer capacidade para o armazenamento de tamanha quantidade de rolhas.
C) Ainda em relação à fatura nº 449, a mesma refere a prestação de serviços executados em 3.000.000 rolhas de calibre 45x24.
À semelhança do referido quanto à fatura nº 172 da empresa “N., Lda”, seria de esperar que entre essa data e o final do ano o sujeito passivo ou vendesse as referidas rolhas, ou que as mesmas constassem do seu inventário final. No entanto, até ao final do ano de 2011 o sujeito passivo apenas efetuou vendas de 1.745.000 rolhas desse calibre (faturas de venda 267, 309 e 310).
Seria assim de esperar que à data de 2012-12-31 estivessem em stock, pelo menos, 1.255.00 rolhas de calibre 45x24. No entanto, no inventário final desse ano não consta qualquer quantidade de rolhas desse calibre (anexo 6).
Refira-se ainda que 505.000 das rolhas desse calibre vendidas entre setembro e dezembro de 2011 foram adquiridas apenas em 23 de dezembro de 2011 (fatura nº 1526 de “A., S.A.”), ou seja, à data em que os supostos serviços teriam sido prestados não estariam na posse da “A., Lda”, pelo que a discrepância é ainda maior.
D) As rolhas 45x24 mencionadas na fatura nº 449 teriam sido transportadas em duas viagens pela viatura com a matrícula XX-XX-XX.
Ora, essa viatura corresponde a um comercial da marca Nissan, modelo Cabstar (anexo 8). Conforme dados recolhidos junto dum concessionário da marca e tal como fotocópia que se junta contendo as características e capacidade de carga desse modelo, essa viatura tem uma capacidade de carga máxima de 1.830 kg.
Quanto à área de carga propriamente dita, as dimensões da mesma são 4,961 metros de comprimento e 2,25 metros de largura.
O peso de 1.500.000 rolhas de calibre 45x24 é de 4.883 kg (cálculo efetuado recorrendo a dados do Manual Técnico das Rolhas da APCOR, conforme demonstrado no anexo 9).
Ou seja, a viatura teria em duas ocasiões transportado quase o triplo da sua capacidade máxima de carga (em termos de peso).
Quando se calcula a área ocupada pelos referidos 1.500.000 de rolhas 45x24, a incapacidade dessa viatura para transportar as referidas rolhas ainda se revela maior.
Conforme descrito, a área máxima de carga do modelo Nissan Cabstar é de 4,961 metros de comprimento por 2,25 metros de largura. A área de carga é assim de 11,16 m2 (isto é: 4,961 x
2,25).
Ora, tendo sido calculado, conforme demonstrado no anexo 9 o volume de 1.500.000 rolhas de calibre 45x24, apurando-se que o mesmo é de 61,04m3, isso significa que, se fosse possível colocar irrepreensivelmente arrumadas 1.500.000 de rolhas 45x24, sem espaço nenhum entre elas, completamente compactadas, sem qualquer perda, a referida carga, colocada no referido espaço de 11,16m2 atingiria uma altura de 5,46 metros (ou seja: 61,04 m3 / 11,16 m2), acima da base da caixa de carga da viatura. Claramente irreal.
Note-se que este cálculo assume que seria possível acomodar perfeitamente os 1.500.000 de rolhas calibre 45x24 sem qualquer espaço entre elas, o que é claramente impossível tratando-se de corpos cilíndricos, pelo que a altura supostamente atingida pela referida carga seria ainda maior.
III.2.2.3. Conclusões
A empresa “C., Lda” no ano de 2011 não tinha instalações conhecidas, empregados, viaturas ou quaisquer máquinas a partir das quais pudesse realizar qualquer prestação de serviços.
No decurso da reunião ocorrida em 2015-10-28, estando presentes os dois gerentes da empresa M. e J., bem como o signatário deste relatório e ainda o inspetor A., o gerente J. afirmou que tinha visitado as instalações da empresa “C., Lda”, que eram enormes, mas não foi capaz de fornecer uma localização das mesmas a fim de que essa afirmação pudesse ser verificada.
Detetam-se claras incongruências entre as compras que a empresa “A., Lda” declare ter efetuado a essa empresa e as vendas e existências finais por si declaradas, bem como incongruências quanto ao transporte, armazenamento, locais de carga e descarga.
A empresa “C., Lda” encontra-se já indiciada pela prática do crime de fraude fiscal qualificada nos anos de 2008, 2009, 2010 e 2011, havendo ainda suspeitas de que o seu gerente terá angariado outros emitentes de faturas falsas.
Todos estes elementos permitem concluir que as faturas timbradas em nome de “C., Lda” relevadas na contabilidade da empresa “A., Lda” são falsas, não consubstanciando qualquer efetiva transação comercial ocorrida entre esses intervenientes.
III.3. CORREÇÕES EFETUADAS EM SEDE DE IVA
(...)
III.4. CORREÇÕES À MATÉRIA TRIBUTÁVEL EM SEDE DE IRC
Nos termos do nº 1, do artigo 23º do Código do IRC, com a redação em vigor à data dos factos, «consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora».
Por seu turno, o nº 2, desse mesmo artigo (atualmente corresponde à alínea d), do nº 1, do artigo 23º-A) define que «não são aceites como gastos as despesas ilícitas, designadamente as que decorram de comportamentos que fundamentadamente indiciem a violação da legislação penal portuguesa, mesmo que ocorridos fora do alcance territorial da sua aplicação».
Nesses termos, pelos factos relatados no presente relatório, não podem servir como suporte dos gastos do exercício de 2011 as faturas timbradas em nome dos emitentes identificados nos capítulos III.2.1. e III.2.2. deste relatório em virtude de se tratar de documentos que não titulam a realização de operações efetivamente realizadas entre a empresa “A., Lda” e aqueles contribuintes, conforme apurado nas inspeções realizadas.
Foi por esse motivo remetida notificação ao sujeito passivo, dando conta da existência de elementos que levam a concluir que as faturas atrás indicadas não correspondem a efetivas transações comerciais, solicitando-lhe assim, que identificasse quais os reais fornecedores dos bens referidos nessas mesmas faturas, remetendo os necessários meios de prova, a fim de que pudessem ser quantificados e considerados esses gastos para efeitos de apuramento do lucro tributável dos anos em causa, caso tivessem de facto ocorrido (anexo 10).
Na sequência dessa notificação, o sujeito passivo remeteu à D.F. Aveiro o documento cuja fotocópia se junta (anexo 11), onde apenas reitera que as faturas identificadas como falsas correspondem a transações efetivas, nada mais acrescentando.
Analisando então o caso em apreço, há que referir que, conforme consta do Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, de 2010-03-11, processo 02794/04 – Viseu, resultando a correção à matéria tributável declarada a não consideração como gastos do exercício os mencionados em faturas que a Administração Tributária indicia como não correspondendo a operações reais «compete à AT fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação no sentido da correcção do lucro tributável (ou seja, de demonstrar os “factos-índice” - indícios objectivos e credíveis – que conjugados uns com os outros e apreciados à luz das regras da experiência, lhe permitiram concluir que às facturas em causa não correspondem operações reais), competindo depois ao contribuinte o ónus da prova da existência dos factos que alegou como fundamento do seu direito de ver tais montantes relevados negativamente no rendimento tributável». Conforme consta ainda do Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, de 2004-07-01, processo 00010/04, «1 – Num caso em que a liquidação teve como fundamento o facto da Administração Fiscal não ter aceite como custo os gastos titulados por facturas que a Administração Fiscal, face aos elementos do processo, considera falsas, basta-lhe fazer prova que se constatam elementos objectivos e credíveis que legitima a correcção, cabendo ao contribuinte o Ónus de provar a existência dos factos tributários que elas titulavam; II– Numa situação destas não basta ao contribuinte lançar a dúvida sobre tal existência».
Em conclusão, os referidos documentos não podem servir como suporte de gastos fiscalmente dedutíveis em sede de IRC no exercício de 2011.
Ora, é inegável que todos os factos recolhidos no decorrer desta inspeção e das inspeções aos contribuintes em nome de quem foram emitidas as referidas faturas apontam para que não foram aqueles concretos sujeitos passivos quem terá vendido mercadorias à empresa “A., Lda”.
Foi ainda demonstrado que a própria “A., Lda” não tinha tão pouco necessidade de adquirir grande parte das mercadorias que declarou ter obtido junto desses emitentes de faturas falsas.
Competia à empresa, nos termos da lei e da jurisprudência já referida, fazer prova não apenas da necessidade da indispensabilidade da sua ocorrência nos termos do nº 1, do artigo 23º do Código do IRC, mas também documentar devidamente esses encargos, algo a que o sujeito passivo se furtou, acabando por pactuar com quem à margem da lei efetua vendas sem também cumprir com os preceitos legais e praticando concorrência desleal para com os contribuintes cumpridores, impossibilitando-os de competir no mercado nas mesmas condições que esses incumpridores.
De facto, conforme já referido, o nº 2, do artigo 23º do Código do IRC define que «não são aceites como gastos as despesas ilícitas, designadamente as que decorram de comportamentos que fundamentadamente indiciem a violação da legislação penal portuguesa, mesmo que ocorridos fora do alcance territorial da sua aplicação», razão pela qual os valores titulados pelas faturas referidas neste relatório terão de ser desconsiderados.
O contribuinte não apresentou outros documentos que permitissem provar a realização das aquisições tituladas nessas faturas, fazendo a prova de quem teriam sido os verdadeiros vendedores.
Tal como se encontra definido na alínea g), do nº 1, do artigo 45º do Código do IRC, com a redação em vigor à data dos factos (corresponde à alínea b), do nº 1, do artigo 23º-A na atual redação do Código), «1 – Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação: ... g) Os encargos não devidamente documentados».
Além disso, o nº 1, do artigo 88º do Código do IRC define ainda que «As despesas não documentadas são tributadas autonomamente à taxa de 50%, sem prejuízo da sua não consideração como gastos nos termos do artigo 23º»
Ou seja, para que os gastos sejam fiscalmente considerados, não basta que relativamente a esses encargos se faça a evidência de serem comprovadamente indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nos termos do artigo 23º do Código do IRC, mas também que os mesmos sejam devidamente documentados.
Conforme é referido em artigo assinado por J. L. Saldanha Sanches (Revista de Fiscalidade nº 2, de Abril de 2000) a respeito da decisão do Supremo Tribunal Administrativo, de 1999-10-27 (recurso nº 23768), «se o custo não está documentado, devendo estar documentado, tal custo não pode ser considerado mesmo quando não haja dúvidas sobre a sua efectiva verificação», não havendo tão pouco lugar à sua estimativa com recurso a métodos indiretos.
Face ao exposto, foram efetuadas as seguintes correções ao resultado fiscal declarado pelo sujeito passivo em sede de IRC, no exercício de 2011:
Exercício2011
Resultado declarado€ 77.115,42
Correções aos custos€ 130.157,90
Resultado corrigido€ 207.273,32
Pela consideração indevida dos mencionados encargos na sua contabilidade e consequente relevação dos mesmos na declaração modelo 22 de IRC entregue com referência ao exercício de 2011, o sujeito passivo infringiu o nº2, do artigo 23º do Código do IRC, incorrendo por esse facto na prática do crime de fraude fiscal qualificada, conforme atrás definido no capítulo III.1. deste relatório.
Sendo a vantagem patrimonial por período de imposto superior a €15.000, a referida infração é punível nos termos do nº 2, do artigo 104º do RGITA.
(...) IX.2. ABORDAGEM À RESPOSTA DO SUJEITO PASSIVO
Tendo o documento pelo qual o sujeito passivo exerce o seu direito de audição sido analisado, cumpre-nos informar o seguinte:
Parágrafos 1 a 4
São formulados diversos princípios e normas legais, apenas nos competindo afirmar que concordamos com os mesmos e sempre agimos em respeito pelos mesmos.
Parágrafo 5
Afirma o signatário do direito de audição que relativamente à empresa “A., Lda” nada resulta em concreto do projeto de relatório a esta empresa enviado.
Ora, tal afirmação apenas pode ser entendida num contexto em que não tenha sido feita uma atenta leitura desse mesmo projeto de relatório, pois são abundantes os factos lá constantes, entre os quais, resumidamente:
A) Quanto às supostas aquisições a N., Lda
a falta de menção da data, local de carga e descarga dalgumas faturas e a ausência de documento de transporte com menção desses elementos;
- noutros documentos é indicado como tendo sido usado no transporte uma viatura sem capacidade para tal;
- a falta de instalações quer do emitente, quer da “A., Lda” para armazenar as mercadorias que declara ter adquirido;
- a ausência de qualquer evidência quanto aos serviços prestados da saída das mercadorias da Posse da “A.”, a ausência de qualquer indicação sobre para onde foram carregados e quando, a ausência de para onde foram as rolhas sobre as quais teriam sido prestados serviços após o seu retorno, sendo certo que a “A., Lda” não possuía instalações capazes para o efeito;
a discrepância entre as datas dos cheques que supostamente teriam servido para pagar compras à empresa “N., Lda” e a data mencionada nos recibos timbrados em nome dessa empresa.
Quanto às supostas compras à empresa “C., Lda”
-a ausência de instalações da emitente e da “A., Lda” onde pudessem ter sido prestados os serviços mencionados nas faturas;
-a falta de instalações da “A., Lda” para armazenar as rolhas;
-a ausência de qualquer evidência quanto aos serviços prestados da saída das mercadorias da passe da “A.”, a ausência de qualquer indicação sobre para onde foram carregados e quando, a ausência de para onde foram as rolhas sobre as quais teriam sido prestados serviços após o seu retorno, sendo certo que a “A., Lda” não possuía instalações capazes para o
efeito;
-a incapacidade das viaturas mencionadas fazerem os referidos transportes.
Parágrafos 6 a 9
O signatário do direito de audição descreve o teor das faturas timbradas em nome de “N., Lda” e “C., Lda”.
As descrições correspondem ao que de facto consta das faturas.
Parágrafo 10
Afirma o signatário do direito de audição que o gerente da “A., Lda”, J., em relação ao emitente “C., Lda” afirmou sem margem para dúvidas que as instalações dessa empresa eram enormes, entrando isso em contradição com o que é afirmado no projeto de relatório, no início da página 20.
Ora, tal afirmação não corresponde à verdade. De facto, não são conhecidas quaisquer instalações à empresa “C., Lda” no período em que supostamente teria prestado serviços à empresa “A., Lda”.
O gerente J. afirmou ter visitado as instalações da empresa “C., Lda” e que eram enormes, mas foi incapaz de fornecer a localização das mesmas. O facto de ter afirmado que não eram pequenas, não eram médias, nem sequer apenas grandes, mas sim “enormes” ainda mais inexplicável torna perceber como poderia ter esquecido a localização das mesmas.
E no período que mediou entre a data em que proferiu essa afirmação até à data em que remeteu o direito de audição, a sua memória parece não ter sido avivada.
Parágrafo 11
Afirma o signatário do direito de audição que não foi fundamentada a conclusão de que o gerente da empresa “C., Lda” teria angariado outros emitentes, nomeadamente por não se terem indicado quais.
Ora, devido ao sigilo fiscal a que estamos obrigados, nunca tais emitentes poderiam ter sido nomeados, a não ser que tivessem qualquer relação pessoal ou comercial com a empresa “A., Lda”.
No entanto, essa factualidade consta dos relatórios de inspeção realizados a outras empresas e dos respetivos autos remetidos ao tribunal.
Além do mais, se esclarece, que a menção a essa posição enquanto angariador doutros emitentes de faturas falsas por parte do gerente da empresa “C., Lda” se destinou a caraterizar o mesmo, não tendo servido como fundamento para as correções efetuadas na “A., Lda”, uma vez que no caso presente se trata de faturas do próprio emitente, “C., Lda”.
Parágrafos 12 e 13
Afirma o signatário do direito de audição que há uma irregular fundamentação quanto aos factos por não ter sido junto ao processo o relatório relativo à inspeção realizada da empresa “N., Lda”.
Ora, tal não corresponde à verdade, pois sendo certo que, à luz da simples racionalidade do direito ao sigilo fiscal, o referido relatório da inspeção à empresa “N., Lda” nunca poderia ser remetido como anexo ao relatório referente à inspeção à empresa “A., Lda” e vice-versa, ainda assim foi claramente identificada a inspeção realizada, foram vertidos no relatório os factos relevantes apurados nessa inspeção e indicando ainda o autor desse relatório, a fim de produzir a prova testemunhal, se necessária.
Parágrafo 14
Afirma o signatário do direito de audição que foram emitidos cheques para pagamento das supostas aquisições à empresa “C., Lda” e que esses cheques foram descontados da conta da empresa “A., Lda”
Há que referir que comprovando-se a saída do dinheiro da conta bancária da “A., Lda”, não fica provada a entrada desse dinheiro nas contas da empresa “C., Lda”, sendo que na contabilidade dessa empresa não consta o recebimento de qualquer valor pago pela A., Lda”.
Note-se ainda que com referência a este emitente o signatário do direito de audição optou por não se pronunciar acerca das demais incoerências demonstradas, como as que se referem aos supostos transportes, ou as datas de entrada e saída das mercadorias da empresa, ou a falta de capacidade quer da “A.” quer da “C.” para armazenar as referidas mercadorias.
Parágrafos 15 e 16
Afirma o signatário do direito de audição que em relação à empresa “N., Lda” foram emitidos cheques no valor de € 24.877,68, ficando um saldo em aberto no final de 2011 no valor de € 109.703,70 e que se os cheques foram levantados ao balcão essa é uma situação que nada tem a ver com a empresa “A., Lda”.
Ficou no entanto por explicar porque razão a empresa tem nas suas pastas de contabilidade recibos emitidos na totalidade do valor das faturas, com data muito anterior ao suposto pagamento acontecer.
Além do mais, novamente se esclarece que comprovando-se a saída do dinheiro da conta bancária da “A., Lda”, não fica provada a entrada desse dinheiro nas contas da empresa “N., Lda”, sendo que na contabilidade dessa empresa não consta o recebimento dos referidos valores.
Em boa verdade, os alegados pagamentos ao fornecedor em causa constituem, apenas e só, mais um elemento ficcionado para tentar iludir a ação da inspeção tributária. De facto, importa a este respeito fazer uma alusão ao Acórdão n.º 03276/09.4BEPRT de 26-02-2015 do TCAN, onde é referido:
«3. Pela própria natureza da operação, «tenta-se» sempre que a aparência documental se aproxime o mais possível da que existe nas operações reais. Por isso, não faltam no «universo das facturas falsas„ os respectivos «contratos» nem as facturas preenchidas com todos (ou quase) os elementos que a lei exige (art.º 36º do CIVA). No mesmo contexto, emitem-se recibos, cheques (normalmente, mas nem sempre, descontados ao balcão) etc. para que toda a «aparência» com as operações reais seja mantida e os objectivos tributários visados não sejam defraudados.
4. Escudado nesta «aparência» e «confortado» com a presunção de verdade e boa fé das declarações apresentadas nos termos da lei (art. 75º/1 LGT), o utilizador defende a sua posição com todos os argumentos que as aparências potenciam»
Note-se ainda que com referência a este emitente o signatário do direito de audição optou por não se pronunciar acerca das demais incoerências demonstradas, como as que se referem aos supostos transportes, ou as datas de entrada e saída das mercadorias da empresa, ou a falta de capacidade quer da “A.” quer da “N.” para armazenar as referidas mercadorias.
Parágrafo 17
Afirma o signatário do direito de audição que sendo a inspeção feita no final de 2015, incidindo sobre faturas de 2011, a Inspeção Tributária não pode concluir pela falsidade dessas faturas, pois não sabe se os cheques que foram levantados ao balcão foram posteriormente entregues a determinada pessoa ou não.
Há que referir que no âmbito da inspeção fiscal e económica a investigação dos factos acontece sempre a posteriori e nunca no momento em que os factos ocorrem. Esse facto não é, nem poderia alguma vez ser, motivo para negar a possibilidade desses factos serem investigados e punidas as infrações detetadas.
Além do mais, volta-se a relembrar que não foi apenas a forma de pagamento que serviu de fundamento para a atuação da Inspeção Tributária, conforme consta do projeto de relatório enviado ao contribuinte, sendo que o signatário do direito de audição, deliberadamente, opta por omitir qualquer consideração sobre os restantes factos.
Parágrafos 18 a 32
Afirma o signatário do direito de audição que a Inspeção Tributária considerou que o IVA liquidado nas faturas emitidas pelos fornecedores em causa foi indevidamente deduzido sem qualquer fundamento, nada se apurando através dos documentos ou outros elementos respeitantes à empresa.
Afirma que as considerações tecidas no projeto de relatório são meras conclusões pessoais do autor do mesmo, não contendo qualquer fundamentação de facto e de direito e que nos termos do nº 1, do artigo 74º da LGT se estabelece que a prova dos factos constitutivos cabe a quem os invoque e que a preterição dessa fundamentação é motivo para a impugnação.
Afirma que a Inspeção Tributária apenas alega ter reunido indícios de que as faturas em causa são falsas e que compete à Inspeção tributária fazer a prova de que o sujeito passivo não comprou nem vendeu as mercadorias a que se referem as faturas, não contendo o projeto de relatório nenhuma prova da alegada simulação.
Essas afirmações proferidas pelo signatário do direito de audição não correspondem à verdade, antes constando do capítulo III.2 (e respetivos subcapítulos) toda a fundamentação de facto e de direito que legitima a atuação da Inspeção Tributaria no caso presente.
No projeto de relatório foram apontados diversos factos que permitem concluir pela falsidade das faturas, isto é, que aquelas concretas operações, tituladas naquelas faturas, não ocorreram de facto entre os concretos intervenientes nelas indicados.
Quanto à suficiência da prova apresentada, voltamos a transcrever parte do Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, de 2010-03-11, processo 02794/04 – Viseu: «compete à AT fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação no sentido da correcção do lucro tributável (ou seja, de demonstrar os “factos-índice” – indícios objectivos e credíveis – que conjugados uns com os outros e apreciados à luz das regras da experiência, lhe permitiram concluir que às facturas em causa não correspondem operações reais), competindo depois ao contribuinte o ónus da prova da existência dos factos que alegou como fundamento do seu direito de ver tais montantes relevados negativamente no rendimento tributável».
Ora, a prova por parte da Inspeção Tributária foi feita, faltando no entanto o contribuinte fazer a prova que lhe compete a si.
Aliás, em acrescento ao citado nº 1, do artigo 74º da LGT que o signatário do direito de audição menciona, o mesmo é diretamente aplicável à afirmação que o gerente da empresa J. fez relativamente às supostas instalações da “C., Lda” que afirma ter visitado e que foi novamente referido no parágrafo 10 do direito de audição.
Parágrafo 33 a 40
O signatário do direito de audição contesta ainda as correções efetuadas em sede de IRC, afirmando que as mesmas não se baseiam em factos concretos e que no quadro da página 4 do projeto de relatório se admite que a escrita da sociedade reflete o resultado efetivamente obtido. Afirma ainda que se a Inspeção tributária aceita o valor das vendas declaradas, não pode dispensar a presunção de custos incorridos, sendo que a Inspeção Tributária se limita a desqualificar os custos, não explicando a razão pela qual essas faturas são dispensáveis à formação dos proveitos. Afirma ainda que a correção efetuada se traduz num desvio superior ao declarado superior a 30%, o que a lei não permite, nos termos da alínea c), do nº 1, do artigo 87º da LGT.
Não corresponde à verdade que as correções efetuadas em sede de IRC não se baseiam em factos concretos, pois os mesmos foram já devidamente descritos ao longo do presente relatório. Não corresponde igualmente à verdade que na página 4 do projeto de relatório se teça qualquer consideração quanto aos resultados declarados pela empresa “A.” em sede de IRC. Uma simples leitura atenta permite perceber que nesse capítulo se descreve os valores declarados,
sem juízo de valor quanto a eles.
Não se compreende a afirmação do contribuinte sobre não ter sido demonstrada a dispensabilidade das compras tituladas pelas faturas consideradas como falsas, pois essa demonstração encontra-se patente no relatório nas páginas 12 a 16 no caso da “N., Lda” e nas páginas 18 a 20 no caso da “C., Lda”.
De facto, os elementos apurados permitem concluir que aquelas concretas transações, naquelas concretas datas, naqueles concretos valores, entre aqueles concretos intervenientes não ocorreram.
A afirmação de que a lei não permite desvios superiores ao declarado em 30%, nos termos da alínea c), do nº 1, do artigo 87º da LGT não corresponde à verdade e deriva apenas duma errada interpretação da lei por parte do signatário do direito de audição, pois o referido artigo consagra o direito da Administração Fiscal recorrer à avaliação indireta no caso dos referidos desvios existirem. Note-se que se trata dum direito da Administração Fiscal e não duma obrigação.
Além disso, essa aplicação está ainda sujeita a diversos outros condicionantes expressos na lei, que não existem no caso presente e, acima de tudo, em caso nenhum afirma não permitir desvios nas percentagens atrás referidas.
Parágrafo 41
Refere o signatário do direito de audição que a jurisprudência referida na página 22 e 24 do relatório se refere a factos anteriores a 1 de janeiro de 1999, não será de manter no presente, após a vigência da Lei Geral Tributária.
O signatário do direito de audição não indica qualquer suporte para essa sua afirmação, pelo que a mesma não está de facto fundamentada (a afirmação do signatário do direito de audição), não se vislumbrando igualmente na Lei suporte para que tal pretensão possa ser aceite.
Aliás, todas as disposições legais referidas são contemporâneas aos factos apurados na inspeção à empresa “A., Lda”, nomeadamente os artigos do Código do IRC e de IVA mencionados e que fundamentam as correções efetuadas.
Parágrafo 42
Afirma o signatário do direito de audição que no caso da realização de correções técnicas a Inspeção tributária está vinculada à realização de todas as diligências necessárias para o apuramento do lucro tributável real.
De facto, assim é e todas as diligências visaram esse fim. Os gastos suportados em sede de IRC e o IVA deduzido suportado em faturas falsas não é fiscalmente aceite, tendo-se por esse motivo, observando toda a fundamentação de facto e de direito, procedido às correções necessárias a esse correto apuramento, não tendo o signatário do direito de audição carreado qualquer elemento que demonstre estar esse apuramento incorretamente efetuado.
Parágrafos 43 e 44
O signatário do direito de audição refere que a Inspeção Tributária deve obediência à Lei e que a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real, sendo como tal ilegítimas e infundadas as correções propostas para o ano de 2011
Apenas nos cumpre concordar com o afirmado na parte que se refere ao dever de obediência à Lei e à tributação das empresas pelo seu rendimento real, sendo que na inspeção em curso sempre agimos dessa forma, em obediência à lei, cumprindo a nossa função de detetar violações à lei fiscal e criminal e corrigindo as infrações encontradas.
A empresa “A., Lda” relevou na sua contabilidade gastos suportados com faturas falsas, que não podem nos termos da lei ser deduzidas em sede de IRC, ou o IVA nelas mencionado ser fiscalmente aceite.
Foi-lhe dada a possibilidade de demonstrar a efetiva realização desses gastos, sem que o sujeito passivo o tenha feito. (...)» - fls. 5 a 19 do PA;
5. Notificada do projeto de relatório da inspeção, por meio de ofício nº 820898 de 18/11/2015, enviado sob registo postal e dirigido ao “Representante legal de: A. , Lda., Rua (…)”, a agora Impugnante exerceu direito de audiência prévia em 1/12/2015 – fls. 66 a 82 e 88 a 91 do PA;
6. Através do oficio nº 8209513, de 4/12/2015, enviado sob registo postal nº RD522979764PT de 7/12/2015, cujo aviso de receção foi assinado por J. em 15/12/2015, a AT notificou o “Representante legal de: A. , Lda., Rua (…)” do teor do relatório final e seus anexos, no total de 74 fls., bem como dos documentos de fixação com 01 fls. – fls. 85 a 87 do suporte físico;
7. Em 09/12/2015 a AT efetuou a liquidação nº 2015.8310039726, relativa ao IRC de 2011 e em 11/12/2015 emitiu o respetivo acerto de contas nº 2015.24327434, de que resultou saldo no montante de € 39.360,01 a pagar até 20/1/2016 – fls.131 e 132 do suporte físico e fls. 96 a 100 do PA;
8. Em 15/12/2015 a AR remeteu, sob registo postal (sem aviso) nº RY706809223PT, a carta contendo a demonstração da liquidação acima aludida, informando que foi efetuada “conforme nota demonstrativa junta e fundamentação já remetida” a demonstração da compensação e a correspondente nota de cobrança seguem em separado, bem como, sob registo postal (sem aviso) nº RY706824163PT, a demonstração da liquidação dos juros compensatórios, e, sob registo postal (sem aviso) nº RY706691626PT, a demonstração do acerto de contas nº 2015.0025327434, de 11/12/2011, encontrando-se essas cartas dirigidas a “A. , Lda., Rua (…)” – fls. 129 a 132 do suporte físico, conforme guia de expedição de registo nº 88200138516630, e fls. 97 do PA;
9. Do sítio informático do serviço de correios de Portugal (CTT) consta que a entrega das cartas aludidas no ponto anterior foi conseguida em 16/12/2015 – fls. 75 e 76 do suporte físico;
10. Em 17/12/2015 o Chefe do Serviço de Finanças da Feira 1 emitiu “mandado de notificação” relativo à liquidação e acerto de contas aludidos no ponto anterior – doc. 1 anexo à p.i., a fls. 19 do processo físico;
11. Em 22/12/2015 o domicílio fiscal da sociedade agora Impugnante era em “Rua (…)-fls. 41 do suporte físico;
12. Em 18/4/2016 deu entrada no Serviço de Finanças de Feira- 1 a petição inicial da presente impugnação – fls. 3 e seguintes do suporte físico;
3.2 Matéria de facto dada como não provada:
Não há factos a considerar como não provados com relevância para a boa decisão da questão.
*
4 – Motivação de facto
O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e ao PA, que não foram impugnados, e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados – art.º 74º da LGT - também são corroborados pelos documentos juntos aos autos art.º 76º nº 1 da LGT e arts. 362º e ss do Código Civil (CC) – identificados em cada um dos factos descritos no probatório.
Os restantes factos alegados, se existem, não foram julgados provados ou não provados, em virtude de não ter sido produzida prova, por constituírem considerações pessoais ou conclusões de facto ou de direito ou não terem relevância para a decisão da causa.
**
Apreciação jurídica do recurso.

Antes de mais compete referir que a Impugnante, ora Recorrente, também apresentou um outro recurso neste Tribunal Central Administrativo Norte, que versava matéria idêntica à que está em causa nestes autos, na medida em que estava em causa a mesma inspeção tributária ao mesmo ano económico, sendo que naquele outro processo dizia respeito a IVA e aqui ao IRC.

Trata-se do processo n.º 475/16.6BEAVR, que já foi objeto de apreciação por parte deste Tribunal, tendo sido proferido acórdão em 5 de maio de 2021.

Considerando que o cerne das questões aqui colocadas, são idênticas às deduzidas naquele processo, entendemos ser de seguir a jurisprudência tirada naquele processo, aqui aplicável, com as necessárias adaptações, ou seja, onde ali, por exemplo, se refere liquidação de IVA, deve aqui entender-se como se reportando a liquidação de IRC.

Desta forma, acolhemos o decidido no processo n.º 475/16.6BEAVR, que passamos a transcrever:

«2.2. O DIREITO:

2.2.1 Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
A primeira questão que importa apreciar e decidir, por contender com a sua validade formal, é a de saber se a sentença recorrida enferma da alegada nulidade por omissão de pronúncia.
Com efeito, na conclusão 1) e 3) das alegações de recurso, a Recorrente imputa à sentença recorrida nulidade por omissão de pronúncia, sustentando que o Tribunal “a quo”, não se pronunciou sobre todas as questões que foram colocadas e aquelas que apreciou, fê-lo de forma pouco fundamentada, sem conseguir dar respostas através dos factos e fundamentos de direito.

Então vejamos,
Nos termos do preceituado no art. 615º, nº. 1, al. d), do CPC, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento.

Decorre de tal norma que o vício que afeta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma).

A referida nulidade reconduz-se a um incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº. 608, nº. 2, do mesmo diploma legal, o qual consiste, por um lado, no resolver de todas as questões submetidas à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente).
Assume, assim, especial importância o conceito de questões, o qual, nas palavras de J. Lopes de Sousa (in CPPT, anotado e comentado, 6º edição, II Volume, Áreas Editora, págs. 363 e 364) “abrange tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir e à controvérsia que as partes sobre elas suscitem”. O conhecimento de todas as questões não equivale à exigência imposta ao Tribunal de conhecer de todos os argumentos e razões invocadas pela parte, pois que, como ensinava Alberto dos Reis, “são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer questões de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal qualquer questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CPC, anotado, I Vol. págs. 284, 285 e V Vol. pág. 139).
No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no art. 125º, nº.1, do CPPT, in fine.

Após estes breves considerandos, atenhamo-nos ao caso sub judice.
Ora, como se vê, trata-se de uma afirmação genérica, sem qualquer conteúdo concreto, não identificando a Recorrente qualquer questão que tenha sido invocada na petição inicial e que não tenha sido conhecida na decisão proferida.
E tão pouco vemos que o Tribunal “a quo” não tenha apreciado as (várias) questões suscitadas sem fundamentação de facto e de direito. Quanto à fundamentação de facto, basta ler o probatório supra reproduzido para percebermos que tal alegação não tem cabimento e não corresponde minimamente à realidade. No que diz respeito à fundamentação de direito, a Recorrente também não esclarece se a invocada nulidade abrange todos os vícios apreciados ou só parte deles. Limitou-se também aqui a uma arguição genérica, sumária e descontextualizada, que põe em causa o enquadramento do vício e a sua concreta apreciação.
De todo o modo, relativamente aos vícios que conheceu, o Tribunal “a quo” referenciou as diversas normas legais (que, em alguns casos, até transcreveu) aplicadas, e efetuou a respetiva subsunção ao caso, sustentando de forma perfeitamente percetível, a sua decisão.
Ademais, a falta de fundamentação suscetível de integrar a nulidade prevista no artº 125º nº 1 do CPPT (bem como no artº 615º, nº 1, alínea b) do CPC) é apenas a que se reporta à falta absoluta de fundamentos (quer referentes aos factos quer ao direito), que não uma fundamentação escassa, deficiente [Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, p.687, Fernando Amâncio Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, p.55].
Pelo que improcede o recurso no que concerne à matéria acabada de expender.

2.2.2
Das conclusões de recurso 4), 5) e 9 10), a Recorrente parece manifestar discordância quanto ao julgamento sobre a matéria de facto efetuado pelo Tribunal recorrido. Refere por um lado, que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto, porquanto considerou como provados os factos constantes no ponto 1) a 14) do ponto 3.1 da matéria de facto dada como provada, considerando como verdadeiro tudo o que vem alegado no relatório final pelo Inspetor Tributário relativamente aos Relatórios Finais elaborados aos fornecedores, emitentes das Faturas em causa "N., Lda." e "C., Lda.", contudo no Relatório Final da Autoridade Tributária e Aduaneira elaborado à Impugnante, apenas constam alguns "excertos" dos alegados Relatórios elaborados aos referidos fornecedores e alegadas declarações proferidas por estes, contudo tais documentos são impugnados totalmente pela Impugnante, pois se desconhece a veracidade do seu conteúdo, ou seja, os Relatórios das Sociedade Comerciais "N., Lda." e "C., Lda.". Que o Juiz do Tribunal a quo considerou como provados os factos constantes no Ponto 4 da Matéria de facto dada como provada, páginas 2 a 27 da Douta Sentença recorrida considerando como verdadeiro tudo o que vem alegado no Relatório Final, ou seja, dá como assente e provado tudo o que a contraparte nestes autos alega, fazendo um "copy past" das páginas do Relatório da Autoridade Tributária e Aduaneira, quando a Impugnante, logo na sua Petição Inicial questionou a sua existência, porque nunca foram juntos aos autos e o seu conteúdo, porque desconhecido da Impugnante.

Vejamos então,
Importa, antes de mais, assinalar, que na decisão sobre a matéria de facto o Juiz “a quo” aprecia livremente as provas, analisa-as de forma crítica e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, especificando os fundamentos que foram decisivos para a formação de tal convicção, exceto quando a lei exija formalidades especiais para a prova dos factos controvertidos, caso em que tal prova não pode ser dispensada. É, pois, pela fundamentação invocada para a decisão que normalmente se afere a correção do juízo crítico sobre as provas produzidas.
Assim, assentando a decisão da matéria de facto na convicção criada no espírito do juiz e baseada na livre apreciação das provas que lhe foram apresentadas, a sindicância de tal decisão não pode deixar de respeitar a liberdade da 1ª instância na respetiva apreciação.
Como se aponta no acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 05/05/11 (processo 334/07.3 TBASL.E1), “O erro na apreciação das provas consiste em o tribunal ter dado como provado ou não provado determinado facto quando a conclusão deveria ter sido manifestamente contrária, seja por força de uma incongruência lógica, seja por ofender princípios e leis científicas, nomeadamente, das ciências da natureza e das ciências físicas ou contrariar princípios gerais da experiência comum (sendo em todos os casos o erro mesmo notório e evidente), seja também quando a valoração das provas produzidas apontarem num sentido diverso do acolhido pela decisão judicial mas, note-se, excluindo este.
Não basta, pois, que as provas permitam dentro da liberdade de apreciação das mesmas, uma conclusão diferente, a decisão diversa a que aludem os artºs 690-A nº 1 al. b) e 712º nº 1 al. a) e b), terá que ser única ou, no mínimo, com elevada probabilidade e não apenas uma das possíveis dentro da liberdade de julgamento.”
Assim, posta em causa a matéria de facto controvertida e julgada, a 2ª instância pode alterá-la desde que os elementos de prova produzidos e indicados pela Recorrente como mal ou incorretamente apreciados, imponham forçosamente, isto é, num juízo de certeza, outra decisão. Com efeito, só se esses meios de prova determinarem e forçarem decisão diversa da proferida se pode concluir ter a 1ª instância incorrido em erro de apreciação das provas legitimador da respetiva correção pelo Tribunal Superior.
No caso concreto, se bem interpretamos as conclusões do Recurso, o que a Recorrente efetivamente pretende é discutir a convicção do julgador que fundamentou a decisão, ou seja, a impetrante mais não faz do que retirar da prova produzida ilações distintas das que o Mmº Juiz “a quo” percecionou e amplamente explicitou na respetiva fundamentação da sentença recorrida, onde se vê que o Tribunal “a quo” especificou e identificou desenvolvidamente os meios de prova que serviram de suporte à concreta decisão sobre a factualidade dada como assente e não assente, tendo fundamentado de forma suficiente a sua convicção.
Para além do mais, se a Recorrente pretende com estas alegações, que o Tribunal “ad quem” proceda à alteração da decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto, sempre teria de indicar, além dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, quais os meios de prova que impunham decisão divergente da adotada.
Quanto à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, o artigo 640.º, n.º 1, do CPC, exige que o recorrente especifique:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Ora, analisando as alegações de recurso, adiantamos desde já que tal ónus não foi cumprido, limitando-se a Recorrente a discordar da factualidade assente.
Note-se, que relativamente à factualidade mencionada no ponto 4 do probatório, é feita efetivamente referência ao relatório da inspeção, bem como aos documentos que sustentaram a fundamentação lá aduzida, cujos extratos o Mmº Juíz a quo se limitou a reproduzir.
Ora, sabido que é no relatório de inspeção que reside toda a factualidade que consubstancia a declaração fundamentadora do ato de liquidação impugnado, é essencial conhecer-se a motivação do ato impugnado, de modo a que o tribunal a possa sindicar, pelo que tal fundamentação pode [e deve] integrar o probatório.
E é à luz de tal fundamentação do ato impugnado [vertida no relatório de inspeção tributária] que o Tribunal tem de sindicar se a administração tributária demonstrou os pressupostos que a legitimam a proceder às correções à matéria tributável aqui em causa.
Na verdade, as informações prestadas pela inspeção tributária fazem fé, quando devidamente fundamentadas e se sustentam em critérios objetivos (art. 76º, nº 1 da LGT). O que significa, desde logo, que a Fazenda Pública não tem que repetir em juízo o esforço instrutório e probatório que desenvolveu em sede de procedimento administrativo. Ou seja, por força do art. 76º, nº 1 da LGT a Fazenda Pública pode valer-se em sede judicial da factualidade que apurou no procedimento administrativo, sem ter de reproduzir essa prova em tribunal.
No entanto, isto não significa que se os factos aí afirmados forem impugnados na petição inicial (nomeadamente por desconhecimento ou por oposição), o tribunal esteja dispensado de valorar a respetiva prova (é que uma coisa é dar como provado que a administração tributária realizou os atos de inspeção descritos no probatório e recolheu as informações aí referidas e outra, distinta, é dar como provado o que aquela concluiu). O facto de os fundamentos aduzidos no relatório de inspeção tributária constarem do probatório em nada colide com a eventual prova que a Impugnante possa fazer nos autos, em sentido contrário àqueles.
Em regra, o local apropriado para se efetuar tal juízo será na subsunção dos factos ao direito em que o Juiz (depois de dar como assente, na resposta à matéria de facto, que a administração tributária concluiu o que concluiu) aprecia a qualidade do respetivo discurso fundamentador e confirma se houve ou não erro sobre a suficiência dos pressupostos de facto da tributação. Quando a impugnação do facto afirmado for feita por oposição, “o juízo sobre a ocorrência do facto afirmado pelos serviços de inspeção tributária depende da prova que for feita dos factos materiais que forem alegados pelo impugnante e da sua idoneidade para abalar os juízos de facto que o relatório ou as suas conclusões exprimam. Sendo tais factos alegados na petição e relevantes para a decisão, deve o juiz formular o juízo sobre a sua existência na resposta à matéria de facto e sobre a sua idoneidade na aplicação do direito aos factos” (cf. acórdão, ainda inédito, deste TCAN de 6/6/2012, Processo 79/04.6 BEPNF).
E assim sendo, resta concluir que nada há apontar no probatório da sentença recorrida pelo facto de na mesma constar extratos do relatório da ação de inspeção, quer quanto à Recorrente, quer quanto aos emitentes das faturas objeto da impugnação judicial.
Assim, e pelo que vimos de dizer se conclui que, ao relevar a factualidade que consta do relatório de inspeção tributária (e em que se fundamenta a liquidação impugnada) nos termos que constam da sentença recorrida, e independentemente da demais prova produzida nos autos, não incorreu o Tribunal “a quo” no erro de julgamento que lhe vem imputado.

Nas alegações de recurso constantes das conclusões 11), 12), 13) e 70), a Recorrente invoca a violação do princípio do inquisitório, sustentando que deveria o Juiz do Tribunal a quo ter ordenado oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurassem úteis para conhecer a verdade relativa aos factos alegados ou de que oficiosamente pudesse conhecer, o que não fez.

Vejamos,
O princípio do inquisitório ou da investigação é um dos princípios estruturantes do processo tributário, e consiste no poder de o juiz ordenar as diligências que entender necessárias para a descoberta da verdade material. Com efeito, nos termos que decorrem dos normativos legais contidos nos artigos 13º do CPPT e 99º, nº 1 da LGT, os juízes dos tribunais tributários devem realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer.
Assim, sobre a factualidade relevante para a decisão deve incidir a atividade instrutória necessária de modo a que o Tribunal possa dar resposta às questões que lhe são colocadas, nomeadamente através da explicitação dos factos que considera provados e não provados. E no caso de não ser realizada essa atividade instrutória, a sentença pode ser (mesmo oficiosamente) anulada e ordenada a baixa dos autos ao tribunal a quo para esse efeito.
Ora, no caso dos autos, a Recorrente apenas se limita a referir que o Juiz do Tribunal “a quo” deveria ter ordenado oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurassem úteis para conhecer a verdade relativas aos factos alegados, não concretizando a factualidade alegada que impunha as diligências pretendidas, pelo que não vislumbramos que tenha ocorrido violação do princípio do inquisitório.
Pelo que improcede o recurso no que tange a esta matéria.
No que tange às conclusões de recurso exaradas nos pontos 16) a 18) se bem interpretamos as mesmas, parece poder concluir-se que a Recorrente pretende invocar a violação do princípio da igualdade, ao alegar “a Autoridade Tributária e Aduaneira não pode servir-se de factos alegadamente constantes dos Relatórios dos emitentes e transcrever, apenas e só, os factos que "acha" no seu livre arbítrio que são relevantes, pois a Fazenda Pública também é parte neste processo judicial, pelo que deveria estar em "Pé de Igualdade" com a aqui Impugnante, como é de Direito e só assim sendo possível a realização da Justiça tributária. (…)Que a Impugnante e Impugnado, dispõem no processo tributário de iguais faculdades e meios de defesa, o que notoriamente não ocorreu no caso sub judice, o que constituí vício de violação de lei.”
Alega ainda, concretamente na conclusão 17), que a falta de notificação dos relatórios de inspeção respeitantes aos emitentes das faturas constitui uma nulidade insanável prevista no artº 98º do CPPT, nulidade que pode ser invocada e deduzida a todo o tempo até ao trânsito em julgado da decisão final.
Ora, antes de mais, importa clarificar que as nulidades a que se refere o artº 98º do CPPT, são as nulidades ocorridas no processo judicial, e não no procedimento administrativo e, como tal, eventuais irregularidades ocorridas nesse procedimento inspetivo nunca poderiam ser enquadradas no invocado preceito legal.
No que concerne à questão da alegada falta de notificação dos relatórios de inspeção respeitantes aos emitentes das faturas em questão, importa salientar, e conforme o exarado no relatório inspetivo, à Impugnante foi dada a oportunidade de se pronunciar sobre os indícios carreados para o procedimento inspetivo pela IT que lhe permitiam concluir pela não realização das operações económicas nos termos relevados pelas faturas aqui em crise.
Nessa medida e em sede de audição prévia foi facultada a possibilidade de exercício do contraditório podendo a Impugnante, ora Recorrente, juntar os documentos que entendesse pertinentes e requerer diligências complementares.
Entende a Recorrente, que a transcrição no relatório final de partes dos relatórios respeitantes aos emitentes viola o “princípio de igualdade” das partes.
Ora, a Recorrente não concretiza em que medida e por que razão a omissão da notificação integral daqueles relatórios prejudica a sua defesa, nem se vislumbra de que modo tal poderia ocorrer na medida em que aqueles factos poderiam, em abstrato, ser contraditados mesmo sem os mesmos.
A título meramente exemplificativo, poderia a Impugnante/Recorrente, quer em sede de audição prévia antes do relatório final ou mesmo em sede da Impugnação, alegar e demonstrar que qualquer daqueles emitentes das faturas tinham instalações que a A.T. desconhecia, identificando-as, e contraditar as conclusões aduzidas pela inspeção tributária.
Note-se, que sobre a Autoridade Tributária impende um dever de sigilo relativamente à situação tributária dos contribuintes, de harmonia com o previsto no art.º 64.º da LGT, dever esse que apenas nos casos legalmente previstos se permite que seja afastado.
Pelo que igualmente improcede o recurso quanto a esta questão.

Do Erro de Julgamento Sobre os Pressupostos de Facto e de Direito:
Como vimos, está em causa a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que julgou improcedente a Impugnação Judicial deduzida pela ora Recorrente contra a liquidação adicional de IVA decorrente da desconsideração das faturas emitidas por N., Lda e C., Lda., no período de 2011, que no entender da Administração Tributária não refletem as operações lá mencionadas.
Para assim decidir, o Tribunal a quo considerou que Administração Fiscal carreou para os autos indícios objetivos e claros de que os documentos em causa não titulam efetivas operações económicas, não tendo a Recorrente logrado demonstrar a materialidade das mesmas.
Ora, é contra este entendimento que a Recorrente se insurge, alegando, em suma, que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento quer no tocante à apreciação que fez da matéria de facto, quer na aplicação do direito, argumentando que a Administração Tributária não provou que os factos e sobretudo os documentos apresentados, eram falsos e que não permitiam suportar as operações contabilísticas que tiveram lugar.
Assim, a questão que importa decidir nesta sede é a de saber se a sentença recorrida incorre em erro de julgamento ao considerar que Administração fez prova, como lhe competia, da existência de indícios sérios e consistentes, suscetíveis de permitir a conclusão de que os documentos contabilizados pela Impugnante não correspondem a reais operações, bem como determinar se a Recorrente logrou demonstrar a materialidade dessas operações.
Vejamos, então, o discurso fundamentador da sentença recorrida no que concerne à matéria em discussão:
“(…)Está em causa a validade da liquidação de IVA de 2011-09T e 2011-12T efetuada pela AT no pressuposto de que o IVA deduzido está incorreto por ter sido liquidado em faturas consideradas falsas.
(…)Consta das faturas nº 449 e 455, emitidas por “C., Lda.”, cuja base tributável soma €27.900,00, que se referem a serviços prestados (ponçar + topejar + chanfrar + lavar)
Do mesmo modo, consta das faturas nº 160, 172, 179, 190 e 194 emitidas pela “N., Lda.”, cuja base tributável soma € 89.190,00, que se referem a serviços prestados, e as faturas nº 170, 180 e 188, emitidas pela “N., Lda.”, cuja base tributável soma € 13.067,90, se referem a transações de mercadorias (aparas e discos).
(…)devemos em primeiro lugar indagar se a AT cumpriu com propriedade, seriedade, consistência e relevância o seu ónus probatório com vista a ilidir a presunção de veracidade das declarações e escrita do contribuinte
No caso em análise, a decisão da AT assentou nos seguintes indícios ou factos-índice:

A) – Quanto ao emitente “N., Unipessoal, Lda.”:
A1 – Indícios recolhidos junta da empresa emitente (N.):
- a única atividade conhecida consistia em prestações de serviços de fabrico de rolhas exclusivamente para a sociedade “A., Lda.”, tendo cessado efetivamente toda a atividade desde final do ano 2010 e nesse ano não declarou ter suportado custos com pessoal; - sucedeu a outras empresas detidas por A. ou membros do seu núcleo familiar, e, desde final de 2010, foi sucedida por outra empresa (O., Lda.” cujo único sócio e gerente é O., irmã do referido A.], sempre com a mesma atividade e laboração no mesmo local e com a mesma maquinaria; Posteriormente, o mesmo núcleo familiar também utilizou a “W., Lda” e a “M., Lda” para fins meramente instrumentais (faturação falsa); A N. encontra-se já indiciada em diversos processos como emitente de faturas falsas, bem como o seu gerente, A., e outras empresas detidas por si ou por elementos do seu núcleo familiar;
- em 14/4/2011, o referido A. declarou por escrito, junto do Serviço de Finanças de feira- 2, o extravio do livro de faturas de venda da “N.” e que participou esse facto à GNR, informou que a última fatura emitida terá sido com o n° 75, de 21/12/2010 e afirmou expressamente que “se houver faturas posteriores a essa data não são do seu conhecimento”;
- em ação inspetiva efetuada ao abrigo da Ordem de Serviço n° OI201100721 e concluída em 6/6/2012 foram reunidos fortes indícios de que a “N.” terá utilizado e emitido faturas falsas no ano 2010 e terá emitido faturas falsas no ano 2011, sem que se tivesse detetado qualquer aquisição de bens para venda nem a existência de estrutura indispensável para o exercício das atividades descritas nas faturas;
- noutras ações inspetivas, ao abrigo das Ordens de Serviço n° OI201200695 e OI 201400371, concluídas em 13/6/2014, foram reunidos indícios de que a N. terá emitido faturas falsas nos anos 2011 e 2012, não tendo sido encontrado qualquer sujeito passivo que declarasse ter vendido bens (cortiça, rolhas ou outro produto ou subproduto de cortiça) àquela empresa nos anos 2011 e 2012 e verificando-se que, nos casos em que foi indicada, as matrículas dos veículos alegadamente usados nos transportes correspondiam a viaturas que não poderiam ter realizado tais transportes e que a grande maioria dos cheques alegadamente referentes aos pagamentos das faturas que foram levantados à boca de caixa pelo sócio-gerente A. , desconhecendo-se o destino dado a esse dinheiro;
- das 350 faturas requisitadas, foram detetadas 98 faturas emitidas com timbre da N. e com datas compreendidas no período de 12/1/2011 até 28/6/2012, emitidas para 13 utilizadores diferentes, e cujo valor base ascendeu a € 1.026.604,05, acrescido de IVA no montante de € 236.118,93, o qual não se refletiu nas contas bancárias da empresa, que revelam um diminuto movimento financeiro já no ano 2011;
-nos termos de declarações que subscreveu em 2011, 2012 e 2014, o sócio-gerente (A.) apresentou discurso incoerente e contraditório, tendo reconhecido que algumas das faturas emitidas em 2011 e 2012 foram preenchidas e ou assinas por si, mas não conseguiu indicar e identificar qualquer fornecedor dessas mercadorias nem justificar por que os pagamentos foram realizados em numerário ou em cheque e, neste último caso, qual o destino dado ao dinheiro que foi sempre levantado à boca de caixa; facto que levou a AT a concluir, na altura, que todos as faturas emitidas em nome da N. nos anos de 2011 e 2012 são falsas porque esta não terá adquirido, produzido ou vendido qualquer produto de cortiça nesse período, e a cessar oficiosamente a atividade dessa sociedade com efeitos reportados a 30/6/2012 por ser essa a data da última fatura detetada e já emitida.

A.2 – Indícios recolhidos junta da utilizadora, agora Impugnante (A.):
- os documentos utilizados/contabilizados pela Impugnante apresentam irregularidades ou incongruências: as faturas nº 160, 170 e 172 não indicam local e data de carga ou descarga e não possuem guia de transporte onde constem esses elementos; nas datas que constam desses documentos ainda a Impugnante não tinha instalações onde armazenar quaisquer existência (só em 2013 passou a usar um armazém situado em Esmoriz e em 2015 mudou-se para a atual sede), tendo o sócio-gerente informado que a compra das mercadorias tinha de coincidir com a suas próprias vendas ou, quando não coincidia completamente, as mercadorias adquiridas ficavam no armazém do fornecedor até serem carregadas de lá até aos armazéns dos clientes da Impugnante; uma vez que a N. não possuía instalações, não poderia ter-se verificado a última situação acima referida e, apesar disso, a fatura nº 170 de 1/7/2011 refere-se à compra de 7.540kg de apara e, depois disso, a impugnante apenas efetuou a primeira venda desse tipo de mercadoria em 21/10/2011, identicamente sucedendo nas faturas nº 180 e 188;
- nas faturas nº 179 e 180, bem como nas guias de transporte nº 507 e 515, referentes, respetivamente, às faturas nº 190 e 194, identifica-se a viatura com matrícula XX-XX-XX, que corresponde a um veículo ligeiro de passageiros de marca Nissan Sunny, com matrícula cancelada desde maio de 2008;
- a fatura nº 172 refere-se à aquisição se serviços prestados pela N., sobre 3.700.000 rolhas de calibre 45x24, que terão sido concluídos (o mais tardar) em 14/9/2011, terão regressado por essa altura ao armazém da Impugnante, mas não constam do seu inventário final do ano 2011, mas, apesar de ter declarado a venda de apenas 1.745.000 rolhas desse calibre durante o ano 2011, a Impugnante não declarou quaisquer existências desse tipo de bens em armazém no final de 2012. Além disso, 505.000 das rolhas desse calibre vendidas entre setembro e dezembro de 2011 foram adquiridas apenas em 23/12/2011, conforme fatura nº 1526, de “A., Lda”, ou seja, à data das supostas prestações de serviços (pela N.) ainda as mesmas rolhas não estariam na posse da agora Impugnante;
- a fatura nº 160, foi emitida com data de 21/7/2011, antes da data (28/7/2011) da requisição do respetivo livro de faturas à gráfica “G., Lda”, e, portanto, a fatura foi emitida com data anterior à própria produção gráfica;
- a data das faturas não corresponde à ordem numérica (fatura 188, de 30/11/2011 e fatura nº 194 de 20/12/2011; ou fatura 169 de 22/11/2011 e 170, 172 e 173 são de setembro de 2011; a fatura nº 174 é de 19/12/2011 e a nº 175 é de 5/12/2011 e a 176 é de 21/10/2011, etc.;
- os pagamentos efetuados por meios de cheque não correspondem ao depósito na conta do destinatário, tendo sido levantados ao balcão pelo gerente da sociedade emitente das faturas;
- na pasta 6 referente a documentos contabilísticos do ano 2011, foram encontrados e apreendidos os recibos nº 179 de 11/11/2011, 180, de 17/11/2011, 190 de 7/12/2011 e 194, de 20/12/2011, os quais não se encontram lançados na contabilidade da Impugnante, nem relevados na conta corrente da N., constando o transito para o ano seguinte de um saldo de € 100.899,53.
- Em reunião ocorrida em 28/10/2015, entre os sócios-gerentes da Impugnante, M. e J., e o inspetor tributário autor do Relatório que originou a liquidação agora impugnada, os primeiros admitiram não conhecer as instalações da “N.” e não conseguiram demonstrar o transporte físico das rolhas desde as instalações do produtor (não se sabe quem) para as instalações da N. (não se sabe onde) e seu regresso ás instalações do produtor das rolhas para contar e embalar (não se sabe quem) e para o cliente da Impugnante (não se sabe qual).

B) - Quanto ao emitente “C., Unipessoal, Lda.”:
B1 – Indícios recolhidos junto do emitente:
- nas inspeções tributárias efetuadas ao abrigo das Ordens de Serviço nº OI200900782, OI201100125 e OI201102763, a AT recolheu indícios que a levaram a criar a convicção de que essa empresa terá utilizado faturas falsas nos anos 2007 a 2011 e apurou que no ano 2011 essa sociedade não possuía quaisquer instalações ou outros ativos fixos tangíveis (ativo imobilizado corpóreo) ou empregados afetos ao exercício da atividade (a sede indicada corresponde à residência particular da mãe do sócio gerente, não havendo indicio de qualquer atividade ligada ao setor corticeiro ou a outro);
- o gerente da sociedade declarou, no âmbito das referidas ordens de Serviço, que apenas efetuava pequenos negócios de compra e venda de apara;
B.2 - Indícios recolhidos junto da Impugnante (A., Lda.”):
- da fatura n° 455 (certamente por lapso, o Relatório refere-se à fatura 449) consta 600.000 rolhas, que em 25 de outubro de 2011 teriam sido transportadas 600.000 rolhas entre Paços de Brandão e Lourosa, mas nenhuma dessas empresas possuía, nessa altura, quaisquer instalações em Paços de Brandão ou Lourosa;
- as guias de remessa relativas à fatura n° 449 referem-se ao transporte de 3.000.000 de rolhas, metade em 4 de maio de 2011 entre Lamas e Cortegaça e a outra metade em 30 de junho de 2011 entre Lourosa e Cortegaça, mas nenhuma dessas empresas possuía nessa data, ou tinha possuído, instalações em Lourosa, e, em Cortegaça a empresa "A." apenas possuía a sede que coincidia com a residência particular dos gerentes da sociedade, sem qualquer capacidade para o armazenamento de tamanha quantidade de rolhas;
- a mesma fatura n° 449 refere-se à prestação de serviços executados em 3.000.000 rolhas de calibre 45x24, pelo que seria de esperar - à semelhança do referido quanto à fatura n° 172 da empresa "N., Lda" - que entre essa data e o final do ano o sujeito passivo vendesse as referidas rolhas ou que as fizesse constar do seu inventário de 31/12/2011. No entanto, até ao final do ano de 2011 o sujeito passivo apenas efetuou vendas de 1.745.000 rolhas desse calibre (faturas de venda 267, 309 e 310), pelo que seria de esperar que à data em 31/12/2011 estivessem em stock, pelo menos, 1.255.00 rolhas de calibre 45x24. No entanto, no inventário final desse ano não consta qualquer quantidade de rolhas desse calibre;
Além disso, 505.000 das rolhas desse calibre vendidas entre setembro e dezembro de 2011 foram adquiridas apenas em 23 de dezembro de 2011 (fatura n° 1526 de "A., S.A."), ou seja, à data em que os supostos serviços teriam sido prestados não estariam ainda na posse da "A., Lda".
- as rolhas 45x24 mencionadas na fatura n° 449 teriam sido transportadas em duas viagens pela viatura com a matrícula XX-XX-XX, que é uma viatura comercial ligeira da marca Nissan, modelo Cabstar, com a capacidade de carga máxima de 1.830 kg e com área de carga de 11,16m2 (4,961 metros de comprimento e 2,25 metros de largura), sendo certo que o peso de 1.500.000 rolhas de calibre 45x24 ronda 4.883 kg, que corresponde a quase o triplo da capacidade máxima de carga (em termos de peso) da referida viatura, e o espaço ocupado 1.500.000 de rolhas 45x24, a incapacidade dessa viatura para transportar as referidas rolhas ainda se revela maior dado que se estimou que o volume de 1.500.000 rolhas de calibre 45x24, é de 61,04m3, isso significa que, se fosse possível colocar irrepreensivelmente arrumadas 1.500.000 de rolhas 45x24, sem espaço nenhum entre elas, completamente compactadas, sem qualquer perda, a referida carga, colocada no referido espaço de 11,16m2 atingiria uma altura de 5,46 metros (ou seja: 61,04 m3 / 11,16 m2), acima da base da caixa de carga da viatura.
Esses indícios podem validamente ser reunidos com base em elementos recolhidos junto do utilizador das faturas reputadas falsa, durante a ação de inspeção efetuada nas suas instalações, ou junto de outras pessoas relacionadas com ela, designadamente durante a parte da mesma ação que tiver lugar nas instalações do gabinete de contabilidade responsável pela escrituração dos documentos da utilizadora, em outras inspeções levadas a cabo junto do emitente das mesmas faturas ou do seu contabilista.
Para o caso, apenas importa que esses indícios tenham sido trazidos aos autos, quer integralmente documentos quer relatados ou transcritos, integral ou parcialmente, no Relatório de inspeção, que goza de valor probatório, conforme consta no artigo 76º da LGT (sem prejuízo de tal valor probatória vir a ser impugnado e contraditado pelo sujeito passivo interessado).
Em face dos referidos indícios, o Tribunal considera que a AT cumpriu adequadamente o seu ónus de prova, carreando para os autos factos objetivos que justificam as conclusões a que chegou.
Cumpre realçar que a AT não precisa de demonstrar a falsidade das faturas, bastando-lhe evidenciar a consistência daquele juízo (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27/10/2004, processo n.º 0810/04, disponível em www.dgsi.pt), invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas faturas serem simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade - artigo 75.° da LGT. (…)
Assim, sendo os indícios de falsidade sérios e consistentes - e só nesta qualidade se admite a quebra da presunção de veracidade das declarações do contribuinte -, não basta ao contribuinte gerar a mera dúvida sobre a falsidade das faturas para conseguir ganho de causa, pois estando onerado com a prova da materialidade das operações, se persistir a dúvida, esta resolve-se contra o beneficiário(…)
Perante a prova fixada, cabe então averiguar se a impugnante, ora recorrente, fez prova suficiente da materialidade das operações subjacentes e se, portanto, conseguiu contraditar o conteúdo do Relatório de inspeção:
Quanto às faturas emitidas pela sociedade “C. Unipessoal, Lda.”, a Impugnante afirma conclusivamente que as faturas emitidas correspondem a operações verdadeiras (artigos 30° e 43° da p.i.), insiste que o ónus da prova incumbe à AT porque a contabilidade goza da presunção de verdade e que a AT não conseguiu ilidir essa presunção (artigos 1° a 16°, 31° a 48° da p.i.)
É manifesto que a afirmação de que as faturas correspondem a operações materialmente verdadeiras constitui o próprio objeto do presente litígio, pelo que têm de ser provados todos os factos que permitam chegar a tal conclusão, e não basta reincidir nessa afirmação e, como já se disse, o ónus da prova não se distribui do modo que vem alegado pela Impugnante, mas do modo que o Tribunal vem expondo.
Além disso, a Impugnante alega que resulta de págs. 20 do Relatório que J., o gerente da impugnante sociedade “A., Unipessoal, Lda.”, terá afirmado, sem margem para dúvidas, que as instalações daquela emitente eram enormes (artigo 17° p.i.), ou seja, a dita empresa tinha instalações e estas eram adequadas à atividade subjacente às faturas que emitia, e que isso contradiz que vem afirmado pela AT logo na primeira linha dessa página
Consultado a referida passagem do Relatório verifica-se que o seu teor é o seguinte: na primeira linha a AT afirma, como conclusão do que vinha anteriormente referindo, que “III.2.21.3 Conclusões: A empresa “C., Lda” no ano 2011 não tinha instalações conhecidas, empregados, viaturas ou quaisquer máquinas a partir das quais realizar qualquer prestação de serviços”, e logo em seguida acrescenta que “No decurso da reunião ocorrida em 2015-10-28, estando presentes os dois gerentes da empresa M. e J., bem como o signatário deste relatório e ainda o inspetor A., o gerente J. afirmou que tinha visitado as instalações da empresa "Cortiça: V., Lda", que eram enormes, mas não foi capaz de fornecer uma localização das mesmas a fim de que essa afirmação pudesse ser verificada (sublinhado nosso).
Como valorar a referida afirmação? (e a apontada contradição, se houver?)
Deve notar-se que J. – em representação da agora Impugnante - estava a ser acusado de ter usado faturas falsas emitidas pela sociedade “C. Unipessoal, Lda.”, interessando à sua defesa alegar que aquela possuía estrutura empresarial real adequada à prática das operações descritas nas faturas reputadas falsas.
Ainda assim, a AT também indagou acerca da existência dessas instalações e concluiu que não existem, conforme resposta ao parágrafo 10 do direito de audição, a pág. 28 do Relatório.
A AT perguntou ao próprio J. onde se localizam as instalações que disse ter visitado, mas ele “foi incapaz de fornecer a localização das mesmas”.
Essa incapacidade é reveladora da falsidade da afirmação sob análise.
Note-se, a esse respeito, que que a referida conclusão da AT está fundada nos indícios acima referidos e a afirmação da impugnante mostra-se absolutamente infundada, na medida que autor da afirmação nem sequer foi capaz de fornecer uma localização onde isso pudesse ser confirmado.,
Além disso, a Impugnante refere que a contabilidade contém documentos (faturas, guias de remessa e cheques) destinados a comprovar a materialidade das operações.
Ora, perante os indícios de falsidade apresentados pela AT, não basta a mera ordenação formal dos “papéis” da contabilidade. A prova a produzir deve reporta-se aos fluxos reais das mercadorias, no sentido dos fornecedores para a Impugnante, e aos correspondentes fluxos de capital relativo aos pagamentos, no sentido inverso.
A Impugnante alega que foram emitidos cheques para pagamento das faturas em causa e que o respetivo valor saiu da conta bancária.
É do conhecimento comum que, nos esquemas de faturação falsa, é habitual a emissão de cheques para simulação do pagamento, mas o respetivo valor é levantado ao balcão – pelo que o pagamento se transforma em numerário – e volta (retorna) tudo ou quase tudo à posse do emitente do cheque, sendo comum os emitentes das faturas apoderarem-se de uma certa percentagem do valor faturado, frequentemente 5% ou 10% ou o valor do IVA.
No caso dos autos, a Impugnante junta cópias (frente) de 4 cheques, com os números 8310133619 (quase ilegível), de 5/8/2011, 8310133620 (quase ilegível), 8310133621 e 8310133622, os três sem data, com os valores de € € 5.175,00, € 6. 00,00, € 8.000,00 e € 8.000,00 (fls. 26 e 27 do processo físico), no total de € 27.175,00.
Os cheques não se encontram totalmente preenchidos (com exceção do primeiro) e não há evidências de ter havido levantamento do respetivo valor da conta bancária da impugnante (dos autos não consta, por exemplo, o extrato bancário relativo a esses movimentos).
A soma do valor dos cheques (€ 27.175,00) é inferior ao valor total das faturas (€ 34.317,00) e essa diferença, de € 7.142,00, corresponde a cerca de 20% ou ao valor do IVA, € 5.175,00 + €1.242,00 (o que ainda é compatível com a prática habitual em casos de faturação falsa).
A numeração dos 4 cheques é contínua, como se tivessem sido emitidos na mesma altura, supostamente em 5/8/2011 (o que conduz à conclusão absurda de que os cheques se destinaram a pagar mercadoria que só veio a ser adquirida em outubro, quase três meses depois).
Além disso, as referidas cópias não revelam quem levantou ou depositou os cheques, na medida em que não contêm cópia do verso, ficando sem se saber se houve “retorno” do capital para a Impugnante.
A AT verificou que a contabilidade da sociedade “C., Lda.” Não reflete a entrada de qualquer valor pago pela agora Impugnante (ponto 14 de pág. 29 do Relatório). Não tendo conseguido confirmar a entrada do capital na posse efetiva da empresa emitente das faturas, é razoável a dúvida - num contexto de suspeita de faturação falsa - de que a alegada saída de meios de pagamento da titularidade da impugnante corresponda ao efetivo pagamento das faturas.
Pelo que o Tribunal considera que a Impugnante não logrou, nesta parte, cumprir o seu ónus de prova.
Quanto às faturas emitidas pela sociedade “N., Lda”, a Impugnante alega que emitiu cheques no valor de € 24.877,68 evidenciando a conta-corrente de 31/12/2011 um saldo devedor de € 109.703,70 (artigo 26° da p.i.). No entanto, a Impugnante não retira qualquer consequência desse facto.
Como acima se disse, nos autos não se discute a forma dos documentos existentes na contabilidade, mas apenas a aderência do seu conteúdo à realidade da vida. Facto que esses documentos, só por si, não são aptos a provar.
Além disso, a Impugnante alega que a pág. 15 do Relatório se refere que os cheques foram levantados ao balcão, mas essa é uma situação que nada tem a ver com a sua contabilidade e circunscreve-se à entidade emitente das faturas (artigo 27° p.i.).
Embora seja verdade que essa situação não pode ser espelhada na contabilidade da Impugnante nem pode, em regra, ser imputada ao emitente do cheque, não é inteiramente correta a asserção de que a descrita atuação não pode ter consequências sobre o emitente do cheque. Na verdade, não se pode olvidar que existe a fundada suspeita de que as faturas são falsas e que não ocorreu verdadeiro pagamento. Portanto, a questão a resolver, no caso concreto, era a de saber se existiu verdadeiro fluxo de capitais para pagamento das operações faturadas, pelo que importa apurar – em cumprimento do ónus do utilizador da fatura - se os cheques beneficiaram efetivamente o emitente. Sucede que o levantamento ao balcão – em vez do seu depósito em conta, como seria normal – embora não prove que existiu “retorno”, como é típico nos esquemas de faturação falsa, também não demonstra a existência de verdadeiro fluxo do capital e, portanto, não prova que houve pagamento e que as faturas não são falsas.
Não se diga que a AT efetuou a inspeção tributária em 2015 e não pode, por isso, saber se os cheques (que foram levantados ao balcão) foram posteriormente entregues a determinada pessoa ou não (artigo 28° p.i.). A questão não é essa: o problema é que essa ignorância acerca do destino final do dinheiro traduz-se em incumprimento do ónus da prova imputado à Impugnante, que pretende beneficiar do facto, invocado por si, segundo o qual terão havido reais fluxos de meios de pagamento, correspondentes ao pagamento efetivo dos bens ou serviços descritos nas faturas reputadas falsas.
Na verdade, a AT logrou arrolar indícios sérios da existência de faturação falsa de maneira a justificar a inversão do ónus da prova, de nada valendo, nesta fase, a invocação de que tal ónus ainda incumbe à AT.
A Impugnante alega ainda que a AT não fez o controlo quantitativo das existências, com vista à prova de que não comprou e vendeu as mercadorias e as prestações de serviços descritos nas 10 faturas postas em causa (artigos 36°, 44° e 45° p.i.).
Na verdade, a AT efetuou sumariamente o referido controlo, no sentido em que referiu que conhecia as existências iniciais declaradas, levou em conta as faturas de compra agora reputadas falsas e concluiu que seria de esperar que essas compras estivessem refletidas nas existências finais, em 31 de dezembro, e que verificou que isso não sucedeu.
Acresce que não se vê, e a Impugnante não explica, qual a utilidade de uma contagem física das existências, e sua viabilidade prática, no momento da ação inspetiva, em 2015, ainda que reportada ao ano 2011, já que o que se impunha averiguar não era a questão relativa à efetiva compra de bens e ou serviços no ano 2011 e sua venda, mas, antes, a questão de saber se as rolhas que foram vendidas e os serviços que foram prestados têm alguma relação com as operações descritas nas faturas emitidas pelas sociedades “C., Lda” e “N., Unipessoal, Lda.”. O Tribunal considera que essas diligências de controlo de existências não poderiam ter a virtualidade de provar ou infirmar, além do mais, que as sociedades emitentes das faturas em causa são os verdadeiros vendedores das referidas rolhas ou verdadeiros prestadores dos referidos serviços. Pelo contrário, essa questão já estava “resolvida”, na perspetiva da AT, através de outros indícios que arrolou no Relatório e que a Impugnante não ilidiu nos presentes autos.
Por tudo o exposto, e sem necessidade de maiores explicações, o Tribunal considera que a impugnação, com o fundamento sob análise, não poderia proceder.”

Vejamos então,
O artigo 74.º, n.º 1, da LGT consagra que o ónus da prova dos factos constitutivos do direito da Administração Tributária ou do contribuinte recai sobre quem o invocar.
Todavia, dimana do artigo 75.º, n.º 1, da LGT que as declarações dos contribuintes, apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, presumem-se verdadeiras.
Assim, verificando-se as condições plasmadas no artigo 75.º, n.º 1, da LGT, o encargo probatório, tal como distribuído no artigo 74.º, sofre uma entorse, pois que, nesses casos, o contribuinte não precisa de provar os factos constitutivos do seu direito, desde que o direito em causa resulte das declarações por si apresentadas à Administração Tributária.
É que, quem tem a seu favor uma presunção legal, está dispensado de provar o facto a que ela conduz, como preceitua o artigo 350.º, n.º 1, do Código Civil.
Assim, a circunstância de as operações se encontrarem documentadas em fatura, recibo ou outros, e terem sido devidamente inscritas na contabilidade faz presumir a existência da operação; mas tal presunção deixa de se verificar quando a contabilidade ou a escrita do contribuinte revelem indícios fundados de que não refletem ou impedem o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo (cfr. artigo 75.º, nº 2, alínea a), da LGT).
Portanto, se a Administração Tributária recolher indícios fundados de que os documentos de suporte, apesar de formalmente corretos, não refletem uma verdadeira transação (seja relativamente aos sujeitos, objeto, datas, valores), cessa a presunção de veracidade das operações constantes de tais documentos (vide o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 10.11.2016, tirado no Processo n.º 00357/08).
Como referimos supra, na génese das liquidações de IVA impugnadas está a não aceitação da dedutibilidade do IVA apurado em faturas que a Administração Tributária desconsiderou porque as reputou de falsas.
Dispõe a al. a) do nº1 do art.º 19.º do CIVA sob a epígrafe ¯Liquidação e pagamento do imposto ¯, que ¯ Para apuramento do imposto devido os sujeitos passivos deduzem nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efetuaram: a) O imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos(…)”.
Por sua vez preceitua n.º 3 do art.º 19.º do CIVA que ¯ Não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura”.
Assim, se a Administração Tributária recolher indícios sérios e credíveis da falsidade das faturas que o sujeito passivo relevou na sua contabilidade, compete a este o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito à dedução do IVA alegadamente suportados, não lhe bastando criar dúvida sobre a sua veracidade, pois neste caso a norma do art. 100.º do CPPT não tem aplicação
No caso vertente esgrime, a Recorrente, em defesa da sua tese, o argumento de que a Administração Fiscal não logrou enunciar factos suscetíveis de abalar a presunção de veracidade dos elementos constantes da sua escrita e dos respetivos documentos de suporte, não tendo, desta forma, demonstrado cabalmente os factos que sustentam as liquidações impugnadas.
Como vem sendo repetidamente e maioritariamente afirmado pela doutrina e pela jurisprudência (Cfr., entre outros, os Acórdãos do TCA de 27/01/04, no Proc. nº 6646/02 e de 11/03/03, no Proc. nº 6915/02 e os Acórdão do STA de 24/04/02, no Proc. nº 102/02, de 17/04/02, no Proc. nº 26.635, de 09/10/02, no Proc. nº 871/02 e 20/04/03 no Proc. nº 241/03) é à Administração Fiscal que cabe o ónus de prova da existência dos pressupostos do ato de liquidação adicional, designadamente, a prova da verificação dos pressupostos que a determinaram a efetuar as correções técnicas que a suportam. Daí que a Administração Fiscal tenha o ónus de demonstrar a factualidade que a levou a desconsiderar as faturas contabilizadas (in casu, que a levou a considerar determinadas aquisições de bens como simuladas), factualidade essa que tem de ser suscetível de afastar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respetivos documentos de suporte (atento o princípio da declaração e da veracidade da escrita vigente em sede tributária, vertido no art 75º da LGT), só, então, passando a competir ao contribuinte o ónus de prova de que as operações comerciais se realizaram.
Ora, tais indícios podem colher-se não só junto da escrita e contabilidade de quem arquivou e relevou contabilisticamente os documentos em causa, como colher-se junto de elementos externos à mesma, nomeadamente mediante cruzamento de informação, sendo que, só perante esses concretos indícios, essa elevada probabilidade, cessa a presunção de veracidade da escrita do sujeito passivo, passando a competir ao contribuinte o ónus de provar que as transações/operações ali descritas efetivamente se realizaram.
No caso sub judice, os ¯factos-índice que levaram a AF a concluir que as faturas emitidas pelos fornecedores da Impugnante não titulavam operações reais, encontram-se claramente enunciados no probatório e amplamente concretizados no Relatório Inspetivo, e do qual ressalta manifesto que a Administração Fiscal efetuou uma fiscalização cruzada à Impugnante que veio a resultar na revelação denunciadora de uma série de circunstâncias indiciadoras de que, no caso em apreço, não estamos perante transações reais, nomeadamente, foram feitas diligências pelos Serviços Inspetivos da Administração Tributária, bem como, foram recolhidos elementos junto da Impugnante, seus fornecedores emitentes das faturas e por sua vez junto de fornecedores destes último, foram feitos contactos pessoais com legais representantes dos emitentes e familiares, realizadas deslocações às sedes sociais dos respetivos parceiros comerciais, realizado o levantamento dos meios de transporte detidos pelos emitentes, etc.
Porém, entende a Recorrente que da factualidade apurada junto dos emitentes não podia a Administração Fiscal concluir pela simulação das transações a que se reportam as faturas desconsideradas, ancorada na singela alegação, ainda que exaustivamente repetida, de que não pode vender se não comprou e na regularidade da sua contabilidade.
Na situação sub judice, situando-se a origem da emissão das questionadas faturas no outrem com quem o contribuinte fiscalizado se relacionou comercialmente, o cerne da análise fáctica efetuada pelos Serviços Inspetivos tem, inelutável e preferencialmente, que recair sobre os concretos termos em que o emitente das faturas atuou, procurando conferir a veracidade das operações que naquelas inscreveu, não se vislumbrando qualquer outra metodologia permita o atingir a citado objetivo, tanto mais que, na perspetiva do contribuinte sujeito a fiscalização, os elementos integrantes da respetiva contabilidade e vertidos nas competentes declarações tributárias gozam de uma ¯aura de verdade” que, da possível ausência de reparos em sede da atuação dos respetivos fornecedores, sairá reforçada, sendo, virtualmente, inatacável.
Assim, se da avaliação da situação do emitente das faturas resultar a recolha de indícios fortes da ocorrência de transações fictícias, essa informação não pode ser tida por irrelevante e desprezível com o singelo argumento que se trata da conduta de terceiro, e por isso totalmente alheia à Impugnante, uma vez que tais situações, ainda que tenham a sua génese no comportamento assumido por aquele, ocorrem sempre e necessariamente, com a complacência do recetor das faturas (neste sentido vide o do Acórdão do TCA Norte, de 01-03-2007, lavrado in rec. 00027/00 ) que in casu a recorrente alega desconhecer, por não lhe terem sido notificados os RIT relativamente aos mesmos (ainda que, atenta a envergadura e frequência dos fornecimentos, os valores envolvidos, o período em que decorreram as relações comerciais com aqueles fornecedores, a natureza específica de bens em causa, se afigure inverosímil tal desconhecimento por banda da Recorrente).
Cumpre notar, mais uma vez, que a Administração Tributária não precisa de demonstrar a falsidade das faturas, bastando-lhe evidenciar a consistência daquele juízo (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27-10-2004, processo n.º 810/04), invocando factos-índice que traduzam uma probabilidade elevada de as operações referidas nas faturas serem simuladas, pois, de contrário, seria praticamente impossível atingir o objetivo legal de tributação do rendimento real e de combate à fraude fiscal.
Importa, ainda, salientar que a Administração Tributária, nesta ingrata, mas essencial tarefa, não se pode limitar a uma fundamentação meramente formal do juízo que formula quanto à indevida dedução dos custos fiscalmente relevantes, exige-se-lhe, ademais, que demonstre o bem fundado desse juízo, provando os indícios que o sustentam, dessa forma possibilitando a conclusão de ser correta a sua fundamentação material. (Neste sentido e sobre esta matéria vide ainda o douto acórdão do TCA Norte de 24.01. 2008 proferido no recurso 01834/04).
Feita que seja essa prova pela AT, compete ao sujeito passivo o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito à dedução do IVA suportado, nos termos que decorrem do artigo 19º do CIVA, não lhe bastando criar dúvida sobre a sua veracidade, ainda que fundada, pois, como já aflorado, neste caso, o artigo 100.º do CPPT não tem aplicação.
Na verdade, o ónus consagrado no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, contra a administração tributária (de que a dúvida quanto à existência e quantificação do facto tributário deve ser decidida contra a administração tributária: in dubio contra Fisco) apenas existe quando seja esta a afirmar a existência dos factos tributários e respetiva quantificação e não quando, como in casu, é ao contribuinte que compete demonstrar a existência e quantificação das aquisições cujo IVA alega ter suportado e que pretende ver refletidos na sua contabilidade mediante a respetiva dedução.(Neste sentido vide, nomeadamente os doutos Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte de 24.01.2008, proferido no Processo 01834/04 ,do Supremo Tribunal Administrativo de 17.04. 2002, proferido no Processo 26635 e do Supremo Tribunal Administrativo de 07.05. 2003 (Pleno), proferido no Processo 1026/02, e acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 24.01.2008, proferido no Processo 2887/04).
Perante tal enquadramento jurídico, atentemos nos elementos recolhidos em sede inspetiva, de molde a determinar se, in casu, Administração Tributária logrou reunir, como sobre ela impendia, indicadores suficientes e demonstrativos de que às faturas contabilizadas pela Impugnante emitidas pelos seus fornecedores não subjazem as operações que nelas se descrevem, ou seja, se os elementos indiciários apontados pela AT permitem inferir, com um grau de probabilidade elevada, a simulação das operações subjacentes à respetiva emissão ou se o juízo formulado pelo Tribunal a quo, no que concerne à falta de veracidade das faturas merece a censura que lhe é assacada.

Ora, analisando a matéria de facto dada como assente [e que não se encontra impugnada], bem como a fundamentação aduzida na sentença recorrida, adiantamos desde já que concordamos com o decidido, não nos merecendo qualquer censura a sentença recorrida no que tange à matéria ora em discussão.
Efetivamente, ainda que apreciados isoladamente cada um dos elementos reunidos pelos Serviços Inspetivos, estes não lograssem traduzir por si só, indícios da falta de materialidade das transações tituladas pelas faturas em apreço, contudo, conjugados entre si e ¯lidos à luz das regras da experiência comum, representam indícios sérios e credíveis da simulação aventada pela Administração Tributária, revelando-se fulcrais, as diligências encetadas por esta, quer junto da Impugnante, dos emitentes, quer de terceiros com quem estes se relacionavam.
Atendendo aos factos apurados em sede inspetiva, os quais revelam indícios sólidos da falta de materialidade subjacente às faturas emitidas, recaía agora sobre a Impugnante o ónus da prova do contrário, isto é, de que efetivamente e, não obstante esses factos-índice, as transações/operações foram realmente concretizadas, nos termos constantes nos documentos que as titulam. Ou seja, impendia, pois, sobre a impetrante o ónus de demonstrar a existência dos factos que invoca, como esteio do seu direito à dedução do IVA alegadamente suportado.
O que a Recorrente efetivamente não logrou fazer, porquanto, tal como já referido supra, não lhe bastava criar a dúvida relativamente à atuação da AT, impunha-se-lhe, ademais, um rigoroso esforço probatório no sentido de demonstrar que as transações que subjazem aos documentos que relevou na sua contabilidade efetivamente se realizaram.
Ora, não tendo a Impugnante, ora Recorrente, logrado afastar esses indícios sérios e consistentes que recaia sobre as faturas desconsideradas pela A.T, prova esta que se lhe exigia, bem andou a sentença recorrida ao decidir manter as liquidações impugnadas.
Nesta conformidade, forçoso será de concluir pela improcedência do presente fundamento do recurso.
Da falta de fundamentação:
Alega a Recorrente [conclusões 25) a 27)] que a Autoridade Tributária e Aduaneira se limita a lançar na generalidade, sem qualquer fundamento, uma suspeição de falsidade, contudo não indica quais são os indícios concretos e fortes em relação a cada uma das concretas faturas aqui em causa nos presentes autos, o que constitui falta de fundamentação material.

Vejamos,
Por imperativo constitucional, artigo 268.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, os atos administrativos carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legitimamente protegidos, pelo que a decisão de correção da matéria tributável não pode deixar de se mostrar acompanhada da correspondente fundamentação.
Os contornos dessa fundamentação recolhem-se na lei ordinária, artigo 77.º da Lei Geral Tributária que determina que ela se revista de uma sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.
Importa, antes de mais, que se faça a distinção entre fundamentação formal e fundamentação material: uma coisa é saber se a Administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a atuar como atuou, as razões em que fundou a sua atuação, questão que se situa no âmbito da validade formal do ato; outra, bem diversa e situada já no âmbito da validade substancial do ato, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta atuação administrativa.
Distinguindo a dimensão formal e a dimensão substancial do dever de fundamentação, Vieira de Andrade, in “O dever de fundamentação expressa de actos administrativos”, Almedina, 2003, pág. 231, diz que a diferença está «em que o dever formal se cumpre pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis; enquanto a fundamentação material exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo».
Sabemos que a fundamentação dos atos administrativos visa, além do mais, dar a conhecer as razões por que foi decidido de uma maneira e não de outra, de molde a permitir aos seus destinatários uma opção consciente entre a sua aceitação e a sua impugnação contenciosa. É, conforme uniforme jurisprudência do STA, um conceito relativo, que varia em função do tipo legal de ato, dos seus antecedentes e de todas as circunstâncias com ele relacionadas, designadamente as típicas condutas administrativas, que permitam dar a conhecer o iter cognoscitivo e valorativo que levou a que fosse decidido dessa maneira e não de outra, estando suficientemente fundamentado quando um destinatário normal se aperceba das razões de ser da decisão.
Para se atingir aquele objetivo basta uma fundamentação sucinta, mas que seja clara, concreta, suficiente, congruente e que se mostre contextual.
Note-se que a fundamentação do ato administrativo é suficiente se, no contexto em que foi praticado, e atentas as razões de facto e de direito nele expressamente enunciadas, forem capazes ou aptas e bastantes para permitir que um destinatário normal apreenda o itinerário cognoscitivo e valorativo da decisão.
É contextual a fundamentação quando se integra no próprio ato e dele é contemporânea.
A fundamentação é clara quando tais razões permitem compreender sem incertezas ou perplexidades qual foi o
iter cognoscitivo-valorativo da decisão, sendo congruente quando a decisão surge como conclusão lógica e necessária de tais razões.
Ora, atento o acima descrito e o exarado na sentença recorrida, adianta-se desde já e no que concerne a esta matéria, que não assiste qualquer razão à Recorrente.
Com efeito, e como bem salienta o Tribunal “a quo”, do relatório elaborado pelos Serviços de Inspeção Tributária do Porto, resulta claro as razões de facto e de direito que levaram à não aceitação da dedução do IVA no período em causa e mencionado nas faturas supra identificadas.
Desde logo, deixa-se bem explicitado, no aludido relatório, que no exercício de 2011 se encontram contabilizados valores, que após a realização de múltiplas diligências, designadamente junto dos emitentes das faturas, se concluiu não corresponderem a verdadeiras transações comerciais.
Questão diferente é a que contende com a questão do ónus da prova, mas esta matéria, já foi apreciada como resulta do acima expendido.
Assim, atento o descrito, resta, pois, concluir que a fundamentação do ato existe, sendo percetível as razões de facto e de direito que levaram a A.T. a não aceitar os valores das faturas em causa como gastos.
Assim, e no que concerne a esta matéria nenhuma censura merece a sentença recorrida.».
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Conforme agora transcrito, verifica-se que a quase totalidade das matérias sob recurso no processo n.º 475/16.6BEAVR, são aqui aplicáveis, pelo que acolhemos o ali decidido neste Acórdão.
Salvaguarda-se a aplicação do regime legal aplicável, na medida em que estando naqueloutro processo em apreço o IVA, os normativos aplicáveis corresponderão ao respetivo Código, quando aqui dirão respeito ao Código do IRC.
Assim, tendo a Administração Tributária logrado provar a verificação dos pressupostos que legitimaram a não consideração das operações económicas como verdadeiras, passa a competir ao contribuinte a demonstração de que as operações mencionadas nas faturas correspondem a verdadeiras transações comerciais.
Por outras palavras, logrando a administração Tributária demonstrar os factos-índice em que se baseia para afirmar que as operações tituladas pelas faturas não correspondem a verdadeiras e reais transações comerciais, passa a impender sobre o contribuinte o ónus da prova da efetiva realização dessas operações materiais.
Significa isto, que o contribuinte não logra, no caso concreto, demonstrar a veracidade das operações tituladas pelas faturas em causa, pelo que também não pode ver refletidos os respetivos hipotéticos custos na determinação da matéria coletável. Desta forma, não pode a Impugnante, ora Recorrente beneficiar da aplicação do regime dos artigos 17.º e 23.º do Código do IRC, uma vez que não suportou esses alegados custos para o exercício da sua atividade, pelo que não devem ser tidos em consideração na formação do ato tributário em sede de IRC.
Ou seja, as operações simuladas não podem ser valoradas em sede de IRC como variação patrimonial negativa para o resultado do exercício, nem como custos para a manutenção da fonte produtora.
Em face do exposto, a sentença recorrida não enferma de erro de direito na aplicação do regime do IRC.
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No que concerne à caducidade do direito à liquidação, a presente causa não é exata e totalmente adaptável a situação daqueles autos n.º 475/16.6BEAVR, pelo que nos pronunciaremos de seguida sobre essa temática.
Em primeiro lugar, compete referir que a sentença pronunciou-se sobre o assunto nos seguintes termos: (págs. 47/48 da sentença)
«B) – Da preterição de formalidades legais, por omissão da notificação da liquidação (artigos 49º a 51º p.i.)
A Impugnante alega que não foi validamente notificada da liquidação aqui impugnada, uma vez que, conforme dispõe o artigo 41º, nºs 1 e 2, do CPPT, a sociedade deveria ter sido notificada na pessoa do seu gerente, na sua sede, na residência deste ou em qualquer outro lugar onde se encontre, o que no caso não sucedeu.
A Fazenda Pública contesta alegando que as notificações em causa foram remetidas corretamente para a sede da empresa, onde se considera ser o seu “domicílio fiscal” e presumem-se efetuadas em 18/12/2015 e, ainda que a carta tivesse sido devolvida, não haveria caducidade da liquidação por força do dever de porta aberta.
Decidindo:
Resulta do probatório que a AT efetuou a liquidação e expediu a respetiva notificação (artigo 38º, nº 3, do CPPT) sob registo postal de 15/12/2015 (facto 7 de 3.1 supra) e que a sua entrega foi conseguida em 16/12/2015 (facto 8 de 3.1 supra). Pelo que, conforme refere a Fazenda Pública, se presume que a notificação foi validamente efetuada em 18/5/2015 (artigo 39º, nº1, do CPPT). O que obsta à caducidade, que não poderia ocorrer antes de 31/12/2016, conforme resulta do disposto no artigo 45º, nº 1 e 2, da LGT, bem como da conjugação dos artigos 45º, nº 6, da LGT e 39º, nº 13, do CPPT.
Acresce que, por um lado, resulta da conjugação dos factos 8 e 11 de 3.1 supra que as cartas referidas em 8 foram corretamente endereçadas e remetidas para o domicílio fiscal da Impugnante, e, por outro, não é indispensável que no endereço conste a indicação de qualquer representante legal.
Em verdade, é admissível a notificação postal ou pessoal de empresas na pessoa de qualquer trabalhador que a receba no local de trabalho e se disponha a entregá-la ao destinatário (artigo 41º, nº2, do CPPT).
Pelo que não se verifica o invocado vício.».

Ora, a Recorrente não logra provar a alegação de que o print dos CTT, referido no ponto 8 da matéria de facto, não demonstra a realidade do que ali se encontra exarado. A Recorrente limita-se a dizer que não foi notificada por existir um “Mandado de notificação”, sendo que não indica a Recorrente a que eventuais fls. do processo administrativo constaria o envelope devolvido pelos correios.
Assim, apresentando a Administração Tributária um documento externo referente a uma sua carta de notificação, onde consta que essa carta foi recebida pela Recorrente, considera-se provado esse recebimento. Não é suficiente a recorrente dizer que não a recebeu, só porque existe uma posterior notificação, a qual até já estava prevista, independentemente desta primeira mortificação.
Desta forma, no que concerne ao alegado não recebimento, em virtude de o Serviço de Finanças ter efetuado uma notificação posterior, resulta do ponto 8 da matéria de facto, que tal segunda notificação já assim estava prevista, pois trata-se de mais uma notificação correspondente à demonstração da compensação e a correspondente nota de cobrança. Aliás, é isso mesmo que está dado por assente no ponto 8 da matéria de facto, que por facilidade de apreensão se transcreve:
«8. Em 15/12/2015 a AR remeteu, sob registo postal (sem aviso) nº RY706809223PT, a carta contendo a demonstração da liquidação acima aludida, informando que foi efetuada “conforme nota demonstrativa junta e fundamentação já remetida” a demonstração da compensação e a correspondente nota de cobrança seguem em separado, bem como, sob registo postal (sem aviso) nº RY706824163PT, a demonstração da liquidação dos juros compensatórios, e, sob registo postal (sem aviso) nº RY706691626PT, a demonstração do acerto de contas nº 2015.0025327434, de 11/12/2011, encontrando-se essas cartas dirigidas a “A. , Lda., Rua 3 nº 260 da Zona Industrial de Rio Meão, 4520-475 Rio Meão‖ – fls. 129 a 132 do suporte físico, conforme guia de expedição de registo nº 88200138516630, e fls. 97 do PA;».

Por sua vez, consta do ponto 9 da matéria de facto que foi conseguida a entrega das cartas referidas no ponto 8 da matéria de facto, no dia 16/12/2015.
Significa isto que, a notificação da liquidação foi realizada antes de estarem perfeitos quatro anos após 31/12/2011, pelo que não caducou o direito à liquidação.

Em face do exposto, soçobra mais esta alegação da Recorrente.
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Nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do Código de Processo Civil, elabora-se o seguinte sumário:

I - Logrando a administração Tributária demonstrar os factos-índice em que se baseia para afirmar que as operações tituladas pelas faturas não correspondem a verdadeiras e reais transações comerciais, passa a impender sobre o contribuinte o ónus da prova da efetiva realização dessas operações materiais.

II – As operações simuladas não podem ser valoradas em sede de IRC como variação patrimonial negativa para o resultado do exercício, nem como custos para a manutenção da fonte produtora.
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Decisão

Termos em que, acordam em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
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Custas a cargo da Recorrente.
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Porto, 16 de setembro de 2021.

Paulo Moura
Irene Isabel Neves
Ana Paula Santos