Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01031/13.6BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/12/2018
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:TEMPESTIVIDADE
ADMISSIBILIDADE RECURSO COIMA
PRINCÍPIO DA CONFIANÇA E DA BOA FÉ
Sumário:I - O prazo para interpor recurso judicial da decisão administrativa de aplicação da coima é de vinte dias, a contar da data da notificação dessa decisão (art. 80.º, n.º 1, do RGIT) e a contagem do prazo obedece ao disposto no art. 60.º, n.ºs 1 e 2, do RGCO, aplicável ex vi da alínea b) do art. 3.º do RGIT.
II - Se a AT, na notificação da decisão de aplicação da coima, erradamente, indicou ao arguido que o termo inicial desse prazo de 20 dias era o dia seguinte ao termo do prazo de 15 dias para pagamento voluntário, não pode rejeitar-se com fundamento em intempestividade o recurso que foi interposto para além do termo do prazo dito em I, mas dentro do prazo assinalado pela AT.
III - O entendimento contrário, não só violaria de forma intolerável os princípios da confiança e da boa fé, consagrados nos arts. 2.º e 266.º da CRP (e de que são afloramentos os arts. 37.º, n.º 4 do CPPT, e os arts. 161.º, n.º 1, e 198.º, n.º 3, do CPC), como, na medida em que impediria o arguido de reagir judicialmente contra uma decisão sancionatória da AT, constituiria uma intolerável violação do direito à tutela jurisdicional efetiva, consagrado no art. 32.º, n.º 10, da CRP.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:P...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório
O Recorrente, P... com os demais sinais nos autos, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que rejeitou liminarmente o recurso, considerando que “(…) na data em que o recurso de impugnação foi apresentado nos competentes Serviços de Finanças, o prazo de 20 dias já havia decorrido há muito, atenta a data em que a recorrente foi notificada da decisão sendo, por conseguinte, intempestivo o recurso deduzido.”.

O Recorrente não se conformou tendo interposto recurso formulou as seguintes conclusões:
“ (...)I - Em 31-10-2011, o Recorrente foi notificado da decisão de aplicação de uma coima fiscal.
II - Dessa decisão, em 13-12-2011, apresentou um recurso no competente Serviço de Finanças da Maia.

III - Tal recurso foi recusado pela douta sentença recorrida pois foi considerado intempestivo.
IV - Porém, este foi apresentado dentro do prazo indicado na notificação da decisão de aplicação da coima.

V - Na verdade, na notificação consta que o prazo de 20 dias concedido pelo n° 1 do artigo 80º do R.G.I.T. iniciava-se após o prazo de 15 dias concedido para pagar voluntariamente a coima.
VI - Desta forma, tendo em conta a data da notificação da decisão ao Recorrente este podia recorrer da mesma até ao dia 22-12-2011, ao abrigo do disposto nos artigos 72º do C.P.A. c 60º do R.G.C.O.
VII - Aliás, nos termos do disposto no n°3 do artigo 198° e do n°6 do artigo 161º ambos do C.P.C. e aplicáveis por força dos artigos 3°/b) do R.G.I.T, 41°/2 do R.G.C.O. e 4° do C.P.P., o arguido poderá sempre recorrer da decisão no prazo que lhe tinha sido fixado na notificação, não podendo ser prejudicado por qualquer erro eventualmente praticado pelo Serviço de Finanças da Maia na elaboração da notificação em causa e na indicação do prazo para defesa.
VII - Como tal, a douta sentença recorrida que rejeitou o recurso por falta de apresentação no prazo legalmente previsto, enferma de nulidade, por não ter apreciado devidamente a notificação enviada ao arguido, designadamente, não ter atendido ao prazo indicado para apresentar e que consta dos autos.
VIII- Assim, esta deverá ser revogada.
Termos em que o presente recurso deve merecer provimento, revogando-se a douta sentença ora em crise, nos termos supra referidos, com todas as consequências legais. (...)”

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso, sustentando o seu parecer no acórdão de TCAN n.º 01117/07.6 BEBRG de 11.03.2010, pugnando pela baixa dos autos à 1.ª instância a fim de ser proferida decisão que não seja de rejeição pelo mesmo fundamento.

Colhidos os vistos das Exmªs Juízas Desembargadoras Adjuntas, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
A questão a apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida incorreu de julgamento ao ter rejeitado liminarmente o recurso de contraordenação e se o eventual erro na indicação do prazo para a interposição de recurso judicial deve ou não ser relevado na decisão sobre a tempestividade do recurso.


3. DO JULGAMENTO DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
Em face dos elementos constantes dos autos afigura-se que o presente recurso é intempestivo, assim com interesse para a decisão da excepção resulta apurada a seguinte factualidade:
a) Em 07/10/2010 foi instaurado contra o arguido o processo de contra-ordenação nº 1805201006106420 (cf. fls. 88 dos autos).
b) Em 31/10/2011, o arguido foi notificado da decisão proferida em 20/10/2011, pelo chefe do Serviço de Finanças da Maia, que lhe aplicou a coima de €250,00, acrescida de €51,00 de custas, através de carta registada com a referência RM 6407 5104 9 PT (cf. fls. 100 a 105 dos autos).
c) A petição de recurso foi enviada através de carta registada para o Serviço de Finança da Maia, no 13/12/2011 (cf. doc. de fls. 87 dos autos). ---“


3.2. Aditamento oficioso à decisão sobre a matéria de facto
Ao abrigo do disposto no artigo 662.º do CPC, na redação aplicável, ex vi artigo 2º, alínea d) art.º 3.º do RGIT, importa aditar ao probatório a seguinte matéria que igualmente se encontra provada nos autos, por documentos:

d) Para notificar a fixação de coima ao Arguido o Serviço de Finanças da Maia remeteu-lhe carta registada, onde constava a decisão de aplicação de coima datada de 20.10.2001 e a notificação para art.º 79.º n.º 2 do RGIT. (cf. a fls. 106);

e) Da decisão de aplicação de coima datada de 20.10.2001, constava, o seguinte: “(…)
Notifique-se o arguido dos termos da presente decisão, juntando-se-lhe cópia, para, efetuar o pagamento da coima com beneficio de redução de prazo de 15 dias (78º/2 RGIT) ou sem beneficio de redução no prazo de 20 dias, podendo neste último prazo recorrer judicialmente (79º/2 RGIT), sob pena de cobrança coerciva (….) (cf. a fls. 106);

f) Da notificação para art.º 79.º n.º 2 do RGIT constava «(…) 1-Fica notificado, de acordo com o previsto no N° 2 do artigo 79° do Regime Geral das Infracções Tributárias, para no prazo de 20 (vinte) dias subsequentes ao prazo referido no ponto 2, efectuar o pagamento da coima no referido processo, por despacho (2011-10-20), do Chefe de finanças, que se anexa na quantia de. (…
2- Fica ainda notificado, da possibilidade de efectuar o pagamento voluntário da coima no prazo de 15 dias a contar da presente notificação, conforme previsto no Art° 78° n° 2 do RGIT (…)”
3- Mais fica notificado de que, dentro do prazo referido no ponto 1, poderá, querendo, recorrer judicialmente, conforme dispõe o Art° 80º do citado Regime Geral das Infrações Tributária vigorando (…)”
ModalidadeC/pagamento VoluntárioPrazo15 diasMontante a pagar301,00
S/pagamento Voluntário20 dias (seguintes ao termo do prazo anterior)301,00
(cf. a fls. 104);

4. DO JULGAMENTO DE DIREITO

4.1. Contra o entendimento da sentença o Recorrente reage, não pondo em causa que recebeu a notificação em 31.10.2011, alega que o prazo de 20 dias que nesta lhe era indicado para interpor recurso judicial se contaria após os 15 dias de que dispunha para efetuar o pagamento voluntário da coima, pelo que o recurso foi apresentado em tempo.
O prazo para interpor recurso judicial da decisão administrativa de aplicação da coima é de vinte dias, a contar da data da notificação dessa decisão (art. 80.º, n.º 1, do RGIT) sendo que a contagem do prazo obedece ao disposto no art. 60.º, n.ºs 1 e 2, do RGCO, aplicável ex vi da alínea b) do art. 3.º do RGIT.
Nesta perspetiva, a decisão recorrida seria inatacável. No entanto, deveria ponderar o teor das notificações.
Como resulta da matéria de facto aditada nas alíneas d) a f) da decisão de aplicação de coima, constava que devia “ efetuar o pagamento da coima com beneficio de redução de prazo de 15 dias (78º/2 RGIT) ou sem beneficio de redução no prazo de 20 dias, podendo neste último prazo recorrer judicialmente.”.
Por sua vez, a notificação para o n.º 2 do art.º 79.º do RGIT refere que “ 1- Fica notificado, de acordo com o previsto no N° 2 do artigo 79° do Regime Geral das Infracções Tributárias, para no prazo de 20 (vinte) dias subsequentes ao prazo referido no ponto 2, efectuar o pagamento da coima no referido processo, por despacho (2011-10-20), do Chefe de finanças, que se anexa na quantia de. (…).(destacado nosso).
Por sua vez, o n.º 2 refere queFica ainda notificado, da possibilidade de efectuar o pagamento voluntário da coima no prazo de 15 dias a contar da presente notificação, conforme previsto no Art° 78° n° 2 do RGIT (…)”
E n.º 3 refere queMais fica notificado de que, dentro do prazo referido no ponto 1, poderá, querendo, recorrer judicialmente, conforme dispõe o Art° 80º do citado Regime Geral das Infrações Tributária vigorando (…)”(destacado nosso).
Não se pode ignorar os termos em que foi efetuada a notificação da decisão de aplicação da coima no caso sub judice. Na notificação, deu-se a entender que o prazo de 20 dias para recorrer só se iniciava após o decurso do prazo de 15 dias para o pagamento voluntário.
E como refere o acórdão do TCAN n.º 01117/07.6 BEBRG de 11.03.2010 citado pelo ilustre Magistrado do Ministério Público com o qual concordamos e transcrevemos “(…) Ora, não podemos deixar de retirar consequências desse erro verificado na notificação da Arguida. Seria intolerável, à luz dos princípios da confiança e da boa-fé, consagrados nos arts. 2.º e 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP) (() Diz o n.º 2 do art. 266.º da CRP: «Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé».), que a indicação pela AT ao contribuinte de um prazo errado para reagir contenciosamente contra uma sua decisão não relevasse, quando o contribuinte exerceu o seu direito de impugnação contenciosa dentro do prazo que lhe foi assinalado, mas já fora do prazo legal. Tanto mais quanto essa errada indicação quanto ao termo inicial do prazo para recorrer judicialmente, resultaria, no caso sub judice, na impossibilidade de reagir contenciosamente contra uma decisão sancionatória da AT, o constituiria uma intolerável violação do direito à tutela jurisdicional efectiva, consagrada no art. 32.º, n.º 10, da CRP (() Diz o art. 32.º da CRP, no seu n.º 2: «Nos processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa».).
Encontramos afloramentos desse princípio de que os interessados não podem ser prejudicadas por erros de entidades públicas competentes no art. 37.º, n.º 4, do CPPT («No caso de o tribunal vier a reconhecer como estando errado o meio de reacção contra o acto notificado indicado na notificação, poderá o meio de reacção adequado ser ainda exercido no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão judicial»), no art. 161.º, n.º 1, do CPC («Os erros e omissões praticados pelas secretarias judiciais não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes») e no art. 198.º, n.º 3, do mesmo Código («Se a irregularidade [da citação] consistir em se ter indicado para a defesa prazo superior ao que a lei concede, deve a defesa ser admitida dentro do prazo indicado, a não ser que o autor tenha feito citar novamente o réu em termos regulares»).
No sentido que vimos de sustentar, vide o acórdão da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 10 de Fevereiro de 2010, proferido no processo com o n.º 993/09 (() Ainda não publicado no jornal oficial, mas com texto integral disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/ba86c55c8d3a3f4e802576cb003778da?OpenDocument. Note-se que, apesar de esse acórdão ter um voto de vencido – em que se remete para a fundamentação aduzida no acórdão proferido no processo com n.º 349/09, de 3 de Junho de 2009, acórdão publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Setembro de 2009 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2009/32220.pdf), págs. 889 a 892, e com texto integral também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/7d43758640840d3a802575cf004ded5e?OpenDocument –, a situação dos presentes autos não é igual à verificada naquele processo ou no processo com o n.º 1181/09, decidido pelo acórdão de 18 de Fevereiro de 2010, ainda não publicado no jornal oficial, mas com texto integral disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/9fbc20c0f99035a3802576d30056c7ad?OpenDocument. Na verdade, nestes dois últimos arestos do Supremo Tribunal Administrativo, contrariamente ao que sucede no caso sub judice, a notificação não padecia de qualquer erro.). (…)”
Nesta conformidade, e pelos fundamentos expostos o recurso merece provimento.

4.2. E assim, formulamos as seguintes conclusões/sumário, apropriando-nos com a devida vénia do sumário do citado acórdão:
I - O prazo para interpor recurso judicial da decisão administrativa de aplicação da coima é de vinte dias, a contar da data da notificação dessa decisão (art. 80.º, n.º 1, do RGIT) e a contagem do prazo obedece ao disposto no art. 60.º, n.ºs 1 e 2, do RGCO, aplicável ex vi da alínea b) do art. 3.º do RGIT.
II - Se a AT, na notificação da decisão de aplicação da coima, erradamente, indicou ao arguido que o termo inicial desse prazo de 20 dias era o dia seguinte ao termo do prazo de 15 dias para pagamento voluntário, não pode rejeitar-se com fundamento em intempestividade o recurso que foi interposto para além do termo do prazo dito em I, mas dentro do prazo assinalado pela AT.
III - O entendimento contrário, não só violaria de forma intolerável os princípios da confiança e da boa fé, consagrados nos arts. 2.º e 266.º da CRP (e de que são afloramentos os arts. 37.º, n.º 4 do CPPT, e os arts. 161.º, n.º 1, e 198.º, n.º 3, do CPC), como, na medida em que impediria o arguido de reagir judicialmente contra uma decisão sancionatória da AT, constituiria uma intolerável violação do direito à tutela jurisdicional efetiva, consagrado no art. 32.º, n.º 10, da CRP.

5. Decisão
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar o despacho recorrido e ordenar a devolução dos autos ao Tribunal a quo, a fim de aí ser proferido novo despacho que não seja de rejeição pelo mesmo motivo.
Sem custas.
Porto, 12 de abril de 2018
Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira
Ass. Fernanda Esteves
Ass. Cristina Travassos Bento