Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00491/06.6BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/07/2017
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:OPOSIÇÃO
GERÊNCIA DE FACTO VS GERÊNCIA DE DIREITO
CULPA
REVERSÃO DA EXECUÇÃO
DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Sumário:I - A responsabilidade subsidiária dos gerentes é regulada pela lei em vigor na data da verificação dos factos tributários geradores dessa responsabilidade.
II - A responsabilidade subsidiária dos gerentes, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente, não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito.
III - Não há uma presunção legal que imponha a conclusão de que quem tem a qualidade de gerente de direito exerceu a gerência de facto.
IV – No entanto, o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.
V - O artigo 13.º, n.º 1 do CPT consagra uma presunção legal de culpa na insuficiência do património das empresas e sociedades para a satisfação dos créditos fiscais dos gerentes que exerçam a gerência efectiva no período da verificação dos factos tributários.
VI - Operada a reversão nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, desacompanhada da ilisão da presunção da culpa por parte dos Oponentes, pela insuficiência do património da sociedade para satisfazer as dívidas fiscais da devedora originária, os ora Recorrentes apresentam-se como parte legítima na execução.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:O... e M...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

O..., contribuinte n.º 1…, e M..., contribuinte n.º 1…, com domicílio fiscal no Lugar…, Ponte de Lima, interpuseram recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, em 16/01/2009, que julgou parcialmente procedente a oposição à execução fiscal instaurado pela Fazenda Pública, originariamente contra S…, Lda., por dívidas de IRC do ano de 1998, 2000 a 2002, IVA do ano de 1991, 1994 a 2005, coimas fiscais de 1998, no valor total de €45.998,24.

Os Recorrentes terminaram as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
1ª. De acordo com os depoimentos das testemunhas, demonstra-se provado que o Recorrente O... não exerceu a gerência de facto.
2ª. Tanto mais que não foi efectivamente provado que este assinasse cheques e outros documentos em conjunto com a Oponente M….
3ª. E caso fosse provado, não constituem provas/evidências suficientes da prática de actos de gestão por parte daquele.
4ª. Muito embora tenha sido provada a gerência de direito do Recorrente O....
5ª. Facto é que não existe qualquer disposição que estabeleça uma presunção legal do exercício efectivo e de facto da gerência a partir da qualidade de gerente nominal ou de direito.
6ª. Pelo que competiria à Administração Fiscal, quando mandou reverter a execução contra o Oponente, ora Recorrente, demonstrar que este, para além de gerente de direito o era também de facto.
7ª. Deste modo, resulta que o Oponente/Recorrente O... não devera ser julgado parte legítima nos restantes processos.
8ª. A ajuda financeiramente feita à sociedade C… deverá ser considerada como um acto de gestão não culposo.
Termos em que, dando-se provimento ao presente recurso e, portanto, revogando-se a decisão recorrida, considerando os ora Oponentes/Recorrentes partes ilegítimas, se fará JUSTIÇA!

Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa apreciar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e, consequentemente, de direito quanto à conclusão de que os Recorrentes são parte legítima na presente execução.

III. Fundamentação

1. Matéria de facto
Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
Pelos documentos juntos aos autos com relevância para o caso, e pelos depoimentos das testemunhas inquiridas, considero provados os seguintes factos:
1. Foram deduzidas execuções fiscais contra a S…, Lda., por dívidas de IRC do ano de 1998, 2000, 2001 e 2002, IVA do ano de 1991, 1994 a 2005, coimas fiscais de 1998, no valor total de 45 998.24 €;
2. Para cobrança das dívidas exequendas foram instaurados os seguintes processos:
a) - Em 28.08.1996, foi instaurada a execução fiscal n.º 2348199601023411, para cobrança de IVA de 1994.
Este processo esteve parado por facto não imputável ao contribuinte desde 16.05.2002 a 27.01.2006;
b) - Em 27.11.1996, foi instaurada a execução fiscal n.º 2348199601026178, para cobrança de IVA de 1991, tendo sido declarada prescrita pelo órgão de execução fiscal (fls 83 do PEF);
c) - Em 19.01.2001, foi instaurada a execução fiscal n.º 2348200101000411 para cobrança de IVA de 1995. Este processo esteve parado por facto não imputável ao contribuinte desde 16.05.2002 a 27.01.2006, tendo a executada originária sido citada a 25.01.2001;
d) - Em 22.04.2002, foi instaurada a execução fiscal n.º 2348200201004042, para cobrança de IVA de 1996. Este processo esteve parado por facto não imputável ao contribuinte desde 16.05.2002 a 27.01.2006, verificando-se que a executada originária foi citada a 30.04.2002;
e) - No dia 01.07.1998, foi instaurada a execução fiscal n.º 2348199801021087, para cobrança de IVA de 1991, tendo sido declarada prescrita pelo órgão de execução fiscal (fls. 83 do PEF);
j) - Em 18.12.2003, foi instaurada a execução fiscal n.º 2348200301504584, para cobrança de coima fiscal cujo trânsito em julgado ocorreu a 03.11.2003.
3. Em 30.01.1997, a executada originária requereu o pagamento das dívidas exequendas anteriores a 31.07.1996, e constantes dos processos indicados nas alíneas a) a e) supra, ao abrigo do Dec-Lei n° 124/96, de 10 de Agosto (fls. 225 dos autos);
4. Por despacho de 16.05.2002, foi excluída do plano de pagamento, por incumprimento (fls. 82 dos autos);
5. No período compreendido entre 16.05.2002 (data da exclusão do contrato de pagamento em prestações) e 27.01.2006 (data do despacho de reversão) não foi realizada qualquer diligência pelo órgão de execução fiscal por facto não imputável ao contribuinte;
6. Os Oponentes foram nomeados gerentes da executada originária sendo suficiente a assinatura de um dos sócios para obrigar a sociedade (fls.25 e 29 dos PEF);
7. O Oponente, O…, trabalhava na empresa e desempenhava as funções de técnico oficial de contas e detinha uma sociedade em nome pessoal, denominada O… Unipessoal, Lda., que se dedicava a angariação de seguros e funcionava nas mesmas instalações;
8. Os Oponentes procederam a entradas de dinheiro, retirado da executada originária para a sociedade C…, Lda.;
9. O sector da contabilidade era da responsabilidade da Oponente M... sendo esta quem dava ordem aos funcionários, quem estabelecia as prioridades e trabalhos a desenvolver;
10. Os cheques eram assinados por ambos os sócios bem como outros documentos necessários;
11. Constatada a manifesta insuficiência de bens, na sociedade executada, veio a execução a reverter contra os Oponentes, na qualidade de Administração da sociedade, por despacho datado de 16.02.2006, do Chefe de Finanças;
12. Da informação da Administração Fiscal, consta, que as dívidas fiscais ascendem a 73 457.82 e que os bens penhorados dizem respeito a material de escritório, nomeadamente computadores, secretárias, fotocopiadores e máquina de escrever, material com muito uso ultrapassado tecnologicamente e sem qualquer interesse comercial (fls. 42 do PEF);
13. A Avaliação dos bens penhorados efectuada constante informação do PEF é de 1.205 € (fls. 137 do FEF);
Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados no teor dos documentos constante dos autos, e do depoimento das testemunhas inquiridas, e identificadas fls. 204 a 206, cujos depoimentos se encontram gravados.
Foram inquiridas as testemunhas, Maria…, irmã do Oponente, e Marco…, ex-funcionário da executada originária, que à data dos factos trabalhava na empresa, os quais prestaram depoimentos vagos e imprecisos que não mereceu credibilidade do Tribunal.
A testemunha, Maria…, referencia que a C…, começou a ter dificuldades financeiras e que foi canalizado capital da executada originária para esta para resolver problemas. Foi inquirido Marco…, referiu que o Oponente, O…, trabalhava na empresa e desempenhava as funções de técnico oficial de contas e detinha uma sociedade em nome pessoal, denominada O… Unipessoal, Lda., que se dedicava a angariação de seguros e funcionava nas mesmas instalações. E que a contabilidade era da responsabilidade de Oponente M... sendo esta quem dava ordem aos funcionários, quem estabelecia as prioridades e trabalhos a desenvolver.
Os documentos eram assinados por ambos nomeadamente cheques.
Não resultam provados ou não provados quaisquer outros factos com interesse para a decisão.

2. O Direito

A sentença recorrida apreciou várias questões colocadas pelos Oponentes, tendo decidido favoravelmente as concernentes às dívidas de IVA dos anos de 1991, 1994, 1995 e 1996, bem como às de coimas fiscais de 1998. Nesta conformidade, o presente recurso somente versa as dívidas sobre as quais o tribunal “a quo” determinou a prossecução dos processos de execução fiscal contra os Oponentes, ou seja, os respeitantes a dívidas de IRC dos anos de 1998, 2000, 2001 e 2002, e a IVA dos anos de 1997 a 2005, onde os Oponentes foram considerados parte legítima nas execuções.
Os Recorrentes colocam as questões a decidir neste recurso da seguinte forma:
“Importa então apurar se o Recorrente O... exerceu de facto a gerência, ou apenas seria gerente a título direito/nominal para efeitos do disposto do artigo 13.º do CPT e 24.º da LGT, e se o empréstimo realizado pela S… constitui acto culposo”.
Começam os Recorrentes por afirmar que resulta claramente dos depoimentos prestados pelas testemunhas que quem efectivamente exercia a gerência de facto era a Oponente M... e não O..., remetendo para os seus depoimentos e transcrevendo as passagens dos mesmos que, na sua óptica, espelham essa conclusão.
Contudo, não podemos olvidar que o que releva é efectuar a prova de factos, sendo, depois, a partir dos factos assentes, que o tribunal retirará ilações de facto e de direito. Isto é, não importa verificar se as testemunhas afirmaram quem era efectivamente o gerente da executada originária, mas antes observar se foram invocados factos simples susceptíveis de densificar o conceito de gerência de facto, que, a comprovarem-se, possam permitir chegar à conclusão de quem exercia efectivamente a gerência.
É neste contexto que importa averiguar se os Recorrentes cumpriram com o ónus que sobre eles impendia de impugnação da decisão da matéria de facto.
Quanto ao julgamento da matéria de facto, importa ter presente que o poder de cognição deste Tribunal sobre a matéria de facto ou controlo sobre a decisão de facto prolatada pelo tribunal “a quo” não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento de facto – cfr. artigo 690.º-A do CPC, que regula esta matéria antes da alteração introduzida pelo D.L. n.º 303/07, de 24-08 (actual artigo 640.º a partir da Lei n.º 41/2013, de 26-06), porquanto, por um lado, tal possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgados e desde que cumpra os pressupostos fixados no artigo 690º-A nºs 1 e 2 do CPC, e, por outro lado, o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade (vide sobre esta problemática A.S. Abrantes Geraldes in “Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. II, págs. 250 e segs.).
Daí que sobre o recorrente impende um especial ónus de alegação quando pretenda efectuar impugnação com aquele âmbito mais vasto, impondo-se-lhe, por conseguinte, dar plena satisfação às regras previstas no artigo 690.º-A do CPC.
É que ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no artigo 712.º, n.º 1 do CPC, incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.
Ora, como já ficou claro, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, o que significa que o recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão, sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida, sendo que os Recorrentes, “in casu”, acabam por indicar somente o facto vertido no ponto 10 como incorrectamente julgado – “Os cheques eram assinados por ambos os sócios bem como outros documentos necessários”.
Sustentam os Recorrentes que nenhuma das testemunhas confirmou ter presenciado a prática de tal acto pelo Oponente/Recorrente O..., não detendo o tribunal prova suficiente (ou alguma) para sustentar tal factualidade. Acrescentaram que o Tribunal “a quo”, na motivação da decisão da matéria de facto, declarou que os depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas foram vagos e imprecisos, não merecendo a credibilidade do Tribunal.
Antes de mais, este detalhe, da assinatura de cheques por ambos os sócios, não foi invocado por qualquer das partes no processo. Considerada a reprodução do teor dos depoimentos prestados pelas duas testemunhas inquiridas, que se mostra parcialmente transcrita na motivação da decisão da matéria de facto, constatamos que este pormenor terá resultado de concretização realizada pelo inquiridor. Na verdade, a dado momento da inquirição da testemunha Marco…, foi questionado “Mas dentro da empresa eles eram os dois gerentes, era por vezes necessário assinar documentos, ordens bancárias, cheques, quem era que fazia isso? O Sr. lembra-se?”
Realmente, no artigo 30.º da petição de oposição, invocou-se “com efeito, é ela que assina e envia as declarações e pratica actos de gestão daquela” e no artigo 37.º do mesmo articulado: “foi, pois, a oponente e sócia-gerente, M..., que desempenhou (e desempenha) exclusivamente as funções de gerente da S…, nomeadamente, que assina e envia as declarações, trata dos movimentos monetários, se desloca às repartições em sua representação, aos clientes, fornecedores e credores, enfim, organiza de todo a vida da devedora principal”.
O certo é que o tribunal só deve realizar ou ordenar oficiosamente diligências tendentes à descoberta da verdade material relativamente a factos que tenham sido alegados (ou que sejam de conhecimento oficioso) – cfr. artigo 99.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT).
Nesta conformidade, não sendo a assinatura de cheques por ambos os sócios um facto de conhecimento oficioso, nem tendo sido alegado, é irrelevante que as testemunhas se tenham referido ou não ao mesmo, não podendo, por isso, constar da decisão da matéria de facto.
Da transcrição que efectuámos da matéria invocada consta que era a Oponente M... que tratava dos movimentos monetários. Tal alegação é algo genérica, parecendo-nos forçado que quisesse especificamente invocar a assinatura de cheques. Mas, mesmo que assim fosse, se os depoimentos prestados pelas testemunhas não mereceram a credibilidade do Tribunal recorrido, por se terem revelado vagos e imprecisos, tal factualidade nunca poderia ser levada à matéria assente (tanto mais que não existe nenhum documento, nenhum cheque, ínsito nos autos que revele que assinaturas eram apostas no mesmo).
Quanto aos outros “documentos necessários”, que também seriam assinados por ambos os sócios segundo factualidade assente no ponto 10, os Recorrentes alegaram, como vimos, que era a Oponente M... que assinava e enviava as declarações de rendimentos. Mostram-se ínsitas nos autos algumas declarações modelo 22 (cfr. fls. 33 a 40 verso da cópia do processo de execução fiscal apenso aos autos), referentes a contribuição industrial (cfr. fls. 30 a 32 do mesmo apenso) e a declaração de início de actividade da sociedade originária (cfr. artigo 128 a 129 verso da cópia do processo de execução fiscal apenso aos autos). Nestas, podemos observar que a Oponente as assinou no campo reservado ao representante legal da sociedade e que o Oponente as assinou no espaço destinado ao técnico oficial de contas ou responsável pela escrita da mesma sociedade.
Nestes termos, é nossa convicção que o ponto 10 do probatório não pode manter-se no probatório, dado que os documentos, pelo menos os existentes nos autos, não eram, genericamente, assinados por ambos os sócios (pressupondo-se que, com a redacção dada no ponto 10, o fariam com a mesma qualidade).
Pelo exposto, decide-se eliminar da decisão da matéria de facto o ponto 10.

Estabilizada a matéria de facto, vejamos que conclusões essa factualidade nos permite retirar quanto à responsabilidade dos Recorrentes pelas dívidas exequendas.
É sabido que o regime da responsabilidade subsidiária aplicável é o vigente no momento em que se verifica o facto gerador da responsabilidade (artigo 12.º do Código Civil), pelo que sendo as dívidas exequendas referentes a IRC de 1998, 2000, 2001 e 2002 e a IVA de 1997 a 2005, algumas dívidas respeitam a factos constitutivos que ocorreram na vigência do Código de Processo Tributário (CPT), sendo de aplicar o regime previsto nos respectivos artigos 13.º e 239.º, outras foram geradas na vigência da Lei Geral Tributária (LGT), sendo, respectivamente, de aplicar o regime previsto no artigo 24.º da LGT.
Estabelecia o artigo 24.º da Lei Geral Tributária (na redacção originária dada pelo Decreto-Lei n.º 398/98 de 17.12, que vigorou de 01.01.1999 até 31.01.2000) que:
“1 – Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração nas sociedades, cooperativas e empresas públicas são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”
Entretanto, pelo artigo 13.º da Lei n.º 30-G/2000, de 29.12, o preceito citado foi objecto de alteração, fazendo constar, no corpo do n.º 1, “Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis (...)” e, na alínea a), “Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;”
Vejamos, também, o teor do artigo 13.º do CPT, aplicável, como vimos, a parte das dívidas em apreço nos autos:
“Responsabilidade dos administradores ou gerentes das empresas e sociedades de responsabilidade limitada
1 - Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam funções de administração nas empresas e sociedades de responsabilidade limitada são subsidiariamente responsáveis em relação àquelas e solidariamente entre si por todas as contribuições e impostos relativos ao período de exercício do seu cargo, salvo se provarem que não foi por culpa sua que o património da empresa ou sociedade de responsabilidade limitada se tornou insuficiente para a satisfação dos créditos fiscais. (…)”
Resulta inequivocamente destes normativos legais que a responsabilidade subsidiária é atribuída em função do exercício do cargo de gerente e reportada ao período do respectivo exercício. Ou seja, a gerência de facto constitui requisito da responsabilidade subsidiária dos gerentes, não bastando, portanto, a mera titularidade do cargo, a gerência nominal ou de direito.
Ora, é sobre a administração tributária, enquanto exequente e como titular do direito de reversão, que recai o ónus de alegar e provar os pressupostos que lhe permitem reverter a execução fiscal contra o gerente da devedora originária, designadamente, os factos integradores do efectivo exercício da gerência de facto [de acordo com a regra geral de quem invoca um direito tem que provar os respectivos factos constitutivos - artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil e artigo 74.º, n.º 1, da LGT]. Com efeito, conforme os Recorrentes concluem nos pontos 4 e 5 das suas alegações de recurso, não há qualquer presunção legal que faça decorrer da qualidade de gerente de direito o efectivo exercício da função e que faça inverter o referido ónus que recai sobre a administração tributária.
Como se refere no acórdão do STA (Pleno da Secção do Contencioso Tributário), de 28/02/2007, Recurso n.º 1132/06, a prova da gerência de direito não permite presumir, nem legal nem judicialmente, a gerência de facto, impondo-se ao exequente fazer a respectiva alegação e subsequente prova.
A denominada gerência de facto de uma sociedade comercial consistirá no efectivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam, nomeadamente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade. Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo facto, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros - nestes termos, Rúben Anjos de Carvalho, Francisco Rodrigues Pardal, Código de Processo das Contribuições e Impostos, anotado e comentado, 2ª Edição, Coimbra, 1969, p. 139 - citado, entre outros, nos acórdãos do TCAN de 18/11/2010 e de 20/12/2011, Processos 00286/07 e 00639/04, respectivamente.
Resumindo, o que importa apurar é se os factos dados como provados na sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga permitem infirmar o exercício da gerência de facto por parte do Recorrente marido, dado que a Recorrente M... assume que exerceu de facto a gerência da sociedade executada.
Importar reiterar que não relevam eventuais conclusões acerca do exercício da gerência que as testemunham possam ter afirmado, tanto mais que questionada a testemunha Marco… da seguinte forma: “Mas dentro da empresa eles eram os dois gerentes, era por vezes necessário assinar documentos, ordens bancárias, cheques, quem era que fazia isso? O Sr. lembra-se?”; primeiramente respondeu: era mais a D. Alice. O que poderia significar que também o Recorrente marido assinava esses documentos.
Isto para acentuar que se deve atender a toda a factualidade apurada e elementos recolhidos no processo de execução fiscal, devendo os factos ser conjugados entre si, “lidos” à luz das regras da experiência comum, e não apreciados isoladamente.
A sociedade S…, Lda. foi constituída em 12/09/1988, pelos Recorrentes, correspondendo o capital social à soma de duas quotas iguais, uma de cada sócio, tendo por objecto o exercício de prestação de serviços de contabilidade, economia, informática, organização administrativa de empresas, seguros e diversos serviços administrativos; tendo ficado determinado que a gerência da sociedade pertencia a ambos os sócios, para tanto desde logo nomeados; sendo que para obrigar a sociedade em todos os seus actos e contratos era suficiente a assinatura de um dos sócios indistintamente – cfr. ponto 6 da factualidade apurada.
Na proposta de decisão de reversão consta que os sócios-gerentes são casados entre si no regime de comunhão de adquiridos, que o local onde é exercida a actividade da executada pertence aos sócios-gerentes, que é também sede de outra empresa pertencente igualmente aos sócios-gerentes da executada, que estes são titulares de três prédios urbanos, além do elenco de material de escritório.
Ambos os Recorrentes exerceram o seu direito de audição prévia, de per si, limitando-se a discutir a prescrição das dívidas e a oportunidade da reversão, não refutando a sua qualidade de gerentes da firma em questão.
Foi precisamente com base no facto de nenhum dos sócios ter refutado a sua qualidade de gerente da sociedade executada e com fundamento na insuficiência manifesta de bens da devedora originária que foi proferida a decisão de reversão contra ambos os Recorrentes - cfr. fls. 42 a 60 da cópia do processo de execução fiscal apenso aos autos; mostrando-se, igualmente, juntas declarações de rendimentos e a declaração de início de actividade.
Como referimos, para que os gerentes sejam responsabilizados pelas dívidas da sociedade, não basta que como tal tenham sido nomeados no pacto social. É também necessário que no desenrolar da actividade desempenhem efectivas funções de gerência.
No caso dos autos, o Recorrente marido afirma pela primeira vez na presente oposição que nunca exerceu efectivas funções de gerente, imputando o exercício efectivo dessas funções à Recorrente M....
Todavia, a prova documental junta aos autos revela que as declarações fiscais apresentadas à Administração Tributária indicam ambos os Recorrentes como gerentes e encontram-se assinadas por ambos: a M... como representante legal da sociedade e o O… como técnico oficial de contas – cfr. fls. 30 a 40 verso da cópia do processo de execução fiscal apenso.
Ora, tratando-se de marido e mulher, cada um com uma quota de 50% do capital social e sendo certo que qualquer deles tinha poderes de gerência para vincular a sociedade, tal facto, associado aos que ainda apontaremos, revela que a gerência era exercida por ambos de comum acordo.
A tal não obsta ter sido fixado no ponto 7 do probatório que o Oponente, O…, trabalhava na empresa, desempenhava as funções de técnico oficial de contas e detinha uma sociedade em nome pessoal, denominada O… Unipessoal, Lda., que se dedicava a angariação de seguros e funcionava nas mesmas instalações; nem ter sido apurado que o sector da contabilidade era da responsabilidade da Oponente M..., sendo esta quem dava ordens aos funcionários, quem estabelecia as prioridades e trabalhos a desenvolver – cfr. ponto 9 da decisão da matéria de facto.
Efectivamente, tudo indica, atento o objecto social da sociedade originária, que os dois sócios dividiam as tarefas na empresa. Os Recorrentes, marido e mulher, sendo ambos contabilistas, estavam numa posição de igualdade, atenta a prova produzida, ocupavam-se de actividades distintas dentro do objecto da sociedade - exercício de prestação de serviços de contabilidade, economia, informática, organização administrativa de empresas, seguros e diversos serviços administrativos – o Recorrente desempenhava funções de técnico oficial de contas e dedicava-se à parte da organização e da angariação de seguros; a Recorrente estava encarregue da prestação de serviços de contabilidade e seria, mais ela, que dava ordens aos funcionários. Ambos os Recorrentes exerciam funções no mesmo espaço, sendo irrelevante que o Recorrente marido tivesse, ainda, uma sociedade em nome pessoal a funcionar nas mesmas instalações da devedora principal. Tanto mais que os revertidos eram ainda sócios de outras sociedades, pelo menos a Vicastur-Viagens & Turismo, Lda., também com sede no mesmo local onde era exercida a actividade da executada, e a C…, Lda., onde eram também gerentes – cfr. artigo 36.º da petição de oposição e elementos ínsitos no processo de execução fiscal.
Efectivamente, espelha-se que as actividades exercidas por ambos os Recorrentes se interligam, se articulam e se complementam. A derradeira prova disso é o facto vertido no ponto 8 da decisão da matéria de facto: Os Oponentes procederam a entradas de dinheiro, retirado da executada originária para a sociedade C…, Lda.
Salientamos que este facto não se mostra impugnado no presente recurso, resultando claro que foram ambos os Recorrentes a emprestar valores monetários, provenientes da devedora principal, a outra sociedade. Daqui resulta que ambos realizaram negócios e exteriorizaram a vontade social perante terceiros, ou seja, representaram a executada originária perante terceiros, espelhando, em articulação com todos os restantes elementos, que ambos geriam a sociedade, embora, admitimos, um com mais incidência em determinadas actividades e o outro com prevalência em outras tarefas, mas revelando sempre uma posição de igualdade na administração e gerência da devedora originária.
É nossa convicção, atento o conceito de gerência que deixamos exposto, que a concatenação de todos os factos apurados revela inequivocamente a gerência de facto exercida pelo Recorrente marido, dado que os comportamentos deste também determinaram os destinos da sociedade originária, principalmente nas relações financeiras com a C…, Lda. Efectivamente, o O… ingeriu-se na actividade de gerente de forma estável e com carácter de continuidade, no que se refere à representação societária, pois não ficou provado que em algum momento, nos períodos a que respeitam as dívidas exequendas, se tenha desligado do acompanhamento ou dos destinos da sociedade executada.
Deste modo, é de concluir que ficaram demonstrados factos relevantes integradores do conceito da gerência de facto por parte da exequente.

Não resulta questionada a aplicabilidade do disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT, nem do artigo 13º do CPT, na situação concreta, tendo a sentença recorrida julgado existir responsabilidade dos Oponentes pelas dívidas.
Nesta parte, o recurso insurge-se contra o decidido por sustentar que a ajuda financeiramente feita à C… deverá ser considerada como um acto de gestão não culposo.
As normas com base nas quais se determina a responsabilidade subsidiária, inclusivamente aquelas que determinam as condições da sua efectivação e o ónus da prova dos factos que lhe servem de suporte, devem considerar-se como normas de carácter substantivo, pois a sua aplicação tem reflexos materiais na esfera jurídica dos revertidos. Por isso, o CPT é aplicável para regular as condições da reversão contra os responsáveis subsidiários, bem como para estabelecer as regras do ónus da prova dos factos em que assenta a responsabilidade, relativamente a dívidas cujos períodos de constituição decorreram na sua vigência - Acórdão do STA, de 28/09/2006, proferido no âmbito do processo n.º 0488/06.
A lei onera com a presunção de culpa na insuficiência do património da empresa para satisfação dos créditos fiscais o gerente da devedora original.
Sendo uma presunção legal de culpa, ela só pode ser ilidida mediante a prova do contrário (artigo 350.º/2 do Código Civil). Não basta a mera contraprova destinada a tornar duvidosa a sua culpa (artigo 346.º do Código Civil) exigindo-se, antes, a demonstração de que a situação de insuficiência se ficou a dever exclusivamente a factores exógenos e que, no exercício da gerência, usou da diligência de um bonus pater familiae no sentido de evitar essa situação (cfr., entre outros, os Acórdãos deste TCAN, de 09/02/2012 e de 06/04/2006, proferidos no âmbito dos processos n.º 00415/05.8BEBRG e n.º 00021/02 – PORTO, respectivamente).
Para ilidir a presunção legal de culpa, deverá o oponente alegar os factos relevantes e demonstrativos das iniciativas que um gestor diligente sempre empreenderia em circunstâncias adversas de modo a evitar, ou minimizar, o impacto negativo de eventuais factores externos no desenvolvimento da actividade social.
Para afastar a presunção, não exige a lei o sucesso total dessas diligências em evitar o encerramento da sociedade, ou da constituição das dívidas, pois nem tudo é previsível ou controlável e não cabe aos tribunais avaliar o mérito técnico da gestão desenvolvida pelos gerentes nem as capacidades inatas ou técnicas que cada sujeito é portador.
O que se exige é tão só o empenho e actividade dedicada do gestor no pagamento dos créditos fiscais e/ou na preservação do património que há-de, a final, garantir o seu pagamento (o património do devedor constitui a garantia geral dos créditos tributários – art.º 50º/1 LGT e 601º do Código Civil).
E se porventura esse pagamento se tornar impossível, que o gestor demonstre, pelo menos, ter feito tudo o que estava ao seu alcance para que os créditos fiscais não fossem defraudados.
Esta exigência é o que se reputa de «condição mínima» para «desculpabilizar» a falta de pagamento de qualquer imposto, sem distinguir as repercussões e características próprias de cada um – cfr. Acórdão do TCAN, de 18/09/2014, proferido no âmbito do processo n.º 1126/06.2BEBRG.
Como havíamos referido anteriormente, a figura da culpa só tem sentido quando reportada a omissões ou acções específicas, sendo imprescindível a alegação de medidas concretas que demonstrem a diligência empreendedora do gestor em face das adversidades a que a actividade ficou exposta.
Contudo, compulsando a petição inicial, não se vislumbra a invocação de qualquer medida, diligência, ou empreendimento desenvolvidos pelos Oponentes com vista à satisfação das dívidas fiscais.
Nos artigos 40.ºe 41.º da petição inicial, os Oponentes alegaram, genericamente, que a Oponente M... exerceu e exerce a gerência da S… com diligência, responsabilidade e ponderação. E, embora com bastantes dificuldades financeiras, reconheça-se, vai cumprindo alguns compromissos financeiros, inclusivamente quanto ao pagamento de dívidas tributárias da S….
Por outro lado, no artigo 33.º da petição de oposição, os Oponentes invocaram que a S…, para fazer face à profunda crise financeira por que passava a C…, a tenha socorrido financeiramente e que foi por ter retirado valores monetários à devedora originária com esse fim que ficou sem capacidade para pagar as dívidas tributárias – cfr. artigo 32.º da petição inicial.
Nada mais foi invocado, nada mais resultou provado.
No caso especial do IVA, que também está em causa nos autos, bem como nos impostos retidos na fonte, a falta da sua entrega ganha particular gravidade, na medida em que se trata de impostos que traduzem um fluxo monetário na empresa que, ao não serem entregues nos cofres do Estado, estão a ser «desviados» do seu destino legal único, em proveito de «objectivos» alheios à sua finalidade.
Quando o gestor procede ao «desvio» da destinação das verbas recebidas (estamos a falar do IVA) não pode, assim, deixar de indiciar um comportamento censurável. E quanto mais censurável é o comportamento indiciado, mais esforço se exige na demonstração de factos positivos bastantes que contrariem aqueles indícios, sob pena de não afastar a presunção de culpa que a lei lhe atribui.
Como escreve Saldanha Sanches, «(…) No caso do IVA, a existência desse fluxo financeiro cria um forte indício de comportamento censurável que só em casos muito particulares pode ser objecto de uma demonstração de ausência de culpa por parte dos particulares. É uma demonstração difícil, mas não impossível, uma vez que a empresa não é o fiel depositário da quantia cobrada. Embora tenha o dever de entregar as quantias cobradas na aplicação do IVA no prazo previsto pela lei, a empresa pode considerá-las como uma receita normal, cabendo-lhe a devida diligência para que o pagamento seja feito. Pode haver justificação, pela verificação de um facto imprevisto e razoavelmente imprevisível, para que a entrega se não tenha verificado» (cfr. Manual de Direito Fiscal, Coimbra Editora, 3ª edição, pp. 274).
In casu, os Oponentes nem sequer invocam não ter recebido esses montantes referentes a IVA dos seus clientes; tendo, muito provavelmente, utilizado esses valores para financiar outra empresa que estava em dificuldades – a C…. Constatando-se, assim, que a insuficiência de património não radicará em situações exteriores à própria empresa e sua gerência.
Ora, os Oponentes somente efectuaram afirmações vagas e genéricas, tendo ficado a totalidade da sua alegação pelo que referimos; sem que tenha concretamente sido invocado que diligências foram efectuadas, por exemplo, para a cobrança do empréstimo realizado à C….
Isto é, em rigor, quanto a esta matéria da responsabilidade, não foram alegados quaisquer factos simples susceptíveis de prova, pelo que sempre faltará explicação para a falta de pagamento das dívidas fiscais. Afinal, o que é que os Oponentes fizeram, em concreto, para evitar essa falta de pagamento das dívidas? Nada foi alegado de concreto que tivesse sido realizado para evitar o incumprimento fiscal, nem diligências tendentes ao cumprimento.
Assim, se a factualidade alegada pelos Oponentes não permite concluir que a situação de insuficiência de património tenha resultado de uma qualquer alteração inesperada e incontrolável de circunstâncias externas, nada alegando no sentido de demonstrar que agiram com cuidado e prudência, não pode considerar-se ilidida a presunção de culpa que sobre eles recai por força do referido artigo 13.º do CPT e do artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT.
Assim, tendo presente esta presunção de culpa, mostra-se forçoso concluir que os Recorrentes não cumpriram o ónus de demonstrar o inverso do ali legalmente presumido, pelo que essa presunção de culpa na insuficiência do património da originária devedora para satisfazer os créditos tributários subsiste.
Aqui chegados, resta concluir que, mesmo não nos imiscuindo nas opções de gestão da sociedade executada, dado que com a ajuda financeira a outra empresa poderiam ter em vista o retorno do dinheiro emprestado acrescido de juros, a sentença na parte recorrida deve manter-se na ordem jurídica, dado que a oposição sempre teria que improceder, quanto às dívidas de IVA e IRC, com este fundamento – cfr. artigo 204.º, n.º 1, alínea b) do CPPT.

Conclusões/Sumário

I - A responsabilidade subsidiária dos gerentes é regulada pela lei em vigor na data da verificação dos factos tributários geradores dessa responsabilidade.
II - A responsabilidade subsidiária dos gerentes, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente, não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito.
III - Não há uma presunção legal que imponha a conclusão de que quem tem a qualidade de gerente de direito exerceu a gerência de facto.
IV – No entanto, o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.
V - O artigo 13.º, n.º 1 do CPT consagra uma presunção legal de culpa na insuficiência do património das empresas e sociedades para a satisfação dos créditos fiscais dos gerentes que exerçam a gerência efectiva no período da verificação dos factos tributários.
VI - Operada a reversão nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, desacompanhada da ilisão da presunção da culpa por parte dos Oponentes, pela insuficiência do património da sociedade para satisfazer as dívidas fiscais da devedora originária, os ora Recorrentes apresentam-se como parte legítima na execução.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas a cargo dos Recorrentes, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhes foi concedido, na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, bem como nomeação e pagamento de honorários a patrono.
Fixa-se, a título de honorários ao patrono nomeado, 4 UR – cfr. ponto 4.6.3 da tabela anexa à Portaria n.º 1386/2004, de 10/11.
Porto, 07 de Dezembro de 2017
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Fernanda Esteves