Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:03068/16.4BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/29/2022
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Antero Pires Salvador
Descritores:ACIDENTE VIAÇÃO, IMPUGNAÇÃO MATÉRIA FACTO, ÓNUS PROVA CONCESSIONÁRIA – ART.º 12.º LEI 24/2007, DE 18/7
Sumário:1 . Do art.º 12.º da Lei 24/2007, resulta que a concessionária de autoestrada em que se verifique um sinistro rodoviário causado por líquidos na via está onerada com uma presunção de incumprimento das obrigações de segurança que lhe cabe observar.

2 . Esta presunção, porque presume o incumprimento de um certo dever, constitui, simultaneamente, uma presunção da ilicitude de certo facto e uma presunção de culpa, na medida em que revela a inobservância do especial dever de diligência que onera a concessionária - artigo 487º, nº 2, do Código Civil.*
* Sumário elaborado pelo relator
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, no Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo:

I
RELATÓRIO

1 . "AA---, SA", com sede na Rua (…), inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do TAF do Porto, datada de 28 de Novembro de 2017, que, julgando procedente a acção administrativa instaurada pelo A. /Recorrido PJ..., residente na Rua (…), a condenou a pagar ao A. a quantia de 5.068,00€, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal de 4% ao ano, desde a citação até efectivo e integral pagamento.
*
Nas suas alegações, a recorrente formulou as seguintes conclusões:
" I. O Tribunal a quo não analisou correctamente a prova produzida, incorrendo em erro de apreciação da prova no que se refere ao ponto devidamente destacado dos factos não provados, mas também quanto às alíneas E), G) e L) dos factos provados, além de não ter considerado matéria de facto que resultou da discussão da causa, mas que tem manifesto interesse para a boa decisão da causa;
II. Com efeito, e desde logo quanto à questão da velocidade máxima instantânea permitida no local, tanto o documento (participação de acidente) junto com a p. i. como os depoimentos de RM... e até, diversamente do que decorre da sentença, de FA... (agente participante) mostram que resultou provado que essa velocidade era à data dos factos e naquele local de 40 km/h;
III. Por isso, tal matéria devia ter merecido resposta positiva (provada) com a seguinte redacção:
- A velocidade máxima instantânea permitida era de 40 Km/h no local referido em B) e na data e hora ali igualmente indicadas;
IV. Depois, e agora relativamente à alínea E) dos factos provados, há-de valer, não a declaração de parte produzida no julgamento (manifestamente — ou, no mínimo, tendencialmente — favorável a versão do próprio A. e que, por isso, e sem confirmação, será de afastar — cfr., por todos, o ac. RP de 20.06.2016, proc. n° 2050/14.0T8PRT.P1), mas antes aqueloutra, e até possivelmente escrita pelo seu punho, relatada na data do sinistro e constante da participação de acidente, pelo que, nesse caso, a resposta correcta será a seguinte:
- O motociclo (...) circulava sensivelmente a 50 km por hora;
V. Também a resposta à alínea G) não se impõe pela sua exactidão, dado que é perfeitamente visível e indiscutível a incompatibilidade de posições/opiniões sobre o existente no local entre, por um lado, o referido pela testemunha RN... ("algo liquido que era gorduroso", que "escorregava") e, por outro, o mencionado pelas testemunhas RM... e FA... (uma mancha seca, de matéria indeterminada, não escorregadia e não gordurosa, além de, segundo ainda a testemunha RM..., inodora);
VI. Por isso, e a par da evidente irrelevância para a boa decisão da causa da questão de saber a "origem" (gordurosa ou não) dessa mancha (embora não tenha resultado de forma alguma provado que tivesse sido gordurosa ou deixado de o ser ab initio), mas também da lavagem de via e da prévia utilização de desengordurante para eventualmente o determinar (explicação que foi muito clara, de resto), temos que a resposta a essa alínea G) dos factos provados não poderá/deverá exceder a seguinte:
- O motociclo (...) passou sobre uma mancha de matéria indeterminada seca existente na via e o seu tripulante perdeu o controlo do motociclo. (E isto, sendo benevolentes, porquanto nem sequer foi produzida prova - se excluirmos as declarações de parte do próprio A. e interessado no desfecho da causa e em imputar aquela mancha o motivo da sua queda);
VII. De outra parte, e agora quanto à alínea L) dos factos provados, sublinhe-se que a prova dos autos quanto a esta matéria queda limitada à junção de um mero orçamento que ninguém confirmou fosse de que forma fosse (nomeadamente quanto a "quantidade") e que, ademais, foi expressamente impugnado pela R. (cfr. artigos 2° e 3° da contestação), razão pela qual a resposta a indicada alínea devera ser reformulada com a seguinte redacção:
- Em consequência do despiste descrito no ponto G, o motociclo (...) sofreu danos não apurados em concreto e de valor igualmente não apurado;
VIII. Importante também (já que é de um acidente ocorrido a noite que aqui se trata) é assentar que a prova dos autos, contrariando a alegacão do A. em 10° da p. i., fez emergir (até com base nas declarações de parte do A. e da testemunha RN...) que o local dispunha de iluminação e que estava em funcionamento naquela ocasião, pelo que, por tal motivo e mais não fosse atendendo ao disposto no artigo 5° n° 2 do C. P. C., deverá ser incluído um item no elenco dos factos provados com a redacção que segue:
- O local referido em B) dispunha de iluminação artificial, estando esta em pleno funcionamento na data e hora igualmente aludidas em B).
Posto isto,
IX. Ainda que se entenda que a R. deve ser condenada (do que esta R. discorda, adiante-se desde já, certo é que não parece que o possa ser (como foi) em quantia certa, mas antes em quantia a liquidar em incidente ulterior e com o limite do valor peticionado a titulo de reparação (€ 5.068,00), sob pena de violação do disposto no artigo 609° n° 2 do C. P. C.;
X. Na verdade, e para lá de o único "elemento de prova" ter sido um mero orçamento, datado, ao que parece, de Janeiro de 2016, i. e., cerca de 4 meses depois do sinistro e cerca de 18 meses antes do julgamento (impugnado pela R., recorde-se, e não "confirmado" por outro qualquer "elemento de prova"), não consta que o motociclo tenha sido reparado até, pelo menos, à data da primeira sessão da audiência final (Julho de 2017). Donde a conclusão obrigatória que aquele valor poderá ser (ou não) aquele correspondente ao prejuízo real e efectivo do A..
Contudo,
XI. É indiscutível que sempre que o lesado contribui culposamente para a produção ou agravamento dos danos, o Tribunal, com base na gravidade das culpas de ambas as partes, nomeadamente, deve decidir se a indemnização deve ser concedida na totalidade, reduzida ou até excluída (cfr. Cód. Civil, artigo 570 n° 1);
XII. Porém, já assim não sucede quando a responsabilidade se basear (como e o caso, segundo a sentença) numa presunção de culpa, pois então a culpa do lesado exclui muito claramente o dever de indemnizar (vide Cód. Civil, artigo 570° n° 2 e igualmente o disposto no artigo 4° do RRCEEP);
XIII. Ora, não sobra a mínima dúvida que o tripulante do motociclo e A. destes autos, como, aliás, declarou/escreveu na participação de acidente, imprimia velocidade superior à legalmente permitida no local e momento do acidente, bem sabendo (ou devendo saber) que o não podia/devia fazer;
XIV. E isto ademais de ser irrecusável a conclusão que, por isso mesmo, tripulava o motociclo sem observância dos deveres de atenção, cuidado, prudência e de diligencia médios que deve ser exigido de todos, A./recorrido incluído, o que, como bem diz Antunes Varela (ob. e loc. cit.), conduz inevitavelmente a essoutra conclusão de que o A. agiu com culpa no caso concreto;
XV. De sorte que, verificando-se, por um lado, a culpa efectiva do condutor do motociclo na produção do sinistro (com base na regra geral presente no artigo 487° do mesmo Cód. Civil), e, por outro, ocorrendo a responsabilização da R./recorrente apoiada numa presunção de culpa (o que a douta sentença defende), dúvidas não restam que a única solução possível é exactamente a exclusão de qualquer dever de indemnizar por parte da R.;
XVI. Assim, e salvo o devido respeito, ocorre violação da lei, porquanto a douta sentença não respeitou e nem observou o disposto nos artigos 487° e 570 n° 2, ambos do Cód. Civil, mas também no artigo 4° da Lei n° 67/2007, de 31 de Dezembro".
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E termina, solicitando que seja dado "... total provimento ao presente recurso e respectivas conclusões, revogando-se a douta decisão de que se recorre, substituindo-se por uma outra que julgue totalmente improcedente a presente acção com base nos argumentos expendidos nesta peça processual, bem como absolva a R. do pedido, tudo com as necessárias consequências legais e como é de inteira JUSTIÇA"
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Notificadas as alegações, apresentadas pela recorrente, supra referidas, veio o A./Recorrido apresentar contra alegações que assim sintetizou, concluindo:
"I - O entendimento perfilhado na Douta Sentença do Tribunal da Administrativo e Fiscal do Porto é o correto, não merecendo qualquer censura ou reparo;
II – O Tribunal a quo analisou corretamente a prova produzida, no que se refere ao ponto, devidamente destacado, dos factos dados como não provados, mas também quanto às alíneas E), G) e L) dos factos provados, tendo considerado toda a matéria de facto que resultou da discussão da causa, com manifesto interesse para a sua boa decisão;
III - A Recorrente não logrou provar o excesso de velocidade, do Recorrido, não tendo, esse facto, obtido prova segura e convincente, logo, tal matéria, foi, corretamente, dada como não provada, pelo Tribunal a quo;
IV - Pelo que, na ausência de outros elementos probatórios, nunca seria possível formular um juízo probatório positivo, acerca da aludida factualidade, isto é, se o limite de velocidade era de 40 km/h ou de 60 km/h, e se o mesmo foi violado pelo ora Recorrido.
V - Daí que o Douto Tribunal recorrido tenha dado como provado, e bem, no nosso entender, que o veículo motociclo, do ora Recorrido, circulava a cerca de 40/50 km por hora, dentro dos limites permitidos por lei, para o local, em análise;
VI - No que concerne à resposta à alínea G), dos factos provados, cumpre sempre dizer, na linha do estatuído na douta Sentença, que, o Autor logrou realizar a prova de que, o seu veículo motociclo, passou sobre uma mancha gordurosa, existente na via, por onde circulava, perdendo a aderência ao piso da faixa de rodagem e, por via disso, perdeu o controlo da direção do veículo,
VII - Desde logo, é o próprio Auto de Participação, documento autêntico, elaborado pela Autoridade Administrativa, chamada ao local, no dia e hora do sinistro, que se discute, nos presentes Autos, que, no seu croqui assinala a existência de uma mancha, no pavimento, de matéria indeterminada.
VIII - O auto de notícia é um documento que vale como documento autêntico quando levantado ou mandado levantar pela autoridade pública (art. 363.º, n.º 3, do CC), seja autoridade judiciária ou policial, e, por isso, faz prova dos factos materiais dele, constantes, nos termos do artigo 169.º do CPP. – Assim, tendo em atenção a sua natureza de documento autêntico, há que considerar provados os factos materiais constantes, no mesmo.
IX - Por outro prisma, os depoimentos das testemunhas RN..., arrolado pela Autor, mas também, das testemunhas arroladas pela Ré, RM..., PA... e FA..., todas mencionaram a existência de uma mancha no pavimento.
X - Logo, o Douto Tribunal Recorrido deu como provado, e bem, no nosso entender, que o veículo motociclo (...) passou sobre uma mancha gordurosa existente na via por onde circulava, perdendo a aderência ao piso da faixa de rodagem e, por via disso, o seu condutor (o Autor) perdeu o controlo da direção do veículo;
XI - Quanto aos danos sofridos no motociclo, em consequência da queda e arrastamento na faixa de rodagem, foram, não só tidas em consideração as declarações de parte do Autor corroboradas pelo depoimento prestado, de forma incontestável, por RN..., como também a Peritagem realizada por PJ….
XII - Pelo que, salvo melhor entendimento, alínea L) dos factos provados, foi decidida em conformidade com a prova produzida em sede de Audiência de Discussão e julgamento:
XIII - A Douta, sentença não violou o disposto nos artigos 487.º n.º 2 e 570.º, n.º 2 do Cód. Civil;
XIV - Salvo o devido respeito, em nenhum momento a Recorrente logrou fazer prova, em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, da culpa, que agora invoca, para se subtrair á sua responsabilidade pela violação do dever das regras de fiscalização e de manutenção das condições de circulação na autoestrada, mais especificamente, na zona do ramo de ligação da A4 à A28 [nó de Sedim PKO ramo G 0,50], em particular, impedir a existência de substâncias gordurosas na via de circulação, situação que, no presente caso, terá levado ao sinistro sofrido pelo motociclo propriedade do Autor;
XV - A responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas está consagrada constitucionalmente, no artigo 22.º, sendo que, em termos de legislação ordinária, o mesmo instituto tem, atualmente, o seu regime jurídico descrito na Lei n.° 67/2007, de 31 de dezembro.
XVI - Ora, considerando a causa de pedir, apresenta-se pacífico que a mesma imputa a ocorrência dos danos à atuação negligente da Recorrente, no que tange à manutenção da via pública em regular estado de circulação, o que causou o sinistro ora sob sindicância.
XVII - À data dos factos, já vigorava o regime jurídico dos direitos dos utentes nas vias rodoviárias classificadas como autoestradas concessionadas e outros tipos de rodovias ali determinadas, aprovado pela Lei n°24/2007, de 18 de julho.
XVIII – No caso vertente, ficou provado que o veículo motociclo, propriedade do Recorrido, circulava, durante a noite e com boas condições atmosféricas, na autoestrada concessionada à Ré, e que, ao entrar na curva de acesso à A28, o condutor perdeu o controlo do motociclo, que dirigia devido, única e exclusivamente, à existência de uma substância gordurosa na via, que provocou a perda de aderência, do veículo, e, consequentemente, a sua queda e deslizamento ao longo de vários metros da faixa de rodagem.
XIX - No caso em análise, era a Recorrente que teria de provar o cumprimento da obrigação de manutenção da via pública em condições de segurança de circulação, o que, salvo melhor opinião, não alcançou.
XX - A Recorrente não conseguiu demonstrar que a culpa, na verificação do acidente, se tivesse ficado a dever ao comportamento do condutor do veículo sinistrado, não legitimando a matéria de facto dada como provada a referência a qualquer elemento nesse sentido.
XXI - Bem como não conseguiu ilidir a presunção de culpa, que sobre si impende.
XXII - Em suma, conclui-se que a Recorrente não cumpriu a obrigação reforçada de meios, a que se encontra adstrita, atendendo a que, são as concessionárias que dispõem de maior facilidade de identificação dos perigos e/ou de apuramento das circunstâncias que rodeiam acidentes, originados por obstáculos existentes na via, tarefa impossível para os utentes da via;
XXIII – O Douto Tribunal a quo, deu, e bem, por assente a ocorrência de um facto ilícito, traduzido na violação das condições de segurança na circulação rodoviária, na via em causa, pela existência de líquido na referida via".
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E termina "Por tudo o exposto, e sem necessidade de mais amplas considerações, deverá o presente recurso ser julgado improcedente, por não provada, e, consequentemente, confirmar a decisão proferida pelo tribunal a quo com todos efeitos legais, justamente porque não violou quaisquer preceitos legais, "maxime" os mencionados pela Recorrente".
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O Digno Magistrado do M.º P.º, notificado nos termos do art.º 146.º, n.º1 do CPTA, não emitiu Parecer.
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Sem vistos, mas com envio prévio do projecto aos Ex.mos Juízes Desembargadores Adjuntos, foram os autos remetidos à Conferência para julgamento.
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2 . Efectivando a delimitação do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, acima elencadas, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, ns. 3 e 4 e 685.º A, todos do Código de Processo Civil, “ex vi” dos arts.1.º e 140.º, ambos do CPTA.

II
FUNDAMENTAÇÃO
1 . MATÉRIA de FACTO
São os seguintes os factos fixados na sentença recorrida:
A) A propriedade do veículo motociclo com a matrícula (...), da marca BMW, modelo R12 encontra-se inscrita a favor do Autor.
B) A 20 de setembro de 2015, pelas 23h00m, o veículo motociclo supra identificado circulava na zona do ramo de ligação da A4 à A28 - nó de Sedim PKO ramo G 0,50 - distrito do Porto, concelho de Matosinhos.
C) No dia e hora identificados na alínea antecedente, o estado do tempo era seco, não chovia e o trânsito era reduzido.
D) O veículo motociclo (...) circulava na faixa da direita da A4 sentido Vila Real - Matosinhos.
E) O veículo motociclo (...) circulava a cerca de 40/50 km por hora.
F) Ao descrever a curva que dá acesso da A4 para a A28, no sentido Porto / Viana do Castelo,
G) O veículo motociclo (...) passou sobre uma mancha gordurosa existente na via por onde circulava, perdendo a aderência ao piso da faixa de rodagem e, por via disso, o seu condutor [o Autor] perdeu o controlo da direção do veículo,
H) O que provocou a sua queda e consequente arrastamento do motociclo e do seu condutor ao longo de vários metros de extensão do piso da faixa de rodagem.
I) A mancha referida no Ponto F), ocupava uma extensão de cerca de 40 metros.
J) O arrastamento referido no Ponto G), provocou um sulco na faixa de rodagem de cerca de 1,7 metros de comprimento.
K) O despiste descrito no Ponto G) foi participado à Divisão de Trânsito do Porto da Polícia de Segurança Pública, que elaborou um auto designado de “Participação de Acidente” após deslocação ao local.
L) Em consequência do despiste descrito no Ponto G), o veículo (...) sofreu danos na parte frontal, bem como nas partes laterias direita e esquerda, cujo custo de reparação ascende a EUR 5.068,00 [cf. orçamento a fls. 22 do processo físico].
M) A Ré, por intermédio dos seus funcionários, efetua patrulhamentos diários, em regime de turno, durante as 24 horas de cada dia, a toda a extensão da sua concessão, inclusive no local do despiste.
N) Na mesma data, os funcionários da Ré não detetaram a existência de qualquer substância gordurosa na referida faixa de rodagem.
O) Até à hora do despiste, a Ré não tinha conhecimento da existência de uma mancha gordurosa no local.
P) Após o despiste, os Bombeiros Voluntários de São Mamede Infesta procederam à limpeza da faixa de rodagem.
Q) Após o despiste, a Ré, por intermédio do seu funcionário RM..., aplicou um produto desengordurante para limpeza da faixa de rodagem.
R) Em 12 de outubro de 2015, o Autor reclamou junto dos serviços da Ré o ressarcimento dos danos sofridos no seu motociclo.
S) Dá-se por reproduzido todo o teor dos documentos que integram os autos.
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Mais se referiu na sentença recorrida que:
"Não se provaram outros factos senão os que antecedem, designadamente o limite de velocidade estabelecido no local em que ocorreu o despiste do motociclo (...)"

2 . MATÉRIA de DIREITO

No caso dos autos, vistas as alegações e contra alegações, por um lado e a sentença recorrida, por outro, as questões a decidir por este TCA consistem em avaliar/decidir:
- Se se mostra correcta a decisão da matéria de facto; e ainda,
- se a matéria de direito se mostra conforme o direito aplicável, concretamente,
- quanto ao valor dos danos em que a recorrente foi condenada;
- repartição de culpa na produção do acidente;
- se existe presunção de culpa que onere a Ré; e,
- se esta ilidiu ou não essa presunção.
**
Quanto à matéria de facto provada e não provada.
Lidas as alegações da recorrente, sintetizadas nas respectivas conclusões, verificamos que a Ré/Recorrente se insurge quanto (i) ao facto dado como não provado, (ii) quanto aos factos fixados nas alíneas E), G) e L) – conclusões I a VII - e ainda (iii) pelo aditamento do facto provado nos autos, no que se refere à iluminação artificial do local onde ocorreu o acidente (conclusão VIII das alegações).
*
Antes, porém, de entrarmos na análise específica e crítica das provas levadas em consideração para se obterem os factos provados e não provados, importa que - similarmente ao propendido em casos semelhantes - clarifiquemos alguns conceitos inerentes a esta matéria, de molde a balizarmos, tanto quanto possível, a sindicância possível e adequada, no que concerne à modificação da matéria de facto, dada como provada, pela 1.ª instância, ainda que com base na jurisprudência dos Tribunais Superiores da jurisdição administrativa, quer do STA, quer deste TCA, os quais já lapidaram, com rigor, esta matéria e com os quais concordamos e já temos incluído noutras decisões por nós relatadas.
*
Assim, refere, a este propósito o Ac. do STA, de 19/10/2005, in Rec. 0394/05 “O Tribunal de recurso só deve modificar a matéria de facto quando a convicção do julgador, em 1ª instância, não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se assim a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova e à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto”.
*
No mesmo sentido, vai o Ac. do mesmo Tribunal, de 14/3/2006, in Rec. 01015/06, que refere que “A garantia de duplo grau de jurisdição em matéria de facto (art. 712º C.P.Civil) deve harmonizar-se com o princípio da livre apreciação da prova (art. 655º/1 do C.P.Civil).
Assim, tendo em conta que o tribunal superior é chamado a pronunciar-se privado da oralidade e da imediação que foram determinantes da decisão em 1ª instância e que a gravação/transcrição da prova, por sua natureza, não pode transmitir todo o conjunto de factores de persuasão que foram directamente percepcionados por quem primeiro julgou, deve aquele tribunal, sob pena de aniquilar a capacidade de livre apreciação do tribunal a quo, ser particularmente cuidadoso no uso dos seus poderes de reapreciação da decisão de facto e reservar a modificação para os casos em que a mesma se apresente como arbitrária, por não estar racionalmente fundada, ou em que for seguro, segundo as regras da ciência, da lógica e/ou da experiência comum que a decisão não é razoável.
Tudo a aconselhar um especial cuidado por parte do tribunal superior no uso dos seus poderes de reapreciação dos pontos controvertidos da matéria de facto (cfr., neste sentido, os acórdãos deste Supremo Tribunal, de 2003.06.18 – rec- nº 1188/02 e de 2004.06.22 – rec. nº 1624/03).
Sob pena de pôr em causa os princípios da oralidade e da livre convicção que informam a nossa lei processual civil, o tribunal de recurso deve reservar a modificação da decisão de facto para os casos em que a mesma seja arbitrária por não se mostrar racionalmente fundada ou em que for evidente, segundo as regras da ciência, da lógica e /ou da experiência que não é razoável a solução da 1ª instância”.
*
Salientamos, ainda, (face às normas do CPTA) acerca desta matéria, o que se escreveu no Ac. deste TCA Norte, de 8/3/2007, in Proc. 00110/06, a saber :
Decorre do regime legal vertido nos arts. 140.º e 149.º do CPTA que este Tribunal conhece de facto e de direito sendo que na apreciação do objecto de recurso jurisdicional que se prende com a impugnação da decisão de facto proferida pelo tribunal “a quo” se aplica ou deve reger-se, na ausência de regime legal especial, pelo regime que se mostra fixado em sede da legislação processual civil nesta sede.

Assim, pese embora tal regime e situações diversas temos, todavia, que referir que os poderes conferidos no art. 149.º, n.º 2 do CPTA não afastam os poderes de modificação da decisão de facto por parte deste Tribunal ao abrigo do art. 712.º do CPC por força da remissão operada pelos arts. 01.º e 140.º do CPTA porquanto o TCA mantém os poderes que assistem ao tribunal de apelação no âmbito da fixação da matéria de facto quando esta constitui objecto ou fundamento de recurso jurisdicional.

É que a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova por parte do julgador que se mostra vertido no art. 655.º do CPC, sendo certo que, na formação da convicção daquele quanto ao julgamento fáctico da causa, não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, mas também factores não materializados, visto que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação e/ou na respectiva transcrição.
Na verdade, constitui dado adquirido o de que existem inúmeros aspectos comportamentais dos depoentes que não são passíveis de ser registados numa simples gravação áudio. Tal como já era apontado pelo Juiz Cons. Eurico Lopes Cardoso os depoimentos não são só palavras, nem o seu valor pode ser medido apenas pelo tom em que foram proferidas. Todos sabemos que a palavra é só um meio de exprimir o pensamento e que, por vezes, é um meio de ocultar. A mímica e todo o aspecto exterior do depoente influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe e como tal apreendidos ou percepcionados por outro Tribunal que pretenda fazer a reapreciação da prova testemunhal, sindicando os termos em que a mesma contribuiu para a formação da convicção do julgador, perante o qual foi produzida (cfr. BMJ n.º 80, págs. 220 e 221).
Como tal, o juiz, perante o qual foram prestados os depoimentos, sempre estará numa posição privilegiada em termos de recolha dos elementos e sua posterior ponderação, nomeadamente com a devida articulação de toda a prova oferecida, de que decorre a convicção plasmada na decisão proferida sobre a matéria de facto.
Em conformidade, a convicção resultante de tal articulação global, evidencia-se como sendo de difícil destruição, principalmente quando se pretende pô-la em causa através de indicações parcelares, ou referências meramente genéricas que o impugnante possa fazer, como contrárias ao entendimento expresso.
Com efeito e como tem vindo a ser entendimento jurisprudencial consensual o depoimento de uma testemunha é formado por um complexo de situações e factos em que sobressai o seu porte, as suas reacções imediatas, o sentido dado à palavra e à frase, o contexto em que é prestado o depoimento, o ambiente gerado em torno da testemunha, o modo como é feito o interrogatório e surge a resposta, tudo contribuindo para a formação da convicção do julgador.
Segundo a lição que se extrai dos ensinamentos do Prof. Enrico Altavilla "(…) o interrogatório como qualquer testemunho, está sujeito à crítica do juiz, que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá também aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras" (in: "Psicologia Judiciária", vol. II, Coimbra, 3ª ed., pág. 12).
Como já defendia o Prof. J. Alberto dos Reis “… É já hoje lugar-comum a nota de que tanto ou mais do que o que o depoente diz vale o modo por que o diz, é que se as declarações contam, contam também as reticências, as hesitações, as reservas, enfim a atitude e a conduta do declarante no acto do depoimento ...” (in: “Código de Processo Civil Anotado”, vol. IV, pág. 137).
Daí que a convicção do tribunal se forma de um modo dialéctico, pois, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas produzidas nos autos, importa atender também à análise conjugada das declarações produzidas e dos depoimentos das testemunhas, em função das razões de ciência, da imparcialidade ou falta dela, das certezas e ainda das lacunas, das contradições, das hesitações, das inflexões de voz, da serenidade, dos “olhares de súplica” para alguns dos presentes, da "linguagem silenciosa e do comportamento", da própria coerência de raciocínio e de atitude demonstrados, da seriedade e do sentido de responsabilidade evidenciados, das coincidências e inverosimilhanças que transpareçam no decurso da audiência de julgamento entre depoimentos e demais elementos probatórios.
Ao invés do que acontece nos sistemas da prova legal em que a conclusão probatória está prefixada legalmente, nos sistemas da livre apreciação da prova, como o nosso, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto da discussão em sede de julgamento, com base apenas no juízo que se fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
Note-se, contudo, que este sistema não significa puro arbítrio por parte do julgador.
É que este, pese embora, livre, no seu exercício de formação da sua convicção, não está isento ou eximido de indicar os fundamentos onde aquela assentou por forma a que, com recurso às regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquele processo de formação da convicção sobre a prova ou não prova daquele facto, permitindo, desta feita, sindicar-se o processo racional da própria decisão.
Aliás, a nossa lei processual determina e faz impender sobre o julgador um ónus de objectivação da sua convicção, através da exigência da fundamentação da matéria de facto (da factualidade provada e da não provada), devendo aquele analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção (cfr. art. 653.º, n.º 2 do CPC).
É que não se trata de um mero juízo arbitrário ou de simples intuição sobre veracidade ou não de uma certa realidade de facto, mas antes duma convicção adquirida por intermédio dum processo racional, objectivado, alicerçado na análise critica comparativa dos diversos dados recolhidos nos autos na e com a produção das provas e na ponderação e maturação dos fundamentos e motivações, sendo que aquela convicção carece de ser enunciada ou explicitada por expressa imposição legal como garante da transparência, da imparcialidade e da inerente assunção da responsabilidade por parte do julgador na administração da justiça.
À luz desta perspectiva temos que se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
Aliás e segundo os ensinamentos do Prof. M. Teixeira de Sousa ”(…) o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão. Através da fundamentação, o juiz passa de convencido a convincente (…)” (in: “Estudos sobre o novo Processo Civil”, pág. 348).
…Mercê do que vimos expondo ao tribunal de recurso apenas e só é dado alterar a decisão sobre a matéria de facto em casos excepcionais de manifesto erro na apreciação da prova, de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e essa mesma decisão”.
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Feitas estas considerações dogmáticas acerca da matéria, estamos agora em condições de apreciar esta vertente recursiva da Ré/Recorrente “AA---, SA”.
Vejamos!
Começa a recorrente por peticionar que se considere provado que “A velocidade máxima instantânea permitida era de 40 Km/h no local referido em B) e na data hora ali igualmente indicadas”.
Nesta parte – como vimos e referimos no final da factualidade dada como provada – o TAF do Porto entendeu que não se provou o limite de velocidade estabelecido para o local onde ocorreu o despiste do motociclo (...), fundamentando esta decisão nos seguintes termos:
No mais, refira-se que o facto dado como não provado não obteve prova segura e convincente para o Tribunal.
Com efeito, embora no auto de ocorrência se tenha indicado como correspondendo a 40 km/h [fls. 21 do processo físico], essa asserção acabou por ser infirmada pelo depoimento do próprio autor do documento em questão, FA..., que referiu que na altura não tinha a certeza qual era o limite de velocidade, mas que acredita agora corresponder a 60 km/h.
Em todo o caso, o certo é que o ónus da prova da eventual culpa do lesado [Autor] na ocorrência do referido despiste, sempre se encontraria do lado da Ré, incumbindo a esta a prova do concreto limite de velocidade aplicável no referido local, bem como do respetivo incumprimento por parte do Autor [artigo 342.º, n.º 2, 570.º, n.º 2 e 572.º do Código Civil aplicáveis por via do artigo 4.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de setembro] [neste sentido, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 5 de junho de 2007, proferido no processo n.º 0301/07 e de 15 de maio de 2014, proferido no processo n.º 01504/13, ambos acessíveis em www.dgsi.pt].
O que não foi feito, no caso concreto.
Pelo que, na ausência de outros elementos probatórios, nunca seria aqui possível formular um juízo probatório positivo acerca da aludida factualidade, isto é, se o limite de velocidade era de 40 km/h ou de 60 km/h.
Assim sendo, tendo em conta o ónus da prova, afigura-se-nos sérias dúvidas quanto à sua ocorrência, propendemos para o sentido acima referido".
Ora, vista a prova testemunhal produzida, concatenada com o que consta da Participação de Acidente – fls. 20 e 21 do processo físico – concretamente, neste documento, um limite de velocidade local de 40 Km/h, relevando naquela o depoimento do participante FA... – guarda da PSP – Divisão de Trânsito do Porto – na audiência de discussão e julgamento, verificamos que este, na audiência, assumiu sérias dúvidas acerca do real limite de velocidade máxima para aquela concreta curva da A4 à A28 - nó de Sedim PKO ramo G 0,50, onde se verificou o despiste do motociclo do A., indicado por si na Participação, sendo essa dúvida entendível, na medida em que, sendo uma via de sentido único – ao deslocar-se para o local – vai verificando as placas verticais indicativas do limite de velocidade e quando chega ao local do acidente perca essa noção e tal poderá ter sido essa a situação concreta, perante as dúvidas suscitadas em sede de audiência.
Deste modo, não confirmando o participante, nessa parte, o teor da Participação por si elaborada, sendo ainda que não foram apresentadas provas que possam confirmar o limite de velocidade para esse local, entendemos que não se pode aceitar a tese da recorrente, mantendo-se, assim, a decisão recorrida quanto a esta factualidade.
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Quanto à alínea E), onde se de como provado “O veículo motociclo (...) circulava a cerca de 40/50 km por hora”, não vemos razão para alterar esta factualidade, como e nos termos em que a recorrente o pretende.
Ou seja, esta entende que antes se deverá dar como provado que o motociclo circulava sensivelmente a 50 Km/h.
Baseia a recorrente esta pretensão, essencialmente, no facto do A., na altura do acidente, ter indicado ao participante que circulava “sensivelmente a 50 Km/hora” e, em sede de audiência, vir “emendar a mão”, referindo antes uma velocidade de cerca de 40/50 Km/h.
Também, nesta parte, não vemos razão para alterar o que foi feito constar da referida al. E), sendo certo que, de noite, numa auto estada, numa curva, um motociclista (e mesmo um qualquer condutor de um outro veículo) não vai certamente atento à real velocidade a que circula, olhando para o conta quilómetros, ainda que obviamente, não deixe de ter uma ideia da velocidade a que circula.
Assim, no caso concreto, admitir-se como facto provado que o A. circulava a uma velocidade de 40/50 Km/h, sem se assumir um ou outro valor concreto – seja 40 ou 50 Km/h – mostra-se correcta essa decisão e que espelha a normalidade destas situações.
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Quanto à al. G) – “O veículo motociclo (...) passou sobre uma mancha gordurosa existente na via por onde circulava, perdendo a aderência ao piso da faixa de rodagem e, por via disso, o seu condutor [o Autor] perdeu o controlo da direção do veículo”, a sentença recorrida justificou a sua decisão com base na seguinte argumentação:
Por sua vez, a matéria de facto dada como provada nos Pontos B) a K), P) e Q) resulta da análise do conteúdo da participação de acidente e respetivo croqui plasmados no documento n.º 2 da petição inicial [cf. auto de fls. 20 a 21 do processo físico e croqui a fls. 19 do processo físico], bem como do relatório de ocorrência constante do documento n.º 3 [fls. 22 do processo físico].
Ademais, e ainda quanto a esta factualidade, valorizou-se o depoimento prestado pela testemunha RN..., por se tratar da única testemunha que presenciou o sinistro dos autos.
Esta testemunha relatou os aspetos relativos à ocorrência e casualidade do acidente, relatando-os sempre de modo sereno, espontâneo e absolutamente seguro, o que criou no Tribunal a convicção da veracidade dos factos narrados por esta testemunha.
Assim, resulta natural que a convicção do Tribunal ligada à dinâmica do acidente corresponda, no essencial, ao acolhimento pelo Tribunal do assumido no referido depoimento, do qual se destaca a certeza que o sinistro dos autos, que ocorreu por volta das 23h00, na curva de acesso à A28 no sentido de Viana do Castelo, cuja faixa de rodagem se encontrava seca e em boas condições, ficou a dever-se, essencialmente, à presença de uma mancha gordurosa existente na faixa direita da via, que fez despistar o motociclo do Autor.
Pelo que ficou dito, facilmente se percebe que o depoimento prestado pelas testemunhas FA... e Ricardo Alberto Teixeira, que atestaram a “natureza seca” da referida mancha, não foi assumiu um pendor relevante na determinação da dinâmica do acidente, o que se ficou a dever ao facto destes só terem chegado ao local do despiste depois da sua efetiva ocorrência, não tendo, portanto, conseguido aferir imediatamente a seguir à ocorrência do despiste as reais características da mancha visada com a fidedignidade que aqui se impõe.
De todo o modo, a natureza gordurosa da mancha na via acaba por ser inelutavelmente corroborada pelo simples facto de se ter procedido à limpeza da referida mancha utilizando um produto desengordurante orgânico com a marca “Petrolider”.
Efetivamente, só se usa um produto desengordurante para efetuar a limpeza de determinada substância existente no pavimento quando esta é, no mínimo, gordurosa.
Aliás, esta conclusão é corroborada precisamente pelo depoimento prestado pela testemunha PA....
Daí que o Tribunal tenha formado a sua convicção em relação a tal matéria, sendo a prova de tal factologia uma consequência lógica do que fica agora exposto”.
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Ora, vistas as declarações de todas as testemunhas inquiridas em sede de audiência de julgamento e ainda assim o depoimento do A. --- que, mesmo obviamente interessado na decisão dos autos, não pode deixar de ser relevado, caso crie suficiente convicção no julgador --- também, nesta parte, entendemos manter a factualidade nos precisos termos em que o TAF o consignou.
Na verdade, de todos os depoimentos resulta que existia naquele local uma mancha, antes mais “gordurosa”, depois, com o passar do tempo, mais seca e que - independentemente das razões posteriormente aduzidas, porventura algo contraditórias, em sede de audiência de julgamento -, motivou que fosse aplicado um produto especial desengordurante orgânico e posterior lavagem com água pelos bombeiros entretanto chamados ao local.
Se era evidente – passado algum tempo – a manifesta desnecessidade desse cuidado de limpeza, não vemos que, pessoas conhecedoras destas situações, como eram os funcionários da ré e guardas da PSP, como foram os concretos intervenientes dos autos – RM... e FA..., respectivamente – e ainda o guarda da PSP RN... que circulava à frente do A., também de motorizada e assistiu ao acidente e se manteve sempre no local, tivesse sido ordenado aos bombeiros e o funcionário da Ré RM... concertadamente tivessem a actuação nos termos em que o foi.
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Quanto à al. L) – “Em consequência do despiste descrito no Ponto G), o veículo (...) sofreu danos na parte frontal, bem como nas partes laterias direita e esquerda, cujo custo de reparação ascende a EUR 5.068,00”, entendemos igualmente manter este ponto da factualidade dada como provada.
Na verdade, esta ponto concreto não foi fixado apenas com base num mero orçamento – mesmo podendo ser questionável, na óptica da recorrente – mas conjugado com o depoimento de PJ..., encarregado de assistência e manutenção da Ré/Recorrente e que efectivou a verificação da moto do A. em Abril de 2017, na casa dos pais do A.
Aliás, a fundamentação a este respeito efectivada na sentença vai precisamente neste mesmo sentido, ao referir que “Já no que diz respeito à alínea L) dos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se, quanto aos danos sofridos no motociclo (...) em consequência da queda e arrastamento na faixa de rodagem, das declarações de parte do Autor corroboradas pelo depoimento prestado, de forma irrefragável, por RN... e, quanto ao seu custo de reparação, do orçamento constante de fls. 22 do processo físico cujos valores foram confirmados pela testemunha PJ... [encarregado de assistência e manutenção da Ré que realizou a verificação do motociclo em abril de 2017 na casa dos pais do Autor], como se encontrando de acordo com os danos sofridos”.
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Finalmente, quanto à pretensão da Ré/recorrente, no sentido de se aditar um facto referente à existência de iluminação eléctrica na local do acidente.
Pese embora a irrelevância desta factualidade para a decisão final do processo, porque, seja do depoimento das testemunhas, seja do depoimento do A., resulta que, o local do acidente, na A4 à A28 - nó de Sedim PKO ramo G 0,50, tinha iluminação eléctrica – como, aliás, é habitual nos nós de ligação/saída – nada obsta a que se aceite e adite este facto, com a seguinte numeração e redacção:
T) O local referido em B) dispunha de iluminação artificial (eléctrica), estando em funcionamento na data e hora igualmente indicadas em B)”.
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Quanto à matéria de direito
Nesta parte, a sentença apresentou a seguinte fundamentação - que aqui se reproduz, na medida em que com ela se concorda e nos dispensa de considerações repetitivas e desnecessárias -:
O pedido principal da presente ação é o da condenação da Ré no pagamento à Autora da quantia de € 5.068,00, acrescida de juros de mora desde a data de citação e até efetivo e integral pagamento.
Examinados os termos em que o Autor demanda a Ré, é de concluir que a causa de pedir da atual pretensão indemnizatória assenta, essencialmente, numa invocada violação do dever das regras de fiscalização e de manutenção das condições de circulação na autoestrada, mais especificamente, na zona do ramo de ligação da A4 à A28 [nó de Sedim PKO ramo G 0,50], em particular, impedir a existência de substâncias gordurosas na via de circulação, situação que, no presente caso, terá levado ao alegado sinistro sofrido pelo motociclo propriedade do Autor.
Sendo assim, os termos em que o Autor deduz a sua pretensão indemnizatória enquadram-se na figura da responsabilidade aquiliana, concretamente, pela prática de facto ilícito.
Desta feita, a causa de pedir no presente pleito é constituída por factos, manifestamente, destinados a comprovar a presença de facto ilícito, culposo, danos e nexo de causalidade.
Ora, a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas está consagrada constitucionalmente, no art.º 22º, sendo que, em termos de legislação ordinária, o mesmo instituto tem, atualmente, o seu regime jurídico descrito na Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro.
Ora, atentando na causa de pedir descrita pelo Autor, apresenta-se pacífico que a mesma imputa a ocorrência dos invocados danos à atuação negligente da Ré no que tange à manutenção da via pública em regular estado de circulação, o que causou o sinistro ora sob sindicância.
O que quer dizer que, os factos em que o Autor estriba a sua pretensão indemnizatória, e nos termos do que se encontra descrito no probatório coligido antecedentemente, ocorreram em 20.09.2015.
Assim, atentando que a Lei n.º 67/2007 iniciou a sua vigência em 31.01.2008, é imperativo concluir que a atuação da Ré àquela, e que o Autor reputa de ilícita, culposa e danosa se insere na atividade de gestão pública da Administração, concretamente, o que determina a aplicação do daquele regime para apuramento de qualquer responsabilidade.
Estabelece o artigo 7º, nº1 do regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pela referida Lei nº 67/2007 que, “O Estado e demais pessoas coletivas de direito público são exclusivamente responsáveis pelos danos que resultem de ações ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, no exercício da função administrativa e por causa desse exercício”.
Analisado o normativo transcrito, conclui-se que a responsabilidade civil das pessoas coletivas públicas por factos ilícitos corresponde, no essencial, ao conceito civilista da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, regulado no art.º 483º e ss. do Código Civil.
Deste modo, a responsabilidade da R., pela prática de factos ilícitos, está sujeita à verificação dos seguintes pressupostos: facto ilícito e culposo, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Estes pressupostos são de verificação cumulativa, incumbindo ao, de acordo com as regras do ónus da prova, invocar e provar os factos constitutivos dos mesmos.
Por conseguinte, importa agora apreciar e decidir sobre se estão reunidos os elementos constitutivos da responsabilidade extracontratual que a A. imputa à Ré.
No que concerne ao primeiro pressuposto [facto], compete referir que este é o elemento básico da responsabilidade.
Assim, para que exista dever de indemnizar, é necessário que o facto seja controlável, dominável pela vontade, podendo consistir tanto num ato ou ação (num facto positivo), como também numa omissão [facto negativo].
Especificamente, para que a omissão gere o dever de indemnizar, é forçoso que haja um dever jurídico de praticar um ato que, seguramente ou muito provavelmente, teria impedido a consumação do dano [ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª ed., Almedina, 2003, pp. 527 e 528].
Nas palavras de PESSOA JORGE [Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, Almedina, 1999, pp. 69 e ss.], é indispensável que em questão esteja a omissão de um comportamento devido. A omissão de um comportamento devido ocorre quando sucede o incumprimento de um dever jurídico, ou seja, quando o sujeito não emprega a diligência suficiente para o cumprimento do seu dever (em consonância com um conceito de diligência normativa).
Este princípio sai reforçado atento o disposto no art.º 486º do Código Civil.
A ilicitude traduz-se num juízo de antijuridicidade incidente sobre a conduta geradora do dano.
Sendo assim, a conduta do agente é considerada objetivamente, como negação dos valores tutelados pela ordem jurídica.
O caráter antijurídico do facto tem duas fontes: a violação de um direito subjetivo de outrém ou a violação da lei que protege interesses alheios.
Ora, se a primeira situação enumerada não levanta problemas de preenchimento, já a segunda exige considerações acrescidas.
Realmente, o facto é também ilícito se verter a infração de uma norma destinada a proteger interesses alheios.
Neste tipo de normas, o legislador não conferiu um direito subjetivo, mas sim a tutela a um interesse coletivo.
Porém, indiretamente, estas normas não deixam de atender aos interesses particulares subjacentes [é de assinalar que, esta classe de normas não tem a finalidade de prevenir um dano em concreto, mas antes de evitar ou minorar o perigo de dano, em abstrato [em apoio, ANTUNES VARELA, ob. cit., pp. 536 e ss.], não tendo a sanção ao infrator apenas uma função reparadora, mas também funções preventivas, de caráter geral e especial], sendo certo que, esta variante de ilicitude obriga à verificação de outros requisitos [assim, a lesão dos interesses do particular tem de ser originada pela violação de uma norma legal, cujo fim também tenha em vista a consideração daqueles interesses].
Concomitantemente, o dano tem de se registar no círculo de interesses privados que a lei visa tutelar, isto é, estes interesses têm de pertencer ao horizonte que o legislador teve em vista proteger com o fim da norma.
No que tange à responsabilidade da Administração, a Lei nº 67/2007, de 31 de dezembro, considera ilícitas as ações ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos.
O alcance deste ilícito é, contudo, mais lato do que o que consta do art.º 483º do Código Civil, já que envolve atos jurídicos ou materiais que infrinjam quaisquer normas, princípios ou até regras de ordem técnica ou prudência.
De acordo ainda com a mesma lei, “a culpa dos titulares de órgãos, funcionários e agentes deve ser apreciada pela diligência e aptidão que seja razoável exigir, em função das circunstâncias de cada caso, de um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor”, “ sem prejuízo da demonstração de dolo ou culpa grave, presume-se a existência de culpa leve na prática de atos jurídicos ilícitos” [v. artigo 10º].
A culpa será aferida, pois, pela diligência exigível a um funcionário ou agente típico, ou seja, um funcionário ou agente zeloso que atua com respeito pela lei, sendo que, sem prejuízo da demonstração de dolo ou culpa grave, presume-se a existência de culpa leve na prática de atos jurídicos ilícitos.
Da aplicação do disposto no artigo 487.º do Código Civil, à matéria dos autos, resulta que é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo se houver presunção de culpa.
Neste ponto, importa referir que, à data do acidente em causa nos autos [20.09.2015], vigorava já o regime jurídico dos direitos dos utentes nas vias rodoviárias classificadas como autoestradas concessionadas e outros tipos de rodovias ali determinadas, aprovado pela Lei nº 24/2007, de 18 de julho [cf. respetivo art.º 14º].
Tal diploma, independentemente da existência de portagens e do pagamento de taxa pela utilização da autoestrada concessionada, e considerando também os itinerários principais e os itinerários complementares, estabeleceu as condições de segurança, informação e comodidade exigíveis para os utentes, sem prejuízo de regimes mais favoráveis estabelecidos ou a estabelecer [respetivo art.º 1º].
Nos termos do art.º 12º da citada Lei nº 24/2007, “1- Nas autoestradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respetiva causa diga respeito a: a) Objetos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem; b) Atravessamento de animais; c) Líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais. 2 - Para efeitos do disposto no número anterior, a confirmação das causas do acidente é obrigatoriamente verificada no local por autoridade policial competente, sem prejuízo do rápido restabelecimento das condições de circulação em segurança. 3 - São excluídos do número anterior os casos de força maior, que diretamente afetem as atividades da concessão e não imputáveis ao concessionário, resultantes de: a) Condições climatéricas manifestamente excecionais, designadamente graves inundações, ciclones ou sismos; b) Cataclismo, epidemia, radiações atómicas, fogo ou raio;
c) Tumulto, subversão, atos de terrorismo, rebelião ou guerra”.
Desta previsão legal resulta que a concessionária de autoestrada em que se verifique um sinistro rodoviário causado por objetos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem, atravessamento de animais e líquidos na via, neste último caso quando não resultantes de condições climatéricas anormais, está onerada com uma presunção de incumprimento das obrigações de segurança que lhe cabe observar.
Esta presunção, porque presume o incumprimento de um certo dever, constitui, simultaneamente, uma presunção da ilicitude de certo facto e uma presunção de culpa, na medida em que revela a inobservância do especial dever de diligência que onera a concessionária [artigo 487º, nº 2, do Código Civil].
No caso que agora se julga, cabe notar que o Autor pede a este Tribunal que condene a Ré no pagamento da quantia peticionada nos autos, como já vimos, por violação das regras e deveres de fiscalização e de garantia das condições de circulação em segurança na via em questão, uma autoestrada.
Examinado o probatório coligido, verifica-se que dimana claramente do mesmo que o veículo motociclo (...) propriedade do Autor, circulava, durante a noite e com boas condições atmosféricas, na autoestrada concessionada à Ré, e que, ao descrever a curva de acesso à A28, o condutor perdeu o controlo do motociclo que dirigia devido à existência de uma substância gordurosa na via, o que provocou a sua queda e consequente deslizamento ao longo de vários metros da faixa de rodagem.
Ora, é ponto assente que a manutenção e fiscalização da segurança rodoviária competem aos concessionários, nas vias concessionadas, sendo que, como as atribuições dos entes públicos, bem como das concessionárias de serviços públicos [e as competências dos seus órgãos] são irrenunciáveis, a Ré não pode julgar-se dispensada dos deveres previstos nas bases da concessão pelo simples facto de, por contratos causais de intervenções nas vias, ter atribuído a terceiros a responsabilidade da manutenção e sinalização dos obstáculos criados a uma livre e segura circulação.
É legítimo, pois, que o cidadão utente da via concessionada, no caso em concreto como automobilista, confie no correto desempenho destas funções «conservatórias e fiscalizadoras» por parte da respetiva concessionária, de modo a poder locomover-se, e largar os seus bens.
Ora, no que se reporta à ilicitude, é sabido que o facto ilícito pode consistir tanto num ato jurídico, como num ato material, podendo, também, consistir numa omissão, só que, neste último caso, apenas quando exista obrigação de praticar o ato omitido.
Conforme referido, à luz do artigo 9º da citada Lei nº. 67/2007, consideram-se lícitos: “ (…) as ações ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos (…)”.
No caso em análise, já vimos que era sobre a Ré que impendia a obrigação de manutenção da via pública em condições de segurança de circulação.
Na verdade, enquanto concessionária, são impostas à Ré múltiplas obrigações no sentido de manter padrões de qualidade rodoviária elevados, bem como o dever de assegurar boas condições de segurança.
Convém realçar a Ré não conseguiu demonstrar que a culpa na verificação do acidente se tivesse ficado a dever ao comportamento do condutor do veículo automóvel de matrícula (...), não legitimando a matéria de facto dada como provada a referência a qualquer elemento nesse sentido.
E se assim é, em face da factualidade apurada nos autos, resulta claro que a Ré incumpriu a sua obrigação de manutenção da via pública em condições de segurança de circulação.
Como é por demais evidente, a presença de uma substância gordurosa, suscetível de diminuir ou até eliminar a aderência de uma viatura à estrada, afeta tais condições de segurança, e não é legítimo exigir aos condutores que estejam à espera da ocorrência de tal factualidade.
Tem-se, portanto, por assente a ocorrência de um facto ilícito, traduzido na violação das condições de segurança na circulação rodoviária na via em causa pela existência de líquido na referida via.
Apurada esta ilicitude, presume-se a culpa da Ré ao abrigo do disposto no nº. 3 do art. 10º da Lei 67/2007.
Cumpre agora ao Tribunal apurar se terá a Ré logrado ilidir tal presunção de culpa.
Neste domínio, ressalte-se que a Ré invoca que efetua patrulhamentos, em regime de turnos, durante as 24 horas de cada dia, não tendo detetado na via qualquer substância gordurosa suscetível de afetar a boa circulação.
Mais afirma tratar-se a imposição de assegurar as condições de circulação em segurança no lanço concessionado de uma obrigação de meios, que não uma obrigação de resultados.
Mas será mesmo assim?
Esta questão, não sem algumas dificuldades, foi já também objeto de pronúncia pelos tribunais superiores.
Na verdade, e conforme já se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça [Acórdão de 14/03/2013, P. 201/06.8TBFAL.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt], não se trata de uma mera obrigação de meios, mas antes de uma obrigação reforçada de meios [sublinhado nosso].
Afirma o aresto que “Sem embargo aquele dever de cuidado que incide sobre condutores de veículos, importa não olvidar também que à permissão genérica de, em tais rodovias, se poder conduzir, em regra, até à velocidade máxima de 120 km/h subjaz o cumprimento da obrigação de assegurar a manutenção das condições de segurança estruturais e operacionais que permitam a condução segura à velocidade consentida, integrando o sinalagma do pagamento de uma taxa de portagem. (…) São os concessionários que dispõem de maior facilidade de identificação dos perigos ou de apuramento das circunstâncias que rodeiam acidentes devido a obstáculos existentes na via, tarefa que naturalmente é dificultada ou praticamente impossibilitada aos utentes e terceiros. (…)”.
Baseia-se assim o colendo S.T.J no nível de exigência no cumprimento das obrigações de segurança para apontar a existência de uma obrigação reforçada de meios, não considerando legítima a argumentação pela concessionária da impossibilidade de prever todos e quaisquer acidentes.
Deverá aqui operar uma avaliação razoável das circunstâncias concretas apuradas.
No caso presente, a Ré limitou-se a alegar e provar, diligências de mero pendor genérico, como seja o patrulhamento da via de circulação com cadência regular.
Todavia, em nenhum momento prova a rota e os horários em que se efetuaram, naquele dia, os patrulhamentos com uma cadência periódica na autoestrada em questão.
De facto, a Ré não procedeu à junção de qualquer registo das patrulhas concretamente realizadas, sendo que a única testemunha arrolada com conhecimento sobre as aludidas ações de fiscalização, RM... [oficial de assistência e vigilância da Ré] não conseguiu precisar com que antecedência havia passado o carro de patrulha no local em que ocorreu o despiste do motociclo do Autor.
Pelo que se ficou sem saber quantas rondas é que, no dia 20 de setembro de 2015, a patrulha da Ré realizou à totalidade da extensão da sua concessão e inclusive ao local do despiste, a que horas é que, nesse dia, a sua patrulha de fiscalização passou pela última vez no local do despiste ou, em último caso, se, por exemplo, existe alguma câmara de trafego nesse local que permita detetar ou controlar o surgimento de eventuais manchas.
Assim, conforme também já afirmado pelo venerando T.C.A. Norte [Acórdão de 28/02/2014, P. 00048/10.7BEBRG, disponível em www.dgsi.pt], não é suficiente, para elidir a presunção de culpa prevista no artigo 12º da Lei nº 24/2007, a alegação e prova da realização daquele patrulhamento regular, mas antes de concretos meios técnicos e humanos alocados à vigilância e garantia da verificação das condições de circulação em segurança, a eventual existência de meios de captação de imagem no local, a verificação das vedações, bem como o seu estado de conservação e de suficiência para o fim a que se destinam.
Conclui-se, assim, do exposto que a Ré não logrou ilidir a presunção de culpa que sobre si impendia, e, qua tale, deve responder pelos danos que comprovadamente tenham sido causados sinistro dos autos.
Nesta medida, definido que está o sinistro e estabelecido o nexo de imputação com a conduta do R., realiza-se a previsão do art. 7º, nº. 1 da Lei nº. 67/2007, de 31.12, impondo-se agora extrair a correspetiva consequência legal, ou seja, apurar os danos resultantes da violação e determinar a medida da correspondente obrigação de indemnizar que impende sobre o lesante.
Constitui princípio geral do nosso direito positivo, consagrado no artigo 562° do Código Civil que a obrigação de indemnizar se oriente no sentido da reconstituição da situação que existiria na esfera do lesado se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação [teoria da diferença].
Mas, determinar os danos decorrentes do facto em causa implica uma operação mental tendente a estabelecer o nexo de causalidade entre os danos verificados e a lesão sofrida, a qual se deverá nortear pelo critério da causalidade adequada, subjacente ao artigo 563.° do Código Civil, de acordo com o qual, “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.
À luz desse critério, só serão de considerar os danos que, cumulativamente, constituam efeito natural, necessário da lesão e consequência normal da mesma, desencadeada por um processo factual típico, dentro das regras da experiência comum.
Ora, a este propósito, cumpre notar que os danos patrimoniais sofridos pelo Autor derivado do despiste se traduzem apenas, in casu, no valor do custo de reparação do motociclo acidente.
O montante dos danos sofridos pelo A., em consequência do acidente, perfaz, assim, o montante de € 5.068,00 [cinco mil e sessenta e oito euros], ao que acrescem juros de mora vencidos desde a data do trânsito em julgado desta decisão, nos termos do estatuído nos art.º s 804.º, 805.º, n.º s 1 e 3, e 806.º, todos do Código Civil.
Mercê do exposto, procederá integralmente o peticionado nos autos”.
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Revertendo agora para a análise/decisão do recurso, após enunciação da sentença recorrida.
Concretamente, quanto ao valor dos danos em que a recorrente foi condenada.
Mantendo-se a alínea L), como fixado na 1.ª instância, desde que verificados os demais requisitos da responsabilidade civil extra contratual, inexiste qualquer dúvida do valor dos danos pertinentes para se fixar a devida indemnização.
Quanto à repartição de culpa na produção do acidente, nenhuma repartição importa efectivar, na medida em que, seja pela velocidade a que circulava a mota do A. --- cerca de 40/50 Km/h, num local onde não se apurou o limite máximo de velocidade permitida ---, seja pela alegada e abstracta inobservância dos deveres de atenção, cuidado, prudência e de diligência médios que deve ser exigida ao A., nenhuma culpa lhe pode ser imputada, antes, a verificarem-se todos os requisitos da responsabilidade civil, a responsabilidade apenas poderá ser imputada à Ré/Recorrente como se decidiu na 1.ª instância, nos termos e com os fundamentos supra transcritos.
Quanto à existência de presunção de culpa que onera a Ré avaliar se esta ilidiu ou não essa presunção.
Neste conspecto, remete-se, sem mais, para a fundamentação da sentença do TAF do Porto – supra transcrita -, sem necessidade de outras considerações, sendo de relevar que a recorrente, em bom rigor, não a questiona, contradita, de modo a exigir outra reanálise, reponderação.

III
DECISÃO

Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em negar provimento do recurso e assim manter a sentença recorrida.
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Custas pela recorrente.
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Notifique-se.
DN.

Porto, 29 de Abril de 2022

Antero Salvador
Helena Ribeiro
Nuno Coutinho