Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01152/16.3BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/05/2021
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA; INSTITUTO DOS REGISTOS E NOTARIADO; PRESCRIÇÃO DO DIREITO À INDEMNIZAÇÃO.
Recorrente:M.
Recorrido 1:Instituto dos Registos e Notariado
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO

M., N.I.F. (…), residente na Rua (…), instaurou ação administrativa contra o Instituto dos Registos e Notariado, I.P., formulando o seguinte pedido:
Nestes termos e nos mais de direito, deve a presente ação ser julgada procedente, por provada e, em consequência, ser o R. condenado a indemnizar a A. no montante de €190.000, pelos danos causados pelo ato ilegal constante do Despacho proferido em 22.10.2007, pelo Presidente do R., que classificou a A. de Bom com Distinção, acrescido de juros desde a data do despacho de aposentação de 08.10.2010, à taxa legal, até efetivo e integral pagamento, ou, se assim não se entender, e sem conceder, em igual montante, a título de perda de chance, também acrescido de juros desde a data do mesma despacho, à taxa legal, até efetivo e integral pagamento.

Por decisão proferida pelo TAF de Braga foi julgada procedente a exceção de prescrição e absolvido o Réu do pedido.

Desta vem interposto recurso.

Alegando, a Autora formulou as seguintes conclusões:
I. Nos termos do disposto no artigo 498º do CC – aplicável por força do artigo 5º da Lei nº 67/2007, de 31 de dezembro, que aprovou o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Pessoas Coletivas – e no artigo 306º, nº 1, do CC, a Recorrente apenas podia ter pedido a indemnização pelos danos que agora invoca após a decisão que se viesse a proferir na execução, pois, ao contrário do que defende a douta sentença recorrida, os danos peticionados não eram independentes;
II. Não era expectável que a Recorrente intentasse a presente ação de indemnização sem antes recorrer à execução do Acórdão procurando a reconstituição da situação atual hipotética caso não tivesse sido praticado o ato declarado nulo, porquanto, em sede de ação executiva, a Recorrente peticionou as diferenças remuneratórias das participações emolumentares que a Recorrente auferiria se tivesse sido colocada na Conservatória do Registo Predial e Comercial de (...) em 25 de junho de 2008, na sequência do concurso impugnado, em relação àquelas que efetivamente auferiu, os juros de mora e a comunicação à CGA para efeitos de recálculo de pensão;
III. Caso tivesse sido feita a reconstituição da situação atual hipotética reclamada na ação executiva com o recálculo da pensão a efetuar pela CGA, após a indemnização, a Recorrente veria ressarcidos os danos patrimoniais no valor de 140.000 € que peticiona na ação de indemnização, ainda que liquidados em formato de pensão mensal, pelo que caso a Recorrente tivesse, como advoga a douta sentença recorrida, intentado a ação de indemnização, haveria uma duplicação de pedidos e, por outro lado, um ónus inexigível à Recorrente em termos de tutela jurisdicional efetiva, prevista no artigo 20º, nº 5, da CRP, pois se estaria a exigir à mesma o recurso a mais do que um meio judicial decorrente da prática de um único ato administrativo ilegal;
IV. É este, aliás, o entendimento da jurisprudência sobre esta matéria, cf. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 25.06.2009, proferido no âmbito do processo nº 092/09, disponível em www.dgsi.pt, que decidiu que «O prazo de prescrição do direito à indemnização não pode decorrer na pendência do subsequente processo de execução do julgado anulatório, pois que se tal acontecesse, isso significaria uma considerável diminuição das garantias da tutela jurisdicional efectiva do lesado»;
V. Também o Acórdão do STA de 21.06.2007, proferido no âmbito do processo nº 01156/06, também disponível em www.dgsi.pt, que decidiu no sentido de que «o prazo de prescrição do direito à indemnização não pode decorrer na pendência do processo de execução do julgado pois que, se tal acontecesse, isso significaria uma considerável diminuição das garantias da tutela jurisdicional efectiva do lesado» e que «nos casos em que a tutela jurisdicional efectiva do lesado passe pela instauração de acção de indemnização decorrente da impossibilidade dessa tutela ser devidamente assegurada no processo de execução de julgado, o prazo de prescrição do direito indemnizatório só se inicia com o trânsito da decisão que declare essa impossibilidade e se remeta o lesado para a acção indemnizatória»;
VI. A interpretação da sentença recorrida do artigo 498º, nº 1, do CC, aplicável ex vi do artigo 5º da Lei nº 67/2007, de 31 de dezembro, porque exigiria da Recorrente duas ações autónomas, uma de execução de julgado e outra de responsabilidade civil extracontratual (ação esta que teria que imediatamente ser suspensa face à questão prejudicial existente, sob pena de existência de pedidos incompatíveis), para a tutela efetiva decorrente da prática de um único ato, é inconstitucional por violação do artigo 20º, nº 1, da CRP, o que desde já se invoca para os devidos e legais efeitos;
VII. Não subsistem dúvidas que a sentença proferida pelo Tribunal a quo sofre de erro de julgamento, devendo ser, como tal, substituída por outra que decrete a improcedência da exceção invocada, prosseguindo-se com o conhecimento do mérito da ação.
Termos em que deve o presente recurso ser admitido e ao mesmo dado provimento, sempre com as legais consequências, com o que farão
JUSTIÇA!

O Réu juntou contra-alegações, concluindo:

A) A decisão recorrida não está inquinada dos vícios de erro de julgamento e de inconstitucionalidade, por violação do disposto no art.° 20°, n.° 1 da CRP, que a recorrente lhe imputa.
B) A recorrente confunde duas realidades absolutamente distintas e autónomas (mas que, ao contrário do que pretende fazer valer, são perfeitamente conciliáveis entre si): de um lado, o processo de execução de sentença anulatória de ato administrativo, mediante o qual se exige o cumprimento do dever de reconstituir a situação violada pela prática do ato ilegal e, no âmbito do qual pode resultar - como aconteceu in casu - a verificação da existência de causa legitima de inexecução, o que determinou a fixação da respetiva indemnização; de outro lado, a ação de responsabilidade civil extracontratual da Administração pela prática do mesmo ato ilícito, na qual é deduzido o pedido de reparação (indemnização) por quaisquer danos sofridos decorrentes da sua prática.
C) In casu, facto é que, nunca, até à data em que intentou a presente ação, a recorrente manifestou judicialmente a sua intenção de reclamar, da entidade recorrida, qualquer indemnização, a título de responsabilidade civil extracontratual, pelo que, e nessa medida, não se verificou, no presente caso, qualquer ato suscetível de determinar a interrupção do prazo de prescrição que a mesma invoca - vd. n° 1 do artigo 323º do CC.
D) Sendo certo que tinha todas as condições para o fazer em tempo oportuno e útil, pois que - conforme sustenta o acórdão impugnado - "desde a prática do ato, mas com especial enfoque, necessariamente, no momento em que a nulidade foi judicialmente declarada (e transitou em julgado) que a Autora está perfeitamente munida de todos os elementos para exigir compensação junto do autor do ato nulo".
E) O "conhecimento do direito", para efeitos do n.° 1 do art.° 498° do Código Civil, não se pode alicerçar na mera "convicção", subjectiva e arbitrária, antes havendo de fundar-se em elementos objetiváveis, suportados em critérios de experiência, racionalidade e senso comum.
F) A recorrente não podia ignorar que, para além do direito que detinha de exigir a execução da sentença anulatória do ato praticado, poderia (e deveria manifestar a intenção de exercer o alegado direito de indemnização, visto que o mesmo já existia na sua esfera jurídica - pelo menos - desde que foi judicialmente declarado nulo o ato praticado pelo recorrido.
G) Sucede que, e por razões que lhe são exclusivamente imputáveis, só passados mais de cinco anos, a ora recorrente entendeu vir reclamar aquela indemnização.
H) As conclusões dos acórdãos do STA invocados pela recorrente são intransponíveis para o caso sub judice, porquanto as situações a que tais arestos se reportam em nada se assemelham, ou confundem, com a do presente litígio.
1) É incontornável que a recorrente, não obstante ter ficado ciente - logo com trânsito em julgado da sentença que declarou a nulidade do ato praticado pelo aqui recorrido ­da possibilidade de exercer o direito de indemnização de que agora se arroga, nada fez no prazo legalmente estabelecido para esse efeito.
J) Inércia, essa, que nos termos legais faz presumir a renúncia ao exercício do direito e que, por isso, para o legislador, é indigna de tutela jurídica; sendo certo que - e como bem resulta do aresto recorrido - não se verificaram no caso em apreço quaisquer causas de interrupção ou suspensão do prazo de prescrição.
K) Temos, pois, que tudo quanto atrás se deixou expendido demonstra bem que a decisão recorrida não padece dos vícios que lhe assaca a recorrente, nem, aliás, de qualquer outro.
Nestes termos e nos demais de direito, que suprirão, deve julgar-se improcedente o presente recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

O MP, notificado ao abrigo do disposto no artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.

Cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS
DE FACTO


Na sentença foi fixada a seguinte factualidade:
1. Em 22.10.2007 foi praticado ato pelo Réu, que atribui à Autora a classificação de “Bom com Distinção”;
2. Por acórdão do TCA Norte de 10.12.2010, foi o referido ato declarado nulo – cfr. doc. 1 junto com a petição inicial;
3. Nessa sequência, a Autora instaurou ação executiva na qual foi proferida decisão, em 13.01.2012 – cfr. processo 315/08.0BEBRG-A no SITAF:
IV - Decisão:
Assim, pelo exposto, julgo procedente a presente execução e, consequentemente:
o Condeno o Executado a pagar à Exequente a quantia de 7.425,74€, referente à diferença remuneratória das participações emolumentares que a Exequente auferiria se tivesse sido colocada na Conservatória de Registo Predial de (...) em 25 de Junho de 2008, na sequência de concurso aberto pelo aviso n.° 12973/2008, publicado em Diário da República, II Série, n.° 82, de 28 de Abril, em relação àquelas que efectivamente recebeu na 1ª Conservatória do Registo Predial do Porto;
o Condeno o Executado pagar à Exequente os respectivos juros de mora sobre tal quantia, calculados à taxa legal em vigor, desde 25 de Junho de 2008 até efectivo e integral pagamento.
o Determino que o Executado remeta à CGA, para efeitos de eventual recálculo da pensão de aposentação, o mapa de remunerações da Exequente, já rectificado e acompanhado do Acórdão do Tribunal Central Administrativo - Norte, ora em execução.
o Fixo para tal o prazo de 60 (sessenta) dias;
4. No mesmo processo, em sede de recurso foi proferida decisão, em 31.05.2013, com o seguinte teor - cfr. doc. 2 junto com a petição inicial:
[…]
Assim sendo, é impossível saber qual a nota com que a recorrida concorreria aos mencionados concursos e, portanto, em que lugar ficaria graduada nos mesmos. E, não se pode dizer que concorreria com a nota de "Muito Bom" atribuída em 1997 pois, essa nota estava desactualizada, tendo a recorrida sido classificada pelo acto declarado nulo. Declarado este nulo, como disse, deveria ter sido praticado em execução do acórdão um outro acto classificativo expurgado da ilegalidade e, seria com essa classificação que a recorrida poderia ter concorrido, classificação que se desconhece e que é impossível efectuar neste momento.
Ora, verificando-se, como supra se referiu causa legitima de inexecução do acórdão exequendo, ou seja, urna situação de impossibilidade legal de satisfazer a pretensão da recorrida, porque a administração/recorrente se encontra colocada perante uma situação de impossibilidade de extrair as devidas consequências do acórdão exequendo, ela fica constituída num dever de indemnizar, pelo menos, pela falta de satisfação do direito que lhe assistia à integral repristinação.
A impossibilidade de executar constitui a Administração na obrigação de indemnizar a recorrida que obteve a declaração de nulidade do acto de avaliação, pelo facto da sua actuação ilegítima se consubstanciar na imposição de um dano na esfera jurídica da recorrida.
O dever de indemnizar, no caso de ser impossível a execução da sentença/acórdão assenta na responsabilização objectiva pelo acto ilegal e, portanto na criação da situação lesiva. (cfr. Mário Aroso de Almeida, in Anulação de Actos Administrativos e Relações Jurídicas Emergentes, págs.742 e segs.)
No caso, como se referiu, é impossível a execução do acórdão exequendo ­classificar/avaliar a recorrida no período de 2005/2006 -, existindo, assim, causa legitima de inexecução, o que constitui o recorrente na obrigação de indemnizar a recorrida.
Porém, tal não foi pedido nem é este o meio próprio para fixar tal indemnização, competindo a recorrida se, assim o entender, em meio próprio formular esse pedido.
Face ao exposto, acordam em:
- conceder provimento ao recurso e revogar a decisão recorrida,
- declarar a existência de causa legitima de inexecução e, consequentemente, absolver o recorrente do pedido.
Custas aqui e na ia instância pela exequente/recorrida.

Porto, 2013/05/31
5. Sobre a decisão referida no ponto anterior, recaiu o acórdão do STA de 25.09.2014, que terminou do seguinte modo - cfr. processo 315/08.0BEBRG-A no SITAF:
[…]
3.1. No caso, o Acórdão do TCAN de 31.05.13 revogou a decisão do TAF de Braga, entendendo que se a execução do julgado fosse viável, esta consistiria no retomar do procedimento, com a realização de uma nova avaliação de desempenho correspondente aos anos de 2005 e 2006, com vista à prolação de nova decisão do Júri com a consequente elaboração da lista com a (nova) graduação final. Tendo concluído ser evidente que tal já não poderá ser feito, declarou a existência de uma causa legítima de inexecução, a qual, porém, não dará lugar, in casu, à fixação da correspondente indemnização, por não ter sido formulado o respectivo pedido, e por, em todo o caso, não ser o processo de execução o meio adequado para a sua obtenção.
3.2. Concordando estarem verificados os pressupostos para a declaração de existência de causa legítima de inexecução de sentença, por impossibilidade do cumprimento do dever de executar, este Supremo Tribunal não pode, todavia, acompanhar totalmente a última parte da decisão do TCAN, cabendo-lhe, deste modo, decidir se o processo de execução é o meio adequado para proceder à fixação da indemnização por inexecução de sentença de acto anulatório, e se esta última pode ser fixada ainda que não tenha sido solicitada, ou não tenha sido solicitada da forma legalmente adequada, pela exequente, agora recorrente. Ora, pelos motivos expendidos anteriormente, deve-se responder afirmativamente a ambas as questões.
III - Decisão
Pelo exposto, concede-se provimento a este recurso, e, consequentemente, é revogada a decisão judicial recorrida, ordenando-se a baixa dos autos ao TCAN para a tramitação necessária.
Custas a cargo do ente recorrido.

Lisboa, 25 de Setembro de 2014

6. Nesta sequência, o TCA Norte, em 08.05.2015, proferiu a seguinte decisão – cfr. processo 315/08.0BEBRG-A no SITAF:
[…]
Considerando todos aqueles elementos conjugadamente, e sublinhando, que não se está já a proceder a qualquer decisão sobre lucros cessantes, em razão do ato anulado, nem à determinação de danos emergentes do mesmo ato, mas, simplesmente, à fixação, através de um juízo equitativo, da compensação devida pela perda da situação jurídica cujo restabelecimento a execução da sentença lhe teria proporcionado, considera-se equilibrado computar essa indemnização no valor do originariamente definido em 1ª instância de 7.425,74€, considerando simultaneamente a regra da proibição da reformatio in pejus.
Efetivamente, como se disse já, não tendo a Exequente recorrido da decisão de lª instância que estabeleceu aquele valor indemnizatório, nem sequer a título de recurso subordinado, uma vez que só o IRN/Executado recorreu do mesmo, aquele valor terá de se ater como teto indemnizatório a atribuir.
A eventual elevação daquele montante, consubstanciar-se-ia numa violação ao disposto no artº 684°, n° 4 do CPC, (atual Art° 635°, n° 5 do CPC), por quebra da regra de estabilidade ínsita na proibição da reformatio in pejus;

Efetivamente, o princípio da proibição da "reformatio in pejus" ­constante do então n.° 4 do artigo 684.° do Código de Processo Civil (atual Art° 635°, n° 5 do CPC), - impede que a decisão do recurso seja mais desfavorável ao recorrente do que a decisão impugnada.
Como não foi interposto recurso, ainda que subordinado, pela Exequente, terá de manter-se intocado, "ex vi" do princípio ínsito no artigo 684.°, n.° 4 do Código de Processo Civil (proibição da "reformatio in pejus") ­cfr., v.g., os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Fevereiro de 2005 - 04B4805, de 24 de Maio de 2005 - 05 A1514 e, da Conferência, de 18 de Maio de 2006 - 06 A1134) já que há que impedir que a posição do recorrente seja agravada por força do recurso que interpôs, garantindo-lhe, outrossim, a consolidação das decisões não postas em crise. Ou, como refere o Prof. M. Teixeira de Sousa, "a decisão do tribunal de recurso não pode ser mais desfavorável ao recorrente do que a decisão impugnada." (in "Estudos sobre o Novo Processo Civil", 465).
* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, ainda que com base em divergente fundamentação face àquela que constava da decisão de 1ª instância, em condenar o Executado a atribuir à Exequente a quantia de 7.425,74€, à qual acrescem os correspondentes juros de mora, calculados à taxa legal em vigor, desde 25 de Junho de 2008.

Custas pelo Executado/IRN

Porto, 8 de Maio de 2015
7. A quantia referida no acórdão constante do ponto antecedente foi paga à Autora;
8. A petição inicial que motiva estes autos foi remetida a este Tribunal, por correio, em 06.06.2016 - cfr. fls. 233 da numeração SITAF.

DE DIREITO

Está posta em causa a decisão que ostenta este discurso fundamentador:

Pretende a Autora, com a presente ação, obter ressarcimento pelos danos que o ato declarado nulo lhe causou, invocando, entre o mais, que:
[…]
71º
A A., por causa da emissão do ato nulo de classificação, ficou extremamente perturbada.
72º
Na verdade, o abaixamento da classificação, que foi obtendo sempre em crescendo, constitui uma desvalorização de toda a sua carreira profissional, sem mácula.
73º
Tal desvalorização causou na A. um sentimento de humilhação e de baixa autoestima profissional.
74º
Trazendo-lhe perturbações no sono, impaciência e irritabilidade e várias crises de choro.
75º
Sobretudo porque tinha consciência, como veio a suceder, que a classificação atribuída não lhe permitiria evoluir na sua carreira profissional como a classificação de Muito Bom, à qual sabia que tinha direito.
76º
Todos estes transtornos foram altamente exponenciados com o arrastar do processo por parte do R, que desde cedo, alertado para a ilegalidade, poderia ter sanado a nulidade cometida.
77º
Todos os abalos, desgostos e tristezas sofridos pela A. estão sobejamente patenteados e documentados na pronúncia sobre os relatórios de inspeção, junto como doc. 5”.
O Réu sustenta que o direito que a Autora pretende fazer valer já prescreveu, uma vez que o prazo de prescrição de três anos (artigo 498º do C.C.) começou a correr com o trânsito da sentença anulatória e terminou antes de ser intentada a presente ação.
A Autora, por seu lado, pugna pela improcedência de tal exceção, argumentando que, enquanto corria o processo de execução de sentença, não podia fazer valer o seu direito indemnizatório.
Analise-se.
Perante a factualidade assente supra, constata-se que a Autora intentou ação executiva, no sentido de ser executada a sentença que declarou a nulidade do ato, extraindo-se, como efeitos, a reposição de diferenças remuneratórias, pagamento de juros e comunicação à CGA para recalculo da pensão. Neste processo, acabou por ser julgada a existência de causa legítima de inexecução e determinada indemnização por tal circunstância.
No presente processo, a Autora pede, como acima se transcreveu, indemnização pelos danos que lhe advieram da prática do ato nulo.
Antes de mais, importa deixar claro que são situações diversas as que aqui se analisam: uma diz respeito à execução da sentença e outra à tutela ressarcitória em virtude da prática de ato nulo. Como ensinam Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3.ª edição revista, 2010, Almedina, pág. 1080 e seguintes: “Impõe-se, pois, distinguir, neste domínio, entre a “indemnização devida pelo facto da inexecução” e aquela que se destina a reparar todos os danos causados pelo ato ilegal. A necessidade de proceder, neste domínio, a esta distinção transparece, aliás, do confronto entre os n.ºs 1 e 5 do artigo 45.º, que dizem, precisamente, respeito ao mesmo problema que aqui está em causa, só que nos casos em que ele se coloca ainda no âmbito do próprio processo declarativo e, portanto, a montante do processo executivo. Com efeito, do confronto entre os dois preceitos parece resultar que uma coisa é a convolação do processo declarativo num processo dirigido a fixar o montante da indemnização devida por não ser possível impor judicialmente a realização das prestações devidas (entenda-se: da indemnização devida pelo facto da não condenação) e outra diferente é a dedução de um “pedido autónomo de reparação de todos os danos resultantes da actuação ilegítima da Administração”, que, como refere o artigo 45.º, n.º 5, pode ser objecto de acção administrativa autónoma de responsabilidade.”.
Perante isto, cabe refletir sobre a invocação da Autora de que estava “impedida” de exercer o seu direito ressarcitório, enquanto pendesse o processo executivo.
Ora, analisando a pretensão da Autora é fácil de perceber que esta sabia de antemão (no máximo, desde a data de trânsito em julgado da sentença anulatória) os danos que o ato proferido lhe tinha causado. A Autora, como reconhece, desde que o ato foi praticado e reconhecido como nulo, estava a sofrer as consequências do mesmo, nomeadamente com repercussões ao nível da sua carreira.
A Autora reconhece (e mesmo que não o fizesse, é patente que assim era) que, com a prática daquele ato e com a manutenção do mesmo até à sentença que o declarou nulo, a sua carreira foi afetada, o que se repercutiu nas quantias que auferiria e na sua classificação em concursos para posterior colocação, o que lhe causou transtornos e tristezas compreensíveis. Portanto, desde a prática do ato, mas com especial enfoque, necessariamente, no momento em que a nulidade foi judicialmente declarada (e transitou em julgado) que a Autora está perfeitamente munida de todos os elementos para exigir compensação junto do autor do ato nulo. Mais, a presente ação vem assente, apenas e só, na nulidade no ato e no tempo que o Réu demorou a aceitar a invocada nulidade e que só veio a fazer quando o Tribunal proferiu decisão a decretar tal nulidade (ponto 87º da petição inicial).
Isto significa que a Autora devia, desde logo, ter pedido indemnização pelos danos que ora invoca.
O que não pode suceder é que a Autora ora invoque que, porque não sabia o desfecho do processo executivo, não podia pedir responsabilidade civil, porque, na verdade, os danos já existiam à data e eram completamente independentes da decisão que se viesse a proferir na execução.
Tanto que a Autora reconhece que, aquando da declaração judicial da nulidade do ato, já estava aposentada, sem qualquer hipótese de uma eventual integração por via da declaração de nulidade.
Ou seja, a Autora, quando intenta processo executivo, não pede mais do que três situações que, para ela, significavam o restabelecimento da legalidade e que passavam pelas diferenças remuneratórias e juros e comunicação à CGA. Agora, na presente ação, vem invocar que o ato nulo lhe causou danos não patrimoniais (pedindo, subsidiariamente, indemnização por perda de chance) alegando que não podia exercer tal direito enquanto não soubesse o desfecho do processo executivo. Mais, que caso o tivesse feito, certamente ficaria este processo a aguardar o desfecho do processo executivo, por se apresentar como causa prejudicial.
Todavia, tal não é assim. Analisados ambos os processos e acolhendo a doutrina acima transcrita, verifica-se que são coisas autónomas a indemnização por todos os danos sofridos e decorrentes do ato nulo, e a indemnização por causa legítima de inexecução.
Sendo que, se se refletir, um pouco, sobre o impacto que o desfecho do processo executivo teve na pretensão indemnizatória ora deduzida, facilmente se conclui que fosse aquela ação procedente (recebendo a Autora diferenças remuneratórias e juros e comunicação à CGA) ou fosse aquela improcedente, como foi, julgando-se pela existência de causa legítima de inexecução e arbitramento de indemnização, os danos que a Autora ora pretende fazer valer são exatamente os mesmos. Isto é, era de todo indiferente o sucesso ou insucesso do processo executivo.
Era indiferente para os danos que a Autora, agora, alega, o cumprimento ou incumprimento da sentença; a causa legítima de inexecução, apenas, abarcaria aquelas circunstâncias, sendo que, se a Autora optou por não pedir os danos não patrimoniais, que ora reclama, nessa sede, ou, em sede autónoma (mas dentro dos três anos após a sentença de declaração de nulidade), apenas a ela é imputável. E dada a independência das questões em causa, não se pode entender que o prazo de prescrição do direito indemnizatório se tivesse interrompido por força do processo executivo.
A causa legítima de inexecução foi devidamente indemnizada no processo executivo e em nada contendia com a indemnização ora pedida.
Vale isto por dizer que, à data do trânsito da decisão de nulidade, a situação que origina e sustenta o pedido de responsabilidade civil, aqui formulado, estava estabilizada. A Autora não tinha qualquer impedimento quanto a pedir, de imediato, o ressarcimento dos danos que ora alega ou a fazê-lo no prazo de três anos, como decorre do artigo 498º do C.C..
O que não se pode aceitar é que tenha deixado passar esse prazo e venha, depois, exercer esse direito, com base num alegado impedimento decorrente do processo executivo.
Note-se que a Autora refere que, à data em que o ato é declarado nulo, já a mesma não ia a tempo de pedir a reintegração natural, porque já estava colocada em (...), com 13 meses e 5 dias de atraso, restando apenas a compensação pecuniária para reparar o dano causado (pontos 61º e 62º da petição inicial). O que confirma a decisão que ora se empreende.
Por ser assim, atento o disposto no artigo 498º do C.C., a Autora teria o prazo de três anos, para intentar a presente ação, a contar do trânsito em julgado da sentença que declarou a nulidade do ato (proferida em 10.12.2010), sendo que, quando intentou a presente ação, em 06.06.2016, esse prazo já se encontrava há muito ultrapassado, pois que não houve causas de interrupção ou suspensão do prazo em curso.
Com o que procede a exceção invocada, que é perentória e determina a absolvição do Réu do pedido.
X

Constitui entendimento unívoco da doutrina e obteve consagração legal o de que o objecto do recurso jurisdicional se encontra delimitado pelas conclusões extraídas da motivação, por parte do recorrente, não podendo o tribunal ad quem conhecer de matéria que nelas não tiver sido versada, com ressalva óbvia, dos casos que imponham o seu conhecimento oficioso.

Assim, vejamos:

Do erro de julgamento/da inconstitucionalidade, por violação do art.° 20°, n.° 1 da Constituição da República Portuguesa -

Com a ação no âmbito da qual foi proferida a decisão recorrida a então Autora, ora Recorrente, peticionou a condenação do aqui Recorrido no pagamento de uma indemnização no montante de €190.000,00, por pretensos danos não patrimoniais causados pelo ato ilegal constante do Despacho proferido em 22.10.2007, pelo Presidente do Réu, que a classificou de Bom com Distinção, acrescido de juros desde a data do despacho de aposentação de 08/10/2010, à taxa legal, até efetivo e integral pagamento.

Mais requerendo, no caso de “"se assim não se entender, e sem conceder, em igual montante, a título de perda de chance, também acrescido de juros desde a data do [mesmo] despacho, à taxa legal, até efetivo e integral pagamento”.

Por sentença de 21/02/2019, o Tribunal julgou procedente a exceção de prescrição que havia sido invocada pelo IRN, IP e absolveu-o do pedido.

Inconformada com esta decisão, a ali Autora vem agora impugná-la, invocando, os vícios de:
-Erro de julgamento e
-Inconstitucionalidade, por violação do art.° 20°/1 da Constituição da República Portuguesa.

Cremos que carece de razão.

Senão, atente-se:
Aduzindo o disposto nos artigos 498° e 306°/1, ambos do Código Civil, aplicáveis ex vi art.° 5º do DL 67/2007, de 31/12, vem a Recorrente alegar que “não era expectável” que pudesse intentar a ação de indemnização em apreço, sem antes se socorrer dos meios legalmente disponíveis para executar a sentença anulatória do ato administrativo supra referido, mais invocando que, caso (...) tivesse, como advoga a sentença recorrida, intentado a ação de indemnização, haveria uma duplicação de pedidos e, por outro lado, um ónus inexigível à Recorrente em termos de tutela jurisdicional efetiva, prevista no artigo 20°, n° 5, da Constituição da República Portuguesa (...).

Em seu apoio invoca, parcialmente, o teor de dois acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal Administrativo em 25/06/2009 (proc. 092109) e em 21/06/2007 (proc. 01156/06).

Porém, labora em erro.

Com efeito, e como bem se refere na sentença recorrida são situações diversas as que aqui se analisam: uma diz respeito à execução da sentença e outra à tutela ressarcitória em virtude da prática do ato nulo”, sendo certo que, como bem justifica o Tribunal a quo, no caso em apreço, “era indiferente para os danos que a Autora, agora alega, o cumprimento ou incumprimento da sentença; a causa legítima de inexecução, apenas abarcaria aquelas circunstâncias, sendo que, se a Autora optou por não pedir os danos não patrimoniais que ora reclama nessa sede ou em sede autónoma (mas dentro do prazo dos três anos após a sentença de declaração de nulidade), apenas a ela é imputável. E dada a independência das questões em causa, não se pode entender que o prazo de prescrição do direito indemnizatório se tivesse interrompido por força do processo executivo.

E a verdade é que é inexorável, como bem conclui o Tribunal, que “à data do trânsito em julgado da decisão de nulidade, a situação que origina e sustenta o pedido de responsabilidade civil, aqui formulado, estava estabilizada”. Pois, como bem evidencia o aresto recorrido, “desde a prática do ato, mas com especial enfoque, necessariamente, no momento em que a nulidade foi judicialmente declarada (e transitou em julgado) que a Autora está perfeitamente munida de todos os elementos para exigir compensação junto do autor do ato nulo”.

Como resultou demonstrado, nunca a Recorrente tinha vindo formular qualquer pedido referente aos danos que agora reclama - não tendo, sequer, manifestado a intenção de o fazer - pelo que não é admissível que pretenda, passados mais de cinco anos de inércia, exercer esse alegado direito através da presente ação.

É certo que, na sua óptica, o “conhecimento do direito”, para efeitos do n.° 1 do art.° 498° do Código Civil, se baseia em critérios subjectivos, resultantes daquilo que afirma ser a sua “convicção”.

Todavia, não secundamos essa leitura, porquanto, como não pode deixar de ser, aquele “conhecimento” tem de ter por base dados objetiváveis, fundados em critérios de razoabilidade, experiência e senso comum.

Como bem se sentenciou, a Autora confunde duas realidades claramente distintas e independentes (mas que, e contrariamente ao que pretende fazer crer, são perfeitamente compatíveis entre si):

-Uma coisa, é o processo de execução de sentença anulatória de ato administrativo, mediante o qual se exige o cumprimento do dever de reconstituir a situação que existiria se o ato ilegal não tivesse sido praticado e, no âmbito do qual pode resultar ­como, aconteceu in casu, a verificação da existência de causa legítima de inexecução, fixando-se, aí, a respetiva indemnização; e

-Outra é a ação de responsabilidade civil extracontratual da Administração, na qual é formulado o pedido de reparação (indemnização) por quaisquer danos sofridos decorrentes da prática de ato ilícito.

Afirma a Recorrente que “caso tivesse sido feita a reconstituição da situação hipotética reclamada na ação executiva com recálculo da pensão a efetuar pela CGA, após a indemnização, a Recorrente veria ressarcidos os danos patrimoniais no valor de 140.000€ que peticiona na ação de indemnização, ainda que liquidados em formato de pensão mensal.”

Sucede que a Autora/Recorrente nunca formulou pedido nesse sentido nem sequer manifestou qualquer intenção de reclamar da Entidade, ora Recorrida, uma indemnização, a título de responsabilidade civil extracontratual. E isto quando resulta manifestamente dos autos que a Recorrente tinha todas as condições para o fazer em tempo oportuno e útil: ou através de acção semelhante à dos presentes autos, ou, ainda que não sendo o meio adequado, na ação de execução de sentença anulatória que instaurou logo após o trânsito em julgado da decisão que declarou nulo o ato praticado.

Por outro lado, não pode a Recorrente olvidar que aquilo que oportunamente peticionou, de facto, naquela ação executiva foi o que, para si, correspondia ao restabelecimento da ordem jurídica violada, tendo-se, então, limitado a requerer a reposição das diferenças remuneratórias que teria auferido se tivesse sido colocada na Conservatória do Registo Predial de (...) em 25/06/2008 e que ascendiam - no seu entender - ao montante de 7.425,74€; os respectivos juros moratórios desde a indicada data, os quais correspondiam ao valor de 477,84€ e a remessa da decisão que viesse a ser prolatada nesse processo à Caixa Geral de Aposentações para efeitos de recálculo da pensão de aposentação.
Também não se pode ignorar que só agora - volvidos mais de cinco anos desde a data em que tomou conhecimento do direito à indemnização - vem a mesma peticionar a reparação de danos patrimoniais e não patrimoniais que entende deverem ser-lhe ressarcidos pelo Recorrido.

Como bem se observa nas contra-alegações, tal torna patente a inconsistência e até a incongruência da sua tese, quando afirma que “haveria uma duplicação de pedidos e (...) estaria a exigir à mesma o recurso a mais do que um meio judicial decorrente da prática de um único ata administrativo ilegal”, assim como, comprova a falta de fundamento da alegada inconstitucionalidade da interpretação da sentença recorrida, por violação do artº 20º/1 da CRP.

Na verdade, não pode a Recorrente desconhecer que além do direito ­que oportunamente decidiu exercer - de exigir a execução da sentença anulatória do ato praticado, poderia também exercer o alegado direito de indemnização que já existia na sua esfera jurídica, pelo menos, desde que foi judicialmente declarado nulo o ato praticado pelo aqui Recorrido.

Contudo, só se decidiu a fazê-lo através da instauração da presente ação, o que se mostra intempestivo, pois aquele direito já se encontra prescrito.

Por isso, bem concluiu o Tribunal que “a Autora teria o prazo de três anos, para intentar a presente ação, a contar do trânsito em julgado da sentença que declarou a nulidade do ato (proferida em 10.12.2010), sendo que, quando intentou a presente ação, em 06.06.2016, esse prazo já se encontrava há muito ultrapassado, pois que não houve causas de interrupção ou suspensão do prazo em curso.”.

Ademais, não se alcança que o caso sub judice apresente qualquer similitude com as situações descritas, os fundamentos propugnados e as conclusões sufragadas nos acórdãos do STA supramencionados e que a Recorrente invoca com vista a fundamentar a sua posição. Tais acórdãos reportam-se a situações com contornos específicos e absolutamente diferenciados dos do caso dos autos; daí que a jurisprudência em apreço seja inaplicável no caso concreto.

Com efeito, no que respeita ao acórdão de 21/06/2007 (proc. 01156/06), logo na acção executiva as partes acordaram fixar, para além dos atos e operações tendentes à execução da sentença anulatória do ato ilegal (que foram efectivamente praticados, tendo sido restabelecida a ordem jurídica violada), o montante da própria indemnização devida pelos prejuízos sofridos pela prática do ato ilegal, sendo que, não obstante os recorrentes terem logo demonstrado pretenderem ser ressarcidos de todos os danos causados pela prática do ato ilegal, tal valor indemnizatório não chegou a ser fixado nesse processo.

Por sua vez, no que toca ao acórdão de 25/06/2009 (proc. 092/09), na acção de responsabilidade civil extracontratual, a indemnização peticionada pelos recorrentes tinha por fundamento a omissão de acatamento do julgado anulatório, ou seja, a própria inexecução do determinado pela decisão judicial proferida no âmbito da acção executiva da sentença anulatória do ato praticado.

Ora, no presente caso, a Recorrente não demonstrou, em momento algum, a vontade de ser ressarcida dos danos causados pela prática do ato ilegal que agora reclama; do mesmo modo, é claro que o fundamento da indemnização que agora requer não radica na própria inexecução do julgado anulatório, já que esta indemnização foi logo fixada na acção executiva em consequência de ter sido declarada a verificação de causa legitima de inexecução.

Donde, evidente se torna que a invocação dos ditos acórdãos se mostra desenquadrada e infundada.

Em suma:

-É sabido que a prescrição é uma forma de extinção de direitos, que visa, sobretudo, realizar objectivos de certeza e segurança jurídicas, mas que em termos estritos de justiça desde cedo foi qualificada de impium remedium - cfr., a este respeito, Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 2ª ed., págs. 371 a 374 e na jurisprudência, Ac. do STA de 02/12/2004, Proc. 0145/04;

-Tal instituto pressupõe que a parte possa opor-se ao exercício de um direito não exercido durante o tempo fixado na lei;

-Trata-se, a um tempo, de punir a inércia do titular do direito em exercê-lo em tempo útil, e de tutelar os mencionados valores da certeza e da segurança das relações jurídicas, mediante a exigência da sua consolidação em prazos razoáveis;
-O seu regime é inderrogável - artigo 300º do CC - e determina, em termos genéricos, que o respectivo prazo começa a contar do momento em que o direito pode ser exercido - artigo 306º/1 do CC;

-No âmbito específico da prescrição do direito indemnizatório em análise, presume o legislador que o mesmo pode ser exercido a partir do momento do seu conhecimento pelo lesado - artigo 498º/1 do CC;

-Assim, o início de contagem do prazo de prescrição de três anos - prazo regra -, coincide com o momento do conhecimento do direito pelo lesado, conhecimento esse que lhe deve potenciar o exercício do direito - teoria da realização, em contraposição com a teoria da violação, segundo a qual o início da prescrição se deve reportar ao momento da violação - a propósito desta temática, cfr. Vaz Serra, Prescrição Extintiva e Caducidade, pág. 199; Vaz Serra, Revista de Legislação e Jurisprudência, anos 95, 96 e 97; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 4ª ed., vol. I, pág. 503; Parecer da Procuradoria Geral da República de 25 de Julho de 1984, BMJ 343-62; Ac. STJ de 27/11/73, anotado por Vaz Serra na RLJ, ano 107, pág. 296; Ac. STA de 07/03/89, AD nºs 344-345, págs. 1035 a 1053;

-Tal conhecimento, para relevar, não inclui necessariamente a identificação da pessoa do responsável nem a extensão integral dos danos - artigo 498º/1 do CC - evitando-se deste modo que o início da prescrição fique acorrentado a uma eventual incúria por parte do lesado;

-Para efeitos do início do prazo prescricional e nos termos do artº 498º/1 do CC, repete-se, é relevante o conhecimento do lesado concreto, bastando um conhecimento empírico dos factos constitutivos do direito, ou seja, é suficiente que o lesado saiba que foi praticado um ato que lhe provocou danos, e que esteja em condições de formular um juízo subjetivo, pelo qual possa qualificar aquele ato como gerador de responsabilidade pelos danos que sofreu;
-Tanto a doutrina como a jurisprudência vêm defendendo que o momento do conhecimento do direito de indemnização pelo lesado se ajusta ao momento do conhecimento dos pressupostos condicionantes da responsabilidade, fazendo, assim, apelo a um mínimo de objectividade no qual se alicerce a contagem do respectivo prazo - Ac. STJ de 27/11/73, BMJ 330-495; Ac. STA de 12/01/93, AD 382; Ac. STA de 13/11/2001, Proc. 47482; Ac. STJ de 18/04/2002, Proc. 950/02; Ac. STA de 27/04/2006, Proc. 0304/05; Ac. STA de 01/06/2006, Proc. 257/06; e na doutrina, Antunes Varela, em Das Obrigações em Geral, 4ª ed., vol. I, pág. 585 e Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 4ª ed., pág. 401, nota 3;

-Só a partir do conhecimento, pelo lesado, destes pressupostos é que se começa a contar o prazo de prescrição (cfr. ainda os Acs. do STA de 31/10/2000 Proc. 44345, de 4/12/2002 Proc. 1203/02 e de 6/7/2004 Proc. 597/04).

-Por outro lado, aquele “conhecimento do direito” é um conhecimento empírico, como ensina Carlos Cadilha, em “Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas Anotado”. E, como se consigna no Ac. do STA de 27/01/2010, Proc. 513/09, para “efeitos de prescrição”, “conhecer o direito”, como resulta do artigo 498º citado, não é, necessariamente, conhecer na perfeição e na sua integralidade todos os elementos que compõem o dever de indemnizar, pois que o exercício do direito é independente do desconhecimento da “pessoa do responsável e da extensão integral os danos”;

-Como decidido no Acórdão do STA de 09/06/2011, no âmbito do Processo 0410/11, o qual veio a ser citado noutro Acórdão do mesmo Supremo Tribunal, de 30/10/2014, Proc. 01041/14): “.., quando o art. 498°, n.° 1, do Código Civil manda contar o prazo de prescrição do direito a uma indemnização “da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento (...) da extensão integral dos danos”, fá-lo para que a propositura das acções desse género se aproxime o mais possível da data da prática do facto lesivo. E, para que essa aproximação temporal se cumpra nos casos em que o lesado ignore a extensão do seu dano, o art. 471°, n.° 1, al. b), do CPC permite que ele formule logo um pedido de indemnização genérico - a liquidar na pendência da causa até ao começo da discussão (art. 378° do CPC) ou, não sendo isso possível, em execução de sentença (“vide” os arts. 471°, n.° 2, do CPC e 564°, n.° 2, do Código Civil);

-Esta possibilidade de dedução de pedidos genéricos articula-se com o prazo prescricional. O legislador, exactamente porque não abdica da básica exigência de que o lesado acione em prazo curto, fornece-lhe um meio de o fazer num momento em que ele ainda ignora a extensão do seu prejuízo. E o legislador até vai mais longe, permitindo que, na acção que instaure, o lesado reclame outra quantia indemnizatória “se o processo vier a revelar danos superiores aos que foram inicialmente previstos” (arts. 569° do Código Civil e 471°, n.° 1, al. b), 2ª parte, do CPC, - sempre na perspectiva de que as acções desse tipo devem ser interpostas a breve trecho, determinando-se ou corrigindo-se no seu decurso o “quantum” da indemnização;

-Mas a referida possibilidade do lesado deduzir um pedido genérico mostra bem que o prazo prescricional já está em curso. Pois, se assim não fosse, cair-se-ia no absurdo de dizer que o lesado já pode exercer o seu direito (embora em termos genéricos) e, simultaneamente, que ele não tem ainda “conhecimento do direito que lhe compete”;

-Andou bem o Tribunal a quo ao concluir: (…), à data do trânsito da decisão de nulidade, a situação que origina e sustenta o pedido de responsabilidade civil, aqui formulado, estava estabilizada. A Autora não tinha qualquer impedimento quanto a pedir, de imediato, o ressarcimento dos danos que ora alega ou a fazê-lo no prazo de três anos, como decorre do artigo 498º do C.C.. O que não se pode aceitar é que tenha deixado passar esse prazo e venha, depois, exercer esse direito, com base num alegado impedimento decorrente do processo executivo.
Note-se que a Autora refere que, à data em que o ato é declarado nulo, já a mesma não ia a tempo de pedir a reintegração natural, porque já estava colocada em (...), com 13 meses e 5 dias de atraso, restando apenas a compensação pecuniária para reparar o dano causado (pontos 61º e 62º da petição inicial). O que confirma a decisão que ora se empreende.
Por ser assim, atento o disposto no artigo 498º do C.C., a Autora teria o prazo de três anos, para intentar a presente ação, a contar do trânsito em julgado da sentença que declarou a nulidade do ato (proferida em 10.12.2010), sendo que, quando intentou a presente ação, em 06.06.2016, esse prazo já se encontrava há muito ultrapassado, pois que não houve causas de interrupção ou suspensão do prazo em curso;

-Concludentemente, tem de manter-se, na íntegra, o aresto recorrido que julgou verificada a exceção perentória da prescrição.

Sucumbem, assim, as conclusões da alegação.

DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso
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Custas pela Recorrente.
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Notifique e DN.
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Porto, 05/02/2021


Fernanda Brandão
Hélder Vieira
Helena Canelas