Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00929/06.2BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/23/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rosário Pais
Descritores:JUROS COMPENSATÓRIOS; CULPA; DILIGÊNCIA; AUDIÊNCIA PRÉVIA
Sumário:I - Estabelece o artigo 35.º da LGT, no seu n.º 1, que, sempre que ocorra retardamento da liquidação, do total ou de parte do imposto devido, são devidos juros compensatórios pelo sujeito passivo, desde que tal retardamento decorra de facto que lhe seja imputável.

II - A razão de ser dos juros compensatórios assenta, necessariamente, num juízo de censura, a título de culpa e, por consequência, numa conduta, no mínimo, negligente, imputável ao sujeito passivo e que justifica a sua responsabilização cível, no sentido de indemnizar o Estado pelos prejuízos decorrentes do não recebimento atempado do imposto devido com suporte numa conduta ilícita ou de desvalorização normativa do quadro legal vigente e aplicável injustificável/indesculpável ou, dito de outra forma, censurável.

III – Deixa de ser desculpável a atuação da Recorrida após o esclarecimento definitivo da taxa de imposto aplicável e o decurso do prazo que lhe foi conferido para a regularização em causa, passando a sua conduta a ser qualificada de culposa, pelo menos a título de negligência, sendo devidos juros compensatórios contados desde essa data.

IV - O direito de participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito é estruturante do procedimento tributário, tem consagração constitucional no artigo 267.º, n.º 5, da nossa Lei Fundamental, e foi acolhido pelo legislador ordinário no artigo 60.º da LGT, cuja alínea a), do n.º 1, prevê o direito de audição antes da liquidação. Trata-se, pois, de uma formalidade essencial cuja preterição inquina o ato final do procedimento, exceto quando se evidencie que o contribuinte já participou ou teve oportunidade de participar na decisão ou que a sua participação em nada poderia alterar o resultado final.

V - No que diz respeito à culpa, enquanto pressuposto dos juros compensatórios, tratando-se de um juízo subjetivo, o contribuinte deve poder carrear para o procedimento, em sede de exercício de audição, elementos até aí não disponíveis pela AT, que possam afastá-lo, à luz dos elementos relevantes à sua aferição.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:C., SA
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

1. RELATÓRIO

1.1. A Fazenda Pública vem recorrer da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em 24.10.2012, pela qual foi julgada procedente a impugnação judicial deduzida por C., S.A., contra a decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa que visou os atos de liquidação adicional de juros compensatórios relativos aos períodos de 0109, 0110, 0112, 0201, 0306, 0208,0210, 0211, 0301, 0302, 0303, 0304, 0305, 0306, 0307, 0308, 0309, 0310, 0401 e 0402, no valor global de € 22.018,26.

1.2. A Recorrente Fazenda Pública terminou as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões:

«A. O presente recurso vem interposto da douta Sentença que julgou procedente a impugnação deduzida na sequência do indeferimento tácito da Reclamação Graciosa n.º 1805-05/4000126.5, contra os actos de liquidações de juros compensatórios, que se mostravam devidos pelo atraso nas liquidação de IVA no montante global de 22.018,26 euros, relativamente a períodos de imposto dos exercícios de 2001 a 2004, melhor identificados no Ponto N) da factualidade dada como provada.
B. Para tanto, o Tribunal a quo sustentou, no essencial, a fundamentação da decisão recorrida na argumentação plasmada no acórdão do venerando Supremo Tribunal Administrativo de 16.12.2010, no processo n.º 0587/10.
C. Para a final julgar pela verificação do alegado vício da violação da lei, determinando a anulação das liquidações de juros compensatórios.
D. Com a ressalva do sempre devido respeito, que é muito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente decidido, porquanto considera existir erro de julgamento – de facto e de direito, atendendo às razões que se passam a expender.
E. O thema decidendum reside em saber se vinga o entendimento segundo o qual, não são devidos juros compensatórios pela Impugnante, porque não se verificam os pressupostos constantes dos artigos 89º do CIVA e 35º da LGT, e nessa conformidade, não lhe é imputável a culpa pelo retardamento da liquidação do imposto.
F. A fundamentação da douta Sentença recorrida assenta, em síntese, no entendimento segundo o qual o erro em que incorreu a Impugnante advém da circunstância da alteração estatutária do dono da obra, de Serviços Municipalizados de Gaia para A. – Empresa Municipal, só veio a ficar definida com a orientação administrativa sancionada por despacho do SEAF, de 07.08.2002, no sentido de ser de aplicar a taxa normal de imposto às referidas operações e não a taxa reduzida de 5%.
G. Sendo, ao que se percebe o enquadramento do dono da obra na verba 2.17, da Lista I anexa ao CIVA, actual verba 2.19, erro desculpável e causa de exclusão de culpabilidade que afasta a imputabilidade decorrente do retardamento das liquidações que aqui se litigam.
H. Ora, se se atentar a que a apreciação e determinação da culpa depende do comportamento da Impugnante, temos por pertinente referir que esta não demonstrou ter efectuado diligências para em tempo oportuno obter esclarecimentos junto da Administração Tributária e Aduaneira (doravante, AT) sobre qual a taxa de IVA a aplicar ás operações em causa.
I. Na verdade, desde 2000, que a DGCl/Direcção de Serviços do Imposto sobre o Valor Acrescentado, se veio a pronunciar sobre matéria em tudo semelhante à que subjaz à dos presentes autos v. g. as Informações n.º 2185, de 02.12.2000 e n.º 1643 de 22.06.2001;
J. não se percebendo ao contrario do sentenciado que a Impugnante tivesse actuado no cumprimento dos deveres gerais de diligência atribuídos a um bonus pater familias, à semelhança de outros parceiros económicos que procuraram obter esclarecimentos junto da AT, e em tempo recolhendo a informação sobre qual a taxa de IVA a aplicar à situação em apreço.
K. Também a Informação n.º 80 do Gabinete do Director Geral, prestada em 07.08.2002, é esclarecedora da taxa de IVA a aplicar a situações tributárias como a sub judicie, permitindo assim um cumprimento atempado por parte da Impugnante e destarte evitando mo legal consubstanciado na liquidação dos juros compensatórios.
L. Em suma, a impugnante praticou operações tributáveis, aplicando a taxa de IVA reduzida, num lapso de tempo que decorreu desde o ano 2001 ao ano de 2004; a liquidação dos juros compensatórios foi efectuada nos termos dos artigos 89.º do CIVA e 35.º da LGT, por ter sido retardada a liquidação do imposto por facto imputável ao sujeito passivo do imposto.
M. A douta Sentença recorrida considera verificada uma causa de exclusão de culpabilidade, qualificando como desculpável o erro no incorrecto enquadramento das operações pelo facto de só em 2004 ter sido pela AT proferida orientação administrativa no sentido de ser de aplicar a taxa normal de imposto às referidas operações e não a taxa reduzida, considerando mesmo que, “esta não estava ciente da necessidade de, no caso de empreitadas com empresas municipais, ser aplicável IVA à taxa normal”.
N. A culpa consiste na omissão reprovável de um dever de diligência que se afere em abstracto, segundo o critério do bom pai de família;
O. A culpa traduz-se na omissão da diligência exigível no caso concreto, sendo que ao julgador cabe aferir se a conduta do agente foi a que seria esperar segundo as regras de experiência, ou se, pelo contrário devia e podia ter agido de outro modo.
P. In casu, em face das circunstâncias concretas, não se pode afirmar que a Impugnante tenha agido de forma diligente, pois não demonstra diligência de um bom pai de família desconhecer a situação jurídica da contraparte num contrato que foi executado durante vários anos – de 2001 a 2004.
Q. A que acresce o facto de, ter a recorrente sido notificado pela AT pela primeira vez em 04.11.2004, para proceder à regularização do IVA em todas as facturas emitidas nas mesmas condições e, substituir as declarações periódicas de IVA, em resultado da análise de um pedido de reembolso por parte da AGEM, na qual foi detectado a incorrecta aplicação da verba 2.17 da Lista I, nas empreitadas efectuadas pela Impugnante – cf. facto I). do Probatório.
R. E, só ulteriormente, quando instada pela segunda vez veio a Impugnante a entregar as referidas declarações de substituição de IVA em 17.04.2005, ou seja ao fim de cerca de cinco meses, atraso que só pode ser imputado à Impugnante – cf. facto J). do Probatório.
S. Não obstante a douta Sentença, determina a anulação de todas as liquidações de juros compensatórios, referentes aos vários períodos, mas quanto a nós erradamente, pois, que não existe fundamento para afastar a imputabilidade do retardamento da liquidação à Impugnante, antes deviam ter sido considerados como verificados os pressupostos de aplicação de juros compensatórios consagrados no artigo 35º da LGT.
T. Se por mera hipótese se julgasse noutro sentido, ainda assim sempre seriam devidos os juros compensatórios desde 04.11.2004 até que a 17.04.2005, ante o exposto nos itens Q. e R. destas conclusões.
U. O Tribunal a quo decidiu com violação das disposições legais supra citadas.
Termos em que, e nos melhores de direito aplicáveis,
deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta Sentença recorrida, com o que se fará inteira JUSTIÇA.».
*

1.3. A Recorrida C., S.A. apresentou contra-alegações, que concluiu nos seguintes termos:

«A) O recurso interposto visa reagir contra a douta sentença que julgou procedente a impugnação judicial da decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada pela ora recorrida e, consequentemente, dos actos tributários de liquidação adicional de juros compensatórios.
B) Não pode a recorrida conceder com o entendimento perfilhado pelo recorrente que, contrariamente ao entendimento seguido pela sentença recorrida, considera que não existe fundamento para afastar a imputabilidade do retardamento da liquidação à impugnante, devendo “ter sido considerados como verificados os pressupostos de aplicação de juros compensatórios consagrados no artigo 35.º da LGT”.
C) Em processos judiciais em tudo semelhantes ao presente, nos quais se discutem as mesmas questões de facto e de direito, os tribunais superiores (STA, TCA Norte e Sul) têm proferido diversas decisões judiciais no sentido da ilegalidade dos actos de liquidação dos juros compensatórios.
D) A ilegalidade dos referidos actos tem sido judicialmente decretada com fundamento na não verificação dos pressupostos de aplicação dos juros compensatórios – cfr. Acórdão do STA, de 11.03.2009, proferido no processo n.º 961/08; Acórdãos do TCA Norte de 02.02.2012, proferido no processo n.º 233/06.6BEPNF, de 29.02.2012, proferido no processo n.º 1012/06.6BEVIS, de 16.04.2009, proferido no processo 280/06.8BEPNF, de 23.04.2009, proferido no processo n.º 285/06.9BEPNF, de 30.04.2009, proferido no processo n.º 511/06.4BEBRG, de 30.04.2009, proferido no processo n.º 230/06.1BEPNF, de 14.05.2009, proferido no processo n.º 276/06.0BEPNF, de 4.06.2009, proferido no processo n.º 231/06.0BEPNF; de 14.05.2009, proferido no processo n.º 277/06.8BEPNF; Acórdão do TCA Sul, de 3.06.2009, proferido no processo n.º 02963/09.
E) A recorrida reitera a sua concordância com a decisão judicial recorrida bem como com a recente jurisprudência que, relativamente a situações semelhantes à presente, se tem sedimentado.
F) O retardamento da liquidação não pode ser imputável ao sujeito passivo.
Termos em que,
E, nos melhores do direito, se requer que seja negado provimento ao recurso, desta forma, se fazendo inteira justiça.»

1.5. Os autos foram com vista ao Ministério Público junto deste Tribunal.

Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 657.º, n.º 4, do CPC, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma de erros de julgamento de facto e de direito ao considerar que inexiste culpa do sujeito passivo no atraso de entrega do IVA respeitante aos períodos de imposto de 0109, 0110, 0112, 0201, 0306, 0208,0210, 0211, 0301, 0302, 0303, 0304, 0305, 0306, 0307, 0308, 0309, 0310, 0401 e 0402, à taxa devida.


3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:

«Considera-se provada a seguinte factualidade com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos:
A). Em 18.08.1999, em 15.02.2000 e em 17.10.2000, a Impugnante celebrou com a empresa municipal A., EM, os contratos n.º 23/99, 24/99, 31/2000, 32/2000 e 132/2000, que constituem aditamentos ao contrato n.º 88/98, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido – cfr. fls. 53 a 69 do processo de reclamação;
B). Em 10.07.2001, a Impugnante celebrou com a empresa municipal A., EM, o contrato n.º 104/2001, referente à construção das redes de drenagem de águas residuais do sistema da Granja, subsistemas G13, G14, G18 e G20, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido – cfr. fls. 24 a 28 do processo de reclamação;
C). Em 10.07.2001, a Impugnante celebrou com a empresa municipal A., EM, o contrato n.º 105/2001, referente à construção das redes de drenagem de águas residuais do sistema do Mocho, subsistemas M03, M04, M05 e M06, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido – cfr. fls. 29 a 34 do processo de reclamação;
D). Em 10.07.2001, a Impugnante celebrou com a empresa municipal A., EM, o contrato n.º 106/2001, referente à construção da rede de drenagem de águas residuais do sistema III de Oliveira do Douro, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido – cfr. fls. 35 a 40 do processo de reclamação;
E). Em 14.02.2002, a Impugnante celebrou com a empresa municipal A., EM, o contrato n.º 2/2002, referente à construção da rede de drenagem de águas residuais do sistema I de Mafamude (MF1), cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido – cfr. fls. 41 a 46 do processo de reclamação;
F). Em 22.08.2002, a Impugnante celebrou com a empresa municipal A., EM, o contrato n.º 89/2002, referente à construção dos emissários de jusante do rio Uíma e do Regato da Vessada e dos sistemas elevatórios de Crestuma I e II – Bacia do Douro Nordeste, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido – cfr. fls. 47 a 52 do processo de reclamação;
G). Em 01.08.2002, foi proferida a “informação n.º 80”, acerca de “IVA-Empresas Públicas Municipais e Empresas Públicas Intermunicipais – verba 2.17 da Lista I anexa ao Código do IVA”, da qual consta, além do mais o seguinte: “(...) 12. Pelo que antecede, conclui-se pela impossibilidade de passar a aplicar a taxa reduzida de IVA (5%) às empreitadas adjudicadas pelas empresas municipais e intermunicipais, por a mesma constituir uma violação do direito comunitário, susceptível de fazer incorrer Portugal num processo de contencioso com a União Europeia. 13. Deste modo, e na ausência de verba expressa nas Listas I e II anexas ao Código do IVA, nas empreitadas de bens imóveis em que são donos da obra as empresas municipais e empresas intermunicipais, a taxa do IVA a aplicar é a taxa normal (19% ou 13%, respectivamente, para obras realizadas no Continente ou nas Regiões Autónomas dos Açores ou Madeira). Neste mesmo sentido se pronunciaram os Serviços do IVA, (...)” cfr. fls. 41 a 44 dos autos cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido.
H). Em 18.06.2004, foi proferida informação, que obteve o despacho concordante do Director-Geral dos Impostos, da qual consta, além do mais, o seguinte: “(...) 12. Do exposto, resulta que os Serviços Municipalizados da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia e a empresa A., EM são um único e mesmo sujeito passivo, ainda que, com números de identificação diferentes para além da designação social pelo que em vez de ter procedido à entrega duma declaração de cessação de actividade, e simultaneamente, ter entregue a outra declaração de inicio de actividade, deveria ter procedido à entrega de uma declaração de alterações de acordo com o art. 31º do CIVA. (...) 14. Tratando-se do mesmo sujeito passivo, não existe qualquer objecção à utilização da Comunicação de Crédito cuja reactivação é solicitada, pelo que, para os devidos efeitos, se deverá dar conhecimento à Direcção de Serviços de Cobrança do IVA.”
I). Em 25.11.2004, foi remetido à Impugnante o ofício n.º 446323, com o seguinte teor:
“Assunto: IVA- Empreitadas A., EM
No decurso do procedimento interno de inspecção, relativamente aos pedidos de reembolso de IVA dos períodos de 04.07 e 04.08, solicitados pela sociedade A., EM, constatou-se que V.Ex.as liquidaram IVA à taxa de 5% (verba 2.17 da Lista I), nas empreitadas efectuadas à firma em análise.
No entanto, as referidas empreitadas não se incluem na verba 2.17 da Lista I, pelo que devia ter sido liquidado à taxa normal – 19% -.
Assim sendo, deverão V.Ex.as proceder à regularização do IVA, de todas as facturas emitidas nas mesmas condições, para a referida empresa e substituir as declarações periódicas de IVA. Solicita-se o envio a estes serviços, no prazo máximo de 8 dias, de fotocópias das declarações periódicas de substituição que se mostrem devidas e respectivos meios de pagamento do IVA apurado adicionalmente.” cfr. fls 152 do processo de reclamação;
J). Em 24.02.2005, foi remetido à Impugnante o ofício n.º 406160, do qual consta, além do mais, o seguinte:
“Assunto: IVA - Empreitadas A., EM – NOTIFICAÇÃO
(...) Não tendo V. a Ex. a, até à presente data, regularizado a situação tributária em causa fica, agora, notificado para no prazo máximo de 30 dias proceder à respectiva liquidação, remetendo as declarações periódicas de IVA de substituição, com os meios de pagamento devidos. Solicita-se o envio a estes Serviços, no mesmo prazo, fotocópias das declarações periódicas, de substituição e respectivos meios de pagamento, bem como mapa demonstrativo do IVA apurado adicionalmente por período de tributação. Caso não seja dado cumprimento ao referido na presente notificação, procederão estes serviços à liquidação adicional do IVA que se mostrar devido, com as consequências legais dai decorrentes.” cfr. fls 149 do processo de reclamação;
L). Em 27.04.2005, deu entrada no Serviço de Finanças do Porto documento subscrito pela Impugnante, com o seguinte teor:
“(...) Conforme solicitado no Vosso ofício 406160 somos a enviar:
- cópias das declarações periódicas de substituição (31 declarações);
- cópias das guias de pagamento correspondentes (31 guias);
- listagem de facturas e avisos de lançamento emitidos às A., EM;
- Mapa demonstrativo do IVA apurado adicionalmente. (...)” cfr. fls. 150 do processo de reclamação;
M). Em 05.05.2005, foi emitida “informação”, com o seguinte teor:
No decurso do procedimento interno de inspecção, relativamente aos pedidos de reembolso de IVA, solicitados pela sociedade A., EM, constatou-se que o sujeito passivo: C., SA, NIPC: (…), liquidou IVA à taxa de 5% (verba 2.17 da Lista I), nas empreitadas efectuadas à firma em análise. No entanto, as referidas empreitadas não se incluem na verba 2.17 da Lista I, pelo que devia ter sido liquidado IVA à taxa normal - 19% -. Face ao exposto, foi o sujeito passivo notificado para proceder à respectiva liquidação, remetendo as declarações periódicas de IVA de substituição, com os meios de pagamento devidos. O sujeito passivo deu cumprimento ao disposto na notificação, regularizou a sua situação declarativa e de pagamento, apresentando as declarações periódicas de IVA de substituição dos períodos que constam do anexo 1, nas quais incluí a regularização de IVA nos anos 2001, 2002, 2003 e 2004 no montante de, respectivamente, € 19.839,88, €205.787,30, €70.717,80 e €23.349,00, conforme documentos juntos ao processo de evidência do trabalho.” – cfr. fls.146 e 147 do processo de reclamação.
N). Em 18.05.2005, foram remetidas à Impugnante, diversas notificações, das quais consta, além do mais, o seguinte: “Notificação – Fica V. Ex.a notificada para, até à data fixada para o pagamento voluntário, indicado no quadro de referências e mediante a apresentação deste Documento de Cobrança, efectuar nos locais de pagamento mencionados, o pagamento da importância aqui referida. (...) Fundamentação - Juros Compensatórios liquidados nos termos dos art.º s 89º do Código do IVA e 35º da Lei Geral Tributária, por ter sido retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto por facto imputável ao sujeito passivo. A contagem dos juros compensatórios é feita com base nos meios de pagamento (MP) enviados fora do prazo e ou, na sua falta ou insuficiência, na utilização de regularizações a crédito disponíveis (RC). A taxa de juro aplicável ao período é a equivalente à taxa dos juros legais fixada nos termos do nº1 do artigo 559º do Código Civil.(...)”, referentes às seguintes liquidações adicionais:
- Liquidação n.º 05143806, período 0109, valor de 666,42€, data limite pagamento 31.07.2005;
- Liquidação n.º 05139808, período 0110, valor de 381,40€, data limite pagamento 31.07.2005;
- Liquidação n.º 05143809, período 0112, valor de 1.636,55€, data limite pagamento 31.07.2005;
- Liquidação n.º 05143810, período 0201, valor de 3.765,41€, data limite pagamento 31.07.2005;
- Liquidação n.º 05143814, período 0206, valor de 3.981,29€, data limite pagamento 31.07.2005;
Liquidação n.º 05143816, período 0208, valor de 1.386,03€, data limite pagamento 31.07.2005;
- Liquidação n.º 05143817, período 0209, valor de 1.942,46E, data limite pagamento 31.07.2005;
- Liquidação n.º 05143818, período 0210, valor de 1.735,48€, data limite pagamento 31.07.2005;
- Liquidação n.º 05143820, período 0211, valor de 324,31€, data limite pagamento 31.07.2005;
- Liquidação n.º 05143821, período 0301, valor de 1.461,10€, data limite pagamento 31.07.2005;
- Liquidação n.º 05143822, período 0302, valor de 444,08€, data limite pagamento 31.07.2005;
- Liquidação n.º 05143823, período 0303, valor de 825,93€, data limite pagamento 31.07.2005;
- Liquidação n.º 05143824, período 0304, valor de 618,58€, data limite pagamento 31.07.2005;
- Liquidação n.º 05143827, período 0305, valor de 209,80€, data limite pagamento 31.07.2005;
- Liquidação n.º 05143828, período 0306, valor de 74,74€, data limite pagamento 31.07.2005;
- Liquidação n.º 05143831, período 0307, valor de 752,69€, data limite pagamento 31.07.2005;
- Liquidação n.º 05143833, período 0308, valor de 172,80€, data limite pagamento 31.07.2005;
- Liquidação n.º 05143838, período 0309, valor de 443,60€, data limite pagamento 31.07.2005;
- Liquidação n.º 05143840, período 0310, valor de 183,94€, data limite pagamento 31.07.2005;
- Liquidação n.º 05143845, período 0401, valor de 972,46€, data limite pagamento 31.07.2005;
- Liquidação n.º 05143849, período 0402, valor de 39,19€, data limite pagamento 31.07.2005; – cfr. fls. 101 a 121 do processo de reclamação;
O). Em 20.07.2005, a Impugnante pagou as liquidações adicionais elencadas no ponto anterior; – cfr- fls. 122 a 142 do processo de reclamação;
P). Em 12.08.2005, a Impugnante apresentou reclamação graciosa, no Serviço de Finanças da Maia, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido; – cfr. fls. 2 a 21 do processo de reclamação;
Q). A reclamação referida no ponto anterior não foi objecto de decisão expressa por parte da Administração Tributária;
R). Em 13.04.2006, a Impugnante apresentou em juízo a presente impugnação judicial; – cfr. fls. 1 a 16 dos autos;
IV. FACTOS NÃO PROVADOS
Com relevância para a decisão a proferir não resultam provados outros factos.
***
No que respeita à factualidade considerada provada e relevante à decisão da causa, o Tribunal fundou a sua convicção na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e que não foram objecto de impugnação.».

3.2. DE DIREITO

A Recorrente não se conforma com a sentença proferida em 1.ª instância, pela qual foi julgada procedente a impugnação judicial deduzida pela ora Recorrida contra as liquidações de juros compensatórios de IVA referente aos períodos de 0109, 0110, 0112, 0201, 0306, 0208,0210, 0211, 0301, 0302, 0303, 0304, 0305, 0306, 0307, 0308, 0309, 0310, 0401 e 0402.

Atentemos, antes do mais, na fundamentação de direito vertida na decisão recorrida:

«Invoca a Impugnante que não se encontram previstos os pressupostos enunciados no artigo 35º da LGT e do 89º do C.IVA que determinam a aplicação de juros compensatórios.
Ora, o artigo 35º n.1 da LGT dispõe que:
“São devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega do imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária.”.
E, o artigo 89º n.1 do C.IVA preceitua que:
“Sempre que, por facto imputável ao contribuinte, for retardada a liquidação ou tenha sido recebido reembolso superior ao devido, acrescerão ao montante do imposto juros de compensatórios nos termos do artigo 35º da lei geral tributária.”
Do exposto, retira-se, por um lado, que a liquidação de juros compensatórios assume uma natureza de reparação ou indemnização civil – e não, sancionatória – e, por outro, que a sua cobrança depende da verificação de dois pressupostos: (i) o retardamento da liquidação do imposto e (ii) que esse retardamento ocorra por facto imputável ao sujeito passivo.
Importa, assim, em face do que vai dito e da factualidade que se deixou assente, aferir se a Impugnante com a sua conduta preenche ambos os requisitos essenciais de que depende a liquidação de juros compensatórios.
Ora, com interesse para a questão decidenda nos autos, foi já preferido Acórdão pelo Supremo Tribunal Administrativo onde se afirma
“Para uma cabal compreensão e decisão desta questão, convém reter que, conforme resulta da materialidade fáctica vertida no ponto 3. º do probatório e do teor da informação que a suporta (informação de fls. 100 do p.a. apenso), a liquidação destes juros teve origem na comunicação que a Administração Fiscal efectuou à Impugnante, em Abril de 2005, dando-lhe conta de que havia procedido indevidamente à liquidação de IVA à taxa reduzida de 5% nas facturas que emitira para a dona da obra (AGEM) e de que deveria proceder à regularização do imposto em falta mediante a apresentação de declarações periódicas de substituição, alterando a taxa de 5% para 19%. O que foi imediatamente cumprido pela Impugnante, que logo apresentou as declarações periódicas de substituição e efectuou o pagamento do imposto em falta, após o que a Administração efectuou a liquidação de juros compensatórios com fundamento no retardamento da liquidação de parte do imposto devido. Por outro lado, para compreender a razão pela qual a Impugnante vinha liquidando à dona de obra IVA à taxa de 5%, há que recordar que a AGEM resultou da transformação dos Serviços Municipalizados de Águas e Saneamento (SMAS) da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia numa empresa pública municipal ao abrigo da Lei n.º 58/98, de 18 de Agosto, e que nas empreitadas em que havia figurado o SMAS como dona da obra a taxa de IVA aplicável era de 5% face ao disposto no artigo 18.º, n.º 1, alínea a) do CIVA, conjugado com a verba 2.17 da sua Lista 1, que abrangia «As empreitadas de bens imóveis em que são donos da obra autarquias locais, associações de municípios ou associações e corporações de bombeiros, desde que, em qualquer caso, as referidas empreitadas sejam directamente contratadas com o empreiteiro» Ou seja, quanto aos contratos de empreitada outorgados com os Serviços Municipalizados, os empreiteiros liquidavam o IVA à taxa reduzida de 5%, ao abrigo do artigo 18.º, n.º 1, alínea a) do CIVA, dado que esses Serviços constituíam um órgão da autarquia, sendo, assim, a autarquia a verdadeira e directa dona da obra. E após a transformação dos Serviços em empresa municipal a Impugnante continuou a liquidar-lhe IVA à mesma taxa, com o natural consentimento desta. O que significa que nem a sociedade construtora/empreiteira nem a dona da obra terão atentado na natureza jurídica das empresas municipais constituídas ao abrigo da Lei nº 58/98 e na essência dessa nova realidade jurídica, isto é, que tais empresas, sendo embora sociedades de capitais exclusivamente públicos, gozam de personalidade jurídica e são dotadas de autonomia administrativa, financeira e patrimonial (art. 2.º), estando sujeitas a tributação directa e indirecta nos termos gerais (art. 36.º). Ou seja, que tais empresas não constituem um órgão da autarquia (como eram os serviços municipalizados) nem se confundem juridicamente com a autarquia local, já que constituem uma entidade de direito privado, ainda que possua, por atribuição legal, o exercício de poderes públicos. Todavia, nada indicia que a falta de consideração e ponderação deste aspecto jurídico de relevo para a liquidação do IVA tenha sido propositado ou intencional por parte das empresas envolvidas (empreiteiro e dona da obra) ou, sequer, que tenha havido negligência ou má-fé da sua parte ao abraçarem o pressuposto de que a dona da obra continuava a ser a autarquia local. Pelo contrário, a específica configuração de toda esta situação, que envolve a apreensão de questões estritamente jurídicas, como seja a natureza legal de uma empresa municipal e a compreensão do alcance jurídico e fiscal da transformação de um órgão municipal numa empresa municipal, indica que todas as entidades envolvidas terão agido convencidas da legalidade da sua actuação. Com efeito, não pode esquecer-se a específica configuração desta situação, para a qual contribui o facto de a transformação dos SMAS na AGEM constituir, à primeira vista, uma mera transformação formal, traduzida na reorganização do serviço público de abastecimento de água e de saneamento básico. Ou seja, a modificação verificada na organização do serviço municipal de águas e saneamento de Vila Nova de Gaia não foi particularmente visível, pois que se traduziu na transformação de um serviço até então organizado como um órgão municipal, isto é, como uma empresa pública municipal sem personalidade jurídica, num serviço organizado como entidade dotada de personalidade jurídica, numa empresa pública personalizada. E, neste contexto, não admira que essas entidades não tenham detectado logo o exacto alcance e sentido dessa modificação e que, por essa razão, tenham (ainda que erradamente) continuado a aplicar a taxa reduzida nas empreitadas contratadas após a transformação dos SMAS na AGEM. Aliás, repare-se que nem a própria Administração Fiscal terá detectado logo o alcance fiscal da transformação verificada, pois como decorre do teor da “Informação nº 80”, dimanada do gabinete do Subdirector-Geral dos Serviços do IVA em 1/08/2002 e que mereceu despacho de concordância do SEAF em 7/08/2002, só nessa altura a Administração equacionou e resolveu a questão de saber se nas empreitadas em que os donos da obra eram empresas municipais se devia ou não continuar a liquidar o IVA à taxa de 5%. Não obstante, dois anos mais tarde os Serviços do IVA prestaram a informação documentada a fls. 61 a 64, a propósito de um pedido de “reactivação de crédito do IVA” que a AGEM apresentara em 17/03/03 em nome dos Serviços Municipalizados da Câmara de Vila Nova de Gaia, informação que foi sancionada por despacho do Director de Serviços do IVA em 8/07/04 e onde se concluía que «Os Serviços Municipalizados da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia e a empresa A., EM, são um único e mesmo sujeito passivo, ainda que, com números de identificação diferentes para além da designação social pelo que em vez de ter procedido à entrega duma declaração de cessação de actividade, e simultaneamente, ter entregue a outra declaração de início de actividade, deveria ter procedido à entrega de uma declaração de alterações de acordo com o art.º 31º do CIVA. (...) Tratando-se do mesmo sujeito passivo, não existe qualquer objecção à utilização da Comunicação de Crédito cuja reactivação é solicitada, pelo que, para os devidos efeitos, se deverá dar conhecimento à Direcção de Serviços de Cobrança do IVA». O que manifestamente denota que em meados de 2004 continuava a não haver, por parte da Administração Fiscal, uma percepção clara e definitiva do exacto alcance e sentido da referida transformação, pois nessa altura ainda afirma que os Serviços Municipalizados e a AGEM são um único e mesmo sujeito passivo, tendo-lhe reconhecido, por essa razão, o direito comunicação de créditos. Por fim, há ainda a salientar que a Impugnante pagou o IVA logo que é alertada pela Administração Fiscal para o erro que vinha cometendo na liquidação do IVA à taxa reduzida, o que não pode deixar de constituir um elemento evidenciador da boa-fé e da confiança na actuação de um ente público como é a AGEM, na medida em que esta empresa pública continuou a aceitar a liquidação do IVA à taxa de 5% e a pagar apenas esse imposto que lhe é liquidado pelo empreiteiro. Neste concreto enquadramento, e sabido que por força do preceituado nos artigos 35.º da LGT e 89.º do CIVA constituem requisitos essenciais para a liquidação de juros compensatórios a existência de um atraso na efectivação da liquidação e a imputabilidade (culposa) desse atraso à actuação do contribuinte, julgamos que não se pode considerar preenchido este último requisito, isto é, a culpa por parte do sujeito passivo de IVA, atenta a natural e compreensível falta de percepção, por todas as entidades envolvidas, nomeadamente por parte da Administração Fiscal, de que o dono da obra deixara de ser a autarquia, com a consequente falta de noção de que cessara a situação que permitia a aplicação da taxa reduzida de IVA ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 18.º conjugado com a verba 2.17 da Lista 1, ambos do Código do IVA. Na verdade, constitui entendimento jurisprudencial pacífico (Neste sentido podem ver­se os seguintes acórdãos do STA: de 8-7-92, proferido no recurso n.º 12147; de 28-6-95, proferido no recurso n.º 19014; de 20-3-96, proferido no recurso n.º 20042; de 2-10-96, proferido no recurso n.º 20605; de 18-2-98, proferido no recurso n.º 22325; de 3-10-2001, proferido no recurso n.º 25034; de 16-02-2005, proferido no recurso n.º 1006/04; de 12-07-2005 proferido no recurso n.º 12649 e de 19-11-2008, proferido no recurso n.º 325/08.) que a responsabilidade por juros compensatórios tem a natureza de uma reparação civil e que, por isso, depende do nexo de causalidade adequada entre o atraso na liquidação e a actuação do contribuinte e da possibilidade de formular um juízo de censura à sua actuação (a título de dolo ou negligência). Ou seja, depende, da existência de culpa, a qual consiste na omissão reprovável de um dever de diligência, que é de aferir em abstracto (face à diligência de um bom pai de família) e que, por isso, tem de ser apreciada segundo os deveres gerais de diligência e aptidão de um bónus pater famílias (Sobre a matéria pode ler-se o Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa in “Juros nas relações tributárias”, Problemas Fundamentais do Direito Tributário, pág. 145, bem como o Professor Casalta Nabais no parecer junto aos presentes autos.). Deste modo, e apesar de a doutrina e a jurisprudência também sufragarem a tese de que quando uma determinada conduta constitui um facto qualificado por lei como ilícito se deve fazer decorrer dessa conduta – por ilação lógica – a existência de culpa (não porque a culpa se presuma, mas por ser algo que, em regra, se liga ao carácter ilícito-típico do facto praticado) e que, por essa via, se deve partir do pressuposto de que existe culpa sempre que a actuação do contribuinte integra a hipótese de qualquer infracção tributária, o certo é que essa culpa pode e deve ser excluída quando se mostre, à luz das regras de experiência e das provas obtidas, que o contribuinte actuou com a diligência normal no cumprimento das suas obrigações fiscais. E, por essa razão, a jurisprudência firmou-se no entendimento de que não são devidos juros compensatórios quando o retardamento da liquidação se ficou a dever, por exemplo, a compreensível divergência de critérios entre a AF e o contribuinte quanto ao enquadramento e/ou qualificação de determinada situação tributária (como, por exemplo, a nível de custos fiscais) ou a erro desculpável do contribuinte (cfr. os acórdãos referidos em nota de rodapé). Ora, aplicando a citada doutrina e jurisprudência, julgamos que não se pode formular um juízo de censura à actuação da Impugnante até ao momento em que é avisada pela Administração Fiscal do erro em que estava a incorrer na aplicação da taxa do IVA, pois esse erro é claramente desculpável quando lido à luz de todo o circunstancialismo acima referido. Neste contexto, e tornando-se inadmissível imputar um juízo de censura à actuação da Impugnante em relação ao retardamento da liquidação de IVA à taxa normal devida, há que considerar como excluída a sua culpa e, consequentemente, afastada a sua responsabilidade pelo pagamento de juros compensatórios por falta de verificação de um dos pressupostos consagrados no artigo 35.º da LGT, para o qual remete o artigo. 89.º do CIVA” – Processo n.º 0587/10, de 16.12.2010 (sublinhado nosso).

Em suma, em face do acórdão que se deixa transcrito e, analisando a argumentação ali expendida, considera o Tribunal que aquela é aplicável, sem necessidade de mais considerações, à situação em apreciação nos presentes autos. Com efeito, tendo em conta a factualidade assente nos presentes autos, conclui o Tribunal que não é culposa a actuação da Impugnante no que toca à aplicação da taxa de IVA a 5%. É que, decorre das informações proferidas pela Administração Tributária que, até 2004, também esta não estava ciente da necessidade de, no caso de empreitadas com empresas municipais, ser aplicável IVA à taxa normal – cfr. factos G) e H) do probatório. De facto, atendendo ao enquadramento fáctico descrito, considera-se desculpável o erro em que incorreu a Impugnante e, como tal, ainda que se possa aceitar existir retardamento no cumprimento da obrigação tributária, exclui-se a susceptibilidade de formular qualquer juízo de censura ético-jurídica, neste ponto, à conduta da Impugnante.
Pelo exposto, julga-se procedente o alegado vício de violação de lei, por inobservância do disposto art. 35º n.1 da LGT e 89º n.1 do C.IVA, pelo que, se anulam as liquidações adicionais de juros compensatórios impugnadas nos presentes autos, e logicamente, o acto de indeferimento tácito que se formou quanto à reclamação graciosa apresentada.».

A Recorrente Fazenda Pública não se conforma com o assim decidido porque, por um lado, se a Recorrida tivesse atuado diligentemente, teria tomado conhecimento da posição da AT, vertida nas Informações n.º 2185 de 02/12/2000n e n.º 1643 de 22.06.2001 e, por outro lado, no limite, a Recorrida devia ter regularizado a situação logo que notificada para o efeito, o que só fez meses depois.

No que tange à primeira das apontadas objeções, afigura-se-nos que a razão não está do lado da Recorrente pois resulta do acórdão do STA, transcrito na sentença, que o entendimento da AT sobre esta matéria apenas se consolidou em 2004, «como decorre do teor da “Informação nº 80”, dimanada do gabinete do Subdirector-Geral dos Serviços do IVA em 1/08/2002 e que mereceu despacho de concordância do SEAF em 7/08/2002, só nessa altura a Administração equacionou e resolveu a questão de saber se nas empreitadas em que os donos da obra eram empresas municipais se devia ou não continuar a liquidar o IVA à taxa de 5%.», «Não obstante, dois anos mais tarde os Serviços do IVA prestaram a informação documentada a fls. 61 a 64, a propósito de um pedido de “reactivação de crédito do IVA” que a AGEM apresentara em 17/03/03 em nome dos Serviços Municipalizados da Câmara de Vila Nova de Gaia, informação que foi sancionada por despacho do Director de Serviços do IVA em 8/07/04 e onde se concluía que «Os Serviços Municipalizados da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia e a empresa A., EM, são um único e mesmo sujeito passivo, ainda que, com números de identificação diferentes para além da designação social pelo que em vez de ter procedido à entrega duma declaração de cessação de actividade, e simultaneamente, ter entregue a outra declaração de início de actividade, deveria ter procedido à entrega de uma declaração de alterações de acordo com o art.º 31º do CIVA. (...) Tratando-se do mesmo sujeito passivo, não existe qualquer objecção à utilização da Comunicação de Crédito cuja reactivação é solicitada, pelo que, para os devidos efeitos, se deverá dar conhecimento à Direcção de Serviços de Cobrança do IVA». O que manifestamente denota que em meados de 2004 continuava a não haver, por parte da Administração Fiscal, uma percepção clara e definitiva do exacto alcance e sentido da referida transformação, pois nessa altura ainda afirma que os Serviços Municipalizados e a AGEM são um único e mesmo sujeito passivo, tendo-lhe reconhecido, por essa razão, o direito comunicação de créditos.», situação que igualmente se verificou no caso vertente, como decorre do ponto H) dos factos provados.

Sucede que, ao contrário do que aconteceu no caso relatado naquele aresto, na situação que ora nos ocupa, a Recorrida foi expressamente notificada para proceder à regularização do IVA, procedendo à respetiva liquidação à taxa de 19%, a coberto do ofício n.º 446323 de 25.11.2004, mas apenas atuou em conformidade cinco meses depois, após instada pela segunda vez para tal efeito.

Seguindo o entendimento vertido no citado aresto do STA no sentido de que «julgamos que não se pode formular um juízo de censura à actuação da Impugnante até ao momento em que é avisada pela Administração Fiscal do erro em que estava a incorrer na aplicação da taxa do IVA, pois esse erro é claramente desculpável quando lido à luz de todo o circunstancialismo acima referido.», temos que, no caso que nos ocupa, a Impugnante e ora Recorrida por não ter procedido à regularização do IVA, de imediato ou dentro do prazo de 30 dias que lhe foi conferido, deixou de estar de boa fé a partir do 30.º dia posterior à receção do ofício n.º 446323, não lhe sendo, desde essa data, desculpável o erro em que incorreu ao liquidar o IVA à taxa de 5%.

Assim, por não ser já desculpável a atuação da Recorrida após o decurso do prazo que lhe foi conferido para a regularização em causa, a sua conduta deve ser qualificada de culposa, pelo menos a título de negligência, sendo devidos juros compensatórios contados desde essa data.
«Com efeito, estabelece o artigo 35.º da LGT, no seu n.º 1, que, sempre que ocorra retardamento da liquidação, do total ou de parte do imposto devido, são devidos juros compensatórios pelo sujeito passivo, desde que tal retardamento decorra de facto que lhe seja imputável.
A razão de ser dos juros compensatórios prende-se, pois, necessariamente, com um juízo de censura, a título de culpa e, por consequência, numa conduta, no mínimo, negligente, imputável ao sujeito passivo e que se prende com a sua responsabilização cível, no sentido de indemnizar o Estado pelos prejuízos decorrentes do não recebimento atempado do imposto devido com suporte numa conduta ilícita ou de desvalorização normativa do quadro legal vigente e aplicável injustificável/indesculpável, ou, dito de outra forma censurável; Ou seja, numa conduta a que é alheia uma qualquer eventual responsabilização de natureza “penal/fiscal”.
Trata-se, pois, do conceito civilista de culpa, cuja demonstração cabe à AT, seja enquanto conduta positiva e agressiva na prática do acto tributário do respectivo apuramento, seja enquanto entidade que a invoca em suporte do aludido acto, nos termos do preceituado no art.º 572.º do CC – cfr. Acórdão do TCA Sul, de 12/01/2010, proferido no âmbito do processo n.º 03177/09.(…)» - cfr. acórdão deste TCAN de 25.03.2021, rec. 01283/07.0BEPRT, disponível em http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/ae68881546f9328e802586ae00420269?OpenDocument.

Isto posto, importa apreciar a outra questão suscitada na impugnação, cuja apreciação foi julgada prejudicada na sentença, respeitante à ilegalidade das liquidações impugnadas por falta de audiência prévia.

O direito de participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito é estruturante do procedimento tributário, tem consagração constitucional no artigo 267.º, n.º 5, da nossa Lei Fundamental, e foi acolhido pelo legislador ordinário no artigo 60.º da LGT, cuja alínea a), do n.º 1, prevê o direito de audição antes da liquidação. Trata-se, pois, de uma formalidade essencial cuja preterição inquina o ato final do procedimento, exceto quando se evidencie que o contribuinte já participou ou teve oportunidade de participar na decisão ou que a sua participação em nada poderia alterar o resultado final.

Da matéria de facto apurada nestes autos resulta que não existe no processo qualquer elemento probatório evidenciador de a Recorrida ter tido oportunidade de se pronunciar sobre as liquidações de juros compensatórios previamente às mesmas. E se é certo que não se justificava a audição da Recorrida relativamente à base tributável e à taxa aplicável, relativamente às quais inexiste qualquer discricionariedade da administração tributária, o mesmo já não podemos afirmar quer quanto ao período de contagem dos juros quer quanto ao elemento subjetivo em que radica a obrigação do respetivo pagamento – a culpa / imputabilidade do atraso.

De facto, «(…) no que diz respeito à culpa, enquanto pressuposto dos juros em questão, se entende que, tratando-se de um juízo subjectivo, tem implícito que o contribuinte, em sede de exercício de audição, possa carrear para o procedimento, elementos até aí não disponíveis pela AT, que possam afastá-lo, à luz dos elementos relevantes à sua aferição, nos termos acima referidos; Por isso que se não possa concluir que o simples facto do conhecimento do retardamento do imposto, por parte do contribuinte, da taxa aplicável e do período de tempo, implique inexoravelmente o acto da respectiva liquidação, pelo que, neste âmbito, se entende, por um lado, como formalidade essencial a observar, a notificação do destinatário do acto tributário final, para exercer, querendo, o direito de audição, e, por outro, que a preterição de tal poder/dever é insusceptível de se degradar em formalidade não essencial.» - cfr. acórdão do TCAS de 21.08.2010, rec. 02018/07.

Ora, na situação que nos ocupa, é patente, até pelo que já vai considerado a propósito da legalidade da liquidação dos juros compensatórios, que se justificava a audição da Recorrida antes da emissão das liquidações de juros compensatórios, cuja omissão inquina os atos de liquidação subsequentes.

Assim, há que julgar preterida a formalidade de audiência prévia antes das liquidações impugnadas de juros compensatórios e, em consequência, procedente a impugnação judicial deduzida pela Recorrida, anulando-se os atos que constituem o seu objeto.

4. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder parcial provimento ao recurso, revogar parcialmente a sentença recorrida e, conhecendo em substituição, julgar a impugnação totalmente procedente, anulando os atos impugnados.
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Custas do presente recurso a cargo da Recorrente e da Recorrida, fixando-se o decaimento em 75% e 25%, respetivamente, ficando as custas devidas em 1.ª instância a cargo da AT (artigo 527.º, n.º 1 e 2 do CPC).
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Porto, 23 de junho de 2021

Maria do Rosário Pais - Relatora
Tiago Afonso Lopes de Miranda - 1.º Adjunto
Ana Patrocínio - 2.ª Adjunta