Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00522/16.1BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/15/2021
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:RECURSO EM SEPARADO; MURO DE MEAÇÃO; DEMOLIÇÃO; PROVA PERICIAL
Sumário:1 – O Recurso relativo a Despacho que indeferiu a realização da Perícia e a inquirição de testemunhas, por se tratar de Recurso relativo a meios de prova que foram recusados, deverá, desde logo, ser sido admitido e decidido autonomamente e em separado, e antes da prolação da decisão de fundo.
Como sumariado no Acórdão deste TCAN nº 3154/12.0BEPRT, de 21-05-2021, “(…) Estando em causa um Despacho que rejeitou um meio de prova (pericial), se fosse caso disso, o mesmo teria de ser desde logo objeto de apelação autónoma, nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 644.º do CPC.”

2 - A prova pericial tem por fim a perceção ou apreciação de factos por meios de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objeto de inspeção judicial.
Como decorre da própria letra do art. 388.º do Código Civil, sob a epígrafe “Prova pericial”: não se trata apenas de averiguar factos, mas ainda de os apreciar

3 - Nos termos do n.º 1 do art. 476.º do CPC, deverá a perícia ser viabilizada, desde que se reconheça que a mesma não é impertinente nem dilatória; impertinente por não respeitar aos factos da causa, ou dilatória, por, respeitando embora aos factos da causa, o seu apuramento não requerer o meio de prova pericial, por não exigir os conhecimentos especiais que esta pressupõe (art. 388.º CC).
Recorrente:M.
Recorrido 1:Município (...)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I Relatório
M., devidamente identificada nos autos, no âmbito da ação administrativa, intentada contra o Município (...), tendente à impugnação dos atos de 12/05/2016 e 13/06/2016, de modo a que o Réu seja condenado a demolir o muro identificado, mais sendo condenado a apreciar a denúncia efetuada relativamente ao mesmo, inconformada com a decisão proferida em 2 de junho de 2019 no TAF de Coimbra, na qual a Ação foi julgada improcedente, veio interpor recurso jurisdicional.

Formula a aqui Recorrente nas suas alegações do Recurso Jurisdicional, apresentado em 22 de outubro de 2019, as seguintes conclusões:

“Do despacho interlocutório:
1) Em primeiro lugar, no que diz respeito à prova pericial, o objeto desta (definido na pi. e ampliado pelo R. na contestação), requerida com vista ao apuramento da salubridade ou insalubridade do fosso que permeia a fachada da A. e o muro e à falta de segurança que a construção comporta para a A. e respetiva habitação (sobretudo, no que diz respeito à instalação elétrica), reporta-se a factualidade absolutamente relevante e imprescindível para a boa decisão dos presentes autos, pois sobre essa mesma factualidade recaem os vícios de violação de lei (material) alegados pela A. em sede de petição inicial – cfr. autos a fls...
2) Esse juízo (de insalubridade ou não insalubridade e segurança ou falta dela, decorrentes da existência e características do muro) é um juízo de índole técnica cuja aferição implica a apreciação e apreensão de factos e a formulação de juízos para os quais são requeridos conhecimentos técnicos específicos de que o julgador não dispõe (nomeadamente da área da saúde pública), razão pela qual impõe-se o recurso à prova pericial para efetivar essa sindicância.
3) Ademais, conforme decorre da própria letra da norma do art. 388.º do Código Civil, sob a epígrafe “Prova pericial”, não se trata apenas de averiguar factos, mas ainda de os apreciar (cfr. doutrina citada no corpo das alegações), apreciação esta (juízo técnico-pericial) que não está contida na documentação junta aos autos, pese embora a sua suma importância, não podendo assim os documentos constantes dos autos ser considerados suficientes para que Tribunal possa apurar a legalidade da construção.
4) Por outro lado e pelos mesmos motivos, a perícia “não é impertinente nem dilatória”, nos termos do n.º 1 do art. 476.º do CPC, antes se reporta ao núcleo fundamental da questão ou questões que se pretendem ver esclarecidas, e por se tratarem de factos cujo apuramento exige os conhecimentos especiais (técnicos) que a prova pericial pressupõe (cfr. art. 388.º CC e arestos citados no corpo das alegações).
5) É pois imprescindível, para conhecer da ilegalidade dos atos, aferir se a distância minúscula que existe entre a habitação da A. e o muro erigido é fonte de insalubridade e constitui um risco para a saúde e segurança da Recorrente, pois, repise-se, a legalidade do muro depende fundamentalmente desse facto e, consequentemente, desta última depende a legalidade da atuação administrativa que se impugna, e bem assim e inclusive, a demolição que se considera devida e se peticiona.
6) Numa palavra, por a perícia requerida se afigurar pertinente, não dilatória e não ser jamais claramente desnecessária, sendo antes absolutamente indispensável à descoberta da verdade material e à boa e justa composição da lide, o despacho recorrido incorre em erro de julgamento, por violação dos arts. 90.º, n.ºs 1 a 3 do CPTA, 388.º do CC e 476.º do CPC, aplicável ex vi arts. 1.º e 90.º, n.º 2 do CPTA e, bem assim, dos princípios do direito à prova, da aquisição processual, do inquisitório, da descoberta da verdade material e da justa composição do litígio, todos ínsitos à tutela jurisdicional efetiva dos administrados (cfr. arts. 410.º e ss. do CPC e arts. 20.º e 268.º, n.º 4 da CRP), impondo-se a sua revogação e a realização da perícia requerida.
7) Em relação à prova testemunhal, diga-se que a mesma “é admitida em todos os casos em que não seja direta ou indiretamente afastada” (cfr. art. 392.º do CC), e, no caso, a mesma tem toda a pertinência, no mínimo, para comprovar a factologia alegada no art. 16.º da pi. – no mínimo, para se ouvir o Sr. Eletricista que tem conhecimento pessoal dos factos alegados e cuja inquirição, inclusive, se requereu ao R. (cfr. ponto 12 dos factos dados por provados na sentença)!
8) Factos esses, também, contendentes com a segurança das pessoas e, em concreto, da A. que se entende estar colocada em causa pela construção e na qual se alicerçam, também, as ilegalidades assacadas aos atos impugnados.
9) E, bem assim e até, tal prova é também idónea para comprovar os factos que a própria sentença, a p. 13, segundo parágrafo, diz que “a A. não prova minimamente” (seja lá o que isso do provar “minimamente” for…)! – “existência de uma conduta de esgoto que passa pelo interstício criado pelo muro” (facto este que, sem prejuízo de sobre ele incidir a prova pericial, cfr. respetivo objeto, é perfeitamente passível de ser atestado por testemunhas). Entre outros factos alegados e essenciais à composição da lide, como seja, a título de exemplo, a altura que o muro tinha antes da ampliação…
10) Portanto, também a este passo, o despacho recorrido incorre em erro de julgamento, por violação dos arts. 90.º, n.ºs 1 a 3 do CPTA, 392.º do CC, 411.º e 498.º e ss. do CPC, aplicáveis ex vi arts. 1.º e 90.º, n.º 2 do CPTA e, bem assim, dos princípios do direito à prova, da aquisição processual, do inquisitório, da descoberta da verdade material e justa composição do litígio, todos ínsitos à tutela jurisdicional efetiva dos administrados (cfr. arts. 410.º e ss. do CPC e arts. 20.º e 268.º, n.º 4 da CRP).
11) Sem prescindir quanto a tudo quanto se vem de expor, acresce que o despacho recorrido sempre incorre, de igual modo e pela mesma ordem de motivação, na prática de uma nulidade processual por omissão de ato que a lei prescreve e que é essencial para a decisão da causa (cfr. art. 195.º, n.º 1 do CPC, ex vi art. 1.º do CPTA).
12) Com efeito, a não produção da prova requerida tem, na sequência do exposto, influência direta no exame e decisão da causa, já que, reitere-se, os factos que alicerçam os vícios assacados pela A. aos atos impugnados (reportados à salubridade e segurança da construção e, assim, à legalidade ou ilegalidade da mesma que é o objeto dos atos), que são controvertidos (daí que os factos alegados pela A., designadamente, nos arts. 2.º a 17.º da pi. não constem como provados na fundamentação de facto da sentença), carecem indubitavelmente de produção de prova, logo, esta é absolutamente essencial para a descoberta da verdade material e para a justa decisão da causa.
Da sentença:
13) Apesar de não ter sido uma consideração decisiva no julgamento, até porque o Tribunal conheceu (num juízo profundamente deficitário e erróneo) das ilegalidades materiais invocadas face à Administração, ilegalidades essas que no entender da A. determinariam o não arquivamento da queixa e conhecimento das mesmas com as consequências que apontou, importa deixar claro contra a acusação, feita em parênteses, de que a matéria alegada seria conclusiva, que a matéria de facto alegada nos números 2.º a 17.º da pi. (autos a fls…) trata ou explica-se ostensivamente em factos, factos esses sobre os quais foi pedida a prova negada pela Juiz, que, singelamente e tentando resolver a questão em abstrato, decidiu aludir a requerimentos (que não transcreve) e atos (que transcreve) como matéria provada – circunstância que reforça a necessidade de ser especificada a matéria de facto a provar e a necessidade de ser levada a efeito a prova pedida.
14) Seja como for, essa afirmação no sentido de que a matéria de facto alegada para corporizar a violação dos arts. 15.º, 23.º e 74.º do RGEU (absolutamente infundamentada, como se vê de folhas 11 da sentença), é nula nos precisos termos do estatuído no art. 615.º, n.º 1. al. b) do CPC, aplicável ex vi art. 1.º do CPTA, ou encerra de um ostensivo erro de julgamento.
15) Diz-se na sentença, na ordem cognitiva que julgamos preferível, que os factos alegados jamais seriam, mesmo a verificarem-se, de molde a fazer recair o dever sobre a Autarquia de ordenar a demolição, ao abrigo das disposições citadas, posto em proporcionalidade se dever ponderar a possibilidade de conservação do bem.
16) Na ordem que seguimos, sustentaremos primeiro que a demolição é devida (nos pressupostos de facto de que partimos e defendemos e que a sentença ignorou), nada tendo a apontar à legalidade da formulação genérica do princípio da demolição como última ratio da atuação administrativa em matéria de polícia urbanística.
17) Porém, na sentença, a fls. 13, no seu início, conjugada com o parágrafo seguinte que se inicia por “De outra banda (…)” surpreende-se esta afirmação (a de que ainda que fossem julgadas procedentes os factos jamais se poderia concluir pela demolição antes de averiguar das possibilidades de conservação da obra) como um segmento justificativo e decisório autónomo – se não o é, numa leitura cautelosa, pode-o ser e, assim, a este mandatário só resta assacar a ilegalidade que se especificará infra a este propósito.
18) O que está em causa é, assim, se estamos face a momentos vinculados ou não nas distintas causas de pedir – isto mesmo descomplicando, porque a questão tem uma abrangência muito maior que se explica no dever de condenar a que se refere o art. 71.º do CPTA. 19) Ora, e porque se surpreende um segmento de decisão autónoma nesta matéria, só é possível assacar nulidade à decisão por falta absoluta de fundamentação (art. 615.º, n.º 1, al. b) do CPC, ex vi art. 1.º do CPTA), na medida em que não se ensaia sequer uma qualquer factologia que justifique a possibilidade de conservação da obra (a assim não se entender, existirá então erro de julgamento por violação do art. 71.º do CPTA) – o que se faz, natural e honestamente, com a consciência de que o que é fundamental é a verificação das causas de pedir que, a seguir, a sentença aborda.
20) Abordando pois e assim, mais em concreto, as questões sobre as quais se pretende pronúncia, a sentença vem ponderar a aplicação do estatuído no art. 15.º do RGEU; ora seguindo a linha de raciocínio constante da conclusão precedente, e porque a sentença insiste na generalidade, dizendo pura e simplesmente que ainda que se concluísse que o muro causa insalubridade, não seria possível que a demolição da ampliação fosse a única solução possível, é, forçoso, uma vez mais, que se assaque à sentença nulidade pois que não é dito em que medida é que uma qualquer intervenção conservadora do muro poderia obviar às ilegalidades e insalubridade alegadas (art. 615.º, n.º 1, al. b) do CPC, ex vi art. 1.º do CPTA).
21) Visto o teor do art. 15.º do RGEU, temos que são proibidas todas as intervenções edificavas que causem insalubridade; neste pressuposto, e sabendo-se que o ampliado muro apenas tinha uns escassos centímetros de altura, que não impediam a limpeza do fosso ou o acesso à caixa de saneamento e sabendo-se, à evidência do que é a realidade, que o muro em causa, criando um fosso com cerca de 20/30 cm de largura e cerca de 3 metros de altura, é ostensivo, manifesto e evidente que a insalubridade se verifica (não há ninguém que possa negar isso com seriedade) e que só a demolição da ampliação permite não só o acesso à conduta de saneamento, como à caixa de saneamento que agora está tapada, bem como, ainda, não há ninguém, muito menos um juiz, que não tenha de concluir que aquele fosso, ao propiciar a deposição, sem hipóteses de limpeza conhecidas, de animais mortos e outras imundices, causa insalubridade.
22) Aliás, ninguém as diz (medidas de conservação do muro), nesta dimensão de acesso à conduta (que pode entupir) ou à caixa que assim fica tapada e deixa de também poder ser limpa, bem como não vislumbramos hipóteses de fazer limpeza do fosso que se trata sem demolição do muro!
23) Logo, é manifesto e ostensivo, aliás, que a sentença sofre de erro de julgamento por inequívoca violação do estatuído no art. 15.º do RGEU e, mesmo, do art. 71.º do CPTA. 24) Antecipando a crítica ao que, enfaticamente e à saciedade, se concluiu, pode dizer-se que a situação não é clara porque a Recorrente pediu peritagem a respeito da verificação da situação de insalubridade; pediu-a, é um facto, mas o que apreciamos agora é a perspetiva do Tribunal a quo que entendeu que não necessitava de produzir prova para decidir e, nessa abstrata perspetiva, só podia concluir como dizemos, tanto mais quanto até entende que a Administração não se furtou a decidir e decidiu materialmente as razões invocadas pela A..
25) Segue a sentença, neste seu exercício cognitivo de injustiça, dizendo que o art. 23.º do RGEU não é violado, porquanto se refere a paredes de edificações e não a muros de divisão de propriedades.
26) Quando se alega a violação deste normativo, estamo-nos a referir à edificação da Recorrente, que, com o muro que foi feito e conforme foi alegado, sofre de infiltrações (cfr. arts. 16.º e 17.º da pi.), isto é, a leitura que fazemos do normativo é que a construção de qualquer parede (e já vamos à qualificação da construção como muro de vedação) não pode gerar insalubridade, especialmente como o normativo menciona, não pode ainda gerar situações de humidades noutras paredes de edificações próximas (cfr. art. 23.º do RGEU), sendo assim que o normativo é, atentos os interesses que visa salvaguardar, relacional e aplica-se a qualquer parede, como é o caso do muro em causa.
27) Ademais, quanto à qualificação do muro, como muro de divisão de propriedade, temos, isso sim, que o normativo em causa não os exceciona e isto, naturalmente, independentemente da qualificação do mesmo ser ou não um… “muro de divisão de propriedades”.
28) O muro já lá estava, era pequeno em altura (está provado e aceita-se que se tratou de uma ampliação), não impedindo o acesso ao interstício ou causando humidades, tinha cerca de 40 cm, e seguia-se a parede com cerca de 3 metros de altura (por cerca de 10 de comprimento) que constitui o tardoz (ou fachada cega) da edificação da A.. Aliás, o vizinho desta estava vedado naturalmente, com essa empena cega, não se “percebendo” o que é que esta qualificação da obra em causa (muro de divisão) tem a ver com a questão ou como, por que razão, jurídica, faz com que não exista ilegalidade.
29) O que se entende, sempre no mesmo sentido, isso sim, é que causando o muro edificado humidade e a ponto de serem provocados curto-circuitos na moradia da A. (com os perigos para a segurança que daí advêm), é que a construção em causa não se pode manter devendo ser vinculativamente demolida.
30) Nestes termos, sustentar, pelas razões referidas, que a construção apenas se refere à construção de paredes esquecendo a situação das paredes das outras edificações que lhe são próximas, ou praticamente coladas, e pensando que o normativo que quer proteger a segurança e a salubridade das edificações, esquece as restantes edificações, não é… admissível, porque, a ser assim, se teria de concluir que o legislador proibiria um resultado e admiti-lo-ia ao mesmo tempo.
31) Por isso mesmo, a sentença sofre de erro de julgamento e afronta desta forma o estatuído no art. 23.º do RGEU.
32) Finalmente, quanto à aplicação do art. 74.º do RGEU à situação de facto, diz-se na sentença que a vocação do normativo exclui a sua aplicação a muros de divisão de propriedades… Ora, não só normativo não exceciona os "muros de divisão entre propriedades”, como, por outro lado, o que faz é proibir a construção de volumes de qualquer natureza com obras ou construções quando prejudiquem as condições de salubridade de todas as edificações direta ou indiretamente afetadas – leia-se o normativo até ao fim e não apenas na parte truncada que a Meritíssima Juiz escolheu.
33) Incorrendo, por isso, a sentença, em mais um erro de julgamento, por violação do estatuído no art. 74.º do RGEU.
34) Quanto à violação do art. 6.º, n.º 8 do RJUE e ao ato de 12/05/2016, veio-se alegar na pi. uma evidência - qualquer obra que esteja dispensada de licenciamento ou autorização (escassa relevância urbanística) não pode deixar de cumprir a lei – isto apesar de o legislador do RJUE o ter mesmo escrito.
35) Nem isto convenceu a Meritíssima Juiz que vem sustentar com fundamento no facto de a fiscalização (note-se… a fiscalização…) se ter deslocado ao local, ter concluído genericamente que não existia fundamento de facto ou de direito para decretar o embargo e demolição e com fundamento na análise que fez da situação de facto, que nenhuma ilegalidade havia sido cometida, posto que aquela Administração ponderou a inobservância das condições de salubridade.
36) Avultam as interrogações… que ponderação concreta ocorreu no ato? Qual? Onde está escrita sequer indiciariamente? Onde está um esgar de ponderação do que a Digna Magistrada entendeu levar a efeito na sentença, no sentido de concluir que nenhuma ilegalidade material foi cometida?
37) Ninguém pode dizer que ocorreu ponderação das concretas razões que foram aduzidas pela administrada. Ninguém sem, naturalmente, incorrer em erro manifesto de julgamento e em ofensa declarada ao princípio da ponderação – cfr. Paulo Otero, Direito do Procedimento Administrativo, V.I., pp. 251 e seguintes.
38) O que se pode dizer face ao teor do ato é o que dissemos – ou seja, que se verifica no ato (leia-se o mesmo no ponto 13 da matéria de facto provada), uma confusão ilícita entre a isenção de licenciamento e o cumprimento da legalidade administrativa!
39) Isso sim, sendo, apesar da redação ser aparentemente equívoca, que a Administração entendeu que as obras isentas de licenciamento não podiam ser objeto de uma ponderação da sua legalidade material, do seu embargo ou da sua demolição – para além do mais, o termo “pudessem” na frase final onde se refere a ausência de motivos para aquele embargo ou demolição fazem com que esta conclusão se ligue à isenção de controlo que é a parte mais densa da motivação (esmagadoramente) e, assim, alicerçam a conclusão que retiramos no sentido do normativo ter sido violado – as regras de interpretação do ato são as da lei, como é dogmática e jurisprudência pacíficas.
40) Aliás, todos sabemos que, no mínimo, um ato que é fundamentado numa pluralidade de segmentos decisórios – como no caso, na posição concetível mais adversa à nossa, se pode equacionar – só pode ser salvo quando um dos segmentos decisórios determine forçosa e autonomamente esse indeferimento (escusamo-nos de levar a efeito citações, considerando a pacificidade do que dizemos).
41) Ora, dizer-se a final num texto com 16 linhas (na sentença) e depois de passar 13 delas a dizer que a obra é isenta e que o Requerente da obra deu cumprimento ao dever de comunicação da sua realização “(…) não havendo motivos que pudessem sustentar/fundamentar, de facto e de direito, o seu embargo e/ou demolição”, não é, de forma alguma, segmento decisório que determine forçosamente esse indeferimento, porquanto nada do que foi alegado de fundo no requerimento foi ponderado…
42) Diga-se até a este respeito que a doutrina faz impender nestes casos sobre o Juiz o dever de averiguar o peso relativo que o segmento decisório ilícito teve, se o teve, no outro eventual lícito. E se se concluir no sentido de que a ilicitude do primeiro fundamento determinou de alguma forma o segundo segmento, o ato deve ser anulado. Ora, a falta de clareza que também equacionámos no que concerne a uma devida interpretação do ato, a ligação ou conexão entre os dois fundamentos que aqui equacionamos, sempre determinaria assim a sua anulação, posto que o enfoque que é colocado na decisão é, como é evidente, até pela densidade e extensão da fundamentação, o que já vimos, na isenção de licenciamento.
43) Incorre, também por aqui, a sentença em erro de julgamento, por violação do art. 6.º, n.º 8 do RJUE, devendo como tal ser revogada, posto que a circunstância da obra estar isenta de licenciamento não exime o seu titular de cumprir a lei e, como veremos já, de a apreciar com um mínimo de pertinência… de sustentação, etc. – nem sabíamos como rematar face a tamanha generalidade do ato.
44) Vem a respeito agora do art. 93.º do RJUE, a sentença dizer que a Administração, por ter feito deslocar a fiscalização ao local e por ter dito o que vem dito no ato, apreciou as razões de ilegalidade que foram assacadas ao ato.
45) Recusamo-nos a pisar o terreno que pisámos já, apenas dizendo e alegando, com fundamento no que consta das conclusões precedentes, que é ostensivo e manifesto que a Administração não ponderou as razões concretas de ilegalidade que a Recorrente aduziu no seu requerimento, nomeadamente as violações dos arts. 15.º, 23.º e 74.º do RGEU, mais uma vez se vendo violado em erro de julgamento o princípio da ponderação.
46) Recordando-se o teor do estatuído no art. 93.º do RJUE impõe-se-nos a interrogação: será que dizer genericamente o que se disse se enquadra no que a lei refere que é assegurar a conformidade das operações urbanísticas com as disposições regulamentares aplicáveis?! Será que um ato daquele jaez configura uma aferição daquelas disposições por forma a prevenir os perigos para a saúde pública?! Onde está, no ato, sequer uma leve dimensão que possa fazer concluir isto mesmo? Onde?!
47) É ostensivo que o normativo foi violado e assim é patente e manifesto o erro de julgamento cometido na sentença ao não ter verificado a afronta ao estatuído no art. 93.º do RJUE, mormente ao seu n.º 2.
48) Aliás, se a Meritíssima Juiz quisesse, que não quis, sempre poderia, face a tanta evidência, ter até anulado o ato por falta de fundamentação (cfr. art. 95.º, n.º 3 do CPTA), pois de uma coisa temos todos a certeza, com exceção das considerações que a Meritíssima Juiz por si levou a efeito sobre os normativos que se entendem ter sido violados, nenhuma pronúncia a Administração teceu!
49) Incorre pois a sentença, novamente, em erro de julgamento, por violação do art. 93.º do RJUE, impondo-se, também por aqui, a sua revogação.
50) Quanto à matéria do despacho de 13/06/2016 (“o litígio entre particulares”), diz a sentença que, independentemente da bondade do “argumento”, pois para si é do que se trata, de um mero argumento, como diz expressamente, e não, como é, de uma causa de pedir, avulta o facto de nenhuma critica ser feita a tal segmento decisório administrativo.
51) Mais uma vez estamos, nos termos em que o alegámos, face a uma situação em que há uma duplicidade decisória – dois segmentos decisórios, a litigância entre particulares e a decisão das questões por anterior despacho.
52) O primeiro, é rotundamente ilegal, é nulo por equivaler a uma renúncia de exercício de poderes, aliás bem delimitados, entre o mais que vai alegado na lei fundamental, passa pela lei-quadro, como dizemos dos Municípios, e pelo art. 93.º do RJUE, sendo que, no nosso entendimento, isso é o que basta para se verificar erro de julgamento.
53) Como se disse e na verdade, não se pode perceber, pelo teor do ato, se a circunstância da Administração ter entendido que se trata de um minudência de natureza civil a que é estranha, foi ou não a causa determinante do não conhecimento (minimamente consequente, ponderado e sério) do teor do requerimento e das causas de ilegalidade especificamente apontadas à obra.
54) E isso é o que basta para assacar ilegalidade à sentença e, assim, o seu erro de julgamento, posto que nestes casos se impõe a ilicitude do ato na sua globalidade e, assim, a necessidade da Administração repetir a sua decisão sabendo agora que não pode renunciar a atribuições que inequivocamente detém e fazendo pois o juízo que se pediu.
55) Naturalmente que, nestes casos, não se aplica a doutrina subjacente ao estatuído no art. 13.º do CPA, posto que se trata do exercício de poderes discricionários. Ou seja, existe aqui uma margem de apreciação (decidir ou não decidir o requerido), mas esse espaço de conformação tem de ser exercido com fundamento em factos verdadeiros e em pressupostos lícitos. Ora, se ocorreu, como ocorreu, ilicitude no primeiro segmento decisório, não se pode antever que decisão a Administração tomaria, mormente em termos de densidade e extensão, se se assumisse, como devia, que aquela tinha atribuições e competência para decidir a matéria em causa.
56) Desvelando-se pois mais um erro de julgamento na sentença por incorreta aplicação do direito, mormente do art. 33.º, n.º 1, al. w) do RJAL, dos arts. 235.º e 236.º da CRP e do art. 13.º do CPA.
57) Mas o mais relevante é que o dever de decisão, a existência ou não do dever de decisão, tem regras que se não verificam preenchidas no caso vertente:
58) Assim, uma vez que se entendeu e pelas razões constantes supra que não ocorreu uma pronúncia sobre as diferentes causas de pedir constantes do primeiro dos requerimentos e, como dissemos, ninguém pode dizer que ocorreu ou existe rasto sequer indiciário de que tal sucedeu, é obvio que não ocorreu ponderação ou pronúncia, sendo assim que a este respeito a sentença sofre do vício de violação e erro de julgamento no que concerne à interpretação e aplicação do estatuído no art. 13.º do CPA – aliás, esta é uma das principais queixas da A., tendo a mesma visto a Meritíssima Juiz a exercer as atribuições da Administração ponderando ela própria, sem recurso ao princípio do aproveitamento, as razões de ilegalidade assacadas, ademais recusando a produção de prova a respeito da salubridade e segurança – o que o Tribunal Superior tem obrigação de aferir em termos de retirar daqui as devidas consequências;
59) Em segundo lugar, os fundamentos não são iguais, tendo-se violado, por erro de julgamento e na mesma medida que vimos de alegar no número anterior, o estatuído no art. 13.º do CPA, mormente o seu n.º 2. Com efeito:
a) não se falando na autoria distinta, o pedido dos dois requerimentos não é igual;
b) depois, porque a situação de facto se alterou, diríamos até substancialmente, com a sucessão de curto-circuitos em razão da humidade que a parede edificada gera, tendo-se alegado, com o facto novo, que toda a rede elétrica da casa pinga;
c) e, finalmente, porque se requereu, obviamente sem êxito, que fosse ouvido o eletricista que se deslocou (várias vezes) à habitação da Recorrente, tendo o mesmo dito que nada se podia fazer atenta a humidade existente e, assim, tendo-se requerido um meio de prova novo (a sua audição) que a Administração ignorou, bem como (em prius decisório idêntico) assim ignorou a alegação o Tribunal – mais uma vez um princípio a impor a distinção nos fundamentos… que é o da atendibilidade da situação factual (Paulo Otero, ob. cit., pp. 253 e seguintes).
60) Numa palavra, os erros de julgamento enunciados e assacados ao despacho e sentença recorridos e, bem assim, as nulidades também assacadas, impõem a revogação dos mesmos pelo Tribunal ad quem.
Termos em que, só revogando a sentença e o despacho recorridos, se fará, Justiça!”

O Município Recorrido veio a apresentar as suas contra-alegações em 22 de outubro de 2019, concluindo:

“I. O ato de 12/05/2012, por ter sido proferido em execução de sentença, é inimpugnável. Para essa conclusão, é indiferente que a sentença ao abrigo do qual esse ato foi proferido não tenha dado cumprimento do art. 95º/3 do CPTA, omitindo o dever de pronúncia sobre todas as causas de invalidade suscitadas, pois o interessado podia, nessa ação, ter suscitado a questão da nulidade ou recorrer ao abrigo do art. 141, números 2 e 3 do CPTA. Não o tendo feito, só pode entender-se que se conformou com a decisão proferida, não podendo vir intentar nova ação judicial para apreciação dos vícios que naqueloutra foram suscitados mas não apreciados.
II. Nos presentes autos a autor não sustenta qualquer déficit da instrução do procedimento administrativo capaz de gerar a ilegalidade deste. Se assim é, não é no processo contencioso que o interessado pode vir abrir uma nova instância instrutória que sirva os fins da anulação, pois os novos elementos probatórios que eventualmente sejam obtidos não podem sustentar uma decisão de anulação do ato, dada a sua superveniência.
III. A prova que seja feita no processo judicial pode trazer novos elementos que não estavam na disponibilidade da Administração quando o ato foi praticado, hipótese em que o julgador deixaria de estar a julgar a legalidade do ato no momento em que foi prolatado para considerar factos posteriores que a Administração não considerou nem podia considerar.
IV. Neste particular, importa ter presente o disposto no art. 89º do antigo CPA e no art. 116º do NCPA), nos termos dos quais cabe aos interessados provar os factos que tenham alegado, podendo para o efeito juntar documentos e pareceres.
V. O que vale por dizer que os elementos de prova que constam do processo administrativo estão consolidados e não são postos em causa, nem sequer é abordada a hipótese de o réu não ter feito todas as diligências que se impunham antes da decisão proferida. Em consequência do que vem dito, não havia que determinar a abertura de um período de prova, pelo que o despacho saneador não enferma de qualquer erro de julgamento. VI. A arguição da nulidade do despacho interlocutório é intempestiva - art. 195º, 1 e 199º do CPC; Ainda que assim não fosse, carece em absoluto de fundamento, pois não estamos perante a omissão de qualquer ato ou formalidade que estivessem prescritas na lei com resultado direto no exame e decisão da causa. De resto, a possibilidade de não ordenar um período de produção de prova, por desnecessário, está expressamente contemplado no nº 3 do art. 90º do CPTA.
VII. Sabendo-se que a nulidade prevista na al. b) do nº 1 do art. 615º do CPC só se verifica quando há uma total ausência de fundamentação de facto ou de direito, e não quando estamos perante uma motivação deficiente, errada ou incompleta, logo que se conclui pela leitura da página 13 da sentença, que a mesma não está ferida desse vício. VIII.
Pelas razões extensamente abordadas na contestação e novamente replicadas nesta sede, bem como com os fundamentos doutamente explanados na sentença recorrida, não se verifica violação dos arts. 15º, 23º e 74º do RGEU, art. 6º, nº 8 do RJUE, art. 93º do RJUE e art. 33º, 1, al. w) do RJAL
E terminando, Nestes termos e demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve a sentença recorrida ser confirmada, por ser da mais elementar Justiça!”

Em 7 de novembro de 2019 foi proferido Despacho de Admissão do Recurso Jurisdicional interposto.

O Ministério Público, devidamente notificado, veio em 25 de novembro de 2019, nada veio dizer, requerer ou Promover.

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar
As questões a apreciar resultam predominantemente da necessidade de verificar os suscitados erros de julgamento assacados ao despacho e sentença recorridos, bem como, as nulidades invocadas, de modo a concluir se imporão a sua revogação, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto

O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade:
Consideram-se provados os seguintes factos, com relevo para a decisão da causa:
1) Em 29/08/2011 o contrainteressado apresentou nos serviços do R. uma exposição na qual requereu “permissão para aumentar a altura do muro de divisão de propriedade de 0,5 metros para 1,80 metros em alvenaria”, tendo junto caderneta predial, planta de localização e fotografias do local (cfr. docs. de fls. 126 a 131 do processo administrativo).
2) Em 19/01/2012 a A. apresentou nos serviços do R. uma exposição na qual requereu uma fiscalização à construção do muro pelo contrainteressado junto à habitação daquela (cfr. doc. de fls. 121 do processo administrativo).
3) Em 26/01/2012 a A. apresentou novo requerimento junto dos serviços do R. no qual solicitou que fosse ordenada uma fiscalização urgente ao local, com embargo da obra e intervenção da autoridade concelhia de saúde, alegando que o aludido muro construído pelo contrainteressado junto à sua habitação deixava “uns 20 ou 30 cm de permeio entre as duas construções” e, por isso, era “fonte de insalubridade” e impedia a A. de ter acesso a tubos de escoamento de águas que passavam nesse interstício (cfr. doc. de fls. 116 a 118 do processo administrativo).
4) Sobre o referido requerimento a Chefe da Divisão Jurídica e de Contratação Pública proferiu, em 27/01/2012, o seguinte despacho: “À Fiscalização. Solicito deslocação urgente ao local e informação” (cfr. doc. de fls. 119, no verso, do processo administrativo).
5) Em 03/02/2012 o fiscal municipal que se deslocou ao local informou que o contrainteressado “anda de facto a levar a efeito a ampliação de um muro de divisão de propriedades na Rua (...), do qual fez a devida comunicação ao Município, conforme consta no processo. O referido muro enquadra-se na alínea f) do ponto 1 do Art.º 29.º do RUETCU (escassa relevância urbanística)” (cfr. doc. de fls. 115 do processo administrativo).
6) Em 15/02/2012 a Diretora do Departamento Municipal de Urbanismo proferiu despacho de arquivamento do processo, com base na informação da fiscalização, despacho do qual a A. foi notificada (cfr. docs. de fls. 111 e 114 do processo administrativo).
7) Em 22/02/2012 o fiscal municipal corrigiu a informação de 03/02/2012, nos seguintes termos: “Em tempo: mencionei a alínea f) quando na realidade é a alínea j) do ponto 1 do Art.º 29.º do RUETCU” (cfr. doc. de fls. 115 do processo administrativo).
8) Em 14/03/2012 a A. apresentou novo requerimento, dirigido ao Presidente da Câmara Municipal (...), no qual solicitou que fosse determinada a demolição do muro edificado pelo contrainteressado e, bem assim, que fosse efetuada, se necessária, “consulta sobre o perigo para a saúde da construção e do interstício que foi causado por essa construção à autoridade concelhia de saúde” (cfr. doc. de fls. 102 a 110 do processo administrativo).
9) Em 22/03/2012 a Diretora do Departamento Municipal de Urbanismo, concordando com a informação de 19/03/2012, proferiu despacho no qual foi vertido o entendimento de que o contrainteressado não tinha “cometido qualquer ilegalidade que leve a que a Autarquia tenha que proferir um despacho de demolição das obras, ou tenha que recorrer à autoridade concelhia de saúde, para que aquela entidade afira do perigo para a saúde, com o aumento do muro em questão”, uma vez que aquele “deu cumprimento ao estipulado no art.º 6.º do RJUE, ou seja, informou sobre o início da obra” e “o muro já existia, apenas aumentou a sua altura”, mais referindo que “se trata de um litígio entre particulares, os quais deverão dirimi-lo junto dos Tribunais se assim o entenderem” (cfr. doc.
de fls. 100 e 101 do processo administrativo).
10) A A. foi notificada do despacho que antecede através do ofício n.º 004056, de 28/03/2012 (cfr. doc. de fls. 99 do processo administrativo).
11) Em 12/06/2012 a A. interpôs ação administrativa especial contra o ora R., que correu termos neste Tribunal sob o processo n.º 376/12.7BECBR, na sequência da qual foi proferida sentença, em 21/03/2016, que julgou a ação procedente e anulou o despacho de arquivamento do processo proferido pela Diretora do Departamento Municipal de Urbanismo em 15/02/2012, com fundamento no vício de incompetência (cfr. docs. de fls. 37 a 44 e 50 a 63 do processo administrativo).
12) Em 05/05/2016 a A. apresentou requerimento, dirigido ao Presidente da Câmara Municipal (...), no qual reiterou o pedido de demolição do muro construído pelo contrainteressado, pelas razões constantes dos requerimentos anteriores, bem como o pedido de fiscalização ao local e “a audição do eletricista que tem ido a casa da requerente e que refere que nada pode fazer de fundo” (cfr. docs. de fls. 14, 15 e 22 do processo administrativo).
13) Em 12/05/2016 o Presidente da Câmara Municipal (...) proferiu despacho, em execução da sentença referida no ponto 11), do qual consta, além do mais, o seguinte:
“B – Face ao exposto, dando cumprimento à sentença citada e com base nos documentos constantes do Processo de Obras n.º 179/11, em que é requerente Avelino Gabriel Monteiro, designadamente fls. 1 a 6 e fls. 16, aqui dados por integralmente reproduzidos para os devidos e legais efeitos, determino, ao abrigo do disposto ‘a contrario’ na alínea m) do n.º 2 do art.º 68.º do Anexo da Lei n.º 169/99 de 18/09, então vigente, atualmente alínea k) do n.º 2 do art.º 35.º do Anexo I da Lei n.º 75/2013 de 12/09, na redação atual, o arquivamento da queixa da reclamante M., apresentada contra o aumento do muro do seu vizinho, A., no lugar de (…), por tal obra ser à data da sua execução enquadrável na alínea j) do n.º 1 do art.º 29.º do Regulamento de Urbanização, Edificação e de Taxas e Compensações Urbanísticas (RUETCU), vigente, isto é, obra de escassa relevância urbanística e, como tal, isenta de controlo prévio nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 6.º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação na redação à data em vigor, pois o requerente cumpriu o seu dever ao comunicar a sua realização ao Município por requerimento apresentado nos serviços a 23/08/2011, não havendo motivos que pudessem sustentar/fundamentar, de facto e de direito, o seu embargo e/ou demolição”
(cfr. doc. de fls. 26 e 27 do processo administrativo).
14) A A. foi notificada do despacho que antecede através do ofício n.º 3678, de 13/05/2016 (cfr. doc. de fls. 25 do processo administrativo).
15) Em 03/06/2016 foi elaborada informação sobre o requerimento da A. Referido supra no ponto 12), na qual se concluiu que “se trata de um litígio entre particulares, devendo ser o mesmo dirimido em sede própria, e tendo em conta que a mesma [a requerente] foi igualmente notificada do despacho proferido pelo Sr. Presidente da Câmara a fls. 107 do presente processo” (cfr. doc. de fls. 11 do processo administrativo).
16) Em 13/06/2016 a Vereadora com o pelouro do Urbanismo proferiu o seguinte despacho, exarado sob a informação que antecede: “Proceda-se” (cfr. doc. de fls. 11 do processo administrativo).
17) A A. foi notificada do despacho e informação referidos nos pontos anteriores através do ofício n.º 4788, de 23/06/2016 (cfr. doc. de fls. 8 do processo administrativo).
18) A petição inicial da presente ação deu entrada em juízo no dia 02/09/2016 (cfr. doc. de fls. 3 do suporte físico do processo).

IV – Do Direito

No que aqui releva e no que ao direito concerne, discorreu-se em 1ª instância:

Da “ilegalidade material” do despacho de 12/05/2016:
Alega a A. que, pese embora o despacho de 12/05/2016 referir que não há motivos que possam sustentar/fundamentar, de facto e de direito, o embargo ou demolição da obra, tal apenas demonstra que o R. pretende atuar em desconformidade com a legalidade, porquanto vários são os fundamentos, quer de facto, quer de direito, que comandam a atuação do R. no sentido do embargo ou demolição da obra. Por um lado, os fundamentos de facto prendem-se com todos os problemas com que a A. se tem vindo a deparar desde a ampliação daquele muro: a sujidade e o consequente risco para a saúde, os animais mortos e os detritos existentes no fosso criado junto à fachada da sua habitação, as infiltrações e os sucessivos curtos-circuitos – ou seja, a insalubridade e o risco de lesões para a saúde que tal fosso representa. Por outro lado, os fundamentos de direito reportam-se à violação de diversas normas que proíbem este tipo de construções, nomeadamente os art.os 15.º, 23.º, 74.º e 90.º do RGEU. Carece, porém, a A. de razão.
De uma banda, os fundamentos de facto invocados pela A., mesmo que se pudesse concluir que se verificavam no caso em apreço (o que não é possível verificar a partir das alegações meramente conclusivas da A.), não são suscetíveis de, por si só, fazer recair sobre o R. o dever de ordenar a demolição do muro construído pelo contrainteressado, ao abrigo das disposições legais aqui aplicáveis.
Não se ignora que “os órgãos administrativos competentes estão obrigados a adotar as medidas adequadas de tutela e restauração da legalidade urbanística quando sejam realizadas operações urbanísticas:
(…) e) em desconformidade com as normas legais ou regulamentares aplicáveis”, medidas essas que podem consistir, entre outras, “na determinação da demolição total ou parcial de obras” [art.º 102.º, n.º 1, alínea e), e n.º 2, alínea e), do RJUE]. Além disso, independentemente das situações que podem levar a Administração a adotar tais medidas, “a câmara municipal pode: a) determinar a execução de obras de conservação necessárias à correção de más condições de segurança ou salubridade ou à melhoria do arranjo estético; b) determinar a demolição, total ou parcial, das construções que ameacem ruína ou ofereçam perigo para a saúde pública e segurança das pessoas” (art.º 102.º, n.º 3, do RJUE). Ainda assim, “a demolição pode ser evitada (…) se for possível assegurar a sua conformidade com as disposições legais e regulamentares que lhe são aplicáveis mediante a realização de trabalhos de correção ou de alteração” (art.º 106.º, n.º 2, do RJUE).
Conforme entendimento pacífico e unânime da doutrina e jurisprudência, “o exercício administrativo do poder de demolição está condicionado pelo necessário respeito do princípio da proporcionalidade, constitucionalmente consagrado - artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa -, que impõe que a demolição só se possa materializar após verificação prévia das possibilidades de conformação da obra não licenciada com os cânones da legalidade urbanística e apenas na hipótese de se concluir pela total inviabilidade da respetiva legalização, ou seja, que não é possível assegurar a sua conformidade com as disposições legais e regulamentares que lhe são aplicáveis, designadamente mediante a realização de trabalhos de correção ou de alteração – n.º 2 do referido artigo 106.º - na lógica do menor sacrifício dos particulares, erigindo-se a demolição em ultima ratio” (cfr. os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte de 14/06/2013, proc. n.º 02260/04.9BEPRT-A, e de 18/12/2015, proc. n.º 00675/04.1BECBR-B, publicados em www.dgsi.pt).
Ou seja, nunca bastaria a confirmação, in loco, das alegadas condições de insalubridade e das alegadas ocorrências de infiltrações e curtos-circuitos criadas pela ampliação do muro para que o R. estivesse automaticamente vinculado a ordenar, como pretende a A., a demolição da obra pelo contrainteressado, sem antes averiguar das possibilidades de resolução do problema através da execução de obras de conservação necessárias à correção das más condições de salubridade ou mediante a realização de outros trabalhos de correção ou de alteração.
De outra banda, relativamente aos fundamentos de direito, não se vislumbra em que medida os preceitos legais invocados pela A. impunham que o R. ordenasse tal demolição, já que os mesmos não poderiam deixar de ser articulados com as regras aplicáveis à demolição de obras ilegais, que acima transcrevemos.
O art.º 15.º do RGEU (Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 38382/51, de 07/08) dispõe que “todas as edificações, seja qual for a sua natureza, deverão ser construídas com perfeita observância das melhores normas da arte de construir e com todos os requisitos necessários para que lhes fiquem asseguradas, de modo duradouro, as condições de segurança, salubridade e estética mais adequadas à sua utilização e às funções educativas que devem exercer”. E o art.º 90.º do RGEU prevê que as canalizações de esgoto dos prédios “deverão ser acessíveis e facilmente inspecionáveis, tanto quanto possível, em toda a sua extensão (…)”. No entanto, mesmo que se admitisse, por hipótese, que a ampliação do muro em causa não permitia assegurar as necessárias condições de salubridade e que dificultava o acesso às canalizações de esgoto aí existentes (facto esse – a existência de uma conduta de esgoto que passa pelo interstício criado pelo muro – que, aliás, a A. não prova minimamente), não se pode daqui concluir, sem mais, que a construção (melhor, a ampliação) do dito muro é proibida e ilegal e que a sua demolição é a única solução possível.
Por seu turno, enquanto o art.º 23.º do RGEU se refere à construção de paredes das edificações e não a muros de divisão de propriedades, como é o caso dos autos, já o art.º 74.º do RGEU abrange “a ocupação duradoura de logradouros, pátios ou recantos das edificações com quaisquer construções, designadamente telheiros e coberturas, e o pejamento dos mesmos locais com materiais ou volumes de qualquer natureza”, com o que, uma vez mais, não se mostra vocacionado para a construção de muros de divisão de propriedades.
Ante o exposto, ao invés do alegado pela A., não é possível concluir que o ato de 12/05/2016 sofre do vício de violação de lei, com os fundamentos acima descritos, e que a atuação do R. só poderia ter sido no sentido de ordenar a demolição do muro.
Termos em que improcede a “ilegalidade material” ora em apreço.
Da violação do art.º 6.º, n.º 8, do RJUE pelo ato de 12/05/2016:
Alega a A. que o facto de o muro construído pelo contrainteressado estar isento de controlo prévio não significa que está isento de um escrutínio da legalidade e não implica que as obras de escassa relevância urbanística não tenham de respeitar o princípio da legalidade na sua plenitude, conforme resulta do n.º 8 do art.º 6.º do RJUE. Conclui, por isso, que, ao aferir a legalidade da obra a partir da isenção de controlo prévio, o R. deixou desprovidos de tutela outros aspetos a que essa construção deve obedecer, entre eles a salubridade, pelo que o ato impugnado violou o citado art.º 6.º, n.º 8, do RJUE.
Não é, porém, assim.
Nos termos do referido n.º 8 do art.º 6.º do RJUE, na redação aplicável à data dos factos, “o disposto no presente artigo [isenção de controlo prévio] não isenta a realização das operações urbanísticas nele previstas da observância das normas legais e regulamentares aplicáveis, designadamente as constantes de planos municipais, intermunicipais ou especiais de ordenamento do território, de servidões ou restrições de utilidade pública, as normas técnicas de construção, as de proteção do património cultural imóvel, e a obrigação de comunicação prévia nos termos do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 73/2009, de 31 de março, que estabelece o regime jurídico da Reserva Agrícola Nacional”.
Todavia, não se pode dizer que o despacho do Presidente da Câmara Municipal de 12/05/2016 violou este normativo por ter considerado a obra legal seja porque estava a mesma isenta de controlo prévio, seja porque não foram desrespeitadas as normas legais e regulamentares aplicáveis, nomeadamente no que respeita às condições de salubridade das construções.
O que se extrai, na verdade, da factualidade provada é que, com base na análise dos documentos constantes do Processo de Obras n.º 179/11, em que foi requerente o contrainteressado (e relativo à obra de ampliação do muro de divisão de propriedades) e, em especial, com base nas conclusões da fiscalização efetuada ao local, o R. concluiu que não havia motivos que pudessem fundamentar, de facto e de direito, o embargo e/ou a demolição do muro, conforme pretendido pela A./denunciante, “por tal obra ser à data da sua execução enquadrável na alínea j) do n.º 1 do art.º 29.º do Regulamento de Urbanização, Edificação e de Taxas e Compensações Urbanísticas (RUETCU), vigente, isto é, obra de escassa relevância urbanística e, como tal, isenta de controlo prévio nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 6.º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação na redação à data em vigor”, e porque, nessa medida, “o requerente cumpriu o seu dever ao comunicar a sua realização ao Município por requerimento apresentado nos serviços a 23/08/2011” (cfr.
ponto 13 dos factos provados).
Assim, o R. não deixou de ponderar a questão da eventual inobservância das condições de salubridade pela ampliação do muro em crise – note-se que os serviços de fiscalização se deslocaram ao local, satisfazendo o pedido da A. (cfr. ponto 5 dos factos provados) –, mas concluiu que tal não se verificava e que, além do mais, sendo uma obra de escassa relevância urbanística, o contrainteressado dera cumprimento às regras previstas para este tipo de construções, não havendo, por isso, razões legais bastantes para que fosse ordenado o embargo ou a demolição da obra.
Não se entrevê, assim, qualquer violação, pelo ato impugnado de 12/05/2016, do disposto no n.º 8 do art.º 6.º do RJUE. Termos em que improcede o vício em apreciação.
Da violação do art.º 93.º do RJUE pelo ato de 12/05/2016:
Defende a A. que o R. incumpriu o estatuído no art.º 93.º do RJUE, em concreto o seu n.º 2, ao insistir que a obra não está sujeita a controlo prévio e que nenhuma atuação pode ter, não apreciando materialmente se a construção em causa violava os normativos invocados na denúncia e tendo concluído erroneamente que, sendo as obras isentas de controlo prévio, não tinha de apreciar a denúncia e não tinha de aferir das consequências da obra em termos do seu impacto sobre a saúde das pessoas.
Também aqui, contudo, a A. não tem razão.
Estabelece o art.º 93.º do RJUE que “a realização de quaisquer operações urbanísticas está sujeita a fiscalização administrativa, independentemente de estarem isentas de controlo prévio ou da sua sujeição a prévio licenciamento, comunicação prévia ou autorização de utilização” (n.º 1), destinando-se a fiscalização administrativa a “assegurar a conformidade daquelas operações com as disposições legais e regulamentares aplicáveis e a prevenir os perigos que da sua realização possam resultar para a saúde e segurança das pessoas” (n.º 2).
Ora, o que a factualidade provada demonstra é que o R. deu efetivo cumprimento ao disposto neste normativo.
Com efeito, na sequência das exposições apresentadas pela A. em 19/01/2012 e em 26/01/2012, nas quais requereu uma fiscalização à construção do muro pelo contrainteressado junto à sua habitação, com embargo da obra e intervenção da autoridade concelhia de saúde, alegando que o aludido muro deixava “uns 20 ou 30 cm de permeio entre as duas construções” e, por isso, era “fonte de insalubridade”, a Chefe da Divisão Jurídica e de Contratação Pública solicitou aos serviços de fiscalização municipal, por despacho de 27/01/2012, a sua deslocação urgente ao local e subsequente informação. E, tendo os serviços de fiscalização ido ao local, em cumprimento do referido despacho, os mesmos informaram, em 03/02/2012, que o contrainteressado “anda de facto a levar a efeito a ampliação de um muro de divisão de propriedades na Rua (...), do qual fez a devida comunicação ao Município, conforme consta no processo”, e que o referido muro configurava uma obra de escassa relevância urbanística, não tendo, por outro lado, os serviços de fiscalização evidenciado a existência de qualquer violação das necessárias condições de salubridade que tal construção deveria assegurar. Com base nas conclusões da fiscalização, o R. considerou que o processo iniciado com a denúncia da A. não deveria ter seguimento, nomeadamente para efeitos de adoção de quaisquer medidas de tutela da legalidade urbanística, como aquela pretendia, tendo, por isso, decidido o seu arquivamento, por despacho de 12/05/2016 (após anulação judicial do anterior despacho de arquivamento por vício de incompetência) (cfr. pontos 2 a 6 e 13 dos factos provados).
Da factualidade acima descrita resulta, portanto, que o R. não deixou de fiscalizar a operação urbanística em causa – a ampliação do muro –, mesmo que isenta de controlo prévio, e não deixou, com essa fiscalização, de verificar, in loco, a conformidade de tal operação com as disposições legais e regulamentares aplicáveis, tendo em vista “prevenir os perigos que da sua realização possam resultar para a saúde e segurança das pessoas”, conforme lhe tinha sido denunciado pela A. nas exposições apresentadas.
Ou seja, o R., em rigor, não deixou de apreciar a denúncia da A. e não deixou de averiguar se a construção em causa violava os normativos aí invocados – o despacho de arquivamento de 12/05/2016 não se traduziu numa recusa de apreciação da queixa da A., pois que, na verdade, o R. apreciou essa queixa, ordenou a deslocação dos serviços de fiscalização ao local, mas concluiu que os motivos alegados pela A. para que fosse ordenado o embargo e/ou demolição da obra não se verificavam, pelo que determinou o arquivamento do processo, considerando que o contrainteressado cumpriu as disposições legais aplicáveis.
Não se pode, por conseguinte, afirmar que o R. violou o disposto no art.º 93.º do RJUE, razão pela qual improcede o vício de violação de lei em análise.
Da ilegalidade do ato de 13/06/2016:
Entende a A. que, com o ato de 13/06/2016, pretende o R. desvalorizar a questão ou questões administrativas subjacentes, dizendo que se trata de um litígio entre particulares, quando a questão se coloca no âmbito subjetivo de interesses públicos, como é a saúde pública e a salubridade. O R. tem, por isso, o dever de decidir, de acordo com os ditames da legalidade, a pretensão da A., sob pena de, ao não o fazer, estar a recusar-se a exercer funções e competências próprias, como é o controlo da salubridade das edificações.
Este vício, porém, não pode proceder.
Como vimos supra, o R. apreciou e decidiu a denúncia apresentada pela A. através do despacho do Presidente da Câmara Municipal de 12/05/2016, nos termos do qual se concluiu inexistirem fundamentos de facto e de direito que pudessem justificar uma ordem de embargo e/ou demolição, tendo, em consequência, decidido o arquivamento da queixa.
O despacho da Vereadora com o pelouro do Urbanismo, ora em crise, foi proferido sobre o requerimento apresentado pela A. em 05/05/2016 (após a anulação judicial do anterior despacho de arquivamento do processo por vício de incompetência), no qual aquela se limitou a reiterar o pedido de demolição do muro construído pelo contrainteressado, pelas razões constantes dos requerimentos anteriores, bem como o pedido de fiscalização ao local e “a audição do eletricista que tem ido a casa da requerente e que refere que nada pode fazer de fundo”. E, já depois de proferido o despacho de 12/05/2016 pelo Presidente da Câmara Municipal, que renovou o arquivamento da denúncia da A., a Vereadora com o pelouro do Urbanismo proferiu, em 13/06/2016, despacho de concordância com a informação elaborada pelos serviços sobre o requerimento da A. de 05/05/2016, na qual se concluiu que “se trata de um litígio entre particulares, devendo ser o mesmo dirimido em sede própria, e tendo em conta que a mesma foi igualmente notificada do despacho proferido pelo Sr. Presidente da Câmara a fls. 107 do presente processo” (cfr. pontos 12, 15 e 16 dos factos provados). Ou seja, a Vereadora decidiu não apreciar o novo requerimento da A. quer porque considerou tratar-se de um litígio entre particulares, quer porque a questão já tinha sido decidida pelo anterior despacho do Presidente da Câmara Municipal de 12/05/2016, para o qual, aliás, o ato da Vereadora expressamente remete.
E a verdade é que, independentemente da bondade do argumento de que se trata de uma questão entre particulares, o R. não tinha efetivamente de decidir, através do ato da Vereadora de 13/06/2016, sobre a conformidade do muro com a legalidade administrativa, pelo que não deixou de exercer atribuições e competências próprias.
Basta, para tanto, referir que, segundo o art.º 13.º, n.º 1, do CPA (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 07/01), “os órgãos da Administração Pública têm o dever de se pronunciar sobre todos os assuntos da sua competência que lhes sejam apresentados e, nomeadamente, sobre os assuntos que aos interessados digam diretamente respeito, bem como sobre quaisquer petições, representações, reclamações ou queixas formuladas em defesa da Constituição, das leis ou do interesse público”. Acrescenta, ainda, o n.º 2 do mesmo preceito que “não existe o dever de decisão quando, há menos de dois anos, contados da data da apresentação do requerimento, o órgão competente tenha praticado um ato administrativo sobre o mesmo pedido, formulado pelo mesmo particular com os mesmos fundamentos”
Tal foi, precisamente, o que sucedeu no caso vertente.
Se, por um lado, o R. não deixou de se pronunciar sobre a pretensão que lhe foi apresentada pela A. em 05/05/2016 – recusando a sua apreciação – e, assim, cumpriu o dever de pronúncia imposto pelo art.º 13.º, n.º 1, do CPA, por outro lado, não recaía sobre si o dever de decidir novamente esta questão que lhe foi colocada pela A. e que coincidia com as questões já analisadas e decididas no despacho de 12/05/2016 – a conformidade do muro construído pelo contrainteressado com a legalidade urbanística e a ordem da sua demolição –, pois que, como facilmente se conclui, a situação em causa cai diretamente no âmbito de aplicação do art.º 13.º, n.º 2, do CPA, não havendo, por isso, o dever de decidir, no ato de 13/06/2016, a pretensão (reiterada) da A. quanto à demolição do muro.
Deste modo, não se recusou o R. a exercer funções e competências próprias, nem ocorreu qualquer violação, pelo despacho de 13/06/2016, dos art.os 235.º e 236.º da CRP, nem do art.º 33.º, n.º 1, alínea w), do RJAL.
Termos em que improcede a ilegalidade assim invocada.
Diga-se, por fim, que, com a interposição da presente ação, não se nos afigura ocorrer qualquer atuação, por parte da A., em abuso do direito, sendo certo que as alegadas construções ilegais levadas a cabo na sua habitação não são de molde a retirar-lhe qualquer legitimidade (substantiva) para atacar os atos praticados pelo R., dizendo antes respeito a outras matérias e relações jurídico-administrativas que não interferem (nem podem interferir) com o litígio dos presentes autos, independentemente do seu desfecho.
Ante todo o exposto, conclui-se que os atos impugnados não padecem dos vícios e ilegalidades que lhes são imputados, devendo manter-se na ordem jurídica, o que determina não só a improcedência do pedido anulatório, como também, forçosamente, a improcedência dos pedidos de condenação do R. a ordenar a demolição do muro (cujos pressupostos vimos atrás que não se verificam) ou a apreciar a denúncia da A., equacionando os preceitos legais aplicáveis (apreciação que efetivamente ocorreu através do despacho de 12/05/2016, pese embora não ter ido de encontro à pretensão da A., e que não tinha de ser de novo efetuada através do despacho de 13/06/2016, por não estarem reunidos os pressupostos do dever de decisão por parte do R.)”

A Autora peticionou na presente Ação, essencialmente, a apreciação da legalidade e demolição de muro edificado junto à sua habitação pelo contrainteressado e a sua consequente demolição pela Autarquia.

Questiona a Autora, aqui Recorrente a ampliação de um muro, levada a efeito pelo contrainteressado, seu vizinho, na estrema poente da sua propriedade e confinante com a estrema nascente da propriedade daquele, o qual terá criado um fosso, com uma altura de 3 metros e uma distância de 10 metros e distando cerca de 20 a 30 centímetros entre a fachada da sua habitação.

A ampliação do referido muro, sem oposição do Município, terá inviabilizado o acesso à parcela “entalada” entre a sua casa e o muro, dificultando a sua limpeza, sendo ainda, alegadamente, fonte de insalubridade e de lesões para a saúde da A. e da sua mãe, com quem coabita.

A ampliação do muro impedirá, igualmente, o acesso às condutas de esgoto e saneamento, tornando impossível proceder às necessárias reparações ou desentupimentos, para além de gerar problemas de infiltrações de água na rede elétrica da habitação da A.

No que aqui e agora releva, requereu a Autora, logo na PI a realização de uma perícia para que pudesse ser tecnicamente verificado o alegado, mais requerendo a inquirição das testemunhas arroladas.

Correspondentemente, em 25 de maio de 2018 foi proferido Despacho no TAF no qual se refere, nomeadamente que “O processo reúne já todos os elementos necessários ao conhecimento do mérito da causa no despacho saneador [art.º 88.º, n.º 1, alínea b), do CPTA], revelando-se desnecessária, para apreciação dos concretos pedidos formulados e das ilegalidades apontadas aos atos impugnados, a produção de prova testemunhal, bem como a realização da perícia requerida (art.º 90.º, n.º 3, do CPTA).

A Autora, aqui Recorrente, interpôs desde logo Recurso jurisdicional do citado Despacho, o qual não foi então admitido, por se ter entendido dever ser interposto com o recurso da decisão final, em face do que veio agora a mesma a retomá-lo, nos seus precisos termos.

Importa assim apreciar, desde logo, o Recurso do Despacho que indeferiu a realização da Perícia e a inquirição de testemunhas, sendo que estando em causa Recurso relativamente a meios de prova que foram recusados, deveria, desde logo, ter sido admitido e decidido autonomamente e em separado, e antes da prolação da decisão de fundo.

Com efeito, e como sumariado no recente Acórdão deste TCAN nº 3154/12.0BEPRT, de 21-05-2021, “(…) Estando em causa um Despacho que rejeitou um meio de prova (pericial), se fosse caso disso, o mesmo teria de ser desde logo objeto de apelação autónoma, nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 644.º do CPC.”

Vejamos:
Os atos atacados pela Recorrente na presente Ação são os Despachos de 12/05/2016 e de 13/06/2016, os quais, ignorando as pretensões da Autora, acabam por legitimar a não apreciação das questões de salubridade determinadas pela ampliação de um muro situado a apenas alguns centímetros da sua habitação, o que impede o acesso à referida faixa de terreno situada entre as duas edificações.

Peticiona pois a Autora, em síntese, a anulação dos mencionados atos e a condenação do Município na demolição do muro erigido pelo Contrainteressado e/ou a sua condenação a apreciar a denúncia apresentada pela Recorrente.

Aqui chegados, o despacho recorrido, ao determinar que face às ilegalidades invocadas na edificação/ampliação do muro seria desnecessária a realização da prova testemunhal requerida e a realização da perícia, incorre em erro de julgamento, uma vez que a referida apreciação se mostra essencial para o prosseguimento da apreciação da Ação, descoberta da verdade material e justa composição do litígio.

Se é certo, como afirma o Município, que estamos perante uma questão sem significativa relevância urbanística, tal não invalida que estejamos em presença de uma questão essencial para a vivência da Autora, que não deve ser mitigada e ficar sem proteção.

Importa pois, tal como requerido, confirmar, ou infirmar, a insalubridade resultante do “corredor” inacessível em toda a sua extensão, situado entre o muro e a casa da Autora, o qual constituirá um fosso a céu aberto, potencialmente gerador, como alegado, de infiltrações na rede elétrica.

Perante a alegação de uma situação de insalubridade gerada pelo muro, não pode o Município, e menos ainda o Tribunal, refugiar-se em questões formais e legais relativas à edificação urbana, pois só assim se poderá ajuizar pela conformidade ou desconformidade legal da situação de facto e ajuizar se os atos controvertidos estão, ou não, feridos dos vícios que lhe são imputados.

A licitude da ampliação da obra urbanística em presença, não poderá deixar de ser apreciada quanto às suas condições de salubridade e segurança, e não singelamente em função da sua suposta irrelevância urbanística.

Tendo sido requerida a realização de uma perícia para aferir das condições de salubridade e segurança geradas pela ampliação do muro, repete-se, situado a apenas alguns centímetros da habitação da Autora, tal não se mostra nem impertinente nem dilatório.

Como se sumariou no Acórdão do STA nº 01183/02, de 21-01-2003, “A prova pericial tem por fim a perceção ou apreciação de factos por meios de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objeto de inspeção judicial.”
Como decorre da própria letra do art. 388.º do Código Civil, sob a epígrafe “Prova pericial”: não se trata apenas de averiguar factos, mas ainda de os apreciar (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª ed. rev. e at., Coimbra Editora, 1987, p. 339).

Nos termos do n.º 1 do art. 476.º do CPC, deverá a perícia ser viabilizada, uma vez que se reconhece que a mesma “não é impertinente nem dilatória”, “(…) impertinente por não respeitar aos factos da causa, ou dilatória, por, respeitando embora aos factos da causa, o seu apuramento não requerer o meio de prova pericial, por não exigir os conhecimentos especiais que esta pressupõe (art. 388.º CC)” – cfr. Ac. do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 20/11/2014, proferido no âmbito do proc. n.º 11160/14.

A prova pericial terá lugar quando a perceção ou a apreciação dos factos probandos exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos, sendo assim, efetuada por pessoas dotadas desses especiais conhecimentos. A finalidade da perícia é a perceção desses factos ou a sua valoração de modo a constituir prova atendível pelo julgador, através da formulação de um juízo técnico e científico (inerente à prova pericial). Em todos os casos, como ensina Lebre de Freitas, “entre a fonte de prova (pessoa ou coisa) e o juiz interpõe-se a figura do perito, intermediário necessário em virtude dos seus conhecimentos técnicos: apreendendo ou apreciando factos, por serem necessários conhecimentos especiais (…)” (cf. Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil – anotado, Vol. 2.º, Coimbra Editora/2008, págs. 490]).

Mostra-se essencial para a apreciação a fazer, aferir se a distância existente entre a habitação da A. e o muro ampliado em altura, é fonte de insalubridade e constitui um risco para a saúde e segurança da Recorrente, uma vez que a legalidade do muro não pode ser desligada desse facto, a ponto de poder determinar a sua demolição.

Em conclusão, por se entender que a perícia requerida se afigura pertinente, não dilatória e não ser desnecessária para a descoberta da verdade material e à boa e justa composição do litigio, o despacho recorrido ao rejeitar a mesma, incorreu em erro de julgamento, por violação dos arts. 90.º, n.ºs 1 a 3 do CPTA, 388.º do CC e 476.º do CPC, impeditiva de uma tutela jurisdicional efetiva.

Já relativamente à prova testemunhal, refira-se que a mesma se mostrará igualmente pertinente, mormente no que concerne à necessidade de atestar se a situação de proximidade do muro da casa da Recorrente, criando um estreito ”corredor” por onde passarão, nomeadamente, as águas pluviais, não implicará a verificação de infiltrações na habitação, como as alegadas consequências na instalação elétrica.

Assim, julgar-se-á procedente o Recurso relativamente ao Despacho interlocutório de 25 de maio de 2018 que rejeitou “a produção de prova testemunhal, bem como a realização da perícia requerida”.

Perante a necessidade de realização das referidas diligências de prova, mostra-se que o Tribunal a quo terá de reapreciar o objeto da Ação em função da realização das referidas diligências, ficando, assim, por natureza, comprometida a Sentença proferida, mostrando-se prejudicada, por inútil e desnecessária a apreciação do demais recursivamente invocado.
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Deste modo, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso:

a) Revogando-se o Despacho e a Sentença Recorrida
b) Determinando-se a Baixa dos Autos ao Tribunal de 1ª Instância, para a realização da requerida Perícia e inquirição das testemunhas arroladas, após o que se imporá a reapreciação da Ação, em conformidade com a prova produzida.
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Custas pelo Recorrido/Município
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Porto, 15 de julho de 2021

Frederico de Frias Macedo Branco
Nuno Coutinho
Paulo Ferreira de Magalhães