Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00222/17BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/15/2019
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:ARTIGO 2.º, N.º 8, DO NOVO REGIME DO FUNDO DE GARANTIA SALARIAL; DECRETO-LEI N.º 59/2015, DE 21.04; INCONSTITUCIONALIDADE.
Sumário:
É inconstitucional a norma contida no artigo 2.º, n.º 8, do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.04, na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão - acórdão do Tribunal Constitucional n.º 328/2018, de 27.06.2018, no processo 555/2017 (retificado pelo Acórdão nº 447/2018). *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:APS
Recorrido 1:Fundo de Garantia Salarial
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Conceder provimento ao recurso
Revogar a decisão recorrida
Julgar a acção procedente
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer pugnando pela manutenção da decisão recorrida
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO
Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

APS veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL do saneador-sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, de 09.07.2018, pelo qual foi julgada totalmente improcedente a acção que intentou contra o Fundo de Garantia Salarial para anulação da decisão do Instituto de Segurança Social, I.P. – Centro Distrital do Porto, que indeferiu o requerimento para pagamento dos créditos emergentes de contrato de trabalho apresentado pelo Autor, pedindo este que tal decisão seja substituída por outra que aprecie o requerimento apresentado, reconhecendo a final o direito ao pagamento dos créditos salariais em dívida através do FGS e ordene o pagamento.
*
Invocou para tanto, em síntese, que o tribunal a quo aplicou retroactivamente o Decreto-Lei nº 59/2015, de 21.04, em violação do artigo 12º do Código Civil e que se verificaram duas causas de interrupção da prescrição dos créditos laborais peticionados pelo Autor, dois processos especiais de revitalização e o processo de insolvência.
*
O Fundo de Garantia Salarial não contra-alegou.
*
O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
*
Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.
*
I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:
1.) Nos presentes autos, coloca-se a questão de saber se o requerimento apresentado pelo Apelante à Apelada, solicitando o pagamento dos seus créditos salariais, através do Fundo de Garantia Salarial, foi ou não apresentado tempestivamente considerando que o seu contrato de trabalho cessou em 17.02.2014, altura em que vigorava a Lei n.º 35/2004, de 29.07, e o requerimento foi apresentado em 26.08.2016, já na vigência do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.04, que veio fixar o prazo de um ano para esta apresentação.
2.) A decisão recorrida, ao considerar aplicável o regime do Fundo de Garantia Salarial previsto no Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.04, viola as regras de aplicação das leis no tempo estabelecidas no artigo 12.º do Código Civil.
3.) Nos termos do artigo 12.º do Código Civil, ao requerimento apresentado pelo Apelante deve ser aplicado o regime de acesso ao Fundo de Garantia Salarial aprovado pela Lei n.º 35/2004, de 29.07, nos termos do qual (artigo 323.º do referido regime) a apresentação de requerimento ao Fundo de Garantia Salarial ao prazo de nove meses, a contar da cessação, ou seja, três meses antes do prazo de um ano fixado como prescrição do crédito laboral – cfr. artigo 319º, n.º 3 da Lei n.º 35/2004 e artigo 337, do Código do Trabalho.
4.) O Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, prevê que o regime do Fundo de Garantia Salarial, antes fixado nos artigos 317º a 326º do Regulamento do Código de Trabalho, aprovado pela Lei n.º 35/2004, de 29.07, se mantivesse em vigor até à entrada em vigor do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, por via do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.04, em 04.05.2015 – cfr. alínea o), do artigo 12º da Lei 7/2009, de 12.02.
5) O artigo 319º, n.º 3, da Lei n.º 35/2004, de 29.07, estabelece que “o Fundo de Garantia Salarial só assegura o pagamento dos créditos que lhe sejam reclamados até três meses antes da respetiva prescrição.”
6) O prazo de prescrição previsto na aludida Lei encontra-se vertido sob o artigo 337º, n.º 1, estabelecendo o prazo de um ano a contar do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
7) Por outro lado, o artigo 2º, n.º 8, do Decreto-lei n.º 59/2015, de 21.05, dispõe que “o fundo só assegura o pagamento dos créditos salariais quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.”
8) O regime transitório estabelecido neste Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.05, estabelece que ficam sujeitos ao novo regime do Fundo de Garantia Salarial os requerimentos apresentados após a sua entrada em vigor – cfr. artigo 3º, n.º 1.
9) Ora, o contrato de trabalho do Apelante cessou em 17.02.2014, altura em que vigorava a Lei n.º 35/2004, de 29.07, que dispunha quanto à apresentação do requerimento, no seu artigo 323.º, o seguinte:
“1 - O Fundo de Garantia Salarial efectua o pagamento dos créditos garantidos mediante requerimento do trabalhador, do qual consta, designadamente, a identificação do requerente e do respectivo empregador, bem como a discriminação dos créditos objecto do pedido.
2 - O requerimento é apresentado em modelo próprio, fixado por portaria do ministro responsável pela área laboral.
3 - O requerimento, devidamente instruído, é apresentado em qualquer serviço ou delegação do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social.”
10) O regime aqui previsto, juntamente com os artigos 316.º a 326.º, regulava o artigo 380.º do Código do Trabalho, definindo as condições de acesso ao Fundo de Garantia Salarial.
11) Posteriormente, o Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.04, veio estabelecer novas regras de acesso ao Fundo de Garantia Salarial, nomeadamente pela introdução de um prazo para o fazer.
12) Assim, nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 8 do regime anexo à referida Lei:
“8 - O Fundo só assegura o pagamento dos créditos quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.”
13) O referido prazo é um prazo de caducidade, findo o qual a possibilidade de o trabalhador aceder ao Fundo de Garantia Salarial deixa de existir. E, por isso, altera substancialmente as condições anteriormente estabelecidas.
14) Assim, se no regime anterior o prazo de caducidade para reclamar o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho dependia da data da prescrição do crédito (até três meses antes da prescrição), no novo regime aquele prazo depende apenas da data da cessação do contrato de trabalho.
15) Desta forma, dependendo a caducidade do direito ao pagamento dos créditos da data da prescrição dos mesmos, encontra-se a prescrição sujeita às causas interruptivas e suspensivas dos artigos 18º a 327º do Código Civil, pelo que a caducidade daquele direito tanto pode ocorrer quando perfizer nove meses após a data da cessação do contrato, como pode ocorrer muito para lá da data de um ano a contar desta data – tudo dependendo da ocorrência de causas interruptivas e suspensivas e sua duração.
16) Significa isto que o Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.05 procedeu a uma alteração do prazo antes estabelecido no artigo 319º, n.º 3 da Lei n.º 35/2004, de 29.07, pelo que torna-se importante chamar à colação o disposto no artigo 297º do Código Civil, que rege a sucessão de leis quanto à matéria de fixação de prazos.
17) Ora, na interpretação que a Douta sentença recorrida faz da aplicação do novo Regime do Fundo de Garantia Salarial ao caso concreto, tendo este regime criado um prazo mais curto que o anteriormente existente, isso imporia ao Apelante a obrigação de, no prazo de um ano a contar da data em entrada em vigor do novo regime, requeresse os seus créditos salariais, nos termos do disposto no artigo 297.º do Código Civil.
18) Interpretação com a qual o Apelante não pode concordar desde logo porque o artigo 297.º do Código Civil é uma norma que dispõe sobre a sucessão de prazos e pressupõe a existência de um prazo mais longo a que sucede um prazo mais curto e vice-versa:
“1. A lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar.
2. A lei que fixar um prazo mais longo é igualmente aplicável aos prazos que já estejam em curso, mas computar-se-á neles todo o tempo decorrido desde o seu momento inicial.
3. A doutrina dos números anteriores é extensiva, na parte aplicável, aos prazos fixados pelos tribunais ou por qualquer autoridade.”
19) A Douta sentença recorrida aplicou uma norma constante do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.04, em violação do disposto no artigo 12.º do Código Civil, porque a aplicou retroativamente.
20) Nos termos do artigo 12.º do Código Civil:
“1. A lei só dispõe para o futuro; ainda que, lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.
2. Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.”
21) Ou seja, a norma do artigo 2.º, n.º 8 do Regime anexo ao Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.04, que cria um prazo de caducidade, é uma “lei que dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos” e, por isso, só visa os factos novos, que ocorram após a sua entrada em vigor.
22) E, por essa razão, não poderá ser aplicada à situação concreta do Apelante que, à data da cessação do seu contrato, 04.03.2014, o prazo de prescrição encontrava-se interrompido por força da apresentação da entidade patronal a um Processo Especial de Revitalização, o qual com o n.º 1377/13.3 TBMCM, correu os seus termos pelo 1º Juízo do Tribunal do Marco de Canaveses, tendo sido nomeado em 18.10.2013 Administrador Judicial Provisório, cfr. cfr. facto provado sob n.º 3.
23) O Processo Especial de Revitalização acima referido transitou em julgado, apenas em 17/02/2015, cfr. factos provados sob n.ºs 4 e 5 da fundamentação de facto
24) Desta forma, só a partir deste momento é que o prazo prescricional se iniciou relativamente ao aqui Apelante.
25) Contudo, em 20 de Março de 2015 o aqui Apelante, juntamente com outros trabalhadores apresentou junto do Tribunal do Comércio de Amarante processo de insolvência, o qual com o n.º 417/15.6T8AMT, correu os seus termos pelo Juízo do Comércio de Amarante – Juiz 2, cfr. facto provado sob n.º 6 da fundamentação de facto
26) Em 16.06.2016 foi declarada a insolvência da entidade patronal, cfr. facto provado sob n.º 7 da fundamentação de facto
27) Entretanto, conforme se encontra dado como facto provado pelo Tribunal a quo a entidade patronal do Apelante apresentou um novo PER, o qual foi admitido liminarmente em 17/12/2015, cfr. facto provado sob n.º 9 da fundamentação de facto
28) No âmbito de tal processo que com o n.º 1513/15.5T8AMT correu os seus termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Porto Este – Juízo de Comércio de Amarante – Juiz 1 foi proferido Despacho Judicial de não homologação do Plano de Revitalização apresentado pela Devedora, cfr.. facto provado sob n.º 11 da fundamentação de facto.
29) Os factos acima expostos têm a virtualidade de interromper o prazo de prescrição do crédito do Apelante, inutilizando, para o cômputo da prescrição, todo o tempo decorrido anteriormente – cfr. artigo 326º, n.º 1 do Código Civil.
30) Significa isto que o prazo de prescrição do crédito laboral do Apelante começou a contar em 16.06.2016, tendo apresentado junto do Fundo de Garantia Salarial o respectivo requerimento em 23.08.2016, tendo-o o feito em tempo, não podendo ser indeferido por extemporaneidade, Pelo que a procedência do presente recurso é manifesta.
*
II –Matéria de facto.
A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:
1. O Autor foi trabalhador da sociedade que girava sob a firma “S&C, S.A.”, NIPC 5…22 – cf. documento de folhas 1 do processo administrativo apenso aos autos.
2. Em 17.02.2014, a referida sociedade promoveu a cessação da relação laboral que mantinha com o Autor, integrando-o no grupo de trabalhadores abrangidos por procedimento de despedimento coletivo – cf. informação certificada pelo administrador de insolvência no requerimento apresentado pelo Autor.
3. Em Outubro de 2013 a dita sociedade havia requerido a instauração de Processo Especial de Revitalização, que correu termos no então 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Marco de Canaveses sob o número 1377/13.3TBMCN, tendo sido proferido despacho judicial de nomeação de administrador judicial provisório em 18.10.2013 – cf. documento de fls. 90 (verso) do suporte físico dos autos.
4. O Autor apresentou reclamação de créditos neste Processo Especial de Revitalização, sendo que em 28.04.2014, no âmbito deste processo, foi proferida sentença que homologou o plano de revitalização da sociedade acima identificada, mas excluindo desse plano o crédito reclamado pelo aqui Autor – cf. certidão de folhas 91/92 do suporte físico dos autos.
5. Esta decisão veio a ser objecto de recurso, sendo que em 27.01.2015 foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação do Porto, que manteve a referida sentença, sendo que este acórdão não foi objecto de recurso – cf. certidão de folhas 91 e 93 a 101 do suporte físico dos autos.
6. Após o que, em 20.03.2015, o aqui Autor, juntamente com outros trabalhadores, apresentou junto do Tribunal Judicial da Comarca do Porto-Este petição inicial tendo em vista a declaração de insolvência da referida sociedade ex- -entidade empregadora, tendo o processo corrido termos naquele Tribunal, concretamente na Instância Central de Amarante, Secção de Comércio, J2, sob o número de processo 417/15.6T8AMT – cf. certidão de folhas 114 (frente) do suporte físico dos autos.
7. Neste processo foi proferida sentença, em 15.06.2016, que declarou a insolvência da referida sociedade – cf. documento de folhas 114 a 118 do suporte físico dos autos.
8. E este processo de insolvência veio a ser encerrado por despacho proferido em 14.03.2017, transitado em julgado a 04.04.2017 – cf. certidão de folhas 114 (frente) do suporte físico dos autos.
9. Mas já antes de ser proferida esta sentença, havia sido instaurado ainda em 2015 novo Processo Especial de Revitalização relativo à sociedade “S&C, S. A.” o qual correu termos igualmente na Instância Central de Amarante, Secção de Comércio, J1, sob o número de processo 1513/15.5T8AMT, no âmbito do qual foi proferido despacho em 16.12.2015 que nomeou o administrador judicial provisório – cf. documentos de fls. 13 (verso) a 16 (frente) e de folhas 102 (verso) do suporte físico dos autos.
10. O Autor apresentou reclamação de créditos no âmbito deste processo, tendo sido incluído na relação provisória de credores então elaborada pelo administrador judicial provisório nomeado – cf. documento de folhas 16 (verso) a 31 (frente) do suporte físico dos autos.
11. Sendo que, em 05.05.2016, neste processo foi proferida sentença que recusou a homologação do plano de recuperação ali apresentado – cf. documento de folhas 103 (verso) a 106 do suporte físico dos autos.
12. A 26.08.2016, o aqui Autor apresentou aos serviços da segurança social requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho pelo Fundo de Garantia Salarial – cf. documento de fls. 10 (verso) a 12 do suporte físico dos autos e de folhas 3 a 8 do processo administrativo apenso aos autos.
13. Este requerimento foi objecto de análise pelos serviços da entidade demandada, que elaboraram informação do seguinte teor, para o que aos autos interessa:
“(…)
Da Caducidade
De acordo com a informação constante no SISS verificou-se que o requerente cessou o contrato de trabalho em: 20/12/2013 e 04, 06/02/2014.
Apresentou o requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho e sua cessação em 06/04/2016 e 25/26/08/2016.
Analisados os documentos que instruíram o requerimento verificou-se que o requerente não requereu os créditos emergentes do contrato de trabalho dentro do prazo de 1 ano a contar do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
Sucede, porém, que o Fundo de Garantia Salarial, por força do estatuído no n.º 8, do art. 2.º, do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21/04, apenas assegura o pagamento dos créditos que lhe tenham sido requeridos no prazo de caducidade supra referido.
(…)”;
Cf. documento de fls. 18/19 do processo administrativo apenso aos autos.
14. Sobre esta informação recaiu despacho de concordância do presidente do conselho de gestão do Fundo de Garantia Salarial em 17.11.2016, no sentido de indeferir o requerimento apresentado pelo Autor – cf. documento de folhas 42 do suporte físico dos autos.
*
III - Enquadramento jurídico.
1. A inconstitucionalidade da norma constante do no artigo 2.º, n.º 8, do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.04, tendo em atenção as referidas directivas.
Sobre este tema pronunciou-se o recente acórdão do Tribunal Constitucional n.º 328/2018, de 27.06.2018 (retificado pelo acórdão nº 447/2018), no processo 555/2017:
“3. Face ao exposto, na improcedência do recurso, decide-se:
A) julgar inconstitucional a norma contida no artigo 2.º, n.º 8, do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão;
(…)”
Discorrendo, para chegar a esta decisão, o seguinte:
“2.4.1. A proteção da retribuição inclui, nos termos do artigo 59.º, n.º 3, da Constituição, a previsão de “garantias especiais”, cuja modelação cabe ao legislador, que, para o efeito, goza de “ampla liberdade” (cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, 2.ª ed., Coimbra, 2010, p. 1166). Não obstante, a instituição do mecanismo do Fundo de Garantia Salarial (para além de – como vimos – consistir numa obrigação para o Estado Português decorrente do Direito da União) não pode deixar de ser vista como concretização de uma das garantias a que se refere aquele n.º 3 (nesse sentido, v. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª ed., Coimbra, 2014, p. 777).
Não é inócua a apontada ligação entre o mecanismo do FGS e a norma do n.º 3 do artigo 59.º da CRP. Tratando-se de uma das garantias ali previstas, ao escolher (apesar de, nessa escolha, se encontrar vinculado pelo Direito da União) instituir o FGS como uma das garantias especiais da retribuição, o legislador está vinculado à construção de um regime que lhe assegure um mínimo de efetividade, sem a qual resultaria esvaziada de sentido a norma constitucional, com respeito pela igualdade (artigos 13.º e 59.º, n.º 1, da CRP). Por outro lado, tratando-se de atribuir, no apontado contexto, um direito a uma prestação pecuniária, e de limitar no tempo a efetividade desse direito pelo não exercício, tal atribuição deve operar, na compaginação destas duas vertentes, segundo regras claras, certas e objetivas – exigência decorrente do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição).
2.5. Tendo presentes as linhas essenciais do NRFGS – em particular a norma objeto do presente recurso (cfr. itens 2.1. e 2.2., supra) – verificam-se aporias que o afastam do padrão de efetividade e certeza acabado de traçar.
De acordo com o sentido das normas relevante para a presente decisão (cfr. item 2.2., supra), a declaração de insolvência faz nascer o direito ao acionamento do FGS. Sucede que a declaração judicial constitui um momento num processo judicial contraditório, de cujos termos o trabalhador tem (ou pode ter) unicamente o domínio do impulso processual inicial, sendo que, subsequentemente, o desenvolvimento do processo como que lhe “sai das mãos”, sendo muito limitada a respetiva capacidade de determinar no elemento tempo os ulteriores passos processuais até à efetiva declaração do devedor em estado de insolvência. De facto, basta pensar que, não sendo um dos casos excecionais de dispensa da audiência do devedor (artigo 12.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, doravante CIRE), há lugar à citação deste, que poderá ser mais ou menos demorada, podendo ser apresentada oposição e realizada audiência de julgamento, gerando-se uma dilação assinalável entre o pedido de declaração da insolvência e essa mesma declaração – circunstâncias das quais o caso dos autos constitui, aliás, exemplo vivo, tendo a declaração de insolvência ocorrido cerca de seis meses e meio após ter sido requerida pelo primeiro Recorrente. Ou seja, pegando precisamente no exemplo que os autos ilustram, observamos que se consumiu mais de metade do prazo de acionamento do FGS em vicissitudes processuais que o trabalhador credor da insolvente não esteve em condições de dominar, sendo certo que a declaração de insolvência foi pedida decorridos que foram menos de seis meses do prazo de um ano previsto no artigo 2.º, n.º 8, do NRFGS.
Não estamos – deve sublinhar-se – perante a questão, sucessivamente apreciada pela jurisprudência europeia, de saber se o legislador pode fixar prazos mais ou menos alargados para o exercício do direito ao acionamento do FGS, sob pena de caducidade ou prescrição: ninguém aqui discute a existência de prazos nem o prazo em concreto estabelecido na norma referenciada na decisão.
O que está em causa é saber se, na contagem desse prazo, é possível incluir um período temporal (que, como vimos, pode ser assinalável) especificamente determinado e tendente à criação de um pressuposto essencial do direito ao acionamento do FGS (o período entre o pedido de declaração da insolvência e a sua efetiva declaração pelo tribunal competente), cujos termos escapam por completo ao controlo do trabalhador-credor, de tal forma que o mero decurso do tempo nessa fase processual provoque a extinção do direito. Assim se cria uma evidente antinomia: o trabalhador-credor de um empregador insolvente que queira ver tutelado o direito à prestação pelo FGS vê-se obrigado a pedir a declaração de insolvência e, a partir desse momento, as vicissitudes próprias do processo que fez nascer com essa finalidade, comprometem o exercício desse mesmo direito, sem que um comportamento alternativo lhe seja exigível – rectius, possa por ele ser adotado – no sentido de evitar essa preclusão.
Ao fazer nascer, ainda que potencialmente, na própria condição de realização de um direito a causa da sua extinção, à qual o respetivo titular se vê impossibilitado de obstar, o legislador deixa de conferir à retribuição – e ao “remédio” (talvez mais até ao paliativo) para a sua perda – a tutela que lhe era devida nos termos do artigo 59.º, n.º 3, da Constituição. Sendo certo que o sistema do FGS “pressupõe um nexo entre a insolvência e os créditos salariais em dívida” (acórdão do TJUE de 28 de novembro de 2013, cfr. supra 2.3.2.3.), seria o próprio processo judicial com aptidão para estabelecer o referido nexo que constituiria causa da preclusão do direito.
Geram-se, por outro lado, diferenciações arbitrárias na concessão (na realização) daquele direito a distintos titulares, subordinado que fica este à duração maior ou menor da fase inicial dos processos de insolvência, em função de ter sido deduzida oposição, da duração das audiências de julgamento, das diferentes capacidades de resposta dos tribunais, etc. Tudo fatores alheios à vontade do trabalhador-credor e que, por isso mesmo, não suportam a afirmação de existência de algo semelhante a um “domínio do facto” por este, cujo efeito de condicionamento do respetivo direito não encontra justificação na tutela de qualquer outro valor que possamos considerar relevante no confronto com a necessidade de tutela da retribuição que se verifica no contexto apontado.
A este respeito, não releva, propriamente, de forma direta, a qualificação do prazo como de caducidade ou de prescrição – questão que, na ausência de uma opção legal expressa, se prefigura como de âmbito fundamentalmente doutrinário que, em todo o caso, nos aparece aqui ligada a uma opção interpretativa do direito infraconstitucional –, relevando antes a circunstância de, no contexto descrito, a contagem de tal prazo ocorrer sem qualquer suspensão ou interrupção, gerando um sinal – rectius, potenciando um efeito – de valor contrário ao próprio direito.
Note-se, todavia – sublinhando o sentido atuante que a qualificação jurídica do prazo aqui acabou por assumir –, que o Fundo, na fundamentação da respetiva posição de indeferimento da pretensão dos ora Recorridos (cfr. item 1.2.1. supra) – e sublinha-se, pois, que foi nesse quadro que a decisão recorrida, como não podia deixar de ser, se forjou –, qualificou expressamente o prazo em causa no artigo 2.º, n.º 8, do NRFGS como de caducidade, referindo-lhe expressamente a circunstância, que é própria do regime da caducidade nos termos do artigo 328.º do CC, de só comportar suspensão ou interrupção mediante previsão legal, no caso inexistente. E, de facto, é neste contexto que se afirma que, “[e]m matéria de contagem do prazo de caducidade[,] aplicam-se, em princípio, tal como na prescrição, as regras gerais, com uma importante diferença. Na caducidade vale muito mais plenamente o princípio segundo o qual o tempo se conta ininterruptamente”, já que, “[…] como resulta do artigo 328.º do CC, ‘o prazo de caducidade não se suspende nem se interrompe, senão nos casos em que a lei o determine’. Assim, se a lei, em cada caso concreto, não admitir, expressamente, a suspensão e a interrupção do prazo de caducidade (ou algum destes institutos), o prazo corre sempre sem intermitências de qualquer ordem” (Luís A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, 4.ª ed., Lisboa, 2007, p. 703). Ora, tendo sido a invocação, por parte do FGS, desta característica do regime da caducidade que conduziu à construção do indeferimento (por inexistir previsão legal a permitir a suspensão ou a interrupção do decurso do prazo), não poderia a decisão recorrida, ao sindicar esse indeferimento, deixar de pressupor essa interpretação e construir em função dela a questão de inconstitucionalidade que constituiu a respetiva ratio decidendi.
Porém, não é irrelevante a pouca clareza do regime legal, espelhada na norma em causa, considerada em si mesma ou sistematicamente inserida no diploma que a contém. O elemento de incerteza deste regime (evidenciado à saciedade, nestes autos, pelas posições assumidas na decisão recorrida, nas alegações e contra-alegações de recurso e no item 2.2., supra) compromete seriamente a efetividade da tutela que corresponde ao mecanismo do FGS, apresentando-se o complexo normativo do NRFGS, ao gerar estas interpretações díspares, com uma consistência pouco definida – para não dizer insuportavelmente ambígua –, cuja interpretação muito dificilmente assumirá um sentido minimamente claro, gerador de segurança nos destinatários beneficiários do seu âmbito de proteção. Isto ao ponto destes não disporem, consistentemente, da possibilidade de, agindo com normal diligência, anteverem com suficiente segurança o comportamento que devem adotar para formular atempadamente a sua pretensão junto do FGS, assim se comprometendo as exigências mínimas de certeza decorrentes do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição).
2.5.1. Aliás, em hipóteses como a dos presentes autos, pode mesmo dizer-se, tomando de empréstimo as palavras do acórdão do TJUE de 16 de julho de 2009, no caso Visciano (referido supra no item 2.3.2.1.), que a configuração do prazo pode tornar “[…] impossível na prática ou excessivamente difícil” o exercício do direito do trabalhador credor, além de que – como justamente se assinalou naquela decisão – “[…] uma situação caracterizada por uma considerável incerteza jurídica pode constituir uma violação do princípio da efetividade, uma vez que a reparação dos danos causados a particulares por violações do direito comunitário imputáveis a um EstadoMembro pode, na prática, ser extremamente dificultada se estes não puderem determinar o prazo de prescrição aplicável, com um razoável grau de certeza”.
2.6. As razões que antecedem são, pois, aptas a fundar um juízo de censura constitucional à norma sub judicio, confirmando a esse respeito a decisão recorrida. Complementarmente, justificam-se duas observações adicionais, referidas à incidência na situação do Direito da União e à referenciação da intervenção do Tribunal Constitucional exclusivamente à questão de inconstitucionalidade.
2.6.1. Assim, como primeira nota, respeitante às incidências do caso relativas ao Direito da União, cumpre-nos salientar, quanto ao âmbito da intervenção deste Tribunal no quadro referencial do artigo 8.º, n.º 4 da CRP (aqui relevante no trecho que estabelece que “[…] as normas emanadas das […] instituições [da União Europeia], no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos no Direito da União […]”), a ausência de justificação para que equacionemos (neste recurso) um reenvio prejudicial de interpretação ao TJUE, nos termos do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
Vale esta opção – como adiante explicitaremos – em função da constatação de não se prefigurar aqui, na sequência da jurisprudência do TJUE referida ao longo deste Acórdão, uma dúvida quanto à interpretação do Direito da União que apresenta relevância no caso concreto, designadamente quanto ao sentido prescritivo dos artigos 3.º sucessivamente incluídos nas Directivas 80/987/CEE e 2008/94/CE, referidas no item 2.3.1 supra. Estas, consubstanciando “atos jurídicos da União” vinculativos do Estado português “[…] quanto ao resultado a alcançar […]”, na aceção do terceiro parágrafo do artigo 288.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“[a] directiva vincula o Estado-Membro destinatário quanto ao resultado a alcançar, deixando, no entanto, às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios”), mostram-se já devidamente esclarecidas pela jurisprudência do TJUE, no seu sentido operante relativamente à norma de Direito interno aqui sujeita à apreciação do Tribunal Constitucional (o artigo 2.º, n.º 8 do NRFGS na interpretação em causa na decisão recorrida).
Aliás, conforme indicámos no item 2.5.1. supra, o ora decidido encontra-se, assumidamente, em linha com o sentido evidente dessa jurisprudência relevante na matéria aqui em causa – referimo-nos às decisões, todas proferidas em processos de reenvio, do TJUE referenciadas no item 2.3.3. supra e respetivas subdivisões (2.3.3.1 a 2.3.3.4.) –, concretamente com o ponto 46. acima transcrito, no item 2.3.3.1., constante do acórdão Visciano c. INPS, de 16 de julho de 2009 (processo C-69/08).
Com efeito, estando em causa uma obrigação de reenvio, nos termos do terceiro parágrafo do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, “[…] para os órgãos jurisdicionais que julguem sem hipótese de recurso judicial previsto no direito interno” [Inês Quadros, “Acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de Outubro de 1982 – Processo 283/81 Srl Cilfit et Lanificio di Gavardo SpA c. Ministero della sanità”, in Princípios Fundamentais de Direito da União Europeia. Uma Abordagem Jurisprudencial, Sofia Oliveira Pais (coord.), 3.ª ed., Coimbra, 2014, p. 223], verifica-se neste caso uma das circunstâncias nas quais, segundo o TJUE no acórdão Cilfit, está o tribunal nacional dispensado desse reenvio.
Referimo-nos em concreto, seguindo o ponto 14. desse acórdão de 1982 (que é invariavelmente assumido como precedente de forte valor persuasivo), às situações em que exista “[…] uma orientação jurisprudencial do Tribunal que esclareça o ponto de direito em causa, qualquer que seja a natureza do procedimento que deu lugar a esta jurisprudência, mesmo na ausência de uma estrita identidade das questões em litígio”. Nestes casos, o esclarecimento anterior pelo TJUE de uma situação equivalente, em termos aptos a suportar, consistentemente, um juízo de identidade de razão, confere à norma interpretada a natureza de “ato clarificado” (Inês Quadros, “Acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de outubro de 1982…”, cit. p. 229).
2.6.2. A isto acresce – como segunda nota complementar acima indicada no item 2.6. – a seguinte observação. Cabe ao Tribunal Constitucional a última palavra sobre a inconstitucionalidade da norma em questão, não lhe cabe, porém, determinar qual a melhor interpretação do direito infraconstitucional na sequência do afastamento dessa norma (dessa construção normativa). Assim, na falta de uma opção legislativa expressa, caberá aos tribunais comuns a solução das questões que o presente julgamento deixa em aberto (designadamente, se deve tratar-se de interrupção ou suspensão do prazo, se o efeito interruptivo ou suspensivo em relação a todos os credores pode depender do pedido de declaração de insolvência de um só credor ou de um credor de certa categoria ou até quando se deve verificar a suspensão ou interrupção).
Cinge-se, pois, a presente decisão, à questão de inconstitucionalidade, nos termos em que esta emergiu da decisão de recusa do Tribunal a quo.
2.7. Pelas razões que antecedem, improcede o recurso, devendo confirmar-se a decisão recorrida.
É o que nos resta afirmar, conferindo-lhe expressão decisória.
(…)”
Decisão com a qual se concorda, tendo em conta os seus fundamentos.
A solução desta decisão que o Tribunal Constitucional também confirmou no recente acórdão nº 583/2018, no processo 188/2018, de 08/11/2018 também se adoptou nos acórdãos deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 07.12.2018, processo 2492/16.7 PRT, de 21.12.2018, processo 232/17.2 CBR, de 21.12.2018, processo 1777/17.0 PRT, de 11.01.2019, processo 61/17.3 BRG e de 25.01.2019, processo 295/17.0PNF.
A configuração do prazo para reclamar créditos ao Fundo de Garantia Salarial constante da norma em apreço, como prazo de caducidade insusceptível, como tal, de suspensão ou interrupção, pode tornar impossível na prática ou excessivamente difícil o exercício do direito dos trabalhadores credores, além de que, face à divergência de interpretações doutrinárias e jurisprudenciais, conduz a uma situação caracterizada por uma considerável incerteza jurídica o que pode constituir uma violação do princípio da efetividade.
Dispõe o artigo 282º da Constituição da República Portuguesa sob a epígrafe “Efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade”
“1. A declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado”.
Não vemos razão para não aplicar esta norma, dirigida à hipótese de “declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral” ao caso, como o presente, em que temos uma declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade ainda sem força obrigatória geral.
Na verdade, é a solução que mais segurança e certeza traz para a solução de casos similares, dada a sedimentação que o antigo regime jurídico já tinha alcançado.
E porque, por outro lado, tendo em conta a multiplicidade de situações idênticas que correm nos tribunais administrativos, mantendo-se a declaração de inconstitucionalidade, com o recurso obrigatório pelo Ministério Público para o Tribunal Constitucional, é previsível que venha a surgir essa declaração com força obrigatória geral, pelo que, com esta posição, já estará preparado o caminho pela jurisprudência dos tribunais administrativos para tal declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, reforçando a certeza e segurança jurídicas.
No caso concreto, os créditos peticionados emergem da cessação de um contrato de trabalho, ocorrida em 17.02.2014, mas relativamente a eles ocorreram três causas de interrupção da prescrição dos mesmos.
Resulta da matéria de facto dada como provada que foram intentados dois processos especiais de revitalização, o primeiro ainda antes da cessação do contrato de trabalho, em Outubro de 2013, que correu termos no então 1º Juízo do Tribunal Judicial de Marco de Canavezes sob o número 1377/13.3TBMCN, tendo sido proferido despacho judicial de nomeação de administrador judicial provisório em 18.10.2013, conforme 3º facto dado como provado.
O Autor apresentou reclamação de créditos neste PER, sendo que em 28.04.2014, no âmbito deste processo foi proferida sentença que homologou o plano de revitalização, mas excluindo desse plano o crédito reclamado pelo aqui Autor (4º facto dado como provado).
Esta decisão foi objecto de recurso, sendo que em 27.01.2015 foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação do Porto que manteve a referida sentença, sendo que este acórdão não foi objecto de recurso.
A prescrição, no caso concreto, interrompe-se a partir do momento em que cessou o contrato de trabalho, 17.02.2014, ou seja, depois proferido o despacho judicial de nomeação de administrador judicial provisório em 18.10.2013, fixado no nº 1 do artigo 17º-E do Decreto-Lei n.º 16/2012, de 20.04, devidamente conjugado com o disposto no artigo 17º-C, nº 3, alínea a) do mesmo diploma legal, interrupção que dura até 27/01/2015, data do trânsito em julgado do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, que manteve a sentença que excluiu do plano o crédito reclamado pelo aqui Autor – artigos 326 e 327º do Código Civil.
Com efeito, a decisão a que alude o artigo 17-C nº 3 alínea a) do referido diploma, obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor, circunstância que é equiparável à citação ou notificação a que alude o artigo 323º, nºs 1 e 4, do Código Civil, conduzindo à interrupção da caducidade prevista no artigo 2º nº 8 do Decreto-Lei nº 59/2015, de 21.04.
Inicia-se novo prazo de prescrição ainda em 2015, porque novo PER relativo à sociedade “S&C, S. A.” foi instaurado, o qual correu termos igualmente na Instância Central de Amarante, Secção de Comércio, J1, sob o número de processo 1513/15.5T8AMT, no âmbito do qual foi proferido despacho em 16.12.2015 que nomeou o administrador judicial provisório (9º facto dado como provado).
Nele, o Autor apresentou reclamação de créditos no âmbito deste processo, tendo sido incluído na relação provisória de credores então elaborada pelo administrador judicial provisório nomeado, sendo que, em 05.05.2016, neste processo foi proferida sentença que recusou a homologação do plano de recuperação ali apresentado (10º e 11º factos dados como provados).
A segunda causa de prescrição perdurou até 05.05.2016 – artigo 327 nºs 1 e 2 do Código Civil.
Estabelece o artigo 311º, nº 1, do Código Civil, que o direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo.
Nos termos do artigo 309º do Código Civil o prazo ordinário de prescrição tem a duração de vinte anos, sendo este prazo o aplicável neste caso.
Assim, é notório que quando os créditos foram pedidos ao Recorrido, em 26.08.2016, faltava muito tempo para ocorrer a prescrição dos créditos cujo pagamento é requerido pelo Recorrente e, portanto, também para ocorrer a caducidade do direito a reclamar tais importâncias ao Fundo de Garantia Salarial.
Não se verificou, pois, a caducidade invocada pelo Réu no acto impugnado e fundamento da improcedência da acção decidida pela sentença recorrida.
Merece, pois, provimento o presente recurso jurisdicional.
2. Demais questões suscitadas.
Procedendo a acção e o recurso pelos fundamentos acabados de analisar, fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas.
***
IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que:
A) Revogam a decisão recorrida.
B) Julgam a acção totalmente procedente e condenam o Réu nos termos peticionados.
Custas pelo Réu, ora Recorrido, apenas na Primeira Instância dado que não contra-alegou no recurso.
Porto, 15.03.2019
Ass. Rogério Martins
Ass. Conceição Silvestre
Ass. Luís Garcia, com a declaração de voto que se segue
-*-
Declaração de voto
Não dissentindo do fundamento de inconstitucionalidade presente no citado Ac. do Tribunal Constitucional, tenho que a sua transposição para o caso não passa por aplicar a norma do art.º 2821, n° 1, da CRP; antes, sem essa intermediação, cabe mesma solução de direito final por desaplicação, e sem repristinação; a respeito das interrupções, atendemos à interpelação subjacente.
Porto, 15 de Março de 2019.
Ass. Luís Migueis Garcia