Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00057/14.7BUPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/28/2021
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Margarida Reis
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL; IRC DE 1997; MÉTODOS INDICIÁRIOS; ORDEM DE CONHECIMENTO DOS VÍCIOS; FUNDAMENTAÇÃO SUBSTANCIAL
Sumário:O ato que determina o recurso aos métodos indiciários para o cálculo da matéria coletável tem necessariamente de conter a respetiva fundamentação substancial, ou seja, os seus pressupostos reais e corretos, sob pena de ficar vedada a sua apreciação contenciosa.
Em causa está um vício do ato que é material e não formal.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:Construções A., Lda
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório
A Autoridade Tributária e Aduaneira, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu proferida em 2014-02-28, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial em que é Impugnante Construções A., Lda., anulando a liquidação de IRC referente ao exercício de 1997 com o n.º 8310010112 no montante total de PTE 1.627.626 (EUR 8.118,56), na parte que resultou da determinação da matéria coletável por aplicação de métodos indiretos, vem dela interpor o presente recurso.

A Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

“Em conclusão:
a) Incide o presente recurso sobre, a aliás douta sentença, que julgou parcialmente procedente a presente impugnação, com a consequente anulação da liquidação adicional de IRC do ano de 1997, na parte que resulta da determinação da matéria coletável por aplicação de métodos indiretos;
b) Se bem compreendemos a douta sentença, muito embora se tenha decidido em primeira linha que não se encontram preenchidos os pressupostos invocados pela Fazenda Pública para apurar o lucro tributável por métodos indiretos (erro nos pressupostos de facto) e na quantificação da matéria coletável, certo é que o Meritíssimo Juiz reconduziu tal questão ao vício de falta de fundamentação do relatório de inspeção que recorreu a métodos indiretos para o cálculo da matéria tributável;
c) Entende, todavia, a Fazenda Pública que os vícios imputados à decisão de aplicação de métodos indiretos (erro nos pressupostos de facto e excesso na quantificação) não se reconduzem ao vício de falta de fundamentação, sendo vícios próprios nos termos da alínea a) do art.º 99.º da LGT, que constituem vício de violação de lei, cuja prioridade de conhecimento é imposta pelo art.º 124.º do CPPT, sendo que o vício de falta de fundamentação consubstancia um vício de forma, cujo conhecimento não assegura a mais eficaz tutela dos direitos em presença;
d) Acresce que e, salvo melhor entendimento, não será conciliável o conhecimento simultâneo dos vícios de erro nos pressupostos de facto para o recurso aos métodos indiretos e o excesso na quantificação, porquanto, acaso não se verifiquem os pressupostos para a tributação por métodos indiretos, não fará qualquer sentido conhecer do excesso na quantificação, por prejudicado nos termos do atual art.º 608.º do CPC;
e) Ou seja, decidindo o Tribunal ser ilegítima a tributação por métodos indiretos decai a posição da Autoridade Tributária que atuou nesse sentido, não tendo fundamento algum a apreciação da adequação do critério de quantificação utilizado;
f) Independentemente do exposto, nenhum dos vícios imputados à liquidação impugnada se verifica, tendo a douta sentença recorrida incorrido em erro de julgamento sobre a matéria de facto ao não considerar verificados os pressupostos para o recurso à avaliação indireta e critério de quantificação utilizado, e aplicado, de forma incorreta, o direito à factualidade apurada;
g) Entende a Fazenda Pública que logrou provar os pressupostos legais do recurso à aplicação de métodos indiretos, porquanto se apuraram, em sede inspetiva, diversas irregularidades, a saber (fls. 4 a 7 do relatório de inspeção): A conta Caixa apresenta saldos, ora elevados, ora negativos, em função do volume de negócios; Na contabilidade a conta de depósitos à ordem é inexistente, no entanto, da mesma consta a contabilização de empréstimos bancários; Solicitados os extratos bancários, verifica-se que os depósitos são superiores aos valores faturados; Solicitadas as guias de transporte, foi a inspeção informada de que não eram utilizadas, sendo que, confrontado o sócio gerente da impugnante com a indicação de que esta mandou fazer, pelo menos, 5 livros, foram exibidos 3 livros com a numeração entre 201 e 350, não tendo os restantes livros sido apresentados; Realizada uma análise às faturas emitidas com a indicação das respetivas obras faturadas e, bem assim, aos locais de descarga das matérias adquiridas, apurou-se que persistem descargas em locais sem que se detete qualquer serviço neles prestado; Ao nível dos inventários, não descrevem a forma como foram alcançados os valores globais das obras, neles constam algumas incongruências descritas no relatório e possuem valores elevados face à dimensão e características da empresa em causa; Averiguadas as margens de lucro, realça-se que a margem bruta declarada pela impugnante dista significativamente da média do setor, sem que se vislumbre razão aparente para tal;
h) É certo que sobre a Autoridade Tributária recai o ónus de demonstrar os pressupostos de aplicação de métodos indiretos, contudo, em face da factualidade patente no relatório da inspeção, entende a Fazenda Pública ser manifesto que se encontram reunidos os pressupostos para a tributação por métodos indiretos, por existência de erros e inexatidões praticados na contabilização das operações;
i) Acresce que a contabilidade da impugnante não reflete a exata situação patrimonial e o resultado efetivamente obtido, sendo que, o recurso à avaliação da matéria tributável pelo método indireto era inevitável, na medida em que a omissão de serviços prestados impossibilita a comprovação direta e exata da matéria coletável, e as diversas anomalias e contradições ao nível da elaboração da contabilidade tornaram impossível o apuramento direto e exato do valor das prestações de serviços;
j) E, tendo a Autoridade Tributária cumprido com o seu ónus probatório quanto aos pressupostos do recurso à aplicação de métodos indiretos, não demonstrou a impugnante o respetivo erro nos pressupostos de facto;
k) Sobre a quantificação, atente-se que, ou se mostram verificados os pressupostos para a tributação indireta e então cumprirá averiguar da pertinência do critério de quantificação utilizado, incumbindo ao sujeito passivo a demonstração do erro na quantificação, ou então não se verificam os pressupostos para a tributação indireta (por a AT não ter demonstrado os respetivos pressupostos), sendo ilegal a decisão de aplicação de métodos indiretos susceptível de anular todo o processado posterior;
l) Tendo a douta decisão recorrida decidido simultaneamente pelo erro nos pressupostos de tributação por métodos indiretos e pela errónea quantificação, a mesma padece, nos termos expostos, de contraditoriedade;
m) Na fase da qualificação incumbe à Autoridade Tributária o ónus de demonstrar a existência de inexatidões ou omissões na contabilidade do sujeito passivo e que tais irregularidades impossibilitam a comprovação direta e exata da matéria tributável - compete-lhe demonstrar a verificação dos pressupostos legais que permitem a tributação com recurso a tais métodos; Feita essa prova, e aí entramos no campo da quantificação, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que houve erro ou manifesto excesso no critério de quantificação, nos termos do n.º 3 do art.º 74.º da LGT, havendo ainda que ter em conta o disposto no art.º 100.º, n.º 2 do CPPT;
n) Entende a Fazenda Pública que não demonstrou a impugnante o excesso na quantificação, pelo que, não poderia o Meritíssimo Juiz considerar excessivo o critério de quantificação utilizado, razão por que nesta parte a douta decisão recorrida enferma de erro de julgamento;
o) Em suma, mostram-se verificados os pressupostos para o recurso aos métodos indiretos de tributação, a AT fundamentou o critério de quantificação utilizado, e, em contrapartida, a impugnante não demonstrou o erro ou excesso na quantificação, cf. Acórdão do STA de 16.11.2011, processo n.º 0247/11;
p) Também não se verifica qualquer falta de fundamentação do recurso aos métodos indiretos, porquanto o contribuinte ficou na posse de todos os elementos de facto e de direito que conduziram à decisão, ou seja, foi-lhe dada nota do “itinerário cognoscitivo e valorativo” seguido para a tomada da decisão;
q) Concluindo, o Meritíssimo Juiz incorreu em erro de julgamento, por errada aplicação da lei, mormente o disposto nos art.º 74.º, n.º 3 da LGT e art.º 100.º, n.º 2 do CPPT.”
Termina pedindo:
“Nestes termos e nos mais de direito deve o presente recurso ser julgado procedente com a consequente revogação da douta sentença recorrida, como será de, JUSTIÇA!”
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A Recorrida não contra-alegou.
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A Digna Magistrada do M.º Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Os vistos foram dispensados, com a prévia anuência dos Juízes-Adjuntos.
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Questões a decidir no recurso

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações de recurso.
Assim sendo, importa apreciar se a sentença recorrida padece dos erros de julgamento que lhe são imputados pela Recorrente.

II. Fundamentação
II.1. Fundamentação de facto

Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz:

“III - Fundamentação de facto:
a) Factos provados:

Com interesse para a boa decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:
1. A impugnante exerce a atividade de construção civil - cfr. doc. de fls. 81 dos autos (processo n.º 1677/2004), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, o mesmo se dizendo para os demais elementos infra referidos.
2. Em cumprimento da Ordem de Serviço nº 24547, de 14/09/1999, os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção Distrital de Finanças de Viseu, procederam a uma acção de fiscalização à escrita da impugnante, que incidiu sobre o exercício de 1997, que decorreu entre 29/09/1999 e 09/11/1999 e teve por fim a análise, de forma a verificar o cumprimento das obrigações fiscais que lhe são impostas. - vide doc. de fls. 82 dos autos (processo n.º 1677/2004).
3. Do relatório da fiscalização, consta, de entre o demais, o seguinte:
“(...) DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
Do levantamento e das análises levadas a efeito, relevam-se as irregularidades e anomalias detectadas:
A) Correcções relativas a IRC
I. Custos do exercício
Da apreciação levada a cabo, às diversas rubricas de custos, registaram-se as seguintes anomalias e irregularidades:
1) Não cumpriu com o princípio da especialização do exercício, relativamente a despesas de seguros; Doc. internos n.ºs 1 de Fevereiro, 2 de Março e 2, 3 e 4 de Outubro, todos do diário de Caixa O montante da correcção ascende a 104.449$- - art.º 18.º do CIRC;
IV MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS
Das análises e testes realizados ao longo da acção inspectiva; registam-se diversas irregularidades técnicas bem como indícios da existência clara de omissão de proveitos, como se descreve e demonstra:
A conta de caixa, ora apresenta saldos elevados, quer para a dimensão da empresa quer para o volume de negócios que regista, como os saldos de Março e Junho do ano de 1997, ora apresenta negativos que para além de se apresentar tecnicamente incorrecto é fisicamente impossível de se atingir, tais como os meses de Julho a Outubro do ano em análise;
A conta de depósitos à ordem é inexistente na contabilidade do contribuinte, apesar daquela conter contabilizada empréstimos bancários. Consequentemente, são omitidos todos os movimentos inerentes aos movimentos bancários;
Foram solicitados os extractos bancários, tendo-me sido apresentado um resumo genérico dos mesmos, a partir do qual se constatou que os depósitos são superiores aos valores facturados. Facto que o sócio gerente justificou verbalmente, alegando que eram valores resultantes de entradas de sócios e empréstimos de terceiros. No entanto, não apresentou qualquer prova documental de tal afirmação;
Diversos fornecedores apresentam saldos de abertura credores e que ao longo do exercício, contabilisticamente, não foram liquidados, possivelmente por falta de meios líquidos disponíveis nos registos contabilísticos, uma vez que, um dos sócios, afirmou pagar as suas dívidas a fornecedores com regularidade;
Foram solicitadas as guias de transporte utilizadas pela empresa, ao que inicialmente me foi referido que não existiam porque a empresa não as utilizava. Confrontado o sócio gerente da empresa com a indicação de que pelo menos cinco livros haviam mandado fazer, e depois de lhe demonstrar essa informação, aquele aludiu que teria que ir ver.
Posteriormente, foram-me apresentados apenas três livros com numeração compreendida entre 201 e 350, isto é, os quatro primeiros livros não me foram apresentados;
Foram ainda efectuados diversos levantamentos, nomeadamente:
as facturas emitidas com a indicação das respectivas obras facturadas;
locais de descarga das matérias adquiridas. É de salientar que esta relação foi muito limitada, uma vez que não me foram apresentadas a totalidade das guias de remessa dos fornecedores e muitas das facturas de compra não incluem essa indicação. Acresce ainda, a existência de múltiplos documentos de transporte de matérias sem sequer possuírem o local de descarga;
c) a partir dos documentos de deslocação e estada os locais onde persistem despesas com almoços;
7) Das análises efectuadas aos elementos referidos na alínea anterior, verificou-se:
Persistem descargas de materiais em Pinheiro de Latões e Fataunços sem que se detecte qualquer serviço facturado nesses destinos;
Estão contabilizadas despesas com almoços em Santa Cruz da Trapa, local onde também não existem serviços facturados:
8) Ao nível dos inventários de produtos, em curso, uma vez que de matérias primas não existem, e relativamente aos inventários finais de 1996 e 1997, registam-se alguns dados curiosos;
Os referidos inventários, não indicam ou descrevem a forma como foram obtidos os valores globais das obras, que constam de uma mera folha A4;
O inventário de 1996, contempla, em relação à obra de A., em Vouzela, o montante de 1.500.000$. Contudo só em Novembro de 97 há uma factura dessa obra e o seu valor ascende a 1.059.829$, e;
Inclui o valor de 2.500.000$, cuja obra é de A., para a qual existe uma factura datada de apenas Novembro de 97, de quantia igual a 2.722.222$, e;
Uma obra em curso de 350.000$, facturada por igual valor em Novembro de 97;
O inventário de 1996 ascende a 40,23% da facturação de 1997;
O inventário de 1997 ascende a 41,41% da facturação de 1998, isto é o valor dos produtos em curso tem vindo a crescer quer em valor absolutos quer em valores relativos, para além de se apresentar com valores elevadíssimos face ao tipo e dimensão da empresa em questão;
9) As constatações tecidas na alínea anterior, contrastam significativamente com a afirmação feita pelo sócio gerente, que afirmou que iam facturando e recebendo à medida - que iam construindo;
10) Relativamente à obra de A., esta apresenta-se facturada em Fevereiro. No entanto, persiste na contabilidade uma factura de serviços realizados para essa obra datada de 21.04.1997. Factura n.º 117 de C.;
11) A margem bruta declarada dista significativamente da média dos sector, sem que haja aparentemente qualquer explicitação plausível;
12) De todas as análises e averiguações efectuadas e descritas de forma sucinta, conclui-se que a contabilidade concluiu-se que a contabilidade não releva a totalidade dos movimentos realizados pela empresa, nomeadamente, todos os proveitos auferidos, pois como se demonstrou persistem diversas anomalias, contradições e factos que permitem concluir de forma clara e evidente da omissão de serviços prestados. Isto é, a contabilidade apresenta um largo conjunto de erros e inexactidões significativos. Consequentemente não reflecte a exacta situação patrimonial da empresa nem os resultados efectivamente obtidos. A contabilidade não merece, por isso, fiabilidade e credibilidade.
Desta forma, e dado que não é possível a comprovação e a quantificação directa e exacta de todos os elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável, de forma particular, no apuramento da globalidade dos proveitos operacionais, estão reunidas as condições de acordo com a al. d) do n.º 1 e o n.º 2 do art.º 51. º ambos do CIRC e dos n.º 2 e 3 do art.º 82º do CIVA, bem como do disposto nos arts.º 87.º e 88.º da Lei Geral Tributária (LGT) para a aplicação dos métodos indirectos no cálculo das omissões e consequente apuramento da matéria tributável e respectivos impostos em falta no ano de 1997.
V - CRITÉRIOS E CÁLCULOS DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
Em face do referido anteriormente, propõe-se que, a determinação da matéria colectável do exercício de 1997, seja obtida com recurso aos citados métodos indirectos de acordo com o art. º 52º do CIRC, o n. º I do art. º 84º do CIVA e o art.º 90º da LGT.
A) Critérios
I. IVA
Seja considerado como base tributável o valor obtido pelo produto entre o valor do CMV e a margem média bruta-dos sujeitos passivos com lucro do sector, CAE 45211 Construção e reparação de edifícios. Isto é, a margem de 147,3%;
A taxa a aplicar seja a taxa normal, conforme art.º 18.º n.º 1 al. c). Tem-se como principio que não foi prestado qualquer serviço a Organismos Públicos. Isto é, sujeição à taxa de 17%.
2. IRC
O volume de negócios seja determinado conforme o primeiro ponto do n.º anterior e a diferença entre o apurado e o declarado, acrescida à matéria tributável declarada.
(...)” - cfr. doc. de fls. 83 e ss. dos autos (processo n.º 1677/2004).
4. A diferença entre o valor faturado e o valor dos depósitos da impugnante era de seis milhões e oitocentos mil escudos - cfr depoimento da testemunha da Fazenda Pública, J..
5. A margem média bruta adotada pela inspeção tributária para determinação da matéria tributável da impugnante teve por base a seguinte informação:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cfr. fls. 97 dos autos (processo n.º 1677/2004).
6. No decurso da inquirição de testemunhas, a Administração Tributária juntou documentos dos quais resultam os seguintes rácios de IRC referentes à atividade da impugnante no ano de 1997:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cfr. fls. 97 dos autos (processo n.º 1677/2004).
7. com a presença do perito da Fazenda Pública e do perito da impugnante, para a qual foi convocado, não tendo estes chegado a acordo, nos termos da acta elaborada no mesmo dia, cujo teor se dispensa de reprodução por uma questão de brevidade. - vide doc. de fls. do PA anexo aos autos (processo n.º 1677/2004).
8. A impugnante foi notificada em 31/07/2000, do teor da decisão de improcedência do pedido de revisão e que manteve os valores da matéria tributável fixados - cfr. doc. de fls. do PA anexo aos autos (processo n.º 1677/2004).
9. A impugnante emitiu as seguintes faturas:

fatura
DataValorDestinatárioDescrição
061 06/05/971.000.000$A.Demolições
06021/04/971.000.000$A.Demolições e limpeza
06610/09/971.000.000$A.Demolição e movimento de terras
06514/08/972.000.000$A.Demolição e tosco
06421/07/973.000.000$Demolição e tosco
06213/05/972.000.000$A.Demolição
06313/06/972.000.000$A.Demolição e tosco
06916/11/972.000.000$A.Revestimentos e acabamentos
07126/11/971.240.000$A. Revestimentos e exteriores e
pintura
07319/12/972.000.000$A.Revestimentos e acabamentos
06724/09/972.000.000$A.Demolição e movimento de terras
06811/11/973.185.000$A.Acabamento interior de casa e fechada
05616/02/972.150.000$A., LdaAssentamento de granito e
limpeza

- cfr. fls. 50 a 60 e 68 a 70 dos autos (processo n.º 1677/2004).
10. No exercício de 1997, a impugnante adquiriu diversos materiais, como cimento, tijoleiras, malha sol, vigas - cfr. fls. 61 a 67 dos autos (processo n.º 1677/2004).
11. Foram emitidas as seguintes liquidações de IRC e de juros compensatórios:
AnoNº liquidaçãoMontante €Data emissãoData limite pagamento
1997200083100101128.118,5623/08/200023/10/2000

- cfr. fls. 43 dos autos
12. A presente Impugnação Judicial foi apresentada no dia 16/01/2001 - vide doc. de fls. 2 e sgs. dos autos.
13. A impugnante pagou a liquidação referente a IRC impugnada nos presentes autos - cfr. fls. 83 dos autos.
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b) Factos não provados:
Inexistem outros factos, para além dos que foram dados como provados, que revelem interesse para a boa decisão da causa.
*
c) Motivação:
A convicção do Tribunal quanto aos factos provados resultou da análise crítica e conjugada do teor dos documentos não impugnados juntos aos autos e do PA, conforme referido em cada ponto do probatório e também da posição assumida pelas partes, na parte dos factos alegados não impugnados e corroborados pelos documentos juntos, (artigo 76.º, da Lei geral Tributária e artigo 362.º e sgs. do Código Civil).
A prova testemunhal produzida em sede da diligência de inquirição de testemunhas foi apreciada livremente e também com o recurso às regras da experiência comum, (artigos 396.º do Código Civil e 607.º n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 2.º do Código de Procedimento e Processo Tributário).
A matéria de facto não provada redundou na ausência de prova produzida para o efeito, não tendo a Impugnante logrado comprovar o alegado, tal como resulta da prova testemunhal produzida.
A prova testemunhal produzida, que se desenvolveu com a presença simultânea das testemunhas, da impugnante, Sr. Dr. A. e da Fazenda Pública, Inspetor que realizou a inspeção à escrita da impugnante Dr. J., centraram os seus depoimentos nos fundamentos para o recurso a métodos indiretos, bem assim no critério da quantificação.
A testemunha da impugnante referiu que os documentos de fls. 97 e 207 (autos do processo n.º 1677/2004), contemplam elementos de apuramento de rácios das margens geradas na atividade de construção civil, apresentando valores muito dispares, sendo o documento de fls. 97 uma “folha” atípica que não indica a representatividade dos 280 contribuintes nela mencionados, nem indica o tipo de amostra, ou seja se se refere a dados nacionais, distritais ou locais e que a média utilizada diz respeito apenas aos contribuintes com lucro, pelo que este valor, mesmo considerado como valor médio teria que ser justificado.
Que comparando este documento de fls. 97 com o de fls. 207, ambos jutos pela Fazenda Pública, não se percebe porque razão relativamente aos dados regionais ou distritais o número de contribuintes utilizados para o apuramento dos rácios seja, no documento de fls. 97 de 280 e no de fls. 207, 248, de onde resulta também que as médias apuradas no primeiro seja de 142,95 na situação geral e no segundo de cerca de 20%, embora estes últimos resultem da margem sobre vendas, mesmo transformando-os em margens sobre custos não seriam atingidos os valores de fls. 97.
Sobre os elementos de fls. 97, referiu que foram considerados na atividade de construção civil elementos das declarações dos contribuintes que tem atividade de construção para venda e os que apenas realizam os trabalhos por contrato de empreitada o que é suscetível de distorcer a realidade de contribuintes como a impugnante que apenas tem atividade no âmbito de empreitadas.
Por sua vez a testemunha da Fazenda Pública, J., que realizou a inspeção à escrita da impugnante, referiu que o documento de fls. 97 traduz os elementos das declarações Mod. 22 do Distrito e o de fls. 207 resulta dos diversos campos da mesma declaração Mod. 22 e que o primeiro é o que melhor representa a situação da impugnante em face dos dados colhidos no distrito de Viseu, muito embora respeitem aos dados declarados e não à real situação dos contribuintes.
Referiu ainda que em face das três anomalias essenciais que determinam o recurso à aplicação de métodos indiretos para determinação da matéria tributável da impugnante, saldos de caixa negativos, omissão de contas de depósitos à ordem e a valorização de existências, com valores aleatórios e sem fundamentação, foram usados os elementos de fls. 97 para essa determinação, tendo por base a perceção da realidade da impugnante, pareceu-lhe adequada a aplicação da percentagem de 147,35% de margem de lucro, sendo que se à data tivesse conhecimento dos elementos de fls. 207, as percentagens aí referidas não seriam de aplicação à impugnante porque não refletiam a realidade da impugnante, uma que o contribuinte apresenta na sua escrita uma margem de cerca de 110%, o que é muito diferente da que resulta de fls. 207, cerca de 20%.
Não soube a testemunha explicar a razão pela qual para o apuramento de fls. 97 foram utilizadas as declarações de cerca de 280 contribuintes e para a de fls. 207, 243, acrescentado, no entanto que os dados de fls. 97 validam os elementos da escrita da impugnante.
Que em face da verificação da escrita da impugnante resultou que o declarado era insuficiente, nomeadamente quanto ao valor de depósitos de cerca de seis mil e oitocentos contos, que o sócio gerente da impugnante justificou resultarem de empréstimos de terceiro e suprimentos, mas que não provou daí provirem não estavam refletidos na contabilidade, ocorrendo assim, um montante de proveitos que não correspondia a valores faturados.
Referiu ainda a testemunha que apesar de verificarem existir o montante de cerca de seis mil e oitocentos contos não justificados na contabilidade, entendeu que a real situação contributiva da impugnante é a que resulta do apuramento constante do relatório inspetivo, porquanto, reconhece que a impugnante até poderia ter necessidades financeiras, concluindo que o valor acrescido à matéria tributável da impugnante para efeitos de IRC no montante de 4.059.765$00, inferior ao montante de entradas não justificado, representaria a real situação contributiva da impugnante.”
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II.2. Fundamentação de Direito
Importa apreciar se a sentença parece dos erros de julgamento que lhe são imputados pela Recorrente.
Antes de mais, importa assentar em que, ainda que a presente ação tenha sido interposta em 2001-01-16 (cf. ponto 13, da fundamentação de facto), atendendo a que a sentença recorrida foi proferida em 2014-02-28 (após a data de entrada em vigor da Lei n.º 41/2013, que ocorreu em 2013-09-01, tal como resulta do respetivo art. 8.º), é de aplicar supletivamente e por força da remissão constante no art. 281.º do CPPT, o regime aplicável aos recursos constante no CPC posterior às alterações introduzidas pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, tal como resulta do disposto nos arts. 5.º, n.º 1 e 7.º, n.º 1 da referida Lei (cf. neste sentido, GEMAS, Laurinda – Introdução. A aplicação da lei no tempo. In O Novo Processo Civil. Contributos da Doutrina para a Compreensão do Novo Código de Processo Civil Caderno I. 2.ª edição. Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, 2013. Disponível na internet: http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/ProcessoCivil/Caderno_I_Novo%20_Processo_Civil_2edicao.pdf>, pág. 40).
Vejamos então.
A Recorrente inicia as suas conclusões de recurso referindo que na sentença recorrida “muito embora se tenha decidido em primeira linha que não se encontram preenchidos os pressupostos invocados pela Fazenda Pública para apurar o lucro tributável por métodos indiretos (erro nos pressupostos de facto) e na quantificação da matéria coletável, certo é que o Meritíssimo Juiz reconduziu tal questão ao vício de falta de fundamentação do relatório de inspeção que recorreu a métodos indiretos para o cálculo da matéria tributável”.
Defende por isso que “os vícios imputados à decisão de aplicação de métodos indiretos (erro nos pressupostos de facto e excesso na quantificação) não se reconduzem ao vício de falta de fundamentação, sendo vícios próprios nos termos da alínea a) do art.º 99.º da LGT, que constituem vício de violação de lei, cuja prioridade de conhecimento é imposta pelo art.º 124.º do CPPT, sendo que o vício de falta de fundamentação consubstancia um vício de forma, cujo conhecimento não assegura a mais eficaz tutela dos direitos em presença.”
Quanto a esta questão importa esclarecer que o que está em causa, tendo sido invocado pela Impugnante e apreciado pelo Tribunal, foi a (falta de) fundamentação substancial do ato, tal como resulta da categorização dos vícios do ato feita pela doutrina (cf. Andrade, Vieira de - O dever de fundamentação expressa de actos administrativos. Coimbra, Almedina, 2003, pág. 231), de resto, com amplo acolhimento na jurisprudência (a título meramente exemplificativo, vejam-se os acórdãos proferidos pelo STA em 30-04-2013, no proc. 0383/13, em 08-11-2017, no proc. 01255/16, ou em 20-05-2020, no proc. 0276/14.6BECBR).
Como refere o citado autor, “a diferença entre a dimensão formal e a dimensão substancial do dever de fundamentação está, então, em que o dever formal se cumpre pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis, enquanto a fundamentação substancial exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos suscetíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo” (idem, ibidem).
Ora, e ao contrário do que parece pretender a Recorrente, o vício em questão é um vício substancial, e não “formal”, tendo por isso, neste ponto, sido respeitada a precedência de conhecimento imposta pelo art.º 124.º do CPPT
Continua a Recorrente referindo que “não será conciliável o conhecimento simultâneo dos vícios de erro nos pressupostos de facto para o recurso aos métodos indiretos e o excesso na quantificação, porquanto, acaso não se verifiquem os pressupostos para a tributação por métodos indiretos, não fará qualquer sentido conhecer do excesso na quantificação, por prejudicado nos termos do atual art.º 608.º do CPC”.
Com efeito, resulta do disposto na primeira parte do n.º 2 do art. 608.º do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT, que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Assim sendo, e a concluir-se pela falta de fundamentação substancial da decisão no que se refere à impossibilidade de determinação da matéria tributável através de uma avaliação direta, fica efetivamente prejudicado o apuramento do excesso na quantificação.
Por outro lado, e como melhor veremos adiante, a sentença fez uma incorreta interpretação do regime aplicável ao conhecer as duas questões no mesmo momento – em simultâneo, como refere a Recorrente –, tendo apreciado o erro na quantificação sem que antes, como devia, tivesse escrutinado todos os argumentos elencados pela Administração fiscal para sustentar o recurso aos métodos indiciários para o cálculo da matéria coletável.
Prossegue a Recorrente imputando à sentença o “erro de julgamento sobre a matéria de facto ao não considerar verificados os pressupostos para o recurso à avaliação indireta e critério de quantificação utilizado, e aplicado, de forma incorreta, o direito à factualidade apurada”, na medida em que, na sua tese, a Administração fiscal, no ato impugnado, provou os pressupostos legais do recurso à aplicação de método indiretos, não tendo, no seu entender, a Impugnante, aqui Recorrente, logrado demonstrar o erro nos pressupostos de facto.
Invoca assim, tanto quanto é possível compreender, o erro de facto no julgamento, na sua modalidade de erro na apreciação da prova, por não ter sido corretamente avaliada a prova, no caso, o teor do RIT, no qual se concentra a fundamentação do ato, e o erro de direito no julgamento, na sua modalidade de erro de estatuição, por incorreta aplicação das normas aplicáveis aos factos (cf. PINTO, Rui – Manual do Recurso Civil. Volume I. Lisboa, AAFDL editora, 2020, págs. 31 e 27).
Vejamos se tem razão.
Como é sabido, a avaliação indireta (na época, com a designação de “indiciária”) é subsidiária da avaliação direta, só podendo ocorrer nos casos expressamente prescritos na lei.
Tem por isso caráter excecional, só podendo ser espoletada pela Administração fiscal nos casos expressamente previstos na lei, e apenas em situações em que se conclua pela impossibilidade em determinar a matéria coletável através da avaliação direta.
A propósito referia SALDANHA SANCHES que “(...) num sistema fiscal dotado de alguma racionalidade e num ordenamento jurídico-tributário que salvaguarde os direitos dos contribuintes, a tributação através de elementos de prova indirecta deve ter um carácter marcadamente excepcional. É, por natureza, uma actuação marcada por alguma incerteza, mesmo quando absorve consideráveis recursos administrativos”, sublinhando ainda que é por ser “Marcada por uma inultrapassável incerteza e exigindo uma cuidadosa fundamentação, tem de se conservar como a ultima ratio fisci, (…) pois um uso indevido e banalizado conduz necessariamente a uma denegação das garantias que devem acompanhar a sua utilização.” (cf. Sanches, J. L. Saldanha – A quantificação da obrigação tributária: deveres de cooperação, autoavaliação e avaliação administrativa. 2.ª edição. Lisboa: Lex, 2000, pág. 303).
De sublinhar ainda que a avaliação indireta não tem caráter sancionatório, pois o seu objetivo não é penalizar o incumprimento dos deveres de cooperação pelo contribuinte, mas tão só “estabelecer a matéria tributável daquele sujeitos passivos que não tenham cumprido com as suas obrigações ou não o tenham feito corretamente”, pelo que através dela procura-se “determinar somente o valor efetivo da obrigação tributária que não foi cumprida e de maneira alguma, a fixação de uma matéria tributável diferente e quiçá mais elevada do que aquela que se teria estabelecido através da avaliação direta (…)” (cf. Ribeiro, João Sérgio – Tributação Presuntiva do Rendimento. Um Contributo para Reequacionar os Métodos Indirectos de Determinação da Matéria Tributável. Coleção Teses. Coimbra: Almedina, 2010, pág. 214).
Ou seja, a finalidade da avaliação indireta é de, a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a Administração fiscal disponha, determinar “o rendimento real, ainda que presumido ou supostamente obtido, mas atendendo às condições de exploração do contribuinte” (cf. LOPES, Cristina Mota e MARTINS, António – A Tributação por Métodos Indiretos. Uma Análise do Enquadramento Jurisprudencial dos Pressupostos Contabilístico-Fiscais. Coimbra: Almedina, 2014, pág. 43; destacado nosso).
Neste sentido referia SALDANHA SANCHES que “Sendo todo este procedimento, como sempre sucede no processo fiscal, orientado no sentido da busca da verdade material: dentro dos limites da razoabilidade, a Administração, agindo com imparcialidade e justiça, deve tentar determinar o lucro real, as transacções efectivamente realizadas ou o rendimento tributável recebido.” (cf. Sanches, J. L. Saldanha – A quantificação da obrigação tributária: deveres de cooperação, autoavaliação e avaliação administrativa. 2.ª edição. Lisboa: Lex, 2000, pág. 305).
A tributação através de “métodos indiciários”, como então era designada na lei, tinha os seus pressupostos previstos no Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC).
Assim, resultava do disposto no art. 51.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC) (a que corresponde o atual art. 57.º do CIRC), na redação vigente à data (redação original, do Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30-11), que a determinação do lucro tributável por métodos indiciários apenas se poderia verificar caso se constatasse a inexistência de contabilidade, falta ou atraso de escrituração dos seus livros e registos e, bem assim, irregularidades na sua organização ou execução [alínea a)]; se se verificasse a recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação [alínea b)]; se se constatasse a existência de diversas contabilidades com propósito de dissimular a realidade perante a administração fiscal [alínea c)]; ou quando se constatasse a existência de erros e inexatidões na contabilização das operações ou indícios fundados de que a contabilidade não refletia a exata situação patrimonial e o resultado efetivamente obtido [alínea d)].
Nas situações em que não ocorresse qualquer destas patologias, e a contabilidade ou escrita do sujeito passivo se mostrasse organizada segundo a lei comercial ou fiscal, presumia-se a veracidade dos dados e apuramento dela decorrentes (cf. art. 78.º do Código de Processo Tributário - CPT, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 154/91, de 23-04; norma a que veio a suceder o art. 75.º da LGT).
Dado o seu caráter excecional – expressamente previsto no n.º 2 do supracitado art. 51º do CIRC, e mais tarde, no n.º 1 do art. 85.º da LGT - e a consequente taxatividade dos seus fundamentos, resultava ainda do disposto no art. 81.º do CPT (norma a que viria a suceder o atual n.º 4 do art. 77.º da LGT) que a decisão da tributação por métodos indiciários ou por presunções, nos casos e com os fundamentos expressamente previstos em leis tributárias, especificaria os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável e indicaria os critérios utilizados na sua determinação.
Compulsado o Relatório de Inspeção produzido pelos Serviços de Inspeção Tributária (SIT) da Direção Distrital de Finanças de Viseu, do qual resulta a fundamentação do ato de liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 1997 aqui em causa, constata-se que a decisão de recorrer aos métodos indiciários para o cálculo da matéria coletável se enquadrou no fundamento constante na supracitada alínea d) do art. 51.º, n.º 1 do CIRC, pois entendeu-se que a contabilidade da Recorrente não refletia a exata situação patrimonial da empresa, nem os resultados obtidos pela mesma (cf. ponto 3, da fundamentação de facto).
Com efeito, refere-se a propósito no RIT que “Desta forma, e dado que não é possível a comprovação e a quantificação directa e exacta de todos os elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável, de forma particular, no apuramento da globalidade dos proveitos operacionais, estão reunidas as condições de acordo com a al. d) do n.º 1 e o n.º 2 do art.º 51. º ambos do CIRC e dos n.º 2 e 3 do art.º 82º do CIVA, bem como do disposto nos arts.º 87.º e 88.º da Lei Geral Tributária (LGT) para a aplicação dos métodos indirectos no cálculo das omissões e consequente apuramento da matéria tributável e respectivos impostos em falta no ano de 1997.” (cf. ponto 3, da fundamentação de facto).
A propósito da verificação dos pressupostos para o recurso à avaliação indireta, a sentença sub judice refere o seguinte:
“Tendo em conta os normativos e jurisprudência supra citados, verificamos que o relatório de inspecção, no caso sub judice, indica motivos da falta de credibilidade da escrita da impugnante.
Todavia, como resulta do ponto 3 do probatório, o relatório inspetivo, no seu ponto 3. Especifica que “Foram solicitados os extractos bancários, tendo-me sido apresentado resumo genérico dos mesmos, a partir do qual se constatou que os depósitos são superiores aos valores facturados. Facto que o sócio gerente justificou verbalmente, alegando que eram valores resultantes de entradas de sócios e empréstimos de terceiros. No entanto, não apresentou qualquer prova documental”.
(…)
Por outro lado, vem a testemunha da Fazenda Pública revelar no seu depoimento que o valor dos depósitos não justificados era de seis mil e oitocentos contos (ponto 4 do probatório) e foi este valor o que foi levado em consideração como sendo o valor omitido em proveitos.
O relatório não indica o valor que constitui a diferença entre o valor faturado e os depósitos, mas a testemunha da Fazenda Pública vem revelar que tal montante seria de cerca de seis mil e oitocentos contos.
Acrescentou a testemunha que esse montante seria o valor dos proveitos omitidos.
Também referiu a mesma testemunha que não considerou ser de tributar esse montante de diferença de depósitos e de faturação, admitindo, em face da sua experiência e da própria vida da sociedade, que a impugnante até poderia ter necessidades de tesouraria.
Mas o que se pode concluir dos elementos trazidos aos autos e do depoimento das testemunhas é que foi possível determinar o valor que supostamente havia sido omitido aos proveitos, seis mil e oitocentos contos, que a impugnante, apesar de não haver demonstrado que tais montantes provinham de empréstimos de terceiros e de suprimentos, que porventura a impugnante até teria necessidades de tesouraria (…).
Por tudo que foi dito, verifica-se que pese embora ter enunciado a inspeção circunstâncias que permitiriam concluir pela falta de credibilidade da escrita da impugnante, a verdade é que como fica provado, não demonstrou que não lhe fosse possível determinar a matéria tributável por aplicação de métodos diretos, uma vez que a possível omissão de proveitos que levou à aplicação de métodos indiciários foi determinada em montante indicado pela testemunha da Fazenda Pública que realizou o exame à escrita, pese embora o não ter indicado expressamente no relatório, o que adensa as dúvidas sobre a impossibilidade de determinação da matéria tributável da impugnante por aplicação do método direto, como também em face de tais elementos, fica por explicar a razão pela qual, conhecendo a inspeção o montante porventura omitido e reconhecendo eventuais necessidades de tesouraria da impugnante, desconsiderou as justificações ainda que verbais do sócio-gerente da impugnante (…). Em suma, não almejou a AT, como lhe competia, esclarecer à dúvida sobre a correção dos da atuação da AT que a impugnante gerou sobre os elementos em causa.
Do exposto resulta que competia à Administração Tributária o ónus de provar que se encontravam reunidos os pressupostos para a tributação por métodos indiretos. Neste sentido, veja-se parte do sumário do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 13.11.2002, processo 01015/02, disponível em www.dgsi.pt:
“(…) III- Tendo a Administração tributado com recurso a métodos indiciários, cabe-lhe o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais que legitimam a sua actuação e ao contribuinte o da existência de erro na quantificação do facto tributário.”
Ora, não logrou a AT fazer essa prova cabal, de forma concludente e sem margem para dúvidas, nos termos das considerações já tecidas, padecendo a decisão de aplicação de métodos indiretos na determinação da matéria tributável da impugnante de vício insuficiência de fundamentação.
O que contraria também o artigo 342.º do Código Civil, segundo o qual “Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.” e, ora, co artigo 74º, nº 1, da Lei Geral Tributária.”
Recorde-se ainda que na sentença em apreço foi dado como provado, com base no depoimento prestado pela testemunha da Fazenda Pública, J., inspetor que elaborou o RIT, que “A diferença entre o valor faturado e o valor dos depósitos da impugnante era de seis milhões e oitocentos mil escudos” - cfr depoimento da testemunha da Fazenda Pública, J. (cf. ponto 4, da fundamentação de facto).
Ora, quanto a esta questão em concreto, a Recorrente nada vem dizer no seu recurso.
Como foi já referida supra, o objeto do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, impondo o legislador ao Recorrente um ónus muito particular no que diz respeito à fundamentação do recurso no que se refere à impugnação da decisão relativa à matéria de facto (cf. art. 640.º do CPC, aplicável ex vi art. 281.º do CPPT), que encontra a sua razão de ser na necessidade imperiosa de garantir o direito ao contraditório, por um lado, e por outro, de salvaguardar “a rigorosa delimitação do objeto do recurso, até porque o sistema consagrado não permite recursos genéricos contra a matéria de facto” (cf. GERALDES, António Abrantes, PIMENTA, Paulo, e SOUSA, Luis Filipe Pires de – Código de Processo Civil Anotado. Vol. I. 2.ª edição, reimpressão. Coimbra: Almedina, 2020, págs. 797-798).
Como se constata da leitura das alegações e conclusões de recurso, a Recorrente não especifica quaisquer concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados ou quaisquer concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que impusessem uma decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, também não adiantando a decisão que, no seu entender, deveria ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Em suma, não questiona a matéria dada como provada no supracitado ponto 4 da fundamentação de facto, e que o Tribunal a quo sustentou nas afirmações feitas perante o mesmo pela testemunha da Fazenda Pública, no caso, como já foi referido, o inspetor responsável pela elaboração do RIT.
Ora, o que resulta da sentença sob recurso é que - em síntese - uma vez que cabia à Administração Tributária apurar e comprovar a verificação dos requisitos para o recurso à tributação através dos métodos indiretos (na época designados “indiciários”), que tal ónus não foi preenchido, atenta a circunstância de, apesar de “O relatório não indica[r] o valor que constitui a diferença entre o valor faturado e os depósitos”, esse montante foi expressivamente quantificado pela testemunha da Fazenda Pública, no depoimento prestado perante o Tribunal, ali tendo revelado “que tal montante seria de cerca de seis mil e oitocentos contos”, e acrescentado “(…) que esse montante seria o valor dos proveitos omitidos”.
Donde é possível, desde já, retirar a conclusão de que a sentença sob recurso não padece de qualquer erro de facto nos pressupostos, na sua modalidade de erro na apreciação da prova, pois de facto avaliou a mesma coerentemente, tendo examinado criticamente o relatório de inspeção tributária, compreendendo que do mesmo resultava a fundamentação do ato impugnando, e fazendo a respetiva apreciação crítica a essa luz.
Também não se pode concluir pela existência de qualquer erro na fixação dos factos materiais da causa, porque sobre a mesma nada foi alegado pela Recorrente, e ainda que o tivesse feito, teria, como foi já referido, que ter cumprido o ónus que lhe é imposto nos termos do disposto no art. 640.º do CPC, aplicável ex vi art. 281.º do CPPT, o que não sucede.
O que se pode concluir é que a sentença padece, isso sim, de um erro de direito no julgamento, na medida em que interpretou erradamente o regime aplicável, pois, e atendendo ao disposto no já citado n.º 1 do art. 51 do CIRC, para concluir pela inexistência de fundamentação substancial da decisão de determinação do lucro tributável por métodos indiciários não lhe bastava apreciar um dos fundamentos adiantados para o efeito pela Administração fiscal.
De facto, e tendo os Serviços de Inspeção Tributária adiantado vários motivos para sustentar o recurso aos métodos indiciários, não podia concluir-se pela insuficiência de fundamentação substantiva do ato sem apreciar se a mesma se verificava relativamente a todos eles, para logo passar para a apreciação do alegado erro de quantificação, relativamente ao qual, pelo contrário, a verificação da invalidade do ato se bastava com a constatação de um único erro grave.
Com efeito, e como tem vindo a ser sublinhado na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, apesar de em princípio o ato tributário ser divisível, podendo ser parcialmente anulado, no caso de a liquidação ser efetuada através da fixação da matéria coletável por métodos indiretos/indiciários, um erro grave na metodologia utilizada para a quantificação é suficiente para contaminar a liquidação de forma indelével, impedindo a sua anulação parcial, por não caber ao Tribunal substituir-se à Administração fiscal na respetiva sanação (cf. acórdãos do STA proferidos em 2013-11-13, no proc. 0285/13, e em 2019-10-30, no proc. 010/13.8BECBR, disponíveis para consulta em www.dgsi.pt).
Tendo a sentença recorrida considerado implicitamente prejudicada a apreciação dos restantes fundamentos elencados pela Administração fiscal para sustentar o recurso aos métodos indiretos/indiciários para a fixação da matéria coletável, e concluindo-se que o fez indevidamente, cabe aqui proceder ao seu conhecimento em substituição, uma vez que todos os elementos necessários para o efeito estão disponíveis, tal como se dispõe no art. 665.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi art.281.º do CPPT.
Vejamos então.
No ponto IV do RIT são elencados os motivos pelos quais se entendeu estar legitimado o recurso aos métodos indiciários (cf. ponto 3, da fundamentação de facto).
No respetivo ponto 12, conclui-se que a contabilidade da Recorrida não revelaria “a totalidade dos movimentos realizados pela empresa, nomeadamente, todos os proveitos auferidos” ali se considerando ter sido demonstrada a persistência de “diversas anomalias, contradições e factos que permitem concluir de forma clara e evidente da omissão de serviços prestados”.
Assim, a contabilidade apresentaria um “largo conjunto de erros e inexactidões significativos”, não refletindo “a exacta situação patrimonial da empresa nem os resultados efectivamente obtidos”, e não “merecendo” “fiabilidade e credibilidade”.
Pelo que, não sendo “possível a comprovação e a quantificação directa e exacta de todos os elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável, de forma particular, no apuramento da globalidade dos proveitos operacionais”, estariam reunidas “as condições de acordo com a al. d) do n.º 1 e o n.º 2 do art. 51.º ambos do CIRC e dos n.ºs 2 e 3 do art. 82.º do CIVA, bem como do disposto nos arts. 87.º e 88.º da Lei Geral Tributária (LGT) para a aplicação dos métodos indirectos no cálculo das omissões e consequente apuramento da matéria tributável e respectivos impostos em falta no ano de 1997”.
A decisão de lançar mão nos métodos indiciários é assim, como foi já aqui referido, ancorada no disposto na alínea d) do n.º 1 do art. 51.º do CIRC, da qual resultava que a determinação do lucro tributável por métodos indiciários ocorria sempre que se verificassem “Erros e inexactidões na contabilização das operações ou indícios fundados de que a contabilidade não reflecte a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido”.
Por sua vez, do n.º 2 daquele artigo, para o qual o RIT também remete, resultava que “A aplicação de métodos indiciários em consequência de anomalias e incorrecções da contabilidade só poderá verificar-se quando não seja possível a comprovação e a quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável de harmonia com as disposições da secção II deste capítulo”.
Importava, assim, em face do regime aplicável, que da fundamentação do ato resultasse clara e inequivocamente demonstrada a impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à determinação da matéria coletável.
Em causa estava, pois, a demonstração do que SALDANHA SANCHES denominava ser “o pressuposto da impossibilidade” como condição (cf. Sanches, J. L. Saldanha – A quantificação da obrigação tributária: deveres de cooperação, autoavaliação e avaliação administrativa. 2.ª edição. Lisboa: Lex, 2000, pág. 305).
Ora, é inequívoco que a Recorrida se insurgiu contra a inexistência desta comprovação em concreto, quando na PI referia que “…a Administração fiscal não baseia em qualquer facto/elemento justificativo a sua actuação, mas tão só em conjecturas subjectivas e pessoais sem aderência à realidade vivida pela impugnante” (cf. art. 13.º da PI).
E foi a ponderação da falta desta comprovação que levou a que na sentença recorrida se tivesse concluído pela insuficiência da fundamentação substancial do ato de liquidação.
Sublinhe-se que a demonstração desta fundamentação substancial (dos pressupostos reais e dos motivos corretos suscetíveis de suportarem a decisão legítima quanto ao fundo), é de extrema importância não só por legitimar a Administração para lançar mão de um método subsidiário e excecional de avaliação da matéria coletável, como ainda, e não de somenos, por permitir que o ato possa ser sindicado, também contenciosamente.
Aludindo às alterações introduzidas pela reforma tributária de 1988/89 sobre esta matéria referia SALDANHA SANCHES que “No regime actual é precisamente esse apelo a factos de onde se possam extrair conclusões válidas, indícios, como elementos capazes de assegurar um mínimo de certeza numa decisão objectivamente marcada pela incerteza, que é feito: pois exigindo-se que existam indícios, e indícios que possam ser objecto de um exame crítico e de uma possível contra-prova, impede-se que se possam atribuir efeitos a meras suspeitas subjectivas, incapazes de servirem de esteio para o convencimento de outros e de suportarem o controlo judicial.” (cf. Sanches, J. L. Saldanha – A quantificação da obrigação tributária: deveres de cooperação, autoavaliação e avaliação administrativa. 2.ª edição. Lisboa: Lex, 2000, pág. pág. 304).
Em causa não está mais do que o que na literatura técnica recebe a designação de “prova de auditoria”, referindo-se a todas as informações utilizadas pelo auditor que lhe possibilitam chegar às conclusões sobre as quais baseia a sua informação, e que deve ser revelada, de modo a permitir, para além do mais, a necessária demonstração perante o tribunal de “que o relatório emitido se baseou em informação recolhida e devidamente tratada(cf. Costa, Carlos da – Auditoria Financeira. 12.ª edição. Lisboa: Rei dos Livros, 2018. págs. 310-311; destacado nosso), passando assim pela efetiva demonstração dos “testes” efetuados e que suportam as conclusões do relatório.
Ora, desde já se adianta que o ato em causa não se encontra substancialmente fundamentado, e por esse motivo, não materializa o necessário “pressuposto da impossibilidade”.
Senão vejamos.
Começa por se afirmar que “a conta de caixa, ora apresenta saldos elevados, quer para a dimensão da empresa quer para o volume de negócios que regista, como os saldos de Março e Junho do ano de 1997, ora apresenta negativos que para além de se apresentar tecnicamente incorrecto é fisicamente impossível de se atingir, tais como os meses de Julho a Outubro do ano em análise” (cf. ponto 3, da fundamentação de facto).
Ora, nenhuma das afirmações aqui feita é materializada; não se explicita o que se entende por “saldos elevados”, não se esclarecendo a sua quantificação em concreto; não se explicita qual a “dimensão da empresa”, quais os saldos de março e junho, quais os saldos negativos, ou quais os saldos de julho a outubro.
Ou seja, nada de substancial é possível extrair do que é categoricamente afirmado, o que torna impossível a averiguação do juízo feito pela administração, sobre proposições que não demonstra.
Prossegue-se referindo que “A conta de depósitos à ordem é inexistente na contabilidade do contribuinte, apesar daquela conter contabilizada empréstimos bancários. Consequentemente, são omitidos todos os movimentos inerentes aos movimentos bancários; Foram solicitados os extractos bancários, tendo-me sido apresentado um resumo genérico dos mesmos, a partir do qual se constatou que os depósitos são superiores aos valores facturados. Facto que o sócio gerente justificou verbalmente, alegando que eram valores resultantes de entradas de sócios e empréstimos de terceiros. No entanto, não apresentou qualquer prova documental de tal afirmação;” (cf. ponto 3, da fundamentação de facto).
Uma vez mais, nada é dito ou comprovado sobre que empréstimos bancários estão em causa, a que bancos, em que montante, ou qual a alegada diferença entre o montante dos depósitos e os valores faturados.
Sobre este ponto resulta ainda inexplicável o motivo pelo qual, como foi já referido, o autor do RIT afirmou perentoriamente perante o Tribunal, na sua qualidade de testemunha indicada pela Recorrente, que “a diferença entre o valor faturado e o valor dos depósitos da impugnante era de seis milhões e oitocentos mil escudos” (cf. ponto 4, da fundamentação de facto).
Recorde-se que a Recorrente não questionou a matéria de facto provada na sentença.
Foi de resto este o motivo que levou o Tribunal a considerar que conhecendo a Administração fiscal o montante exato dos proveitos alegadamente omitidos pela Impugnante, não se poderia considerar provado o suprarreferido “pressuposto da impossibilidade”, conditio sine qua non para o recurso aos métodos indiciários.
Efetivamente, perante esta afirmação, feita e repetida perante o Tribunal, é pelo menos insondável o motivo pelo qual se conclui no RIT que a alegada inexistência da conta de depósitos à ordem na contabilidade da Recorrida é elencada como um dos motivos para o recurso aos métodos indiciários, e pelo qual se entendeu não ser possível efetuar uma correção aritmética da matéria coletável.
Prosseguindo, refere-se no RIT que “Diversos fornecedores apresentam saldos de abertura credores e que ao longo do exercício, contabilisticamente, não foram liquidados, possivelmente por falta de meios líquidos disponíveis nos registos contabilísticos, uma vez que, um dos sócios, afirmou pagar as suas dívidas a fornecedores com regularidade;” (cf. ponto 3, da fundamentação de facto).
Trata-se de mais uma afirmação desconcertante, porque nada é especificado em concreto ou comprovado documentalmente no RIT sobre os alegados saldos de abertura credores em causa, pela especulação que nela se expressa sobre a “possível” “falta de meios líquidos” disponíveis, e porque se deixa registado que um dos sócios “afirmou pagar as suas dívidas a fornecedores com regularidade”, sem que se compreenda que diligências foram feitas no sentido do apuramento da veracidade desta afirmação…
Uma vez mais, perante a falta de concretização e substanciação do que é referido, é impossível averiguar a respetiva valia.
Prossegue-se referindo que “Foram solicitadas as guias de transporte utilizadas pela empresa, ao que inicialmente me foi referido que não existiam porque a empresa não as utilizava. Confrontado o sócio gerente da empresa com a indicação de que pelo menos cinco livros haviam mandado fazer, e depois de lhe demonstrar essa informação, aquele aludiu que teria que ir ver. Posteriormente, foram-me apresentados apenas três livros com numeração compreendida entre 201 e 350, isto é, os quatro primeiros livros não me foram apresentados;” (cf. ponto 3, da fundamentação de facto).
Novamente, esta afirmação não é consubstanciada com qualquer referência concreta, nem é contextualizada. Nada é dito sobre que guias de transporte se pretendiam analisar, e porquê; que informação continham os livros disponibilizados, e em que medida é que o facto de não se ter consultado parte da informação em questão impediu os SIT de proceder a uma quantificação aritmética da matéria coletável.
Prossegue o RIT referindo “6. Foram ainda efectuados diversos levantamentos, nomeadamente: a) as facturas emitidas com a indicação das respectivas obras facturadas; b) locais de descarga das matérias adquiridas. É de salientar que esta relação foi muito limitada, uma vez que não me foram apresentadas a totalidade das guias de remessa dos fornecedores e muitas das facturas de compra não incluem essa indicação. Acresce ainda, a existência de múltiplos documentos de transporte de matérias sem sequer possuírem o local de descarga; c) a partir dos documentos de deslocação e estada os locais onde persistem despesas com almoços; 7) Das análises efectuadas aos elementos referidos na alínea anterior, verificou-se: a) Persistem descargas de materiais em Pinheiro de Latões e Fataunços sem que se detecte qualquer serviço facturado nesses destinos; b) Estão contabilizadas despesas com almoços em Santa Cruz da Trapa, local onde também não existem serviços facturados;” (cf. ponto 3, da fundamentação de facto).
Uma vez mais, um conjunto de afirmações não concretizadas, que pela não materialização que as caracteriza se tornam impossíveis de apreciar. Que guias de remessa relevantes não foram apresentadas? Que faturas não incluíam a indicação das guias de remessa? Exatamente em que consistiu a limitação da “relação” em causa? Que documentos de transporte não identificavam o local de descarga? Exatamente que testes ou “análises” forma efetuadas pelos SIT aos elementos mencionadas? Como chegaram à conclusão de que existiam descargas sem correspondência em serviços faturados? Quais os montantes em causa?
Quanto à última asserção (ponto b), não pode deixar de se concordar com a aqui Recorrida quando ao seu desajuste, não se apreendendo qual a relevância da afirmação, totalmente descontextualizada, da existência de despesas contabilizadas “com almoços em Santa Cruz da Trapa, local onde também não existem serviços facturados”...
Continua o RIT afirmando-se “8) Ao nível dos inventários de produtos, em curso, uma vez que de matérias primas não existem, e relativamente aos inventários finais de 1996 e 1997, registam-se alguns dados curiosos; a) Os referidos inventários, não indicam ou descrevem a forma como foram obtidos os valores globais das obras, que constam de uma mera folha A4; b) O inventário de 1996, contempla, em relação à obra de A., em Vouzela, o montante de 1.500.000$. Contudo só em Novembro de 97 há uma factura dessa obra e o seu valor ascende a 1.059.829$, e; c) Inclui o valor de 2.500.000$, cuja obra é de A., para a qual existe uma factura datada de apenas Novembro de 97, de quantia igual a 2.722.222$, e; d) Uma obra em curso de 350.000$, facturada por igual valor em Novembro de 97; e) O inventário de 1996 ascende a 40,23% da facturação de 1997; f) O inventário de 1997 ascende a 41,41% da facturação de 1998, isto é o valor dos produtos em curso tem vindo a crescer quer em valor absolutos quer em valores relativos, para além de se apresentar com valores elevadíssimos face ao tipo e dimensão da empresa em questão; 9) As constatações tecidas na alínea anterior, contrastam significativamente com a afirmação feita pelo sócio gerente, que afirmou que iam facturando e recebendo à medida - que iam construindo;” (cf. ponto 3, da fundamentação de facto).
Uma vez mais, pergunta-se a que obras se referem os SIT na alínea a)? Que relevância em concreto e no conjunto dos elementos disponíveis têm as afirmações feitas nos pontos b) e c)? Que motivo, de natureza contabilística ou outra, para que a Recorrida esteja impedida de faturar duas obras distintas com o mesmo valor? Que relevância em concreto têm as circunstâncias referidas nas alíneas e) e f)? Quais os valores em causa?
E prossegue o RIT, afirmando-se “10) Relativamente à obra de A., esta apresenta-se facturada em Fevereiro. No entanto, persiste na contabilidade uma factura de serviços realizados para essa obra datada de 21.04.1997. Factura n.º 117 de C.;” (cf. ponto 3, da fundamentação de facto).
Novamente, pergunta-se, que serviços e valores em concreto estão em causa nas faturas mencionadas, e qual o motivo pelo qual a circunstância descrita é pertinente, no contexto financeiro da Recorrida, para que se conclua pela necessidade do recurso aos métodos indiciários? E ainda, em que medida esta circunstância constitui um obstáculo a uma correção aritmética da matéria coletável em causa?
Por fim, é afirmado que “A margem bruta declarada dista significativamente da média do sector, sem que haja aparentemente qualquer explicitação plausível”.
Quanto a este ponto, e para além da falta de concretização da afirmação, que não é materializada ou demonstrada, importa sublinhar que o afastamento da margem bruta declarada pelos contribuintes relativamente a médias do respetivo setor não era, como continua a não ser, um critério permitido pela lei para fundamentar o recurso à quantificação através de métodos indiciários.
De facto, o que resultava da lei é, como já vimos, que existe uma presunção de veracidade dos dados e apuramento decorrentes da contabilidade ou escrita dos contribuintes (cf. art. 78.º do CPT, norma a que veio a suceder o art. 75.º da LGT), que é afastada quando se verifique uma das patologias expressamente referidas, no caso, do n.º 1 do art. 51.º, do CIRC, na redação em vigor à data (a que corresponde o atual art. 57.º do CIRC, que remete para o disposto, neste caso, no art. 88.º da LGT).
Quanto uma destas circunstâncias se verificasse no caso concreto, estava a ATA habilitada a recorrer aos métodos indiciários para chegar à matéria coletável, depois de verificada a impossibilidade da sua determinação direta com recurso à contabilidade.
Ora, nenhuma das situações previstas na lei legitimava a Administração fiscal a fundamentar o recurso a avaliação da matéria coletável através de métodos indiciários num (alegado) afastamento dos índices financeiros da empresa relativamente a dados médios do setor.
O recurso a margens médias de lucro bruto ou líquido sobre as vendas era permitido, sim, mas enquanto critério ou índice relevante para suportar a quantificação indiciária [cf. alínea a) do art. 52.º do CIRC, na redação vigente à data, a que corresponde a atual alínea a) do n.º 1 do art. 90.º da LGT], depois de se apurar da impossibilidade de uma quantificação direta, mas já não para justificar o recurso à quantificação através do método indiciários.
De facto, o recurso a este critério permitiria, de forma enviesada, uma tributação “normal”, através de critérios objetivos, que não só suscitou intensa polémica entre a doutrina (críticos desta via de tributação normal, BASTO, José Xavier de – O Princípio da Tributação do Rendimento Real e a Lei Geral Tributária. Fiscalidade. Coimbra: Coimbra editora. N.º 5: (2001) janeiro, págs. 5-22; SANCHES, J.L. Saldanha – A LGT e a tributação segundo o lucro normal. Fiscalidade. Coimbra: Coimbra editora. N.º 15: (2003) julho, págs. 63-93) como nunca chegou a ser implementada, por falta de regulação, até aos dias de hoje, do disposto no n.º 2 do art. 89.º da LGT.
Em suma, o RIT não se encontra substancialmente fundamentado neste segmento, assim violando o disposto no n.º 2 do art. 51.º do CIRC.
Com efeito, não pode o Tribunal ficar refém de juízos conclusivos, e como tal, imperscrutáveis dos SIT, sendo certo que por todas as razões já aqui detalhadas, a excecionalidade do recurso aos métodos indiciários de quantificação da matéria coletável impõe um particular dever de fundamentação, no caso, substancial, da decisão da Administração fiscal, sob pena de a mesma se revelar, numa matéria de grande sensibilidade, insindicável.
Concluindo-se pela violação de lei da decisão, no segmento referente à decisão de recorrer aos métodos indiciários, fica prejudicado o conhecimento da questão relativamente ao erro de quantificação nos termos do disposto na primeira parte do n.º 2 do art. 608.º do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT, como foi já aqui referido.
Pelo exposto, deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se assim a sentença recorrida, ainda que com uma fundamentação diversa.
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No que diz respeito à responsabilidade por custas, em face do seu decaimento, a mesma cabe à Recorrente [cf. art. 466.º, n.ºs 1 e2 do CPC, renumerado 527.º na sua atual redação, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT].
Sucede que a impugnação judicial aqui em causa foi interposta em 2001-01-16, data em que vigorava o Regulamento das Custas dos Processos Tributários, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 29/98, de 11 de fevereiro, e entrado em vigor no dia 1998-02-12 (art. 10.º do DL 29/98), em cuja alínea a) do n.º 1 do art. 3.º foi consagrada a isenção subjetiva de custas do “Estado, incluindo os seus serviços e organismos, ainda que personalizados”.
Esta isenção deixou de ter consagração legal com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de dezembro no art. 2.º do Código das Custas Judiciais.
No entanto, aquele DL 324/2003 continha uma disposição transitória no seu art. 14.º, n.º 1, por força do qual as alterações ao Código das Custas Judiciais que introduziu apenas se aplicavam aos processos instaurados após a sua entrada em vigor, que ocorreu em 2004-01-01, nos termos do disposto no n.º 1, do seu art. 16.º.
Por sua vez, nos termos do disposto no art. 27.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 34/2008 de 26 de fevereiro, que aprovou o Regulamento das Custas Processuais (RCP), quanto à respetiva aplicação no tempo, a Fazenda Pública continuou a beneficiar da referida isenção, o mesmo se verificando atualmente, após a entrada em vigor das alterações introduzidas ao RCP pela Lei n.º 7/2012 de 13 de fevereiro, a qual, no n.º 4 do respetivo art. 8.º, prevê que: “Nos processos em que as partes se encontravam isentas de custas, (...), e a isenção aplicada não encontre correspondência na redação que é dada ao Regulamento das Custas Processuais pela presente lei, mantém-se em vigor no respetivo processo, a isenção de custas.”
Assim sendo, e embora responsável pelas custas, em face do seu total decaimento, a Fazenda Pública encontra-se isenta do respetivo pagamento, na 1.ª instância, e no presente recurso.
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Conclusão:
Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva:

O ato que determina o recurso aos métodos indiciários para o cálculo da matéria coletável tem necessariamente de conter a respetiva fundamentação substancial, ou seja, os seus pressupostos reais e corretos, sob pena de ficar vedada a sua apreciação contenciosa.
Em causa está um vício do ato que é material e não formal.

III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso, e em consequência manter a sentença recorrida, ainda que com uma fundamentação distinta.
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Custas pela Fazenda Pública, sem prejuízo da isenção subjetiva de que beneficia.
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Porto, 28 de janeiro de 2021

Margarida Reis (relatora) - Cláudia Almeida – Paulo Moura.