Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02254/10.5BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/13/2014
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Cristina Flora
Descritores:TAXA DE PUBLICIDADE,
COMPETÊNCIA DA EP
Sumário:Depois da entrada em vigor da Lei nº 97/88, a EP – ESTRADAS DE PORTUGAL, S.A deixou de ter competência para liquidar taxas pelo licenciamento de afixação de mensagens publicitárias, uma vez que a sua intervenção se limita à emissão de parecer, obrigatório e não vinculativo, no âmbito do procedimento de licenciamento, da autoria das câmaras municipais, nos termos do disposto no art. 2º, nº 2, da Lei nº 97/88.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:EP..., S.A. e T..., S.A.
Recorrido 1:T..., S.A. e EP..., S.A.
Decisão:Concedido provimento ao recurso de T..., S.A.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RELATÓRIO

T…– ..., S.A., impugnante nos autos, e EP – ..., S.A. impugnada nos autos, vêm apresentar recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Braga, que julgou parcialmente procedente a impugnação apresentada da taxa devida à “EP – ..., S.A.”, referentes a afixação de painéis publicitários, nos anos de 2007, 2008, 2009 e 2010, no valor de € 2.725,92.
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A Recorrente T... – ..., S.A. apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:

I) DA COMPETENCIA DA ENTIDADE IMPUGNADA PARA A LIQUIDAÇÃO DA TAXA:

1. A competência para licenciar a afixação de publicidade exterior, inclusive em áreas da jurisdição das EP..., S.A., pertence às Câmaras Municipais que através do órgão Presidente da Câmara detém o poder de licenciar ou autorizar a afixação de toda e qualquer publicidade, situada no âmbito do território do Município, resultando desse procedimento de licenciamento a emissão da licença para afixação de publicidade com a cobrança da respectiva taxa – cfr. n.º 1 do art.º 2. da Lei n.º 97/88 de 17/08.
2. A Lei n° 97/88, sem ter revogado o artigo 10°, n° 1, alínea b), do Decreto-lei n.º 13/71 - até por ser aqui delimitada a zona de jurisdição da EP em 100 m para além da zona non edificandi - reduziu o seu âmbito pois deixa de aplicar-se às situações reguladas na nova lei (toda a publicidade e propaganda no espaço público, exceto em imóveis do domínio público). Ocorreu, assim, apenas uma derrogação, pois que a nova lei trata de forma diversa a mesma matéria.
3. A Lei n° 97/88 não constitui lei geral, em face do Decreto-lei n.º13/71.
4. A única leitura plausível que concilia o disposto na Lei n° 97/88 com o disposto no Decreto-lei n.º 13/71 é a de considerar que a extinta JAE interviria com um parecer sobre a publicidade afixada ou inscrita nas áreas onde apenas dispusesse de jurisdição (zona de proteção à estrada). Já, ao invés, nas áreas onde dispusesse de poderes dominiais (zona de estrada, entendida, segundo o artigo 2.° do Decreto-lei n.° 13/71, de 23 de janeiro, como a faixa de rodagem, bermas, valetas, passeios, banquetas, taludes, pontes, viadutos e terrenos para alargamento, para estacionamento, miradouros ou áreas de serviço) faria sentido uma licença dominial, inteiramente diversa da licença municipal.
5. Desta interpretação resulta que a licença e a autorização identificadas no art. 10.º, n.° 1, alínea b), do DL n.° 13/71 terão ficado circunscritas às situações de publicidade afixada ou instalada no próprio domínio público rodoviário (a estrada, suas obras de arte e bermas). Aliás, só assim se pode admitir que a taxa prevista no artigo 15.º, n.º 1, alínea j), do DL n.° 13/71, de 23.01, na redação do DL n.° 25/2004, de 24.01, tenha uma base ad valorem, ou seja, calculada a partir da superfície dos suportes publicitários, pois que, nestes casos, a taxa incide sobre o uso privativo de um bem do domínio público.
6. A Câmara Municipal é, neste quadro, o único e exclusivo órgão com competências executivas e decisórias, assumindo a intervenção da ... SA um carácter meramente consultivo.
7. O art. 15.º do DL 13/71 de 23.01 (com a redacção introduzida pelo DL 25/2004) prevê a aplicação de taxas em situações dependentes de um acto de “autorização ou licença” pela ..., S.A., “sem prejuízo de legislação específica”. O art. 11.º da Lei nº 97/88 de 17 de Agosto determina que a execução daquela lei deverá ser regulada pelos regulamentos camarários necessários.
8. O “Regulamento de Publicidade do Município de Mealhada” fixar os critérios a que deve obedecer o licenciamento da publicidade de natureza comercial e o procedimento administrativo de emissão das respectivas licenças e é elaborado ao abrigo do disposto no art.º 11.º da citada lei e do art.º 241.º da Constituição da Republica Portuguesa.
9. Uma vez que a taxa aqui discutida encontra-se regulada por “legislação específica”, fica afastada a aplicabilidade, no presente caso, o disposto no art. 15.º DL 13/71 de 23.01.
10. A douta decisão sob recurso tendo fundamentado a sua decisão sob a análise da legitimidade genérica da Recorrida em exigir uma taxa pela afixação dos painéis publicitários, não se debruçou sobre o caso concreto, ou seja, sobre o facto de a liquidação, objecto de impugnação, incidir não sobre o ano da emissão do Parecer ou Licença, mas sobre os anos subsequentes, calculando, assim, as respectivas taxas ao ano, em função da superfície, de forma retroactiva.
11. Sem licença, não pode ser liquidada a taxa: se o período a que reporta a licença já decorreu integralmente, a licença representa um acto cujo objeto é impossível e, por conseguinte, a liquidação da taxa é também um ato inválido.
12. O DL n.° 13/71, de 23.01 não estipula a caducidade da licença a que se refere o art. 10.° do DL n.° 13/71, de 23.01, nem tão pouco, a regra de anualidade, destas licenças. É, na verdade, o Decreto-lei n.°13/71, de 23.01 totalmente omisso quanto ao prazo de validade dos actos de licenciamento de afixações ou inscrições publicitárias.
13. Por seu turno, o art. 2.° do DL n.° 25/2004, de 24.01 limita-se a prever uma actualização anual do montante das taxas aplicáveis, a concretizar por portaria, mas nada determina ou define sobre a natureza e regime jurídico das licenças.
14. A EP-..., S.A. desde que se tornou concessionária geral rodoviária, deixou de ter poderes para deferir as licenças previstas no Decreto-lei n.° 13/71, de 23 de janeiro e, por conseguinte, perdeu a competência para liquidar as correspondentes taxas, atento o disposto nas Base n.° 2, §2 e §3 do DL n.º 380/2007, de 13.11, quanto ao objeto da concessão.
15. A EP, S.A. apenas dispõe de direitos sobre as receitas previstas na Base 3 do Contrato de Concessão (alíneas a) a d)), ou outros montantes desde que se encontrem previstos na lei (Base 3, alínea e). Esta última previsão não inclui as competências de autorização e licenciamento atribuídas à antiga JAE (e depois ao IEP e à EP, EPE) as quais desapareceram com a transformação da EP-..., E.P.E. em sociedade anónima e com a atribuição da concessão geral rodoviária à mesma empresa.
16. No sentido da ilegalidade das taxas aqui discutidas foi proferido Parecer redigido pelo Ex.mo Senhor Provedor de Justiça, sob a Recomendação n.º 5/A/2012 junto aos autos pela Impugnante a fls (…).
II) DA INCONSTITUCIONALIDADE, POR A TAXA COBRADA CONSUBSTANCIAR ANTES UM IMPOSTO:
17. O tributo sindicado que foi liquidado à Impugnante referente a anúncio publicitário aqui descrito tem a natureza de imposto cuja criação ofende os arts.103°, n.°2 e 165, n° l, al. i) da Constituição da República Portuguesa.
18. O carácter de bilateralidade da taxa tem de estar presente aquando da concreta fixação do seu valor; como bem tem salientado o Tribunal Constitucional, tem de resultar uma conexão entre o montante da taxa e a prestação que lhe corresponde.
19. A projecção do princípio da proporcionalidade no caso das taxas reclama que, na fixação da mesma, o montante da vantagem ou dos custos não sejam manifestamente excedidos.
20. A taxa sub judice está manifestamente desligada, quanto ao seu montante, da actividade desenvolvida pela entidade que cobra a dita taxa. Desde logo, é violador de todas as asserções supra expostas o facto de o valor a apurar, calculado nos termos do disposto no art. 15.º do já citado DL 25/2004, seja o mesmo quando cabe à ..., S.A. o licenciamento e quando lhe cabe apenas emitir o supra referido parecer.
21. No caso, a entidade que emitiu a licença de publicidade (a Câmara Municipal de Mealhada) teve uma maior intervenção e, portanto teve de afectar mais recursos, do que a entidade que intervém a titulo consultivo, limitando-se a emitir um parecer. No entanto, a entidade que, no âmbito deste procedimento, se limita a emitir um parecer cobra, como contrapartida do serviço prestado, um valor dez vezes superior à taxa cobrada pela entidade que emite a necessária licença.
22. É igualmente violador do principio da proporcionalidade que o cálculo da taxa se faça em função do metro quadrado do objecto publicitário.
O cálculo da taxa por metro quadrado seria adequado e proporcionado se estivesse em causa a utilização de bens de domínio público, visto que exprime a medida dessa ocupação, mas não quando está em causa a prestação de um serviço, porque a contraprestação específica é aqui medida a partir do custo do serviço respectivo.
23. No presente caso, a desproporção entre o tributo e o serviço é tal que se pode dizer que aquele se desligou completamente deste último, tornando-se, em boa verdade, uma receita abstracta.
24. A tributação não teve aqui por escopo, assegurar a remuneração de qualquer serviço relacionado com a emissão da autorização mas pura e simplesmente obter financiamento para a prossecução das suas atribuições gerais. Sendo este valor manifestamente desproporcionado, completamente alheio ao custo do serviço prestado, então, a "taxa" deve ser encarada como verdadeiro imposto, na medida em que fica prejudicada a correspectividade exigida às taxas.
25. A taxa pressupõe a existência de uma contraprestação específica, que exprime a sua bilateralidade. Neste quadro insere-se, também um limite à adopção de uma taxa: esta só se justifica enquanto essa contraprestação específica existe e na medida em que existe.
26. Inexiste, no caso, uma relação de correspectividade entre a actividade correspondente à renovação de licença, de natureza momentânea e um tributo que é cobrado anualmente, sem qualquer novo procedimento, a título de renovação de licença.
27. O art. 15.º da DL n.º 13/71 de 23.01, com a redacção introduzido pelo DL 25/2004 de 24.01 enferma do vício de inconstitucionalidade, porquanto estabelece um verdadeiro imposto sem estar habilitado por competente autorização legislativa, ofendendo, por isso, os arts. 103°, n.°2 e 165, n° l, al. i), todos, da Constituição da República Portuguesa.
III) DO ERRO SOBRE OS PRESSUPOSTOS DE FACTO
28. Decidindo o Tribunal ad quo que o acto sob impugnação padecia de vicio de erro sobre os pressupostos, absteve-se, no entanto, de declarar a anulabilidade do acto sob impugnação.
29. O erro nos pressupostos de facto constitui uma das causas de invalidade do acto administrativo, consubstanciando um vício de violação de lei que configura uma ilegalidade de natureza material.
30. A anulação do acto (consequência da verificação do erro) reporta-se a um desvalor da actividade administrativa, com o qual o princípio da legalidade não pode conviver, mesmo em nome da segurança e da estabilidade como acontece no regime-regra da anulabilidade.
31. O erro nos pressupostos de facto para deixar de produzir os seus efeitos exigiria uma nova actividade da Administração e não do Tribunal na escolha dos pressupostos de facto verdadeiros, não se podendo este último substituir àquela primeira nesse domínio.
32. O princípio do aproveitamento do acto administrativo, qualquer que seja o seu alcance, está ligado ao conteúdo jurídico do acto, aos seus pressupostos de direito, não podendo ser invocado quando se apurou que o acto contenciosamente impugnado padece de erro nos pressupostos em que assenta.
33. Decretada a anulação da liquidação com base em erro nos pressupostos de facto, ao Tribunal ao quo estava vedado emitir qualquer outra pronúncia sobre o mesmo que, afinal, até já nem tinha existência jurídica.
34. A decisão sob recurso não se pode manter, pois foram as disposições legais citadas supra.
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A Recorrente EP – ..., S.A. apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:

I - A Impugnante veio pedir ao tribunal a quo que anula-se o ato de liquidação da taxa por aquela incidir sobre 12 m2, quando o tamanho real do painel seria de 11 m2, existiria, assim, erro sobre os presupostos de facto.
II - O tribunal deu como assente que as dimensões dos painéis publicitários eram de 5,76 x 0,96 x 2 painéis (cfr: alínea A) dos factos provados).
III – Deste modo, o tribunal considerou que o valor global da área objeto da liquidação seria de 11 m2, quando na realidade é de 11,05 m2.
IV - Efetivamente, a área total dos dois painéis com as dimensões de 5,76 x 0,96, cada, é de 11,0592 m2.
V -Tendo em conta que, nos termos do disposto na alínea j), do n.º 1, do artigo 15.º do DL 13/71 de 23 de janeiro, atualizado pelo DL 25/2004 de 24 de janeiro, a taxa incide sobre cada metro quadrado ou fração dos mesmos, a Impugnada, para efeitos de liquidação, considerando aqueles 05 cm2 como fração, aplicou a taxa sobre 12 m2, nos quais se inclui a fração.
VI - Portanto, a dimensão real dos painéis é de 11,05 m2, sendo que para efeitos de liquidação da taxa a mesma incide sobre os metros quadrados (11 m2) e a fração (5 cm2), ou seja, no total de 12 m2.
VII - Assim, quer a Impugnante, quer o tribunal não consideraram na liquidação a fração de 5 cm2, o que contraria o disposto na alínea j), do n.º 1, do artigo 15.º do DL 13/71.

Finaliza peticionado: “NESTES TERMOS,
E nos que V. Ex.as mui doutamente suprirão, deverá ser revogada a sentença recorrida no segmento que determinou a anulação das taxas impugnadas na parte em que o valor da incidência de tributação excede os 11 m2, e, em consequência, fixou a liquidação em 2.498,76€, mantendo-se válida a liquidação notificada pela Impugnada no valor de 2.725,92€.”.
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Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso da T... – ..., S.A, e dar provimento ao recurso da EP – ..., S.A..
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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As questões invocadas pelas Recorrentes nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir são as seguintes:

_ Erro de julgamento (de direito) uma vez que a ‘EP’ não dispõe de poderes para conceder autorização ou licença para implantação de tabuletas e objectos de publicidade nem para liquidar e cobrar a taxa prevista no DL nº 13/71;
_ Erro de julgamento (de direito) por a taxa aplicada ser um imposto, pelo que viola o disposto nos arts.103°, n.°2 e 165, n° l, al. i) da Constituição da República Portuguesa;


_ Erro de julgamento (de direito) uma vez que decretada a anulação da liquidação com base em erro nos pressupostos de facto, o Tribunal a quo estava vedado emitir qualquer outra pronúncia sobre o mesmo que, afinal, até já nem tinha existência jurídica;
_ Erro de julgamento (de direito) por a sentença recorrida não ter considerado na liquidação a fracção de 5 cm2, o que contraria o disposto na alínea j), do n.º 1, do artigo 15.º do DL 13/71.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Matéria de facto

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

“A) A 18.06.2002, a impugnante deu entrada junto da Câmara Municipal de Mealhada de um requerimento para afixação de publicidade de dois painéis indicando as seguintes características: 5,76 COMP. X 0,96 x 2 painéis, com a inscrição “T...”no lugar de Lamarão, Estrada Nacional n.º 1, Carqueijo, Mealhada – cfr. fls. 2 a 5 do PA.;
B) A Direção de Estradas de Aveiro, a quem sucedeu a atual Delegação Regional da ..., emitiu parecer condicionado à autorização por parte destes serviços – cfr. fls. 6 do PA.;
C) Aquela autorização ficou condicionada ao pagamento da taxa aplicável ao abrigo da alínea j) do n.º 1 do Artigo 15º do Decreto-Lei n.º 13/71 de 23 de Janeiro, com a atualização introduzida pelo Decreto-Lei n.º 25/2004, de 24.01 – cfr. fls.
D) A 23.10.2007, a impugnante informou que procedeu ao pagamento da renovação da licença junto da Câmara Municipal da Mealhada – cfr. fls. 9 a 12 do PA.;
E) A impugnante não regularizou a situação junto da EP – cfr. fls. 9 a 13 do PA.;
F) A 14.12.2007, atendendo à suscetibilidade de autorização da publicidade afixada, a EP notificou a impugnante para regularizar a mesma, acompanhadada liquidação da respetiva taxa, bem como da decisão para efetuar o seu pagamento – cfr. fls. 13 e 14 do PA.;
G) A 14.06.2010, os serviços de fiscalização da EP – ... verificaram, na EN 1 ao KM 203,000 E, a existência de dois painéis de publicidade implantada pertencente à impugnante – cfr. fls. 15 do PA.;
H) A 18.06.2010, a “EP, ..., S.A.”, notificou a impugnante para proceder ao pagamento da taxa do valor de € 2.725,92, referente aos anos de 2007, 2008, 2009 e 2010, ou exercer o direito de audição prévia – cfr. fls. 16 a 18 do PA, aqui reproduzidas para todos os efeitos legais, ressaltando o seguinte:

(…).
Assunto: Intimação por colocação de publicidade
Local: EN 1 ao Km 203,000-E
Processo de licença n.º 21/2002
Taxa: Ano de 2007/2008/2009/2010
No âmbito do processo de licenciamento de publicidade acima indicado, foi emitido parecer, associado à autorização concedida pela EP – ..., S.A., remetido à Câmara Municipal da Mealhada com referência n.º 4909 de 16-08-2002, a condicionar a referida autorização ao pagamento da taxa aplicável ao abrigo da alínea j) do n.º 1 do Artigo 15º do Decreto-Lei n.º 13/71 de 23 de Janeiro, (…), conforme cópia que se junta.
Em 14 de Dezembro de 2007, foram V. Exas notificados para legalização e regularização processual, sucede que não foi efectuada a liquidação anual da taxa de publicidade, verificando-se, apesar disso, a sua colocação em 2010.
Assim, fica V.ª Ex.ª notificado para efectuar o pagamento do valor de 2.725,92 € referente ao ano de 2007, 2008, 2009 e 2010 junto destes Serviços (…).”;
I) A 1.07.2010, a impugnante exerceu por escrito o direito de audição – cfr. fls. 19 a 31 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os legais efeitos;
J) A 14.07.2010, a EP, ..., S.A.”, notificou a impugnante nos seguintes termos:

(…).
Assunto: Processo de licença n.º 21/2002
EN 1 AO Km 203,000-E
Taxa anual – 2007/2008/2009/2010
No exercício do direito de audição prévia vieram V. Ex.as alegar a ilegitimidade da EP na cobrança daquela verba, por tal poder se encontrar atribuído à Câmara Municipal da Mealhada.
(…).
A legitimidade da EP para cobrar a taxa pela implantação ou afixação de publicidade em áreas sob a sua jurisdição, (…), é-lhe conferida, por vários diplomas legais, (…), pelo que a dúvida da sua legitimidade não prevalece.
Relativamente à interferência de duas entidades distintas no mesmo procedimento, ela resulta das diferentes atribuições que cada uma destas entidades assegura.
(…).
Deste modo, os serviços prestados pelas Câmaras e pela EP, S.A. não são os mesmos e não se pode confundir.
Assim, ficam V. Exas notificados para efectuarem o pagamento do valor de € 2.725,92, referente aos anos de 2007, 2008, 2009 e 2010, exigível nos termos do disposto na alínea j) do n.º 1 do Artigo 15º do Decreto-Lei n.º 13/71 de 23 de Janeiro, (…).” – cfr. fls. 32 a 34 do PA, aqui reproduzidas para todos os efeitos legais;
K) A 26.07.2010, a impugnante apresentou recurso hierárquico – cfr. fls. 35 a 41 do PA., cujo teor se dá por reproduzido;
L) A 15.09.2010, por decisão do Conselho de Administração da “EP”, foi o recurso hierárquico indeferido – cfr. fls. 43 a 49 do PA, cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.”

2. Do Direito

Conforme resulta dos autos, a sentença recorrida entendeu que a EP – ..., S.A. detém competência para a liquidação da taxa em causa nos autos, que aquela taxa é conforme com os preceitos constitucionais e que inexiste o abuso de direito, pelo que, relativamente a estes fundamentos, julgou improcedente o pedido da Impugnante T... – ..., S.A.. Porém, na parte referente ao erro no cálculo da taxa, a sentença recorrida julgou procedente a impugnação, determinando, no entanto, a anulação das taxas impugnadas, mas apenas na parte em que o valor da incidência de tributação excede os 11 m2, valor real dos painéis publicitários.

Neste contexto, quer Impugnante T... – ..., S.A. quer a Impugnada EP – ..., S.A, apresentaram recurso da sentença do TAF de Braga por não se conformarem com a mesma.

Comecemos então, por apreciar se a “EP- ..., S.A. dispõe, ou não, de poderes para conceder autorização ou licença para implantação de tabuletas e objectos de publicidade e, por conseguinte, para liquidar e cobrar a taxa em causa nos autos.

No acórdão da 2.ª Secção do Contencioso Tributário do STA de 26/6/2013, processo nº 0232/13, cuja fundamentação sufragamos na íntegra, escreveu-se o seguinte:

“3.1. O art. 1º do Decreto-Lei nº 13/71, de 23 de Janeiro, que veio regulamentar a jurisdição da Junta Autónoma das Estradas em relação às estradas nacionais, estabeleceu que tal área de jurisdição abrangia, para além da “zona da estrada” (englobando a faixa de rodagem, as bermas, as valetas, os passeios, as banquetas ou taludes, pontes e viadutos), a denominada “zona de protecção à estrada” (constituída pelas faixas com servidão non aedificandi e pelas faixas de respeito) - arts. 1º a 3º. Diz expressamente o art. 3º do Decreto-Lei nº 13/71 que a zona de protecção à estrada nacional é constituída pelos terrenos limítrofes em relação aos quais se verificam:
a) Proibições (faixa designadamente com servidão non aedificandi;
b) Ou permissões condicionadas à aprovação, autorização ou licença da Junta Autónoma de Estradas (faixas de respeito)”.
O art. 8º, sob a epígrafe, “Proibições em terrenos limítrofes da estrada”, dispõe que é proibida a construção, estabelecimento, implantação ou produção de “Tabuletas, anúncios ou quaisquer objectos de publicidade, com ou sem carácter comercial, a menos de 50 m do limite da plataforma da estrada ou dentro da zona de visibilidade, salvo no que se refere a objectos de publicidade colocados em construções existentes no interior de aglomerados populacionais e, bem assim, quando os mesmos se destinem a identificar instalações públicas ou particulares.”
Por sua vez, segundo o disposto no art. 10º, nº 1, alínea b), depende da aprovação ou licença da Junta Autónoma da Estrada, a “Implantação de tabuletas ou objectos de publicidade, comercial ou não, numa faixa de 100 m para além da zona non aedificandi respectiva”.
Em face do quadro legal exposto, a questão essencial a decidir é a de saber se a recorrente mantém competência para liquidar taxas de publicidade, em especial nas situações referenciadas no art. 10º, nº 1, alínea b), do Decreto-Lei nº 13/71, de 23 de Janeiro, sobretudo depois da entrada em vigor da Lei nº 97/88, de 17 de Agosto.
Este diploma, que sucedeu ao Decreto-Lei nº 637/76, de 29 de Junho, veio definir o enquadramento geral da publicidade exterior, sujeitando-a a licenciamento municipal prévio e remetendo para as câmaras municipais a tarefa de definir, à luz de certos objectivos fixados na lei, os critérios que devem nortear os licenciamentos a conceder na área respectiva.
Embora o diploma não revogue expressamente o Decreto-Lei nº 13/71 nem sequer algumas das suas normas, a verdade é que aquela lei veio universalizar a licença municipal de afixação ou instalação de publicidade no espaço exterior, dizendo expressamente que esta depende do licenciamento prévio das autoridades competentes (nº 1 do art. 1º da Lei nº 97/88).
Por seu turno, diz o nº 2 que “Sem prejuízo de intervenção necessária de outras entidades, compete às câmaras municipais, para salvaguarda do equilíbrio urbano e ambiental, a definição dos critérios de licenciamento aplicáveis na área do respectivo concelho”.
No preceito seguinte (art. 2º), sob a epígrafe “Regime de licenciamento”, refere no seu nº 1 que o pedido de licenciamento é dirigido ao presidente da Câmara Municipal da respectiva área, devendo, nos termos do estatuído no nº 2, “A deliberação da câmara municipal deve ser precedida de parecer das entidades com jurisdição sobre os locais onde a publicidade for afixada, nomeadamente do Instituto Português do Património Cultural, da Junta Autónoma das Estradas, da Direcção-Geral de Transportes Terrestres, da Direcção de Turismo e do Serviço Nacional de parques, Reservas e Conservação da Natureza.”
Confrontando o teor deste preceito com o expressamente consagrado no art. 10º, nº 1, alínea b), do Decreto-Lei nº 13/71, facilmente se conclui que os preceitos estão em contradição na parte em que este último comete à recorrente, na área de jurisdição correspondente a 100 metros para além da zona non aedificadi, a competência para a aprovação ou licença, enquanto que o nº 2 do art. 2º da Lei nº 97/88 degrada essa intervenção na mesma matéria à mera emissão de parecer obrigatório.
Poderá dizer-se que constituindo a Lei nº 97/88 lei geral, em face do Decreto-Lei nº 13/71 que, pelo seu turno, consubstancia um regime especial, estaria afastada a possibilidade de este ser revogado por aquela lei.

Acontece que no caso de contradição entre normas da mesma hierarquia, a regra vai no sentido de que lex specialis derrogat legi generali ainda que esta seja posterior, excepto, neste caso, “se outra for a intenção inequívoca do legislador” (Cfr. Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 7ª reimpressão, Almedina, Coimbra, 1994, p. 170.).
Ora, afigura-se que a Lei nº 97/88 pretende de forma inequívoca regular a afixação e inscrição de mensagens de publicidade e propaganda atribuindo o licenciamento de forma universal às câmaras municipais, na área do respectivo concelho, sem prejuízo da intervenção obrigatória, através da emissão do respectivo parecer, por parte de entidades com jurisdição exclusiva para defesa de interesse públicos específicos que têm de ser tidos em conta na emissão de licença final pelo respectivo município.
(…)
3.2. Em primeiro lugar, o parecer a que se refere o nº 2 do art. 2º da Lei nº 97/88 não é vinculativo, mas tão só obrigatório. Nas palavras de VIEIRA DE ANDRADE (Lições de Direito Administrativo, 2ª ed., Imprensa da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2011, p. 146.), os pareceres “enquanto avaliações jurídicas ou técnicas”, são obrigatórios ou facultativos, conforme tenham ou não de ser solicitados pelo órgão instrutor, e são vinculantes ou não vinculantes, conforme tenham, ou não, de ser seguidos pelo órgão decisor. E o autor termina dizendo que “os pareceres previstos em normas jurídicas são, salvo disposição expressa em contrário, obrigatórios e não vinculantes”.
Aplicando a doutrina mencionada ao caso dos autos, temos de concluir que os pareceres a que se refere o nº 2 do art. 2º da Lei nº 97/88 são obrigatórios mas não vinculativos.

Em segundo lugar, tratando-se de um parecer, ainda que obrigatório, o mesmo não se confunde com a figura da autorização nem da licença. Ao contrário dos pareceres que integram a categoria dos actos jurídicos instrumentais, mais propriamente instrutórios, na medida em que visam a assegurar a constituição de actos administrativos, as autorizações são, tal como as licenças, verdadeiros actos administrativos em sentido estrito (Cfr. VIEIRA DE ANDRADE, ob. cit., p. 142 e p.145.), embora com conteúdos diferentes.
As autorizações em sentido amplo são, segundo VIEIRA DE ANDRADE (Cfr. ob. cit., p. 145.), actos administrativos favoráveis porque conferem ou ampliam direitos ou poderes “administrativos” ou extinguem obrigações, distinguindo-se as autorizações propriamente ditas das licenças. As primeiras, também conhecidas por autorizações permissivas, caracterizam-se por permitirem “o exercício pelos particulares da actividade correspondente a um direito subjectivo pré-existente, apenas condicionado pela lei a uma intervenção administrativa”, destinada a remover um obstáculo por ela imposto. As segundas, também denominadas autorizações constitutivas, destinam-se a constituir “direitos subjectivos em favor dos particulares em áreas de actuação sujeitas a proibição relativa (preventiva) pela lei, uma vez acautelada no caso concreto a não lesão do interesse que justificou a proibição legal”.
Em face do exposto, a tese da recorrente conduziria ao absurdo de sobre a mesma situação recair simultaneamente uma autorização e uma licença que, embora da autoria de entidades diferentes, visaria o mesmo resultado: permitir (ou conferir o direito) à afixação ou inscrição de mensagens de publicidade comercial. O que conduziria a que duas entidades públicas tivessem competência para liquidar taxas sobre a mesma realidade fáctica, situação muito próxima da duplicação de colecta, proibida no art. 205º do CPPT.

Ora, o que a Lei nº 97/88 veio dizer, e é aceite pela recorrente, é que a afixação ou inscrição de mensagens publicitárias de natureza comercial depende do licenciamento prévio dos municípios, precedido de parecer das entidades com jurisdição sobre os locais onde a publicidade for afixada. O que significa que o legislador quis sujeitar a afixação de publicidade a um acto de licenciamento dos municípios e não a mera autorização, acto que tem de ser instruído com o parecer das autoridades com jurisdição nos locais de afixação da publicidade. Por esta via, o legislador consegue harmonizar os interesses visados pelos municípios, consistentes na salvaguarda do equilíbrio urbano e ambiental e, ao mesmo tempo, a segurança do trânsito das estradas nacionais. Todavia, segundo este modo de ver as coisas, existe apenas uma única entidade competente para o licenciamento e não duas como pretende a recorrente.
Em suma, em face de tudo o quanto vai exposto, é patente que a resposta à questão que vem posta não exige que se tome posição sobre o problema de saber até que ponto o Decreto-Lei nº 13/71 se encontra ou não revogado, nem tão pouco sobre se as áreas de jurisdição da recorrente consagradas no mencionado diploma ainda se mantêm ou não.
No caso em apreço, a questão sub judice traduz-se apenas em aferir da legalidade da liquidação de taxas de publicidade aplicadas às recorridas, nos termos da alínea j) do nº 1 do art. 15º do Decreto-Lei nº 13/71, de 23 de Janeiro, e actualizadas pelo Decreto-Lei nº 25/2004, de 24 de Janeiro. E o que se conclui é que, depois da entrada em vigor da Lei nº 97/88, a recorrente deixou de ter competência para liquidar taxas pelo licenciamento de afixação de mensagens publicitária, uma vez que a sua intervenção se limita à emissão de parecer, no âmbito do procedimento de licenciamento, da autoria das câmaras municipais, nos termos dos disposto no art. 2º, nº 2, da Lei nº 97/88.».

Sublinhe-se que a questão que ora nos ocupa, da competência da EP – ..., S.A, para a liquidação e cobrança de taxas por afixação ou instalação de publicidade exterior na zona de protecção das estradas nacionais, após o início da vigência da Lei nº 97/88, de 17/8, tem sido objecto de abundante jurisprudência do STA no sentido da competência exclusiva das câmaras municipais para o licenciamento de publicidade comercial nas áreas dos respectivos concelhos, precedida de parecer prévio da EP – ..., S.A. (vide, Acórdãos da 2.ª Secção de Contencioso Tributário de 4/6/2014, no processo n.º 01730/13, de 2/7/2014, processos N.º 492/14, n.º 605/14, 615/14 e 653/14, de 10/09/2014, processos n.ºs 079/14 e 319/14 (na vertente da tributação do licenciamento); e ainda Acórdãos da 1.ª Secção de Contencioso Administrativo (na vertente do próprio licenciamento, «a se»), entre muitos outros, em 15/5/2014, nos procs. nºs. 0133/14, 0135/14, 0140/14, 01516/13; e em 29/4/2014, no proc. nº 073/14).

Deste modo, sufragamos a jurisprudência supra citada, que tem sido uniforme e reiteradamente aplicada, e nessa medida, há que concluir que, por força, do Decreto-Lei n.º 637/76, de 29 de Junho, e, posteriormente, da Lei n.º 97/88, de 17 de Agosto (art. 2.º, n.º 2), o art. 10.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de Janeiro, na parte em que exigia a aprovação ou licença da Junta Autónoma das Estradas, foi derrogado, e essa exigência limita-se à emissão de parecer.

Por força dos mencionados diplomas, o licenciamento da afixação e inscrição de mensagens de publicidade passou a ser atribuído às câmaras municipais, sem prejuízo da intervenção obrigatória, através da emissão do respectivo parecer, por parte de determinadas entidades, que embora não vinculativo, têm de ser tidos em consideração na emissão de licença final.

Em suma, depois da entrada em vigor da Lei nº 97/88, a EP – ..., S.A deixou de ter competência para liquidar taxas pelo licenciamento de afixação de mensagens publicitárias, uma vez que a sua intervenção se limita à emissão de parecer, obrigatório e não vinculativo, no âmbito do procedimento de licenciamento, da autoria das câmaras municipais, nos termos do disposto no art. 2º, nº 2, da Lei nº 97/88.

Por conseguinte, o recurso da Recorrente T... – ..., S.A. merece provimento, devendo a sentença ser revogada, e julgar-se totalmente procedente a impugnação, e em consequência, anulando-se totalmente as liquidações impugnadas com o fundamento supra, e deste modo, fica prejudicado o conhecimento dos demais fundamentos dos recursos, nos termos do disposto no nos termos do disposto no art. 608.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi art. 663.º, n.º 2 do CPC.



3. Sumário do acórdão

Depois da entrada em vigor da Lei nº 97/88, a EP – ..., S.A deixou de ter competência para liquidar taxas pelo licenciamento de afixação de mensagens publicitárias, uma vez que a sua intervenção se limita à emissão de parecer, obrigatório e não vinculativo, no âmbito do procedimento de licenciamento, da autoria das câmaras municipais, nos termos do disposto no art. 2º, nº 2, da Lei nº 97/88.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso interposto pela Recorrente T... – ..., S.A., revogando-se a decisão recorrida.
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Custas pela Recorrida, em ambas as instâncias.
D.n.
Porto, 13 de Novembro de 2014.
Ass. Cristina Flora
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos