Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00755/08.4BEPNF |
Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
Data do Acordão: | 03/04/2010 |
Relator: | Francisco Rothes |
Descritores: | CADUCIDADE DO DIREITO DE OPOSIÇÃO - CITAÇÃO - CARTA REGISTADA COM AVISO DE RECEPÇÃO - DÉFICE INSTRUTÓRIO |
Sumário: | I - O prazo geral para a dedução de oposição à execução fiscal é de trinta dias a contar da citação pessoal (cf. art. 203.º, n.º 1, alínea a), do CPPT). II - A citação, quando é efectuada por carta registada com aviso de recepção, tem o valor de citação pessoal, desde que, entre o mais, o aviso de recepção da correspondência remetida para a morada do citando se mostra assinado pelo destinatário ou por alguém que tenha sido encontrado na sua residência (cf. arts. 233.º, n.º 2, e 236.º do CPC, aplicáveis ex vi do art. 192.º, n.º 1, do CPPT). III - Antes de efectuar o julgamento de facto sobre a recepção da carta remetida ao executado para citação, impõe-se tentar dirimir as dúvidas suscitadas pelo facto de, apesar do aviso de recepção se mostrar assinado, os elementos disponíveis para consulta pública no endereço electrónico dos serviços postais referirem que a correspondência foi devolvida ao remetente sem que tenha sido possível a entrega ao destinatário. IV - A fim de esclarecer as dúvidas acima referidas, impõe-se a anulação oficiosa da sentença (cf. art. 712.º, n.º 4, do CPC) que julgou a oposição à execução fiscal improcedente por caducidade do direito de oposição, tanto mais que, relativamente à questão, não foi observado o princípio do contraditório. |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
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Decisão Texto Integral: | 1. RELATÓRIO 1.1 Foi instaurada pelo Serviço de Finanças de Paços de Ferreira uma execução fiscal contra HERNÂNI (adiante também Executado, Oponente e Recorrente) para cobrança coerciva de uma dívida proveniente de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) do ano de 2003 e acrescido. 1.2 O Executado deduziu oposição à execução fiscal. 1.3 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel proferiu sentença em que julgou a oposição improcedente com fundamento na caducidade do direito de deduzir oposição à execução fiscal. 1.4 Inconformado com essa sentença, o Oponente veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo e o recurso foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo. 1.5 O Oponente apresentou alegações de recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor: No provimento do recurso, revogada a decisão recorrida, com o prosseguimento dos autos» (() As partes entre aspas e com um tipo de letra diferente, aqui como adiante, são transcrições.). 1.6 A Fazenda Pública não contra alegou o recurso. 1.7 Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso. 1.8 Colhidos os vistos dos Juízes adjuntos, cumpre apreciar e decidir. 1.9 A questão sob recurso, suscitada e delimitada pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, é a de saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao ter considerado caducado o direito de oposição à execução fiscal, o que, como procuraremos demonstrar, passa por saber se o Executado pode considerar-se citado pessoalmente em 28 de Outubro de 2008. * * * 2. FUNDAMENTAÇÃO2.1 DE FACTO 2.1.1 A sentença recorrida fez o julgamento de facto nos seguintes termos: «Factos relevantes para a apreciação da questão da caducidade do direito de acção: 2.1.5 Sem prejuízo do que deixámos dito, afigura-se-nos que, para a decisão a proferir nestes autos, devemos ainda atentar no seguinte circunstancialismo processual: g) O Serviço de Finanças de Paços de Ferreira juntou ao presente processo uma cópia do aviso de recepção dito em e) (cf. cópia do aviso de recepção, a fls. 12); h) Esse aviso de recepção mostra-se assinado, sendo que dele constam também a data em que foi aposta a assinatura – 28 de Outubro de 2008 – e o número e data de emissão do bilhete de identidade da pessoa que recebeu a correspondência (cf. cópia do aviso de recepção, a fls. 12); i) O Oponente não foi notificado da junção aos autos desse aviso de recepção (cf. o processado ulterior a fls. 12); j) Segundo a informação disponível ao público no endereço electrónico dos CTT, a carta não foi entregue ao destinatário e foi devolvida ao remetente em 28 de Outubro de 2008 (cf. documento que faremos juntar a final); k) Segundo a mesma informação, a assinatura que consta do aviso de recepção é de «Lurdes Rebelo» (cf. o documento que faremos juntar a final); l) A funcionária do Serviço de Finanças de Paços de Ferreira que elaborou o ofício para citação dito em chama-se «Lurdes Rebelo» (cf. cópia do ofício, a fls. 5 e a fls. 12); m) O Representante do Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel no seu parecer pré-sentencial suscitou a questão da caducidade do direito de deduzir oposição à execução fiscal (cf. o parecer do Ministério Público, a fls. 40/41); n) O Oponente não foi notificado desse parecer (cf. o processado ulterior a fls. 41). * 2.2 DE FACTO E DE DIREITO2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel julgou improcedente a oposição à execução fiscal por considerar que estava já caducado o direito de acção quando a petição inicial foi apresentada no Serviço de Finanças de Paços de Ferreira. O Recorrente insurge-se contra essa sentença com o fundamento de que não foi citado em 28 de Outubro de 2008, pois a carta que lhe foi endereçada para citação foi devolvida, e apenas veio a ser citado em 5 de Novembro de 2008. Invocou ainda o Recorrente que a sentença enferma da «nulidade do artº. 668 nº 1, alínea d) por remissão do disposto no artº. 238 nº 1 e artº. 239 do C. P. Civil» (cf. conclusão vertida sob o n.º 3.º). Quanto a esta nulidade da sentença, por omissão de pronúncia (() A referência à alínea d) do art. 688.º do CPC autoriza a conclusão de que a nulidade invocada é a de omissão de pronúncia, se bem que a mesma esteja também expressamente prevista na lei processual tributária (cf. art. 125.º do CPPT).), invocada apenas nas conclusões do recurso, salvo o devido respeito, a mesma não se encontra minimamente substanciada. A remissão que naquela conclusão é feita para os arts. 238.º, n.º 1, e 239.º do CPC, apenas permite intuir que o Recorrente se refere à carta registada com aviso de recepção que lhe foi remetida para citação, relativamente à qual, na verdade, não encontramos qualquer referência na sentença. Em todo o caso, sempre diremos que a situação não é de nulidade, mas, eventualmente, de erro de julgamento. Na verdade, a questão cujo conhecimento se impunha ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel era a da caducidade do direito de oposição e, essa, indubitavelmente, foi conhecida. Saber se essa questão foi bem ou mal decidida, designadamente se o Tribunal considerou ou não todos os elementos pertinentes para apreciar se o prazo para o exercício do direito de oposição estava ou não já esgotado quando a petição inicial foi apresentada, é já uma questão que não tem a ver com a regularidade formal da sentença, âmbito dentro do qual se situam as nulidades da sentença, mas com a validade do julgamento que nela foi efectuado. Não há, pois, que conhecer de qualquer nulidade da sentença por omissão de pronúncia. Assim, como adiantámos em 1.9, a questão que ora cumpre apreciar é a de saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao ter considerado caducado o direito de oposição à execução fiscal, o que passa por saber se o Executado pode considerar-se citado em 28 de Outubro de 2008. 2.2.2 DA CADUCIDADE DO DIREITO DE OPOSIÇÃO A regra geral quanto ao prazo de oposição à execução fiscal é a de que esta deve ser deduzida no prazo de trinta dias a contar da citação pessoal (art. 203.º, n.º 1, alínea a), do CPPT) (() Apesar de na norma referida se dizer «Da citação pessoal ou, não a tendo havido, da primeira penhora», a referência a primeira penhora está hoje esvaziada de sentido, pois actualmente nunca é dispensada a citação pessoal; a admitir-se que aquela referência tem ainda hoje algum campo de aplicação, ela deverá entender-se com o sentido de que «a consagração da possibilidade da oposição a partir da primeira penhora é uma mera faculdade para o executado», tudo como salienta JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 5.ª edição, I volume, anotação 4 ao art. 203.º, págs. 312 a 314. ). Para citação pessoal do Executado, o Serviço de Finanças de Paços de Ferreira, após a penhora, remeteu-lhe carta registada com aviso de recepção (() A citação referida em c) dos factos que demos como assentes no ponto 2.2.1, porque efectuada por simples postal, nos termos do art. 191.º do CPPT, nunca poderia ter-se por pessoal e, consequentemente, nunca poderia abrir o prazo para a oposição à execução fiscal.). É inquestionável que tal citação é de considerar como pessoal (cf. arts. 233.º, n.º 2, e 236.º do CPC, aplicáveis ex vi do art. 192.º, n.º 1, do CPPT), mas, para que se possa considerar como validamente efectuada, tem o aviso de recepção que ser devolvido assinado pelo citando ou por terceiro que se encontre na sua residência ou local de trabalho e que se comprometa a entregá-lo prontamente ao citando, devendo o funcionário postal adverti-lo do dever de entrega pronta e devendo também, em qualquer dos casos, proceder à anotação dos elementos do bilhete de identidade, ou de outro documento oficial que permita a identificação da pessoa que assinar o aviso de recepção (art. 236.º, n.ºs 2, 3 e 4, do CPC). Ora, no caso sub judice, o Recorrente põe em causa que tenha recebido a carta que lhe foi remetida sob registo e com aviso de recepção para citá-lo para os termos da execução fiscal, alegando que a mesma foi devolvida sem assinatura do respectivo aviso de recepção. É certo que só o faz agora, em sede de recurso, mas só com a sentença, que fixou como data da sua citação o dia 28 de Outubro de 2008, o Oponente terá tido a oportunidade de se aperceber da existência nos autos de elementos que permitiam a conclusão de que foi citado naquela data. Aliás, nunca antes da sentença foi dada ao Oponente a oportunidade de se pronunciar nos autos sobre a questão da caducidade do direito de oposição. Na verdade, de forma anómala e contrária à lei, nunca lhe foi dado a conhecer que existia nos autos cópia de um aviso de recepção respeitante à carta que lhe foi remetida para citação e que tal aviso se mostra assinado com data de 28 de Outubro de 2008, como também não lhe foi dado a conhecer o parecer do Ministério Público em que foi invocada a excepção da caducidade do direito de oposição. Ora, os arts. 115.º, n.º 3, e 121.º, n.º 2 do CPPT, aplicáveis ao processo de oposição à execução fiscal ex vi do disposto no art. 211.º, n.º 1, do mesmo Código, impunham, respectivamente, a notificação das informações e documentos juntos aos autos e a notificação do parecer do Ministério Público em que fosse suscitada questão que obstasse ao conhecimento do pedido. A violação desses preceitos legais – que se traduz na violação de um dos mais elementares princípios que enformam todo o direito adjectivo e também o processo tributário: o princípio do contraditório (cf. art. 3.º, n.º 3, do CPC (() Diz o n.º 3 do art. 3.º do CPC: «O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem».)) – determinaria, sem mais, a anulação de todo o processado ulterior às verificadas omissões de notificação, desde que o Oponente tivesse arguido a respectiva nulidade, o que não fez. Seja como for, salvo o devido respeito, os elementos constantes dos autos não permitem concluir, como o fez a sentença recorrida, que o ora Recorrente foi citado para os termos da execução fiscal em 28 de Outubro de 2008, conclusão que apenas poderia resultar do facto – não demonstrado nos autos – de que ele ou alguém na sua residência tinha assinado nessa data o aviso de recepção respeitante à carta que lhe foi remetida para o efeito pelo Serviço de Finanças de Paços de Ferreira. Ora, a nosso ver, sendo certo que tal aviso de recepção se mostra assinado, há muitas e sérias dúvidas de que quem assinou aquele aviso de recepção tenha sido o destinatário da correspondência ou alguém que se encontrasse na residência dele. Na verdade, consultados os elementos disponibilizados ao público pelos CTT no seu endereço electrónico relativamente à pesquisa de objectos expedidos por correio registado (http://www.ctt.pt/feapl_2/app/open/objectSearch/ctt_feapl_132col-cttObjectSearch.jspx), e buscando pelo n.º do registo postal (RM 4074 1888 3 PT), é-nos fornecida a informação de que o objecto foi entregue ao remetente em 28 de Outubro de 2008, em Paços de Ferreira, sendo recebido por “Lurdes Rebelo”, depois de não se ter conseguido a sua entrega ao destinatário, em Freamunde. Ou seja, tudo leva a crer que na realidade, a carta expedida em 16 de Outubro de 2008 não foi entregue ao seu destinatário – o ora Recorrente –, mas antes foi devolvida ao remetente – o Serviço de Finanças de Paços de Ferreira – no dia 28 do mesmo mês. Há mesmo uma forte probabilidade – face à identidade de nomes – de ter sido a pessoa que elaborou a carta a assinar o respectivo aviso de recepção. Neste caso, ficará por explicar por que razão foi assinado pelo remetente (rectius, por um seu funcionário) o aviso de recepção e, mais do que isso, porque o Serviço de Finanças de Paços de Ferreira juntou aos presentes autos cópia da carta e respectivo aviso de recepção sem alertar o Tribunal de que o aviso de recepção não foi assinado pelo destinatário da correspondência, mas antes pelo seu remetente. A nosso ver, enquanto não estiverem totalmente dirimidas as dúvidas que vimos de enunciar – quer quanto a quem assinou o aviso de recepção, quer, na eventualidade de ter sido alguém no Serviço de Finanças de Paços de Ferreira, quanto aos motivos dessa assinatura –, não é possível proceder com a requerida segurança ao julgamento da matéria de facto respeitante à citação do Executado e, enquanto não estiver apurada a data em que o Executado foi citado, não é possível formular qualquer juízo quanto à caducidade do direito de oposição. Do que vimos de dizer, resulta devermos anular a sentença recorrida, para que seja ampliada a matéria de facto, ao abrigo do disposto no art. 712.º, n.º 4, do CPC, por força dos arts. 792.º e 749.º do mesmo código, aplicável subsidiariamente nos termos do art. 2.º, alínea e), do CPPT, como decidiremos a final. 2.2.3 CONCLUSÕES Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões: I - O prazo geral para a dedução de oposição à execução fiscal é de trinta dias a contar da citação pessoal (cf. art. 203.º, n.º 1, alínea a), do CPPT). II - A citação, quando é efectuada por carta registada com aviso de recepção, tem o valor de citação pessoal, desde que, entre o mais, o aviso de recepção da correspondência remetida para a morada do citando se mostra assinado pelo destinatário ou por alguém que tenha sido encontrado na sua residência (cf. arts. 233.º, n.º 2, e 236.º do CPC, aplicáveis ex vi do art. 192.º, n.º 1, do CPPT). III - Antes de efectuar o julgamento de facto sobre a recepção da carta remetida ao executado para citação, impõe-se tentar dirimir as dúvidas suscitadas pelo facto de, apesar do aviso de recepção se mostrar assinado, os elementos disponíveis para consulta pública no endereço electrónico dos serviços postais referirem que a correspondência foi devolvida ao remetente sem que tenha sido possível a entrega ao destinatário. IV - A fim de esclarecer as dúvidas acima referidas, impõe-se a anulação oficiosa da sentença (cf. art. 712.º, n.º 4, do CPC) que julgou a oposição à execução fiscal improcedente por caducidade do direito de oposição, tanto mais que, relativamente à questão, não foi observado o princípio do contraditório. * * * 3. DECISÃOFace ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo acordam, em conferência, anular a sentença recorrida e ordenar a devolução dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, a fim de aí ser ampliada a base factual, designadamente nos termos que ficaram referidos e, depois, ser proferida nova decisão. Sem custas. * Juntamos um documento. * Porto, 4 de Março de 2010 (Francisco Rothes) (Fonseca Carvalho) (Álvaro Dantas) |