Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02550/17.0BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:12/07/2018
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:SUSPENSÃO DA EFICÁCIA DE ACTO; INFARMED; INSTALAÇÃO DE NOVA FARMÁCIA SOCIAL; FUMUS BONI IURIS; PREJUÍZO DE DIFÍCIL REPARAÇÃO; PERDA DE CLIENTELA; PONDERAÇÃO DE INTERESSES.
Sumário:
1. Não é uma “questão prejudicial”, nos termos previstos no artigo 91º, n.º1, do Código de Processo Civil, a justificar a suspensão da instância numa providência cautelar para suspensão da eficácia do acto do INFARMED que autorizou a instalação de uma farmácia social privativa, a questão discutida em recurso de revista no Supremo Tribunal Administrativo de saber se é legal, ao abrigo das normas constantes do Decreto-Lei 307/2007, de 31.08, a instalação de novas farmácias sociais privativas, se na providência cautelar, para além do vício de violação de lei são invocados outros vícios, de forma e substanciais, que cada um por si só pode determinar o êxito do processo principal.
2. No caso de pedido de instalação de uma farmácia social não está dispensada a formalidade do concurso; não está em causa, na exigência do concurso, apenas razões de mercado de zonamento e de capitação; está também em causa, a escolha da farmácia que se encontre em melhores condições para prestar o melhor serviço ao público, um interesse mais vasto e relevante do que o interesse mais restrito de um “substracto de uma determinada entidade da economia social”, pelo que a interpretação das normas invocadas e aplicáveis ao caso devem ser interpretadas no sentido de impor e não de afastar o concurso, sendo provável, por isso, o êxito da acção principal para impugnação do acto do Infarmed que, sem precedência de concurso, autorizou a instalação de uma nova farmácia social.
3. A provável perda de clientela por parte de uma farmácia já instalada é um prejuízo de difícil reparação quando é certo que no caso concreto esta e mais 3 farmácias instaladas se mostram uma oferta adequada às necessidades de assistência medicamentosa dos munícipes, não se justificando, do ponto de vista do interesse municipal, qualquer reforço da mesma, de acordo com informação prestada pela edilidade.
4. Estando indiciariamente provado que a sede da Requerida, beneficiária do acto suspendendo, está completamente ao abandono e, portanto, pelo menos não são perceptíveis nem o investimento que justifique os “compromissos assumidos” nem a situação de desemprego que possa resultar para os sues funcionários da suspensão da eficácia do acto, é de considerar superior o interesse da Requerente que, caso a Contrainteressada venha a avançar com as obras e o investimento necessário para a instalação da Farmácia, como é previsível, perderá clientela, sendo certo que, no caso, o interesse público vai no sentido de se manter a situação que existe, de quatro farmácias instaladas, dado que esta é adequada às necessidades de assistência medicamentosa dos munícipes. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:MEVS
Recorrido 1:Infarmed - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos da Saúde.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Conceder provimento ao recurso
Revogar a decisão recorrida
Deferir a providência cautelar
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO
Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

MEVS veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 29.05.2018 pela qual foi julgada improcedente a providência cautelar intentada contra o Infarmed, Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I.P. e em que foi indicada como Contrainteressada “AFASMPV”, para a suspensão da eficácia da deliberação de 08.09.2016 do Conselho Diretivo do Requerido.
Invocou para tanto, em síntese, que a decisão recorrida errou, por deficiência, no julgamento da matéria de facto indiciada e que, ao contrário do decidido, se verificam no caso concreto todos os pressupostos consignados no artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos para a suspensão da eficácia do acto em apreço; à cautela apresentou recurso do despacho interlocutório que dispensou a produção de prova porque, sustenta, a entender-se que não existe nos autos prova suficiente para se dar por verificado o pressuposto do “periculum in mora” então deveria ter sido produzida a prova requerida para se concluir, face a essa prova que no caso concreto se verifica efectivamente o perigo de criação de uma situação de facto consumado com a imediata execução do acto suspendendo.
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O Recorrido contra-alegou invocando que o presente processo e recurso “deve ser suspenso, por existência de questão prejudicial, até que o Supremo Tribunal Administrativo emita acórdão final no âmbito do processo n.º 153/13.8BEPRT, e, após esse momento, ser confirmada ou corrigida a Sentença recorrida em função do mencionado acórdão a proferir pelo Supremo Tribunal Administrativo, sendo antecipada, nos termos do artigo 121.º/1 do CPTA, a decisão a proferir na ação principal de que esta providência é instrumental”.
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Foi proferido despacho pelo Tribunal a quo, a sustentar que não se justifica a suspensão do processo.
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O Ministério Público não emitiu parecer.
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Cumpre, pois, decidir.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
1- A matéria de facto dada como indiciariamente provada cinge-se a três factos, sendo notoriamente insuficiente para a cabal apreciação e contextualização fáctica da pretensão da Requerente da providência.
2- Desde logo, da matéria indiciariamente assente não consta o teor da pretensão da Contrainteressada, constante de fls. 1 a 10 do processo administrativo, que lhe foi autorizada pela deliberação posta em causa «nos termos propostos» o que lhe deve ser aditado, por ser manifestamente relevante, nomeadamente para a determinação do regime legal aplicável.
3- Também, estranhamente, o tribunal «a quo» não deu como indiciariamente assentes factos que haviam sido alegados nos pontos 110 a 115 da petição inicial, para cuja prova convidara a Requerente a juntar competentes certidões da Segurança Social e das Finanças, que discriminou no despacho de 14.02.2018 (fls. 392 processo electrónico), o que a Requerente fez através dos requerimentos de fls. 397 e 418 (processo electrónico), apesar desses documentos não terem sido impugnados nem pela requerida, nem pela contrainteressada, uma vez deles notificadas.
4- E, bem assim, não deu como provados factos constantes de documentos juntos pela Requerente com a petição inicial, que não foram impugnados e com relevância para a apreciação da matéria em causa.
5- Entende a Requerente e ora Recorrente que a sua falta, porque se trata de matéria pertinente e atinente aos requisitos da providência, poderá ter influenciado a decisão no sentido do indeferimento, sendo importante, tanto para a apreciação do requisito do «periculum in mora», como do próprio «fumus bonis iuris», para além da ponderação dos interesses em presença que, para o deferimento da providência com base na verificação dos requisitos nº 1 do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, se imporá fazer.
6- São os seguintes os factos que devem ser aditados à matéria sumariamente assente, constantes do processo administrativo ou alegados e provados pelos documentos que também se identificam:
• Por requerimento de 15.07.2015, a Contrainteressada requereu ao Requerido Infarmed, IP, que se pronuncie acerca da verificação, quanto à Requerente, dos requisitos previstos no nº 4 da Base II (que não o nº 5) da Lei 2125, de 20.03.1965 e artigos 45º nº 2 e 46º ambos do Decreto-Lei 48547 de 27.08.1968, uma vez que estas disposições legais continuam substancialmente válidas e vigentes “ex vi” artigo 14º nº 3 e 59º 1 e 3 da LPF; que o Infarmed confira (...) o prazo de um ano para instalar a farmácia e ser requerida vistoria e, uma vez realizada esta, seja atribuído alvará, conforme alude o artigo 48º do Decreto-Lei 48547 de 27.08.1968; Que o licenciamento tenha a seguinte amplitude …” (folhas 1 a 10 do processo administrativo - pedido que está na génese da deliberação posta em causa.)
• O processo de instalação da farmácia social privativa pela Contrainteressada foi submetido à consideração superior no seguimento da recepção no Infarmed, em 06.06.2016, de carta subscrita pelo Presidente da União das Mutualidades Portuguesas dirigida ao Presidente do Conselho Directivo do Infarmed (fls. 110 e 111 do processo administrativo e alegado em 181 da petição inicial.
• Deliberação em causa – fls. 111 do processo administrativo – de aprovação da instalação de farmácia privativa solicitada pela contrainteressada, «AFASMPV», nos termos propostos.
• Por deliberação de 09.11.2017 foi reconhecido à Requerente pelo Infarmed, IP. a qualidade de interessada no processo administrativo (fls. 611 do processo administrativo).
Facto articulado em 9º da petição inicial:
• A distância entre os limites exteriores dos prédios da farmácia da Requerente e do local para o qual a Contrainteressada foi autorizada a proceder à instalação de farmácia pela Deliberação do Conselho Directivo do Infarmed de 08.09.2016 é de 349 metros.
(Planta emitida pela Câmara Municipal de Vila do Conde, a fls. 45 do processo electrónico - documento 4 junto com a petição inicial, não impugnado).
Factos articulados de 109º a 115º da petição inicial:
• A Requerente tem a sua farmácia em funcionamento com horário alargado das 9:00h às 22:00h, ininterruptamente, todos os dias da semana, todos os dias do ano (ver a fls. 47 do processo electrónico - documento 5 junto com a petição inicial e não impugnado).
• Tem ao seu encargo 10 funcionários, cujas famílias dependem dos seus salários, para além da Requerente, sua Directora Técnica, no total de 11, com os quais despende, em encargos de segurança social e salários anualmente 260.315,42€, no montante de mensal de 18.593,95€, 14 vezes por ano (sendo 4.813,42€ de contribuições à Seg. Social) a que acrescem 11.912,52€ (992,71€ x12) de encargos com a segurança social da Requerente, que é trabalhadora independente, tudo no total de 272.227,94€ por ano.
• Sendo que tem mensalmente um valor médio de 5.429,00 € de Custos Variáveis e de 21.692,95 € de Custos Fixos.
• Com o stock de medicamentos indispensável à laboração, a Requerente tem um investimento na ordem dos 143.542,00 € (valor correspondente ao inventário 2016).
• Por via da sua actividade, a Requerente é anualmente taxada, em sede de IRS, em quantia nunca inferior a 140.000,00€, na sua maioria sob a forma de pagamentos por conta.
(Tudo conforme documentos de fls. 397 e 418 do processo electrónico e doc. 6 junto com a PI. não impugnados).
Factos articulados de 176 a 180 da petição inicial:
• A Direcção da Contrainteressada tem como presidente JSMS, vice-presidente Norte da União das Mutualidades Portuguesas, filha de LASS, Presidente da União das Mutualidades Portuguesas e administrador da Mutualidade de SM.
• JSMS, vice-presidente Norte da União das Mutualidades Portuguesas, integra os órgãos de gestão daquela Mutualidade de SM, a qual explora a «Farmácia M…» de E......
• A anterior Direcção da Contrainteressada, ao tempo da entrada do pedido junto do Infarmed, era integrada pela irmã daquela, AMMS, a qual, por seu turno, é Vice-Presidente da Associação Internacional das Mutualidades, para além de assessora do Conselho de Administração da União das Mutualidades Portuguesas (tudo conforme documentos 11 a 13 (assentos de nascimento) e 14 a 19 (documentos e factos não impugnados).
Factos articulados em 132, 133 e 161 da petição inicial:
• A localização autorizada à Contrainteressada é numa zona da cidade em que já existem quatro farmácias (N…, C…, S… e da V…), contando com a da Requerente, pelo que vai ser altamente perturbadora dessa equilibrada distribuição do mercado, e que vem assegurando uma adequada e suficiente cobertura medicamentosa da população.
• Por certidão camarária de 08.11.2017, subscrita pela Presidente da edilidade, foi certificado que, de acordo com a planta anexa, a cobertura farmacêutica é adequada às necessidades de assistência medicamentosa dos munícipes, não se justificando, do ponto de vista do interesse municipal, qualquer reforço da mesma (Tudo conforme certidão junta como documento 8 com a petição inicial, a fls. 62 do processo electrónico e não impugnada).
Factos articulados em 164 a 170 da petição inicial (confessados):
• A sede da Contrainteressada está completamente ao abandono.
• O edifício de “AFASMPV”, sita na Rua C…, Póvoa de Varzim, apresenta nítidos sinais de abandono, como revela a fachada e apenas a porta do lado direito tem sinais de algum, pouco, uso (loja “MAM”).
• A porta do centro do edifício tem a tinta a descascar, o puxador não existe (está partido), a caixa do correio está cheia e perra e apresenta teias de aranha, que sugerem que a porta não é aberta há muito tempo.
• A porta do lado esquerdo do edifício tem igualmente a tinta a descascar, apresenta teias de aranha que revelam que não é aberta há muito tempo e os toldos estão recolhidos, tortos e rotos.
• Por último, no primeiro andar, os caixilhos das portas têm a tinta a descascar e estão rachados, sendo que a varanda apresenta uma grande camada de musgo (tudo conforme documento 9 junto com a petição inicial, fotografias detalhadas, a fls. 227 do processo electrónico e confissão constante do ponto 90º da oposição).
DO FUMUS BONI IURIS
7- Está a Requerente e ora Recorrente convicta de que a sentença errou no julgamento de facto e na sua subsunção jurídica, porquanto, in casu, verificam-se os requisitos de decretamento da providência determinados pelo artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 214-G/2015, de 02.10, cuja ratio foi, precisamente, garantir ao particular e requerente de um meio cautelar, uma tutela mais efectiva.
8- A interpretação que a sentença em crise fez do preceito é, na nossa humilde opinião, contrária àquela que foi a intenção do legislador, continuando muito restritiva, no que tange ao juízo de prognose quanto à probabilidade de procedência, que se encontra no limiar do (abandonado) critério da evidência.
9- Na opinião da Recorrente, e sem antecipar o juízo de fundo a formular no processo principal, o Tribunal deve reconhecer, perfunctoriamente, probabilidade de ser procedente, a toda aquela pretensão que tem algum fundamento, que não é descabida, e isto, independentemente do entendimento de direito que o Tribunal tenha sobre a questão, pois que havendo outras soluções possíveis de direito, salvo o devido respeito, as mesmas não podem, nesse juízo de prognose, ser afastadas pelo julgador.
10- Neste sentido, Mário Aroso de Almeida in Manual de Processo Administrativo, Almedina, Coimbra, 2016, página 477: “... a atribuição das providências cautelares depende de um juízo, ainda que perfunctório, por parte do juiz, sobre o bem fundado da pretensão que o requerente faz valer no processo declarativo. O juiz deve, portanto, avaliar o grau de probabilidade de êxito do requerente no processo declarativo. Essa avaliação deve, naturalmente, conservar-se dentro dos estritos limites que são próprios da tutela cautelar, para não comprometer nem antecipar o juízo de fundo que caberá formular no processo principal...”
11- No caso, a Requerente funda a sua pretensão impugnatória daquele acto de autorização de abertura de farmácia privativa à contrainteressada, não só em vícios formais (falta de fundamentação do acto e falta de audição da interessada, ora Requerente), como em vício de erro nos pressupostos de direito, de violação da lei, de nulidade por impossibilidade do seu objecto/conteúdo e por preterição do procedimento legalmente exigido, do concurso público (artigos 161º nº 1 alínea c) e l) do Código de Procedimento Administrativo), conforme pode ser constatado por consulta da petição inicial nos autos principais, pendentes desde o pretérito mês de Janeiro.
12- Efectivamente, o Regime Jurídico das Farmácias aprovado pelo Decreto-Lei nº 307/2007 não prevê que só porque se trata de uma entidade do sector social, esta possa abrir farmácia sem sujeição às regras estipuladas genericamente para todos e previstas nos artigos 3º e seguintes da Portaria nº 352/2012 de 30.10, que pressupõe, desde logo, a sujeição a concurso público, em abono da transparência e do respeito pelo princípio da livre concorrência.
13- De acordo com as mais recentes alterações legislativas, o regime jurídico das farmácias apenas permite que as farmácias privativas que já estivessem abertas à data da sua entrada em vigor, continuem a existir nos mesmos moldes de anteriormente. É isso o que resulta muito claramente do disposto no artigo 59º A nº 1 do Dl. nº 307/2007, que estende o regime disposto no diploma “às farmácias privativas que tenham sido abertas ao abrigo do nº 1 da base II da Lei nº 2125, de 20 de março de 1965, com as adaptações ...” Dispondo ainda o nº 3 da norma que, as entidades do sector social que detenham farmácias abertas ao público e em actividade ao abrigo do nº 4 (2ª parte) base II da Lei nº 2125, de 20 de março de 1965, devem proceder às adaptações necessárias ao cumprimento do artigo 14º do diploma (como seja, cumprir com o regime fiscal, etc).
14- Acresce que é o mais alto Tribunal da jurisdição administrativa que, em face da questão de saber se após a vigência do Decreto-Lei n.º 307/2007, de 31.08, se mantém a possibilidade de entidades do sector social promoverem a instalação de novas farmácias privativas, explica: “ ‘Prima facie’ dir-se-ia que não, e por duas fundamentais razões: porque o regime de abertura dessas farmácias constava de dois diplomas («vide» a Base II, nº 4, da Lei nº 2.125, de 20.03.1965, e o artigo 45º do Decreto-Lei nº 48.547, de 27.08.1968) que o Decreto-Lei nº 307/2007 expressa e integralmente revogou; e devido ao tempo verbal usado no artigo 59º-A, nº 1, do mesmo Decreto-Lei nº 307/2007.” – Ac. de 19.09.2017 no recurso nº 879/17 – Apreciação Liminar (processo nº 153/13.8 PRT TCA Norte), a fls.278 do processo electrónico.
15- É portanto, o próprio Supremo Tribunal Administrativo que diz que numa «summaria cognitio» (ou «prima facie») assiste razão à Requerente quando afirma e funda o seu pedido impugnatório na impossibilidade legal das entidades do sector social abrirem «ex novo» farmácias privativas na vigência do actual regime jurídico das farmácias.
16- Cremos ser quanto basta para que, num juízo perfunctório, se possa e deva concluir, nos presentes autos, pela verificação do «fumus bonni iuris» previsto no nº 1 do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, podendo considerar-se provável que a pretensão formulada no processo principal venha a ser julgada procedente.
17- Mal andou, por via do exposto, o Tribunal recorrido, em violação do disposto no artigo 120º, nº 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, pois em boa verdade, e dentro dos limites de apreciação próprios de uma providência, afigura-se que (pelo menos) algumas das ilegalidades imputadas ao acto praticado nos autos principais, nos termos formulados na acção já pendente e que os presentes autos estarão apensos - vícios de forma (falta de audição interessada e falta de fundamentação); erro quanto aos pressupostos de direito (o pedido da contrainteressada assenta em normas que estão revogadas e não foram repristinadas); nulidade do acto, por impossibilidade do seu conteúdo e por preterição do procedimento legalmente exigido (artigo 161º nº1, al. a) e 2 al. c) e l) do Código de Procedimento Administrativo; violação de lei, nomeadamente dos artigos 25º, 59º-A e 14ª do Decreto-Lei nº 307/2007 e violação dos princípios da transparência, igualdade e livre concorrência: - se revelam com subsistência bastante para fundar um juízo de probabilidade de procedência da pretensão impugnatória deduzida na acção principal.
DO PERICULUM IN MORA
18- Nos termos do disposto no citado artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, para o decretamento da tutela cautelar, o Tribunal tem, ainda, de descortinar indícios de que essa intervenção preventiva é necessária para impedir a consumação de situações lesivas, que, de outro modo, resultariam com a demora do processo principal. Esse juízo judicial terá que ser baseado na análise de factos concretos, que permitam a um terceiro imparcial concluir que a situação de risco é efectiva, e não uma mera conjectura.
19- Ora, in casu, é notório que a Requerente cumpriu com o seu ónus de alegação. Veja-se que invocou pormenorizados factos ao longo da sua petição que permitiam ao tribunal decidir pela existência de uma situação de probabilidade de produção de prejuízos de difícil reparação ou de um facto consumado.
20- Apenas e, não obstante, não lhe foi concedido o benefício de ver esses factos dados como provados – e muitos estavam-no documentalmente – ou de provar os demais, ainda controvertidos, razão pela qual acima se deixou impugnada a decisão sobre a matéria de facto, e bem assim, infra (e por cautela), se insurge a recorrente contra a decisão interlocutória que dispensou a produção de prova (a título de exemplo, não lhe foi dada a possibilidade de provar que a farmácia da Contrainteressada estaria em concorrência directa com a sua, estando de porta aberta ao público, com a sinalética própria das farmácias, podendo vender sem qualquer distinção a todas as pessoas que se lá dirigissem, tal como alegado, para o que tinha junto prova documental e indicado prova testemunhal que não lhe foi dado produzir).
21- Por outro lado, no que tange ao fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado, mal andou a sentença recorrida na análise da matéria fáctica alegada, porquanto o rejeita com o fundamento de que o pressuposto de que parte a requerente para invocar o “periculum in mora”, de que a Contrainteressada irá abrir uma farmácia é uma hipótese ou conjectura, com o que não podemos discordar mais.
22- Salvo o devido respeito, a abertura da farmácia pela Contrainteressada na Av. C…, freguesia e concelho de Vila do Conde é algo de muito concreto e definido que foi pedido ao requerido Infarmed nos exactos termos propostos e constantes de fls. 1 a 10 do processo administrativo.
23- Dizer que não existe facto consumado pela circunstância da abertura pela Contrainteressada da farmácia não ser ainda realidade neste momento temporal, podendo nem chegar a ocorrer pelas mais diversas razões, é uma afirmação que contraria as regras da experiência comum, constituindo notório erro de julgamento.
24 - Como é óbvio, de acordo com critérios de normalidade e razoabilidade, a farmácia da Contrainteressada apenas não existe ainda porque, com a interposição da presente suspensão de eficácia e inexistência de resolução fundamentada, ficou suspensa a eficácia do despacho que autorizou a sua abertura, situação que cessa com o indeferimento da providência.
25- Então, é por demais evidente que se constituirá uma situação de «facto consumado», pois de acordo com as regras da experiência, a abertura ao público da farmácia da Contrainteressada, a menos de 350m de distância da farmácia da Requerente durante a pendência da acção principal – que se antecipa longa e morosa – e até trânsito em julgado da decisão, terá repercussões imprevisíveis, de monta, e que podem até passar pela insolvência daquela e fecho da sua farmácia (tal como alegado na PI).
26- Não sendo de todo descabido considerar, por isso, que esta situação tornará impossível, no caso do processo principal vir a ser julgado procedente, que se proceda à restauração natural, no plano dos factos, da situação anterior à sua abertura.
27- Note-se estar em causa, para além do mais, a perda de clientela por parte da farmácia da Requerente e poder esta, de um dia para o outro, deixar de conseguir cumprir com os pesados encargos que a exploração da «Farmácia S…» implica – e que demonstrou, quer em termos de salários aos 10 + 1 funcionários e respectivas contribuições para a segurança social, quer em termos de stock, quer mesmo de impostos, pois a sua actividade é taxada em sede de IRS, ao contrário da actividade da Contrainteressada – sendo impossíveis de prever quais as consequências que daí advirão.
28- Sendo certo, porém, que nunca e de forma alguma, se reconduzirão a uma simples aritmética, em sede indemnizatória, ao contrário do que defende a sentença recorrida.
29- A perda de clientela vem sendo entendida como um prejuízo de difícil reparação pela nossa jurisprudência (ver, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 26-02-2003, processo nº 0149ª/03 e de 15-10-2003, processo nº 01430/03; e do Tribunal Central Administrativo Norte, de 08-03-2007, processo nº 01845/06.3BEPRT, e de 14-09-2012, processo nº 00881/12.5BEPRT, de 11-01-2013 processo nº 100/13.7BEAV e de 11.10.2013, no processo nº 265/13.8BEPRT, de que se juntou cópia).
30- No caso concreto, melhor se compreende este critério. Por um lado, os serviços oferecidos por uma farmácia, são essencialmente os mesmos, pelo que a sua localização, a proximidade em relação aos utentes, é decisiva para a cativação de clientela.
31- Outros factores poderão interferir, como se refere na sentença recorrida, para um maior ou menor desvio de clientela, como a qualidade do atendimento, os preços e a apresentação dos produtos, sendo que quanto aos preços se invocou que, pelo regime fiscal distinto (não sujeição da IRS/IRC da contrainteressada), desde logo, esta estaria em condições de fazer preços a «dar cabo» da concorrência, sendo ainda certo que, como é evidente, aquela não está a pensar instalar a nova farmácia para não ter clientes.
32- E como esta nova farmácia surge na proximidade geográfica da farmácia da Recorrente, a meros 349 metros da sua porta, e a clientela constitui um número finito, é forçoso concluir, por imperativo lógico, que conquistará clientela à custa da perda por parte da farmácia anteriormente instalada.
33- Efetivamente, o mercado não é elástico, pelo que é apodítico que a abertura da “Farmácia M…” irá retirar à Farmácia S…, da recorrente, boa parte da clientela residente na zona, e que até aí a frequentava: “Isto é ponto assente, e é, aliás, o que motiva a abertura da nova farmácia: ter clientes, que saem de um número finito.”
34- Conforme acórdão de 11.10.2013 desse TCA Norte citado, e de que se junta cópia «Importa salientar que através do processo principal a ora recorrente visa assegurar a sua posição no mercado mediante o afastamento da ordem jurídica de um acto de autorização que ilegalmente, na sua tese, lhe colocou «ao pé da porta», a concorrer com ela, uma outra farmácia. Ora, a tutela cautelar existe para garantir, assegurar, a utilidade da sentença anulatória a proferir na acção principal, isto é, para garantir o «conteúdo repristinatório» emergente dessa sentença, para assegurar a «realização efectiva» do direito ou interesse lesado pelo acto ilegal, e não, simplesmente para garantir a reparação dos danos que se produziram na pendência daquela acção, sejam eles danos emergentes ou lucros cessantes.
Verdade é que, nesta interpretação, que temos como fiel à letra da lei e ao fim prosseguido pelo legislador cautelar, uma futura sentença favorável às pretensões da ora recorrente, e a proferir na acção principal, muito dificilmente lhe devolverá o status quo ante, ou seja, a situação em que se encontraria caso não tivesse sido proferida a autorização «ilegal. E isso, por causa da situação que entretanto se gerará durante a tramitação, normalmente longa, da acção principal.»
35- É, pois, por todo o exposto, flagrante a errada interpretação do disposto no artigo 120º nº 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e subsunção jurídica operadas pela sentença em crise, sendo patente não só, estarmos perante uma situação de «facto consumado», como de prejuízos de difícil reparação.
36- Merece censura a sentença recorrida que assim não considerou, em violação do citado nº 1 do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, impondo-se a sua revogação.
Sem Prescindir,
No seguimento do que dissemos supra, quanto à invocação dos prejuízos e da situação de facto consumado, e por cautela, o presente recurso é interposto também do despacho interlocutório que dispensou a produção de prova, que censuramos nos seguintes termos:
37- Sabemos que «incumbe ao requerente da providência o ónus de alegar e provar a matéria de facto integradora do “periculum in mora” (através de factos ou circunstâncias suficientemente determinadas que, segundo um juízo de normalidade e pelas regras de experiência comum, abarquem a situação de perigo justificativa da concessão da medida pretendida)» - Ac. desse TCAN, de 09.06.2017 in proc. nº 01060/16.8 AVR.
38- Quer isto dizer que, não bastando a alegação, é necessária a prova. Ora, não se compreende, nem aceita que tendo a Requerente alegado factos concretos para a verificação do requisito do «periculum in mora» desde o item 236º ao item 262º da petição inicial, nos termos perfunctórios próprios de uma providência cautelar, não lhe tenha sido permitido produzir mais prova no sentido de convencer o tribunal das razões do seu fundado receio, vendo os seus direitos cerceados enquanto parte, pelo despacho interlocutório (também) recorrido que dispensa a prova testemunhal requerida, o qual viola de forma grosseira, não só o Princípio da Tutela jurisdicional efectiva, como o disposto no artigo 118º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
39- Atente-se que a única prova que não é admissível em sede cautelar, nos termos do nº 3 do artigo 118º Código de Processo nos Tribunais Administrativos, é a pericial; os demais meios de prova podem, e devem ser ordenados, sempre que necessários, sendo que apenas podem ser indeferidos nos três casos que o nº 5 do preceito o considera possível, devidamente fundamentados:
- ou por se destinarem a provar factos assentes;
- ou por se destinarem a provar factos irrelevantes;
- ou por entender serem tais meios manifestamente dilatórios.
40- Salvo o devido respeito, lidas as escassas linhas do despacho em crise, não vislumbramos a fundamentação para a não realização das diligências de prova requeridas na petição inicial, tanto mais quanto os factos relevantes para a decisão a proferir abarcavam necessariamente (muito) mais factualidade do que aquela dada como provada (apenas três factos), até porque se questionava se a contrainteressada já era detentora de farmácia à data de entrada do Decreto-Lei 307/2007; se era realmente uma associação do sector social com actividade; se tinha associados e quantos, para os quais esse serviço era importante; se iria vender medicamentos ao público e ter a farmácia aberta com a denominação e a cruz identificativa como qualquer outra; se era fácil qualquer pessoa ir lá comprar medicamentos; se iria poder praticar preços muito concorrenciais; se iria ter necessariamente menos encargos do que a farmácia da requerente; se se ia localizar a meros 349 metros da farmácia da requerente; se na cidade de Vila do Conde as quatro farmácias existentes funcionavam em sã concorrência; se com a abertura daquela farmácia social a da autora iria perder clientela.
41- Ora, para o efeito, a Requerente havia pedido o depoimento de parte da Presidente da Direcção da contrainteressada, JSS; bem como, em sede de prova documental, que a contrainteressada fosse notificada para juntar vários documentos para saber-se quais os seus associados à data de entrada do pedido no INFARMED; e, por último, que fossem ouvidas testemunhas.
42- Com a reforma do Código de Processo nos Tribunais Administrativos preconizada pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02.10, foi aditado ao artigo 118º do Código, o nº 5, que passou a dispor que o juiz só pode recusar a utilização de meios de prova, mediante despacho fundamentado, quando considere assentes ou irrelevantes os factos sobre os quais eles recaem ou quando entenda que os mesmos são manifestamente dilatórios, o que não é manifestamente o caso da factualidade acima elencada.
43- Donde, forçoso é concluir que o despacho em crise padece de nulidade por falta de fundamentação, a qual é obrigatória nos termos do nº 5 do artigo 118º citado.
44- O despacho recorrido viola ainda o princípio da Tutela Jurisdicional Efetiva consagrado no artigo 2º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos que, supostamente, garantiria à Requerente o direito a um processo equitativo e o direito a que visse apreciada cada sua pretensão deduzida a juízo, a primeira das quais, fosse apreciado o seu requerimento de prova e admitida a produzir essa mesma prova.
45- Em termos práticos, e concluindo: se o Tribunal não promoveu a inquirição de testemunhas e demais meios de prova, então tudo quanto alegado pela requerente nos itens 106º e seguintes da petição inicial, e documentado nos autos com a mesma e no requerimento de fls. 397 a 418 (do processo electrónico) a instâncias do tribunal, deveria ter sido dado como provado.
Se não o foi, então o Tribunal devia ter ordenado e admitido aqueles meios de prova, pois o artigo 118º, n.º3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos dispõe que o juiz deve ordenar as diligências de prova que considere necessárias, sendo manifesto que com esta actuação, o tribunal não permitiu à requerente fazer prova da sua pretensão, ao mesmo tempo que não curou de promover outras diligências adequadas, desrespeitando assim os artigos 2º nº 1 e 118, nº 3 e 5, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
46- Há manifesta omissão da produção de prova quando, numa providência cautelar não especificada, não havendo factos plenamente provados por confissão ou documentos, o Juiz não proceda à inquirição das testemunhas oferecidas.
A PONDERAÇÃO DOS INTERESSES EM PRESENÇA
47- A sentença recorrida não apreciou este requisito, que considerou prejudicado, mas que aqui chegados, cumpre analisar.
48- Entende a recorrente que na ponderação dos interesses públicos e privados em presença para que o nº 2 do artigo 120º remete o julgador nesta fase, e de acordo com os elementos constantes dos autos, é de concluir que os danos que resultariam da concessão da providência de suspensão da eficácia dos actos não se mostram superiores àqueles que poderiam resultar da sua concessão, bem pelo contrário.
49- Veja-se que o requerido INFARMED não invoca razões de Interesse Público, como a protecção da saúde pública, ou de necessidade de reforço da assistência farmacêutica na cidade de Vila do Conde, como fundamentos para o acto de autorização de abertura de farmácia à contrainteressada cuja suspensão se requer.
50- Ora, visto que não está prevista na lei a possibilidade de associações que nunca detiveram uma farmácia, instalarem «ex novo» uma farmácia dita privativa a abrir ao público, sem concurso público prévio, o interesse público deve cingir-se sim à defesa da legalidade, mediante instalação de farmácias precisamente no respeito pela regra do concurso público e do princípio da transparência e igualdade.
51- Localizada na cidade de Vila do Conde, a farmácia da Requerente serve a população, toda ela, sem qualquer discriminação, a quem dá a devida assistência medicamentosa e a quem presta os demais serviços próprios de uma farmácia, para os quais o Estado, ou comparticipa nos medicamentos sujeitos a receita médica, ou mesmo dispensa doentes do seu pagamento, através de protocolos existentes, cumprindo a sua função social, pelo que, quanto aos interesses privados em presença, são os da Requerente, acima descritos – que serve o Interesse público, de resto – manifestamente superiores ao da Contrainteressada, que nunca teve uma farmácia, nem a mínima acção na área da saúde.
52- Note-se que não se conhece à Contrainteressada, há décadas, qualquer actividade, a sua sede está completamente ao abandono, tal como provado por confissão e pelas fotos juntas do edifício da sua sede, sendo uma associação sem rosto e sem actividade conhecida, e à qual não se lhe conhecem, sequer, quaisquer associados, sendo ainda certo que a Requerente impugnou toda a factualidade que a contrainteressada genericamente alegou do item 76º a 100º da Oposição quanto a genéricos e não demonstrados invocados prejuízos.
53- Enfim, vistos os interesses contrapostos em jogo, e nada tendo sido mencionado na fundamentação do acto suspendendo quanto à defesa da saúde ou cobertura farmacêutica, a ponderação prevista no artigo 120 nº 2 Código de Processo nos Tribunais Administrativos deve ser feita no sentido da procedência do presente procedimento cautelar, por manifestamente não se encontrar demonstrado que os danos da sua concessão sejam superiores aos resultantes da sua recusa.
54- Reflicta-se, por último, em que num contexto tão sensível como o da administração de medicamentos, onde impera o interesse público da garantia de assistência medicamentosa a toda a população, esse desiderato tem sido logrado pela sã concorrência entre as farmácias abertas ao público que coexistem no mercado, e pela regra do concurso público para abertura de qualquer nova farmácia, sendo que todas as perturbações desse equilíbrio põem-no em causa.
55- Tal fito não deve nunca deixar de estar presente na ponderação e análise desta questão, na perspetiva dos diferentes interesses em jogo, sendo certo que a Contrainteressada não concretiza haver naquele local, e para aquela população, quaisquer especiais carências a colmatar.
56- Pelo contrário, há prova nos autos de que na cidade de Vila do Conde, a «cobertura farmacêutica é adequada às necessidades de assistência medicamentosa dos munícipes, não se justificando, do ponto de vista do interesse municipal, qualquer reforço da mesma».
57- Impõe-se, portanto, por todo o exposto, a revogação da sentença recorrida e o decretamento da providência, pela verificação dos pressupostos previstos nos nºs 1 e 2 do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
*
I.I. – A invocada questão prejudicial.
Defende o Recorrido que:
“A presente providência cautelar foi requerida tendo em vista a suspensão de eficácia do ato praticado pelo INFARMED, em 08.09.2016, que aprovou, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 307/2007, de 31 de agosto, na sua redação atual (“DL 307/2007”), a instalação de farmácia privativa pela “AFASMPV”.
Sendo que, como refere e demonstra o douto Tribunal a quo, o ato que a Recorrente pretende impugnar – que ainda não se encontra executado, uma vez que ainda não foi emitido alvará – foi tomado pelo INFARMED na sequência de diversas decisões judiciais, proferidas em processos relativos a procedimentos administrativos idênticos ao que culminou com o ato suspendendo, que consideraram que, como referiu o douto Tribunal a quo no Acórdão proferido em 26.05.2014, no âmbito do processo n.º 153/13.8BEPRT, “ao pedido de instalação de farmácia privativa é aplicável, com as devidas adaptações, o novo quadro jurídico estabelecido no DL 307/2007, de 31/8”.
Isto é, sabendo da existência de uma dúvida jurídica profunda e fundamentada relativamente a saber se, ao abrigo do DL 307/2007 é possível abrir novas farmácias privativas, o INFARMED proferiu o ato suspendendo seguindo aquilo que, até então, foi a jurisprudência dominante.
Porém, em nenhum dos processos que tinham como objeto uma situação absolutamente idêntica ao do procedimento administrativo que resultou na prolação do ato suspendendo – i.e. procedimentos em que entidades do setor social da economia requereram a autorização de instalação de farmácia privativa ao abrigo do regime previsto no DL 307/2007 – , houve pronúncia do Supremo Tribunal Administrativo.
Ou seja, as decisões judiciais de processos que tinham como causa de pedir procedimentos administrativos idênticos ao procedimento que originou o ato suspendendo transitaram em julgado sem que tivesse havido qualquer recurso de revista.
Acontece que, no processo n.º 153/13.8BEPRT – em que a Associação de Socorros Mútuos em Modivas requereu, entre outros pedidos, a anulação do ato de indeferimento de licenciamento e emissão de alvará para instalação e funcionamento de uma farmácia privativa ao abrigo do DL 307/2007 –, o INFARMED decidiu interpor recurso de revista, cujas alegações foram juntas como Documento n.º 1 anexo à oposição apresentada nestes autos como e o Acórdão recorrido proferido por este Venerando Tribunal Central Administrativo Norte como Documento n.º 2.
Isto porque, não concordando com entendimento deste Venerando Tribunal Central Administrativo Norte naquele processo em concreto, e subsistindo a querela jurídica quanto à possibilidade, ou não, de abertura de farmácias privativas ao abrigo do DL 307/2007, entendeu o INFARMED interpor recurso de revista de forma a que o Supremo Tribunal Administrativo fixasse jurisprudência quanto a esta matéria, e dessa forma clarifique o alcance da lei .
O referido recurso de revista foi admitido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 14.09.2017, já que aquele Venerando Tribunal considerou que,
“Discute-se nos autos se, após a emergência daquele DL n.º 307/2007, subsiste a possibilidade de entidades do setor social promoverem a instalação de novas farmácias privativas.
«Prima facie» dir-se-ia que não, e por duas fundamentais razões: porque o regime de abertura dessas farmácias constava de dois diplomas («vide» a Base II, n.º 4, da Lei n.º 2125, de 20/3/1965, e o art. 45º do DL n.º 48.547, de 27/8/1968) que o DL n.º 307/2007 expressa e integralmente revogou; e devido ao tempo verbal usado no art.º 59º-A, n.º 1, do mesmo DL n.º 307/2007.
Mas sé possível defender o oposto, sobretudo se for de acolher a premissa de que tal revogação – operatória para além do campo das farmácias de oficina – excedeu a autorização legislativa de que o Governo dispunha para editar o DL n.º 307/2007.
Depara-se-nos, pois, um assunto jurídico controverso, que as decisões das instâncias, apesar de unânimes, não terão elucidado por completo.
E o esclarecimento desta problemática assume inegável relevo; pois uma definição emanada do Supremo tenderá a prevenir o surgimento de conflitos futuros neste preciso domínio” (enfase e sublinhado nosso – Cf. Documento n.º 3 anexo à oposição apresentada pelo INFARMED nos presentes autos).
Posto isto, refira-se que o presente processo, assim como a correspondente ação principal, têm precisamente como objeto a discussão sobre a possibilidade de o INFARMED poder autorizar a instalação de farmácias privativas ao abrigo do DL 307/2007, já que, como resulta evidente dos artigos 89.º a 107.º do Requerimento Inicial, o único vício que é assacado ao ato suspendendo é o vício de violação de lei por falta absoluta de base legal para o efeito.
Assim, e considerando que o Supremo Tribunal Administrativo estará prestes a proferir decisão tendo em vista a prevenção de processos como o presente, o INFARMED entende e requer que o presente processo seja suspenso por existência de questão prejudicial, nos termos do artigo 92.º/1 do Código do Processo Civil (“CPC”), aplicável ex vi artigo 1.º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”).
É que, a decisão a proferir pelo Supremo Tribunal Administrativo no âmbito do processo n.º 153/13.8BEPRT (que corre termos no referido Supremo Tribunal com o n.º de Recurso 879/17), irá, por si só, esclarecer a legalidade do ato suspendendo.
Pelo que, não se vislumbram motivos para que este processo siga termos na pendência do referido recurso que, nas próprias palavras do Supremo Tribunal Administrativo, será determinante para evitar conflitos futuros quanto à questão ora em causa.
Sublinhe-se que a suspensão deste processo por existência de questão prejudicial em nada afeta a situação da ora Recorrida, já que, como bem demonstrou o douto Tribunal a quo, in casu não se verifica o requisito do periculum in mora, por não ser certo sequer que a Contrainteressada venha a abrir a sua farmácia, já que o procedimento em causa ainda não se encontra concluído por não estar executado o ato ora suspendendo, não havendo desta forma qualquer situação de facto consumado.
Por outro lado, e também como bem referiu o douto Tribunal a quo, os prejuízos invocados são passíveis de indeminização, pelo que, se a Contrainteressada vier a abrir a sua farmácia na pendência da suspensão deste processo por questão prejudicial, pode sempre ser ressarcida se fizer prova dos danos que alegar.
Sendo como for, reitere-se que o ato suspendendo ainda não se encontra executado, porquanto, o mesmo esteve suspenso desde a citação do INFARMED dos presentes autos até à prolação da sentença recorrida e por, anteriormente, a Contrainteressada não ter requerido vistoria às instalações, o que inviabilizou que o INFARMED emitisse alvará.
Assim, é manifesta a necessidade de suspensão deste processo até que o Supremo Tribunal Administrativo se pronuncie quanto à possibilidade de serem abertas novas farmácias privativas ao abrigo do regime constante do DL 307/2007.
Por fim, o que agora se requer também é útil para a economia deste processo e da respetiva ação principal, porquanto, após a prolação da decisão pelo Supremo Tribunal Administrativo no âmbito do já muito referido recurso de revista, este Venerando Tribunal estará em condições de, nos termos do artigo 121.º/1 do CPTA, proferir, desde logo e de forma antecipada, a decisão da causa principal.
É que, como resulta evidente do Requerimento Inicial e das Alegações de Recurso, o objeto deste processo cautelar e da respetiva ação principal radica na análise jurídica quanto à possibilidade de instalação de farmácia privativa ao abrigo do DL 307/2007.
Pelo que, com a decisão do Supremo Tribunal Administrativo, e dada simplicidade que nessa altura este processo terá, este Venerando Tribunal ficará em condições de proferir decisão da causa principal de acordo com o decido por aquele Supremo Tribunal.
Esta decisão será benéfica para todas as partes, já que se o Supremo Tribunal Administrativo se pronunciar pela possibilidade de abertura de farmácias privativas ao abrigo do DL 307/2007, a situação precária da Contrainteressada terminará, podendo abrir a sua farmácia após vistoria efetuada pelo INFARMED.
Por outro lado, se a decisão a proferir pelo Supremo Tribunal Administrativo for no sentido de não permitir a abertura de farmácias privativas ao abrigo do Dl 307/2007, ficará logo clarificada a posição da Contrainteressada e a ora Recorrente não terá que enfrentar um longo processo principal que, no final, terá um desfecho idêntico ao decidido recurso de revista mencionado”.
Termina pedindo que:
“Nestes termos, deve este processo/recurso ser suspenso, por existência de questão prejudicial, até que o Supremo Tribunal Administrativo emita acórdão final no âmbito do processo n.º 153/13.8BEPRT, e, após esse momento, ser confirmada ou corrigida a Sentença recorrida em função do mencionado acórdão a proferir pelo Supremo Tribunal Administrativo, sendo antecipada, nos termos do artigo 121.º/1 do CPTA, a decisão a proferir na ação principal de que esta providência é instrumental”.
Mostra-se acertada neste ponto da decisão da Primeira Instância face ao mesmo requerimento dirigido à suspensão do processo.
A causa a que respeita o processo n.º 153/13.8 PRT não possui qualquer relação de prejudicialidade ou de dependência no que tange à presente.
No presente caso a questão a que alude o Requerido, ora Recorrido, em discussão no Supremo Tribunal Administrativo no processo n.º 153/13.8 PRT, a de saber se após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 307/2007, subsiste a possibilidade de entidades do sector social promoverem a instalação de novas farmácias privativas, é apenas uma das questões suscitadas na acção principal, sob o tema do vício de violação de lei, a parte de outros vícios: a falta de fundamentação do acto, a falta de audição da interessada, ora Recorrente, o erro nos pressupostos de direito, de nulidade por impossibilidade do seu objecto/conteúdo e por preterição do procedimento legalmente exigido, do concurso público (artigos 161º nº 1 alínea c) e l) do Código de Procedimento Administrativo), qualquer um deles capaz, por si só, de determinar a procedência da acção e, logo, a verificação do pressuposto da requerida providência do “fumus boni iuris”
Por outro lado, o acórdão ali proferido não é para uniformização de jurisprudência pelo que não tem sequer a virtualidade de se impor nos presentes autos.
Finalmente, a natureza urgente dos presentes autos impede a suspensão do recurso, para mais quando, como se refere no despacho do Tribunal recorrido, foi expresso o desacordo das demais partes processuais.
Termos em que se indefere a requerida suspensão da instância.
*
II – Matéria de facto indiciada.
Defende nesta parte a Recorrente:
1- A matéria de facto dada como indiciariamente provada cinge-se a três factos, sendo notoriamente insuficiente para a cabal apreciação e contextualização fáctica da pretensão da Requerente da providência.
2- Desde logo, da matéria indiciariamente assente não consta o teor da pretensão da Contrainteressada, constante de fls. 1 a 10 do processo administrativo, que lhe foi autorizada pela deliberação posta em causa «nos termos propostos» o que lhe deve ser aditado, por ser manifestamente relevante, nomeadamente para a determinação do regime legal aplicável.
3- Também, estranhamente, o tribunal «a quo» não deu como indiciariamente assentes factos que haviam sido alegados nos pontos 110 a 115 da petição inicial, para cuja prova convidara a Requerente a juntar competentes certidões da Segurança Social e das Finanças, que discriminou no despacho de 14.02.2018 (fls. 392 processo electrónico), o que a Requerente fez através dos requerimentos de fls. 397 e 418 (processo electrónico), apesar desses documentos não terem sido impugnados nem pela requerida, nem pela contrainteressada, uma vez deles notificadas.
4- E, bem assim, não deu como provados factos constantes de documentos juntos pela Requerente com a petição inicial, que não foram impugnados e com relevância para a apreciação da matéria em causa.
5- Entende a Requerente e ora Recorrente que a sua falta, porque se trata de matéria pertinente e atinente aos requisitos da providência, poderá ter influenciado a decisão no sentido do indeferimento, sendo importante, tanto para a apreciação do requisito do «periculum in mora», como do próprio «fumus bonis iuris», para além da ponderação dos interesses em presença que, para o deferimento da providência com base na verificação dos requisitos nº 1 do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, se imporá fazer.
E tem razão logo nesta parte.
A matéria de facto que a Recorrente pretende aditar mostra-se relevante indiciariamente comprovada por documentos em parte e noutra parte não foi impugnada sequer.
Deverá por isto aditar-se à matéria de facto alinhada na decisão recorrida, expurgada do que é conclusivo ou já consta da matéria de facto alinhada na decisão recorrida, como é o caso do conteúdo decisório do acto suspendendo.
Termos em que se julga indiciariamente provados os seguintes factos:
*
Da decisão recorrida:
A) A Requerente é proprietária da Farmácia S…, sita na Av. D…, freguesia e concelho de Vila do Conde, distrito do Porto, sendo detentora do alvará n.º 4126 (cfr. fls. 24 do suporte físico dos autos).
B) A abertura da referida Farmácia S… foi autorizada por despacho do Diretor Geral de Assuntos Farmacêuticos do Ministério da Saúde de 23 de Abril de 1985, nos termos do alvará n.º 3464 emitido em 14/01/1986 (cfr. fls. 25 do suporte físico dos autos).
C) Em 08.09.2016, o Conselho Diretivo do Infarmed, Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I.P., deliberou a aprovação nos termos propostos pela “AFASMPV”, o processo de instalação de farmácia social privativa na Av. C…, freguesia e concelho de Vila do Conde (cfr. fls. 63v/64/66 do suporte físico dos autos).
Ora aditados:
D) Por requerimento de 15.07.2015, a Contrainteressada requereu ao Requerido Infarmed, IP, que: se pronunciasse acerca da verificação, quanto à Requerente, dos requisitos previstos no nº 4 da Base II (que não o nº 5) da Lei 2125, de 20.03.1965 e artigos 45º nº 2 e 46º ambos do Decreto-Lei 48547 de 27.08.1968, uma vez que estas disposições legais continuam substancialmente válidas e vigentes “ex vi” artigo 14º nº 3 e 59º 1 e 3 da LPF; que o Infarmed confira (...) o prazo de um ano para instalar a farmácia e ser requerida vistoria e, uma vez realizada esta, seja atribuído alvará, conforme alude o artigo 48º do Decreto-Lei 48547 de 27.08.1968; que o licenciamento tenha a seguinte amplitude …” (folhas 1 a 10 do processo administrativo).
E) O processo de instalação da farmácia social privativa pela Contrainteressada foi submetido à consideração superior no seguimento da recepção no Infarmed, em 06.06.2016, de carta subscrita pelo Presidente da União das Mutualidades Portuguesas dirigida ao Presidente do Conselho Directivo do Infarmed (fls. 110 e 111 do processo administrativo e alegado em 181 da petição inicial.
F) Por deliberação de 09.11.2017 foi reconhecido à ora Recorrente pelo Infarmed, IP. a qualidade de interessada no processo administrativo (fls. 611 do processo administrativo).
G) A distância entre os limites exteriores dos prédios da farmácia da Requerente e do local para o qual a Contrainteressada foi autorizada a proceder à instalação de farmácia pela Deliberação do Conselho Directivo do Infarmed de 08.09.2016 é de 349 metros (Planta emitida pela Câmara Municipal de Vila do Conde, a fls. 45 do processo electrónico - documento 4 junto com a petição inicial, não impugnado).
H) A Requerente tem a sua farmácia em funcionamento com horário alargado das 9:00h às 22:00h, ininterruptamente, todos os dias da semana, todos os dias do ano (ver a fls. 47 do processo electrónico - documento 5 junto com a petição inicial e não impugnado).
I) Tem ao seu encargo 10 funcionários, cujas famílias dependem dos seus salários, para além da Requerente, sua Directora Técnica, no total de 11, com os quais despende, em encargos de segurança social e salários anualmente 260.315,42€, no montante de mensal de 18.593,95€, 14 vezes por ano (sendo 4.813,42€ de contribuições à Seg. Social) a que acrescem 11.912,52€ (992,71€ x12) de encargos com a segurança social da Requerente, que é trabalhadora independente, tudo no total de 272.227,94€ por ano; sendo que tem mensalmente um valor médio de 5.429,00 € de Custos Variáveis e de 21.692,95 € de Custos Fixos; com o stock de medicamentos indispensável à laboração, a Requerente tem um investimento na ordem dos 143.542,00 € (valor correspondente ao inventário 2016); por via da sua actividade, a Requerente é anualmente taxada, em sede de IRS, em quantia nunca inferior a 140.000,00€, na sua maioria sob a forma de pagamentos por conta (documentos de fls. 397 e 418 do processo electrónico e documento 6 junto com a petição inicial não impugnados).
J) A Direcção da Contrainteressada tem como presidente JSMS, vice-presidente Norte da União das Mutualidades Portuguesas, filha de LASS, Presidente da União das Mutualidades Portuguesas e administrador da Mutualidade de SM; JSMS, vice-presidente Norte da União das Mutualidades Portuguesas, integra os órgãos de gestão daquela Mutualidade de SM, a qual explora a «Farmácia M…» de E...; a anterior Direcção da Contrainteressada, ao tempo da entrada do pedido junto do Infarmed, era integrada pela irmã daquela, AMMS, a qual, por seu turno, é Vice-Presidente da Associação Internacional das Mutualidades, para além de assessora do Conselho de Administração da União das Mutualidades Portuguesas (tudo conforme documentos 11 a 13, assentos de nascimento, e 14 a 19, documentos e factos não impugnados).
K) A localização autorizada à Contrainteressada é numa zona da cidade em que já existem quatro farmácias (N…, C…, S… e da V…), contando com a da Requerente, o que vem assegurando uma adequada e suficiente cobertura medicamentosa da população: por certidão camarária de 08.11.2017, subscrita pela Presidente da edilidade, foi certificado que, de acordo com a planta anexa, a cobertura farmacêutica é adequada às necessidades de assistência medicamentosa dos munícipes, não se justificando, do ponto de vista do interesse municipal, qualquer reforço da mesma (certidão junta como documento 8 com a petição inicial, a fls. 62 do processo electrónico e não impugnada).
L) A sede da Contrainteressada está completamente ao abandono; o edifício de “AFASMPV”, sita na Rua C…, Póvoa de Varzim, apresenta nítidos sinais de abandono, como revela a fachada e apenas a porta do lado direito tem sinais de algum, pouco, uso (loja “MAM”); a porta do centro do edifício tem a tinta a descascar, o puxador não existe (está partido), a caixa do correio está cheia e perra e apresenta teias de aranha, que sugerem que a porta não é aberta há muito tempo; a porta do lado esquerdo do edifício tem igualmente a tinta a descascar, apresenta teias de aranha que revelam que não é aberta há muito tempo e os toldos estão recolhidos, tortos e rotos; no primeiro andar, os caixilhos das portas têm a tinta a descascar e estão rachados, sendo que a varanda apresenta uma grande camada de musgo (documento 9 junto com a petição inicial, fotografias detalhadas, a fls. 227 do processo electrónico e confissão constante do ponto 90º da oposição).
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III - Enquadramento jurídico.
1. O requisito do periculum in mora (facto consumado ou prejuízo de difícil reparação).
Determina a primeira parte do n.º 1 do artigo 120.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos de 2015 (aplicável no tempo ao caso):
Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal…” .
Quanto ao requisito do periculum in mora, refere Mário Aroso de Almeida O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2005, 4ª edição revista e actualizada, pág. 260 “se não falharem os demais pressupostos, a providência deve ser concedida se dos factos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que, se a providência for recusada, se tornará depois impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade”.
Continua este autor a referir que a providência deve também ser concedida, “sempre pressupondo que não falhem os demais pressupostos (...) quando os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que se a providência for recusada, essa reintegração no plano os factos será difícil (…), ou seja, nesta segunda hipótese, trata-se de aferir da possibilidade de se produzirem “prejuízos de difícil reparação”.
Por seu lado quanto a esta questão, refere Vieira de Andrade, in “A Justiça Administrativa” 4º ed. p. 298, que:
“O juiz deve, pois, fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por entretanto se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar, que obstem à reintegração específica da sua esfera jurídica”.
Analisando a nossa situação concreta verificamos que estamos perante uma situação potenciadora de causar prejuízos de difícil reparação.
A perda de clientela tem sido entendida como um prejuízo de difícil reparação pela nossa jurisprudência (ver, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 26-02-2003, processo n.º 0149A/03 e de 15-10-2003, processo n.º 01430/03; e do Tribunal Central Administrativo Norte, de 08-03-2007, processo n.º 01845/06.3BEPRT, e de 14-09-2012, processo n.º 00881/12.5BEPRT.
No caso concreto melhor se compreende este critério.
Por um lado, os serviços oferecidos por uma farmácia, são essencialmente os mesmos pelo que a sua localização, a proximidade em relação aos utentes, é decisiva para a cativação de clientela.
Outros factores poderão interferir, como se refere na sentença recorrida, para um maior ou menor desvio de clientela, como a qualidade do atendimento, os preços e apresentação dos produtos.
Esta realidade, contudo, não afasta a realidade, essencial, de existir fuga de clientela.
E aparecendo uma farmácia mais próxima geograficamente, os outros factores acabam por ter escassa relevância na fixação ou desvio da clientela, designadamente, os preços que geralmente são fixados pelos laboratórios e têm limites impostos por lei, sendo, portanto, idênticos para todas as farmácias.
A instalação pela Contrainteressada de uma farmácia na proximidade da farmácia da ora Recorrente necessariamente irá retirar clientela desta: a esmagadora maioria dos utentes que residam próximo da farmácia da Contrainteressado deixarão de ir à farmácia da Requerente.
A Presidente do Município de Vila do Conde, de resto, certificou que a cobertura farmacêutica (de 4 farmácias incluindo a da ora Recorrente) é adequada às necessidades de assistência medicamentosa dos munícipes, não se justificando, do ponto de vista do interesse municipal, qualquer reforço da mesma (certidão junta como documento 8 com a petição inicial, a fls. 62 do processo electrónico e não impugnada).
Ora se a Contrainteressada pediu o licenciamento de uma nova farmácia não foi certamente para emoldurar a decisão de deferimento: de acordo com os critérios de normalidade a Contrainteressada irá instalar uma farmácia.
E, de acordo com a normalidade das coisas, se vai instalar uma nova farmácia não é para não ter clientes.
Como esta nova farmácia surgirá na proximidade geográfica da farmácia da Recorrente é forçoso concluir, por imperativo lógico, que conquistará clientela à custa da perda por parte da farmácia anteriormente instalada, como se adiantou.
Termos em que se concluiu pela existência de um prejuízo de difícil reparação para a ora Recorrente ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo.
Tal como decidido em situações não exatamente iguais mas semelhantes, nos acórdãos Tribunal Central Administrativo Norte, de 11.01.2013, no processo 2785/10.7 BEPRT, e de 14.06.2013, no processo 100/13.7 AVR.
Ficando assim prejudicado o conhecimento do recurso, a título subsidiário, quanto ao despacho que indeferiu o requerimento de prova.
2. O requisito do fumus boni iuris (a aparência do bom direito).
A segunda parte do n.º 1 do artigo 120.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (de 2015) determina:
“ … e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.”
Face ao teor deste preceito - que não distingue entre providências conservatórias, como o pedido de suspensão da eficácia de um acto, e providências antecipatórias - é necessário, além do mais, que sejaprovável que a pretensão formulada ou a formular no processos principal venha a ser julgada procedente para que uma providência antecipatória possa ser concedida. Como, neste domínio, o requerente pretende, ainda que a título provisório, que as coisas mudem a seu favor, sobre ele impende o encargo de fazer prova que as coisas mudem a seu favor, sobre ele impende o encargo de fazer prova sumária do bem fundado da sua pretensão deduzida no processo principal” Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2005, página 609.
Não se trouxe com a reforma de 2015 uma exigência de prova maior e de análise da causa mais profunda e intensa para as providências cautelares em geral.
Exige-se agora para as providências conservatórias e para as providências antecipatórias a mesma prova sumária e o mesmo juízo perfunctório que antes se exigia apenas para as providências antecipatórias no contencioso administrativo.
O mesmo juízo perfunctório que se exigem, de resto, para as providências cautelares do processo civil, pois o requerente também aí deve demonstrar, sumariamente, a “probabilidade séria da existência do direito” – artigo 368º, n.º1, do Código de Processo Civil.
Sob pena de se aproximar, se não de se confundir, o processo cautelar ao processo principal.
O juízo sobre o êxito da acção principal, ainda sumário, não é mais intenso ou aprofundado agora para as providências cautelares conservatórias, apenas distinto: exige-se, como antes para as providências antecipatórias, não apenas que não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular no processo principal ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito, passando agora a exigir-se, em todo o tipo de providências, que seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.
A diferença não está na profundidade ou intensidade do juízo sobre o êxito da acção principal, sempre sumário, mas antes no tipo de juízo sobre a probabilidade de êxito: o êxito da acção deve agora ser provável, numa formulação positiva, e não apenas não ser improvável, numa formulação negativa, para todo o tipo de providências, como antes se exigia apenas para as providências antecipatórias.
Ou seja: o êxito da acção principal deve ser mais provável para que a providência conservatória seja julgada procedente, como antes se exigia apenas para as providências antecipatórias. Não se exige que o juízo sobre o êxito seja mais intenso ou profundo.
A maior exigência, agora, para as providências cautelares conservatórias, está na arguição de fundamentos para a procedência da acção principal e não na análise desses fundamentos.
A maior exigência é de prova dos pressupostos das providências conservatórias e dirige-se ao Requerente; não é de análise dos pressupostos, dirigida ao Tribunal.
O procedimento cautelar continua a caracterizar-se pela sua instrumentalidade, (dependência da acção principal), provisoriedade (não está em causa a resolução definitiva de um litígio) e sumariedade (summaria cognitio do caso através de um procedimento simplificado e rápido - Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo civil, Lex, 1997, paginas 228 a 231.
Feitas estas considerações genéricas, debrucemo-nos sobre o caso concreto.
A ora Recorrente vem dizer que funda a sua pretensão impugnatória daquele acto de autorização de abertura de farmácia privativa à Contrainteressada, não só em vícios formais (falta de fundamentação do acto e falta de audição da interessada, ora Requerente), como em vício de erro nos pressupostos de direito, de violação da lei, de nulidade por impossibilidade do seu objecto/conteúdo e por preterição do procedimento legalmente exigido, do concurso público (artigos 161º nº 1 alínea c) e l) do Código de Procedimento Administrativo), conforme pode ser constatado por consulta da petição inicial nos autos principais, pendentes desde o pretérito mês de Janeiro.
Sucede que os apontados vícios formais não foram referidos no articulado inicial e, como tal, não foram objecto de qualquer das oposições, do Infarmed e da Contrainteressada, em consequentemente, não foram apreciadas na decisão recorrida.
Em sede de recurso jurisdicional - e face ao disposto no artigo 676º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos -, apenas podem ser tratadas questões quem tenham sido invocadas ou suscitadas em primeira instância, salvo as de conhecimento oficioso.
Isto porque o objecto do recurso jurisdicional é a decisão recorrida e não a relação jurídica substancial.
Neste sentido, uniforme, se pronunciaram os acórdãos do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 03.05.2007, no processo n.º 01660/06, e do Tribunal Central Administrativo Norte, de 29.03.2012, processo 00254709.7 BEMDL e de 08-07-2012, no processo 00215/98 – Porto.
Dito isto vejamos.
No seu articulado inicial a Requerente, ora Recorrente, aponta ao acto suspendendo o vício de erro nos pressupostos de direito, de violação da lei, de nulidade por impossibilidade do seu objecto ou conteúdo e por preterição do procedimento legalmente exigido, do concurso público (artigos 161º nº 1 alínea c) e l) do Código de Procedimento Administrativo).
Quanto aos primeiros vícios não se pode concluir que é provável o êxito da acção principal, pelo contrário.
Aproveitando a fundamentação, exaustiva, da decisão recorrida e, em particular, a jurisprudência do Tribunal Constitucional aí citada:
“Temos, pois, que, por acórdão do Tribunal Constitucional de 13.12.2011 foi declarada a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral dos artigos 1 4.°, n.° 1, 47º, n.° 2, alínea a), e 58.°, do Decreto-Lei n.° 307/2007, de 31 de Agosto, na medida em que impõem às entidades do sector social que, no desempenho de funções próprias do seu escopo (isto é, visando objectivos de solidariedade social, sem fins lucrativos, actuando fora do mercado para cumprimento dos fins estatutários que lhes estão associados), constituam sociedades comerciais para acesso à propriedade das farmácias, por violação do princípio da proibição do excesso ínsito no princípio do Estado de Direito (consagrado no artigo 2.°da Constituição), conjugado com o artigo 63.°, n.° 5, da Constituição.
Perante esta declaração de inconstitucionalidade, o legislador, como já se referiu, alterou o DL n° 307/2007, de 31 de Agosto, eliminando o art.° 58° que, sem distinguir entre entidades do sector social da economia que actuam no mercado livremente concorrencial e entidades do sector social que prosseguem a actividade farmacêutica no seu espaço próprio fora do mercado, sem fins lucrativos, exigia que a propriedade da farmácia pertencente a pessoa colectiva assumisse a forma comercial, constituindo o incumprimento dessa obrigação, contra-ordenação punível com coima de €5000 a €20 000 — v. al a) do n° 2 do art° 47° do DL 307/2007.
Assim sendo, apenas quando tais entidades do sector social actuam no mercado aberto e concorrencial tal exigência foi considerada conforme a constituição, em nome do princípio constitucional da igualdade de concorrência de todos os operadores que actuem no mercado farmacêutico, de venda a retalho de medicamentos e de prestação de serviços farmacêuticos.
Também, como já vimos, o legislador na alteração que introduziu ao DL 307/2007, consequente da declaração de inconstitucionalidade de algumas normas, introduziu novo artigo— o art° 59°-A— que, precisamente, determina quais as disposições legais aplicáveis às farmácias privativas e as aplicáveis às farmácias abertas ao público que pertençam a entidades do sector social.
Temos, assim que, para as farmácias privativas de entidades do sector social, as mesmas apenas podem fornecer medicamentos em condições especiais às pessoas que, nos termos dos estatutos ou regulamentos das entidades a que pertençam, tenham essa prerrogativa e nas condições expressamente referidas na Base II, da Lei n.° 2125, de 20/3/1965, não lhe sendo aplicáveis as disposições do art.° 14° e alínea a) do n°2 do art° 47º e art.º 48°- v. n.° 1 do art° 59°-A.”
Tendo em conta o acórdão do Tribunal Constitucional 612/2011, de 13.12, pelo qual foi declarada a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, dos artigos 1º, 4.°, n.º 1, 47º, n.° 2, alínea a), e 58.°, do Decreto-Lei n.° 307/2007, de 31.08, teremos de concluir que não está vedada a possibilidade de instalação de novas farmácias sociais.
Pelo que não é provável, pelo contrário, o êxito da acção principal com este fundamento.
Também se mostra acertada a decisão recorrida quanto a estoutro vício imputado ao acto suspendendo:
Por outra banda, assentando o ato suspendendo no regime legal supra expendido não se revela o mesmo de conteúdo impossível ou nulo por natureza. Na verdade, o ato suspendendo ao aprovar, nos termos propostos pela Contrainteressada, o processo de instalação de farmácia social privativa “AFASMPV fê-lo com base no regime legal vigente detendo, consequentemente, o conteúdo previsto no aludido regime legal.
Sublinha-se ademais que o legislador do atual CPA não consagrou no art.º 161.º a figura da nulidade “por natureza” anteriormente prevista no art.º 133.º, n.º 1 do CPA pelo que, tal nulidade “por natureza” deixou de existir no “cardápio de nulidades” legalmente estabelecidas e definidas, em concreto, no sobredito CPA. – Cfr. Código de Procedimento Administrativo Anotado, Luís de Cabral Moncada, Coimbra Editores, comentário ao art.º 161.º e ss..
Em face do supra exposto, assoma que o ato suspendendo não padece do vício de nulidade por falta absoluta de base legal, ou cujo conteúdo é impossível ou nulo por natureza.
Alega ademais a Requerente que o ato suspendendo padece de vício de violação de lei, nomeadamente, do disposto nos n.ºs 1 a 3, do art.º 59.º-A conjugado com o art.º 14.º, n.º 3 a contrario, todos do Decreto-Lei n.º 307/2007 e ainda de erro nos pressupostos de facto e de direito uma vez que, o ato suspendendo foi proferido com base em pressupostos de facto e de direito errados e sem fundamento legal.
Também aqui, e pelos motivos supra expendidos, não assiste razão à Requerente, senão vejamos.
Rezam assim os citados normativos:
“Artigo 14.º
Proprietárias de Farmácias
1 - Podem ser proprietárias de farmácias pessoas singulares ou sociedades comerciais.
2 - São obrigatoriamente nominativas as ações representativas do capital das sociedades comerciais proprietárias de farmácias, bem como das que participem, direta ou indiretamente, no capital de sociedades proprietárias de farmácias.
3 - As entidades do sector social da economia podem ser proprietárias de farmácias nos termos previstos no artigo 59.º-A desde que cumpram o disposto no presente decreto-lei e demais normas regulamentares que o concretizam.”
Artigo 59.º-A
Farmácias do sector social da economia
1 - O disposto no presente decreto-lei é aplicável às farmácias privativas que tenham sido abertas ao abrigo da 1.ª parte do n.º 4 da base II da Lei n.º 2125, de 20 de março de 1965, com as adaptações decorrentes do facto de as mesmas apenas poderem fornecer medicamentos em condições especiais às pessoas que, nos termos dos estatutos ou regulamentos das entidades a que pertençam, tenham essa prerrogativa e nas condições ali expressamente estabelecidas.
2 - As entidades do sector social que detenham farmácias abertas ao público, concorrendo com os operadores no mercado e em atividade ao abrigo do preceituado na 2.ª parte do n.º 4 da base II da Lei n.º 2125, de 20 de março de 1965, mantêm-se abrangidas pelo regime legal e fiscal das pessoas coletivas de utilidade pública e de solidariedade social.
3 - Não é aplicável às farmácias referidas nos números anteriores o disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 14.º.”
Efetivamente, o teor dos normativos transcritos – considerando ademais o teor do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 612/2011 publicado no Diário da República n.º17/2012, Série I de 24/01/2012 - o qual declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, dos artigos 14.º, n.º 1, 47.º, n.º 2, alínea a), e 58.º do Decreto-Lei n.º 307/2007, de 31 de Agosto, na medida em que impõem às entidades do sector social que, no desempenho de funções próprias do seu escopo, constituam sociedades comerciais para acesso à propriedade das farmácias, por violação do princípio da proibição do excesso ínsito no princípio do Estado de Direito (consagrado no artigo 2.º da Constituição), conjugado com o artigo 63.º, n.º 5, da Constituição – não impede, como se viu, a aplicação do referido diploma legal às farmácias privativas sociais, isto é, a abertura de farmácias sociais privativas desde que, cumpridos os requisitos legais aí prescritos. E isso mesmo resulta, como já supra se mencionou, quer do sobredito diploma legal quer do teor do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 612/2011.
Assim, resulta do art.º 14.º, n.º 3 do aludido Decreto-Lei n.º 307/2007, de 31 de Agosto que “As entidades do sector social da economia podem ser proprietárias de farmácias nos termos previstos no artigo 59.º-A desde que cumpram o disposto no presente decreto-lei e demais normas regulamentares que o concretizam” sendo que, tais entidades “apenas podem[rem] fornecer medicamentos em condições especiais às pessoas que, nos termos dos estatutos ou regulamentos das entidades a que pertençam, tenham essa prerrogativa e nas condições ali expressamente estabelecidas.”, como resulta do prescrito no n.º 2 do art.º 59.º-A do Decreto-Lei n.º 307/2007, de 31 de Agosto.
Destarte, o ato suspendendo – ao contrário do invocado – não foi proferido com base em errados pressupostos de facto e de direito mas sim, com base e em consonância com o legalmente previsto no Decreto-Lei n.º 307/2007, de 31 de Agosto”.
Tendo em conta o decidido no Acórdão do Tribunal Constitucional 612/2011 é inconstitucional a restrição pretendida pela Requerente e afastada pela decisão suspendenda pelo também não padece destes vícios invocados pela ora Recorrente.
Sendo também improvável o êxito da acção com estes fundamentos.
Num fundamento, no entanto, já se mostra provável o êxito da acção principal, o da preterição do concurso público.
Na sua oposição defendeu a Contrainteressada (ponto 34):
“O nº 3 do artigo 59ºA ao referir “não é aplicável às farmácias referidas nos números anteriores o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 14º” e ao referir na parte final do nº 1 “com as adaptações decorrentes do facto de as mesmas apenas poderem fornecer medicamentos em condições especiais às pessoas que, nos termos dos estatutos ou regulamentos das entidades a que pertençam, tenham essa prerrogativa e nas condições ali expressamente estabelecidas”, exclui a aplicação da LPF às farmácias sociais (mormente a abrir no futuro), daquelas disposições que se aplicam apenas às farmácias de oficina (as do sector privado lucrativo e especulativo), como v.g. concurso público porque as farmácias sociais não funcionam em razão do mercado e do zonamento e capitação, mas apenas para os seu substracto associativo. Já as disposições relativas ao pessoal, registo, direcção técnica, funcionamento, transferência, horário, instalações, etc. aplicam-se porque não tem nada a ver com as “adaptações” que decorram de serem farmácias apenas para um substracto de uma determinada entidade da economia social EES).
Não está em causa, na exigência do concurso, apenas razões de mercado de zonamento e de capitação. Está também em causa, a escolha da farmácia que se encontre em melhores condições para prestar o melhor serviço ao público, um interesse mais vasto e relevante do que o interesse mais restrito de um “substracto de uma determinada entidade da economia social” pelo que a interpretação das normas invocadas e aplicáveis ao caso devem ser interpretadas no sentido de impor e não de afastar o concurso.
Pelo que por este fundamento, bastante para determinar a anulação do acto suspendendo, é provável o êxito da acção.
Termos em que se concluir, ao contrário do decidido, que também este requisito se verifica.
3. A ponderação de interesses.
Estipula o n.º 2 do artigo 120.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (de 2015):
“Nas situações previstas no número anterior, a adoção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.”
Como nos diz Cármen Chinchilla Marín em “La tutela cautelar en la nueva justicia administrativa”, Civitas, Madrid, 1991, pág. 163: “… o interesse público há-de ser específico e concreto, ou seja, diferenciado do interesse genérico da legalidade e eficácia dos actos administrativos …”
Deste modo, só quando as circunstâncias do caso concreto revelarem de todo em todo a existência de lesão do interesse público que justifique a qualificação de grave e se considere que essa qualificação deve prevalecer sobre os outros prováveis prejuízos que se contrapõem é que se impõe a execução imediata do acto, indeferindo-se, por esse facto, o pedido de suspensão – acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 13.01.2005, Proc. n.º 959/04.9BEVIS.
Na sua oposição a Contrainteressada invocou que:
“77. Caso fosse decretada a providência os custos já suportados pela demandada e os que derivam dos compromissos assumidos e que constam do documento nº 3 em anexo, de 259 134,85 euros, seriam perdidos, duas pessoas iam já para o desemprego, sem iniciarem funções e o empréstimo bancário teria que ser pago.

78. Pelo que o prejuízo efetivo causado à demandada, seria sempre muito superior a qualquer hipotético prejuízo causado à demandante. Por um lado, temos gastos efectivos, do outro meras hipóteses, as quais, nunca se podem considerar porque não se trata de entidades numa relação de concorrência.”
Sucede que da matéria indiciada, agora aditada, não resulta o que a Contrainteressada invocou.
Pelo contrário ficou indiciado que a sua sede está completamente ao abandono e, portanto, pelo menos não são perceptíveis nem o investimento que justifique os “compromissos assumidos” nem a situação de desemprego que possa resultar da suspensão da eficácia do acto.
A que se contrapõe o interesse da Requerente que, caso a Contrainteressada venha a avançar com as obras e o investimento necessário para a instalação da Farmácia, como é previsível, perderá clientela.
Finalmente, o interesse público vai no sentido de se manter a situação que existe, de quatro farmácias, dado que esta é adequada às necessidades de assistência medicamentosa dos munícipes, não se justificando, do ponto de vista do interesse municipal, qualquer reforço da mesma.
Termos em que, ao contrário do decidido, se impõe decretar a providência requerida.
***
IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional, pelo que:
A) Revogam a sentença recorrida.
B) Determina a suspensão da eficácia do acto em apreço.
Custas na Primeira Instâncias por ambos Requeridos, dado ambos terem apresentado oposição.
Custas do presente recurso apenas pelo Requerido que contra-alegou.
Porto, 07.12.2018
Ass. Rogério Martins
Ass. Luís Garcia
Ass. Alexandra Alendouro