Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02848/10.9BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/29/2017
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Mário Rebelo
Descritores:APROVEITAMENTO DE PROVA
Sumário:Ordenando-se o aproveitamento da prova produzida noutro processo, deve ser junta ao processo cópia da acta da inquirição aproveitada, para que a produção de prova possa ser sindicada.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:M...
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

M..., melhor identificados nos autos, inconformado com a sentença proferida pelo MMº juiz do TAF do Porto que julgou improcedente a oposição deduzida contra a reversão da execução instaurada contra a devedora originária “C…, Lda” dela interpôs recurso rematando as alegações com a seguintes conclusões:

CONCLUSÕES
1) Por aplicação das disposições conjugadas dos arts. 22º, n.º 4, 23º, n.º4 e 70º da LGT, é possível constatar que com vista à fundamentação da decisão de reversão da execução contra o obrigado subsidiário, deverá a entidade decisora: i) de forma objectiva, e fundamentada demonstrar na própria decisão a qualidade de administrador de facto do oponente, invocando factos que demonstrassem o exercício efectivo do cargo; ii) apurar o grau de insuficiência do património da devedora originária, para satisfação da divida tributária; iii) determinar de forma exacta o montante pelo qual o revertido será responsabilizado em sede de reversão.
2) Da nota de citação, por via do qual se comunica a decisão de reversão ao aqui Alegante, consta apenas quanto se transcreve: “Dos administradores, directores ou gerentes e outras que exerçam ainda que somente de facto funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo, art. º 24, n.º 1, b) da LGT.”
3) A AT apurou o grau de insuficiência patrimonial da devedora originária, pois que, efectuadas as diligências necessárias conclui-se pela inexistência de património societário.
4) A AT também aquilatou do quantum de dívida cuja responsabilidade poderia imputar ao responsável subsidiário.
5) Ao contrário de quanto inculca a decisão a quo, não resulta de nenhum excerto da fundamentação do acto de reversão da execução fiscal que o Alegante, no período a que se reportam as dívidas em execução, ou no período em que correu o prazo para pagamento voluntário, exerceu de facto funções de gerente da sociedade devedora originária.
6) Em momento algum a AT, enuncia, e elenca todo um conjunto de factos, que pela sua configuração, demonstrem de forma cabal que o Alegante no prazo legal de pagamento das dívidas em execução, de facto, representava perante terceiros, que dava orientações a entidades subordinadas, ou que se assumia direitos e obrigações em nome da devedora originária.
7) É precisamente neste ponto que a decisão em recurso se encontra ferida de ilegalidade, na medida em que, ao contrário de quanto considerou no ponto 4 do acervo probatório, em momento algum são invocados ou descritos factos demonstrativos do exercício efectivo da gerência por parte do aqui alegante, postergando, assim, o dever de prova (cfr. art.74º, n.º 1 da LGT) a par do dever geral de fundamentação (cfr. arts. 23º, n.º 4 e 77º da LGT).
8) A putativa concretização da gerência de facto por parte do Alegante surge apenas informação oficial prestada pela AT ao processo de oposição.
9) A fundamentação da decisão tem de ser contemporânea, no sentido de que, deve ser efectuada no momento em que a mesma é comunicada ao sujeito passivo administrado, não podendo a AT em momento posterior, no sentido de colmatar um lapso ou erro de procedimento, vir fundamentar uma decisão que já produziu efeitos na esfera de actuação do sujeito passivo, e com base na qual, exerceu a sua defesa.
10) Uma fundamentação, realizada à posteriormente à comunicação da decisão ao sujeito administrado, não satisfaz os requisitos do dever geral de fundamentação, como é evidente, uma vez que o destinatário do acto não fica a saber que factos concretos determinaram a reversão.
11) As razões que o Tribunal a quo alegou na sua decisão para justificar a improcedência da oposição à execução, não constam da motivação do acto.
12) O acto controvertido que ocasionou a oposição à execução fiscal, materializa-se decisão de reversão da execução fiscal, instaurada contra a sociedade “C…, LDA”, para cobrança coerciva de créditos de IVA.
13) Salvo melhor opinião, é convicção do Recorrente, que a execução que contra si foi revertida, não poderá proceder por falta de verificação dos pressupostos legais de cuja verificação depende a responsabilização subsidiária dos administradores e gerentes.
14) A imputação da dívida tributária aos gerentes ou administradores das sociedades ou empresas carece da actuação culposa dos seus agentes, afigurando-se relevante, um nexo de causalidade entre a actuação do gerente e o não pagamento dos débitos fiscais.
15) A responsabilidade e a culpa no não pagamento da prestação tributária de IVA da devedora originária não podem ser assacadas ao Recorrente já que, a actuação do Recorrente foi no sentido de reestruturar a empresa, mantendo a fonte de rendimento e com isso pagar os débitos existentes, actuando com a diligência de um bom pai de família.
16) Efectivamente foi possível demonstrar que a situação financeira e económica da devedora originária, ficou a dever-se essencialmente a factores externos à vontade da gerência, situações extraordinárias que dificilmente se poderiam prever ou controlar, como o estrangulamento do mercado tanto por aumento da oferta como pela diminuição da procura e à falta de actualização tecnológica que à data a empresa já revelava.
17) Em face de toda a prova produzida, é de concluir que os motivos que levaram ao não pagamento dos créditos em crise, foram causados por factores exógenos ao Recorrente, devendo em consequência, concluir-se que o Recorrente afastou a presunção de culpa que sobre ele impendia e que motivara a reversão.
18) Após análise e ponderação da prova testemunhal, com o resultado da perícia (cfr. registos insertos nos minutos 0002 - 2097 das gravações áudio) dúvidas não subsistem de que não é possível concluir que a falta de entrega da prestação tributária ficou a dever-se a culpa do Oponente, requerendo-se a reapreciação da prova gravada e da prova pericial (art. 640º, n.º 1, al. b) e n.º 2 do CPC ex vie art. 2º, al. e) do CPPT).
19) Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo ao decidir-se pela procedência da execução contra o Oponente, relativamente às prestações tributárias de IVA, violou o art. 24º, n.º 1, al. b) da LGT.
Julgando-se o Recurso procedente, será feita
JUSTIÇA!

CONTRA ALEGAÇÕES.
Não houve.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo pela anulação da decisão recorrida e baixa do processo ao tribunal "a quo" para instrução e nova decisão – reparação de défice com referência à prova testemunhal, proferindo despacho a determinar a junção dos elementos necessários de que depende esse meio de prova.

II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou no julgamento da matéria de facto e de direito ao julgar improcedente a oposição contra a reversão da execução.

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:
1. O serviço de Finanças do Porto 5 instaurou o processo de execução fiscal n.º 3190200701075713, por dívidas provenientes de IVA, de 2007, no montante global de €4.650,90, em nome de C…, Lda., NIPC 5…– cfr. fls. 18 e ss., do processo físico;
2. Em 05.12.2006 foi exarado auto de diligência por funcionário do Serviço de Finanças do Porto 5 com o teor seguinte: “Aos 5 dias do mês de Dezembro de 2006, na Avenida da Boavista, 292 – 2º F – Porto, onde eu, A…, Técnico de Administração Tributária adjunto, colocado no Serviço de Finanças do Porto – 5, vim em cumprimento do mandado que antecede, tenho a informar o seguinte: - A sociedade executada não se encontra instalada na referida morada; - As instalações encontram-se encerradas e sem qualquer movimento há bastante tempo; - Não foram encontrados quaisquer bens passíveis de serem penhorados (…)” – cfr. fls. 21, do processo físico;
3. Em 09.01.2008, o oponente dirigiu requerimento ao Serviço de Finanças do Porto 5, em nome da sociedade devedora originária. – cfr. fls. 27, do processo físico;
4. Em 21.02.2008, o oponente dirigiu requerimento ao OEF, em nome da sociedade devedora originária. – cfr. fls. 29, do processo físico;
5. Em 18.05.2010 foi proferido projecto de reversão das dívidas da executada originaria contra o Oponente – fls. 30;
6. Tendo sido determinada a sua audição prévia – fls. 31;
7. Em 22.06.2010 foi proferido despacho de reversão contra o Oponente, tendo como fundamento da reversão a menção seguinte: “Face às diligências de fls. 3 e estando concretizada a audição (…) Dos administradores, directores ou gerentes e outras que exerçam ainda que somente de facto funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da divida quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo art. 24, n.º 1, b) LGT” – cfr. fls. 32;
8. Em 30.12.2004, por escritura pública foi efectuada cessão e unificação de quotas e aumento de capital da sociedade C…, sendo à data únicos gerentes o oponente e D…– cfr. fls. 24 e ss.;
9. Em 2007 o Oponente era o único gerente da executada originária – fls. 24 e ss.;
10. A sociedade C… tinha lojas no Porto, Aveiro e Lisboa (prova testemunhal, em especial, as testemunhas J… e Cristina…);
11. Em data não concretamente apurada foram encerradas as lojas existentes nas faculdades (prova testemunhal, em especial das testemunhas J… e Cristina…);
12. O oponente procurou cessar contractos de trabalho com trabalhadores da C…, renegociar outros contractos, designadamente, contractos de arrendamento de espaços comerciais e contractos de renting (prova testemunhal, em especial depoimento das testemunhas J…, Cristina… e S…, pontos 99.º e 100.º da petição inicial);
13. Em 23.09.2004, foi celebrado um acordo relativo a declaração e cessão de dívida, no qual a C… se reconhece devedora à N…, S.A., do valor de € 391.837,02, e no qual o oponente se obriga a pagar a totalidade da dívida, através da sociedade N…, S.A. – depoimento da testemunha J…;
14. A executada deixou de exercer actividade no ano de 2006 (depoimentos das testemunhas J…, Cristina… e S…);
15. Em 09.01.2008 o Oponente na qualidade de gerente da executada originária apresentou requerimento junto da AT – fls. 57 e ss.
Factos Não Provados: Não se provaram quaisquer outros factos, com relevância para a decisão da causa.
Motivação.
A matéria de facto dada como provada foi a considerada relevante para a decisão da causa controvertida, alicerçando-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados, na análise dos autos e documentos dele constantes, tudo conforme referido a propósito de cada um dos pontos do probatório.
O Tribunal considerou ainda provados os factos decorrentes do depoimento das três testemunhas inquiridas, J… (Técnico Oficial de Contas), Cristina… (administrativa) e S… (administrativa), as quais depuseram sobre toda a matéria.
J… desempenhou funções como trabalhador dependente, na sociedade C…, onde o oponente era gerente, desde Junho de 2003 até ao final do ano de 2006 (data do seu encerramento), como Técnico Oficial de Contas. Cristina… foi funcionária da sociedade C…, desde Outubro de 1994 até Dezembro de 2006 (data de encerramento), desempenhando funções como administrativa, efectuando designadamente controlo dos mapas de facturação. A testemunha S… começou a trabalhar para a sociedade C… em 1991, como administrativa, tendo-se mantido até ao seu encerramento (Dezembro de 2006), tendo revelado conhecimento directo dos factos.
As três testemunhas prestaram depoimento sobre factos de que tinham conhecimento directo, de forma séria, credível e coerente pelo foi levado em conta.
O Tribunal ficou convencido de que o Oponente exerceu a gerência de facto da sociedade devedora originária, porquanto praticou actos típicos de gerência, tais como: entrega de declaração de alterações à AT (fls. 26); requerimento dirigido ao OEF na qualidade de gerente (fls. 27); requerimento dirigido ao Director de Finanças do Porto na qualidade de gerente (fls. 29); declarações e requerimentos perante AT (fls. 49 a 58), sendo que o requerimento de fls. 57 foi apresentado em 2008.
Acresce que auferiu rendimentos da categoria A, pagos pela devedora originária tendo estando inscrito junto da segurança social como membro do órgão estatutário.
ADITAMENTO DE FACTOS.
Ao abrigo do disposto no art. 712º do CPC, aditamos à matéria de facto o seguinte:

16. A fls. 72 dos autos, foi proferido o despacho de 8/5/2014 com o seguinte teor:
“Ao abrigo dos princípios da economia e celeridade processuais afigura-se-me útil proceder ao aproveitamento da prova produzida no âmbito do processo n.º 1149/09. Por conseguinte, notifique as partes que caso pretendam opor-se ao referido aproveitamento de prova deverão fazê-lo, expressamente, nos autos, no prazo de 10 dias”.
17. As partes nada disseram no prazo assinalado.
18. Não foi ordenada a junção da acta de inquirição de testemunhas nem junta a respectiva cópia do registo da prova.

IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

Foi instaurado contra a devedora originária C…, Lda.” o processo de execução fiscal n.º 3190200701075713 para cobrança de dívidas no valor de € 4 650,90 relativas a IVA do período 2007/09.
Verificada a inexistência de bens susceptíveis de penhora, a execução foi revertida contra o gerente da sociedade.
Após citação, foi deduzida oposição alegando entre o mais a falta de fundamentação do despacho de reversão, falta de demonstração da insuficiência de bens, inexistência dos pressupostos que legitimam a reversão e falta de imputação ao oponente na falta de pagamento das quantias em execução.

Foi ordenado o aproveitamento da prova produzida no processo n.º 1149/09, efectuadas alegações e parecer do EMMP, após o que foi proferida sentença, na qual a MMª juiz julgou improcedente a oposição.

O Oponente não se conforma, imputando à sentença erro de julgamento de direito e na apreciação da matéria de facto, referindo-se ainda ao “resultado da perícia”, de que não há qualquer notícia nos autos (Conclusão 18ª).

Como resulta dos factos aditados neste TCA não constam do processo quer a ata da inquirição quer o suporte digital do qual constem os depoimentos referenciados na sentença.

A ausência destes elementos inviabiliza a possibilidade de nos debruçarmos sobre o recurso quanto ao julgamento da matéria de facto, tudo se passando como se não houvesse prova produzida nos autos.

Questão idêntica foi já apreciada e decidida em vários arestos deste TCA em que também não foi junta a acta ou actas de inquirição nem cópia do registo dessa prova, o que impediu o Tribunal de valorar efectivamente tal meio de prova, por impossibilidade de apreender o seu total enquadramento. Ac. do TCA Norte de 15/10/2015, processo 171/09 Aveiro e ac. n.º 4728/04 – Viseu, de 26/11/2015, ainda inédito, ao que sabemos.

Louvando-nos no ac. n.º 171/09 Aveiro Ac. do TCAN n.º 00171/09.0BEAVR de 15-10-2015 Relator: Pedro Vergueiro
Sumário:
I) As conclusões de recurso evidenciam que a Recorrente, ao longo do seu articulado, discute, de forma tenaz, a matéria de facto apurada nos autos, reclamando uma outra análise neste domínio, não podendo deixar de notar-se o relevo que a ora Recorrente confere à prova testemunhal.
II) Se é certo que o Tribunal a quo decretou o aproveitamento da prova produzida no âmbito de um outro processo pendente naquele Tribunal, quando se analisa o processado, não se apreende que o processado tenha efectivamente contemplado tal situação, na medida em que uma decisão deste teor implica, por um lado, a junção aos autos de certidão relativa à forma como foi produzida tal prova, ou seja, certidão da acta ou actas (caso tenha existido mais do que uma sessão) de inquirição de testemunhas e, por outro lado, que se providencie pela junção ao processo de uma cópia do registo dessa prova.
III) Perscrutado o conteúdo integral da petição inicial deste processo de impugnação judicial, surge-nos avisado, cauteloso, prudente, afirmar a alegação de factos, com potencial interesse para a apreciação e decisão da causa, susceptíveis de sobre a respectiva realidade se produzir prova documental e testemunhal.
IV) Ora, considerando que o próprio Tribunal recorrido considerou, reconheceu a pertinência de tais elementos para a sorte dos autos e considerando que não constam dos autos a acta ou actas de inquirição bem como uma cópia do registo dessa prova, o Tribunal está impedido de valorar efectivamente este meio de prova, na medida em que não tem meios para apreender o seu total enquadramento.
V) Nestas condições, e perante a própria motivação da decisão recorrida que alude à prova testemunhal sem se perceber como terá tido acesso à mesma, sendo que nem aí, aparentemente, houve a percepção da situação dos autos neste âmbito, cabe concluir encontrar-se o julgamento da matéria de facto, inscrito na sentença, inquinado por défice instrutório, na medida em que, com o devido respeito, tudo se passa como se tal prova não tivesse sido produzida nos autos., com a devida vénia transcrevemos a fundamentação relevante para este recurso: Pois bem, no caso, não foi junta aos autos a certidão relativa aos elementos apontados, nem existe duplicado de tal registo de prova.
Tal faz emergir a questão da avaliação do julgamento da matéria de facto produzido nos autos, no sentido da detecção de possível défice instrutório, decorrente de não ter sido produzida a prova apontada.
O art. 712.º do C. Proc. Civil, ao fixar perspectiva e orientação para o julgamento, por parte do tribunal de recurso, da decisão proferida em 1.ª instância sobre a matéria de facto, prevê, no respectivo nº 4, a hipótese de esta ser anulada sempre que se “repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando (se) considere indispensável a ampliação desta”. Trata-se da conferência de uma faculdade processual, coberta pela força das decisões proferidas por tribunais de grau hierárquico superior, tendente a, por princípio, permitir buscar todos os dados factuais disponíveis, com potencial interesse e relevo para um julgamento o mais acertado possível das pretensões formuladas pelas partes numa concreta demanda judicial, que, no âmbito específico da jurisdição tributária, pressupõe particular enfoque e atenção, por virtude do privativo ónus que impende sobre os juízes dos tribunais tributários de realizar ou ordenar todas as diligências consideradas úteis ao apuramento da verdade material - cfr. arts. 13º n.º 1 CPPT e 99º nº 1 LGT. Não se olvide, ainda, que é no estabelecimento da matéria de facto relevante que o juiz exercita o núcleo, a excelência, do seu múnus, é nesse momento que tem de fazer jus à sua condição de julgador, que se lhe impõe o acertado e responsável exercício do poder de julgar, aqui ao serviço da melhor, mais justa e equitativa, apreensão e tradução da realidade, da verdade, dos factos, com relação aos quais importa, sequentemente, aplicar o direito, tarefa, sobretudo, de cariz e apuro técnico (acessível, pois, a qualquer cultor do direito), determinada, condicionada, pelo quadro factual previamente traçado.
Perscrutado o conteúdo integral da petição inicial deste processo de impugnação judicial, surge-nos avisado, cauteloso, prudente, afirmar a alegação de factos, com potencial interesse para a apreciação e decisão da causa, susceptíveis de sobre a respectiva realidade se produzir prova documental e testemunhal.
Pois bem, tal como acima se apontou, a ora Recorrente requereu o aproveitamento da prova produzida num outro processo, com referência a documentos e audição de testemunhas, sendo que quanto à inquirição de testemunhas nada consta sobre a sessão ou sessões realizadas no âmbito do Proc. nº 194/09.0BEAVR.
Ora, considerando que o próprio Tribunal recorrido considerou, reconheceu a pertinência de tais elementos para a sorte dos autos, o que significa que, em princípio, abstractamente, a realização destas diligências probatórias encerra potencial para se aceder e dispor de todos os elementos relevantes para a descoberta da verdade.
No entanto, quanto à prova testemunhal, e na medida em que não constam dos autos a acta ou actas de inquirição bem como uma cópia do registo dessa prova, o Tribunal está impedido de valorar efectivamente este meio de prova, na medida em que não tem meios para apreender o seu total enquadramento.
Nestas condições, e perante a própria motivação da decisão recorrida que alude à prova testemunhal sem se perceber como terá tido acesso à mesma, sendo que nem aí, aparentemente, houve a percepção da situação dos autos neste âmbito, cabe concluir encontrar-se o julgamento da matéria de facto, inscrito na sentença, inquinado por défice instrutório, na medida em que, com o devido respeito, tudo se passa como se tal prova não tivesse sido produzida nos autos.
E não se diga que se trata de um mero preciosismo, nomeadamente quando se verifica a Recorrente procedeu à transcrição da prova por si arrolada no Proc. nº 194/09.0BEAVR, pois que, como a própria refere, apenas transcreveu o depoimento das testemunhas por si arroladas, além de que, e antes de mais, apenas a presença da certidão da acta ou actas de inquirição de testemunhas pode conferir relevância para efeitos do presente processo aos tais depoimentos e na medida do seu alcance vertido nessa acta ou actas, situação depois suportada pelo duplicado do registo dessa prova.
Impõe-se, portanto, ao tribunal recorrido, a reparação do identificado défice com referência à prova testemunhal, determinando a presença nos autos dos elementos necessários de que depende a efectiva consideração desse meio de prova.”

Transpondo a jurisprudência deste acórdão para o caso dos autos, concluímos também que a sentença recorrida não pode manter-se devendo os autos baixar para completa instrução e demais termos subsequentes, tornando inútil a apreciação das demais questões suscitadas (art. 608º/2 "ex vi" do art. 663º/2 CPC).

V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em anular a sentença recorrida, devolvendo-se o processo ao Tribunal de 1ª instância para completa instrução e demais termos subsequentes.
Sem custas.
Porto, 29 de junho de 2017.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina Travassos Bento
Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira