Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00187/08.4BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/07/2016
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Mário Rebelo
Descritores:NULIDADE DA SENTENÇA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário:1. O juiz tem o dever de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
2. Mas não tem que apreciar todas as linhas de argumentação jurídica mobilizadas pelas partes, pois não está sujeito às suas alegações no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.
3. A sentença é nula por omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento, nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

A…, SA melhor identificada nos autos, deduziu impugnação judicial contra o indeferimento do RECURSO HIERÁRQUICO que interpôs contra a liquidação adicional de IRC relativa ao ano de 1998, no montante de € 6.425,70 e juros compensatórios no valor de € 1.486,18 liquidadas com recurso a métodos indirectos.
O MMº Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga julgou improcedente a impugnação por sentença de 29 de Abril de 2009.
Inconformada, interpôs recurso para este TCA concluindo as alegações com as seguintes conclusões:

1. Salvo o devido respeito – que é muito – a douta sentença recorrida padece de nulidade, uma vez que não se pronuncia cabalmente sobre todos os aspectos da impugnação apresentada, o que constitui nulidade ao abrigo do artigo 125 do C.P.P.T.
2. A impugnação foi apresentada, do indeferimento de um recurso hierárquico apresentado, dado que a reclamação graciosa havia sido indeferida.
3. O agora requerente no recurso hierárquico apresentado e na impugnação apresentada sustenta que: A) O relatório de inspecção não está devidamente fundamentado; B) que a
decisão da reclamação graciosa e a decisão sobre o recurso hierárquico não se pronunciam sobre a todos os vícios alegados.
4. O Recorrente termina a sua impugnação com dois pedidos, a saber: A) Deverá a decisão recorrida ser revogada e, em consequência, ser ordenado a anulação do acto tributário; B) Ou caso assim se não entenda, a revogação do despacho proferido ordenando-se a sua remessa para ser proferida decisão de mérito.
5. Ora a douta sentença sobre o segundo pedido é completamente omissa.
6. Toda a douta decisão rebate a argumentação da recorrente de falta de fundamentação, considerando que o relatório está cabalmente fundamentado,
7. Contudo é omissa quanto à fundamentação da decisão do recurso hierárquico proferido.
8. Sendo que, salvo o devido respeito, erra a douta sentença em aderir à (pretensa) fundamentação, que não existe.
9. Ora entende o recorrente que quer o Relatório da Inspecção quer a douta sentença não estão devidamente fundamentados.
10.Em primeiro lugar não foram os sócios notificados para esclarecer qual a origem dos seus rendimentos.
11.O que sempre se impunha pelo dever da descoberta da verdade material.
12.Em segundo lugar os rendimentos dos sócios podem ter sido obtidos de forma legal mas não sujeito a tributação, por exemplo mais valias decorrente da venda de bem imóvel adquirido antes do ano de 1989.
13.Os sócios, que já contam com mais de 50 anos, podem ter obtido esses rendimentos há muitos anos atrás, sendo que o Relatório apenas se centra nos anos imediatamente
anteriores à data da inspecção.
14.Por outro lado quer o relatório quer a douta sentença são completamente omissas sobre quais as irregularidades que padece a contabilidade da impugnante.
15.A douta sentença remete toda a fundamentação em causa para o relatório,
16.No entanto e como já se disse na impugnação apresentada, o mesmo não está fundamentado.
17.Ora, dispõe o artigo 84º do CIVA que “a liquidação com base em presunções ou métodos indirectos, por carência de elementos que permitam apurar claramente o imposto, basear-se-á nos factos previstos neste código ou nos previstos...no artigo 52.º do CIRC...” dispondo este que “a aplicação dos métodos indirectos se efectua nos casos e condições previstos nos artigos 87º a 89º da Lei Geral Tributária”.
18.Por sua vez o artigo 87º, nas suas alíneas a) a e), elenca os pressupostos da realização da avaliação indirecta; e,
19.Referindo o artigo 88º os pressupostos da impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável.
20.Sendo, assim, dentro destes pressupostos legais a AF tem de pautar a sua actuação e consequentemente fundamentar as suas decisões de recorrer a métodos indiciários.
21.O dever de fundamentação obriga a que a AF, dentro dos condicionalismos legais apontados, fundamente as suas decisões com base nesses mesmos condicionalismos, de forma a fundamentadamente iludir a presunção estabelecida no artigo 75º da LGT presumem-se verdadeiros e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos da lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade.
22.O que, no caso do relatório que sustenta as liquidações que por consequência deram origem ou presente processo, não se verifica quanto à fundamentação.
23.A AF sustenta apenas que os rendimentos dos sócios não se compaginam com os suprimentos efectuados, só e apenas este facto fundamenta o relatório e toda a subsequente liquidação.
24.Ora, esta parca fundamentação não é susceptível de configurar satisfeito o dever legal de fundamentação.
25.Dado que dever de fundamentação não estará cumprido se se apoiar em factos obscuros ou, entre si, contraditórios;
26.A AF limita-se a, na pratica, a fazer (cfr – Ponto V do relatório da inspecção), “assim ao valor das vendas declaradas e tributadas, vamos acrescer o valor dos suprimentos, uma vez que em face dos pressupostos antes referidos permitem relevar a existência duma relação congruente, isto é, e justificada entre os factos apurados e a situação concreta do contribuinte, isto é, o seu valor (contabilizado e declarado) é o equivalente ao dos proveitos omitidos.”, ou seja,
27.A AF considera que o montante dos suprimentos equivaleria a vendas omitidas, sem qualquer fundamentação ou critério razoável ou de bom senso em que apoie tal decisão, transformando, grosso modo, uma situação passiva numa situação activa.
28. E, pior que isso, a AF diz uma coisa e faz a inversa, pois, por um lado, diz haver razões para determinar o IVA por métodos indirectos, por impossibilidade de comprovação e quantificação, e, por outro lado, faz a sua comprovação e quantifica-a facilmente, apurando o imposto por métodos directos, não podendo deixar-se de aqui referir que, no mínimo, se trata de uma situação com algum surrealismo, e repete-se por ser importante sem fundamentar, sem concretizar a sua actuação.
29.Ou seja, não diz porquê os suprimentos se consideram vendas omitidas? E porque não mais? E porquê não menos?
30.Limitou-se, tão só, a pegar num número, que no seu intuito tributados a satisfazia, e fez uma simples operação aritmética de adição.
31.Por outro lado foi ainda alegado a inexistência do facto tributário.
32.Quanto a este ponto a douta sentença refere tão só e apenas que o facto tributário existe, dado que a AF considerou que os suprimentos são vendas omitidas.
33.Esta simples consideração não pode ser considerada como fundamentação da existência do facto tributário.
34.Por outro lado dispõe o artigo 100º do CPPT que: “1 — Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado”
35.No caso em apreço face a todo o exposto existem fundadas dúvidas sobre a existência e quantificação do facto tributário.
36.Pelo que ao julgar improcedente a impugnação violou o meritíssimo juiz a quo o disposto no artigo 100º do CPPT.
37.Sendo que a fundamentação do relatório que a douta sentença aderiu não afasta todas a s dúvidas.
38.A douta sentença recorrida violou os artigos 55º e 60º da LGT e o disposto no artigo 99º e 100 do CPPT.
Termos em que deverá o presente recurso ser julgado procedente e por via disso:
A) A douta sentença ser considerada nula;
B) Ou ainda a douta sentença seja revogada e a liquidação adicional ser anulada.
Com o que se fará JUSTIÇA.

CONTRA ALEGAÇÕES.
Não houve.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.

II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença é nula por omissão de pronúncia e se errou no julgamento de direito quanto à fundamentação das liquidações e dos pressupostos para avaliação indireta.

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença fixou os seguintes factos provados e respectiva motivação:

a) A Impugnante foi objecto de uma acção inspectiva levada a efeito pela Divisão de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Viana do Castelo na sequência da qual foi elaborado o Relatório de Inspecção Tributário cujo teor consta de fls. 10 a 39 do processo administrativo apenso e que aqui se dá por reproduzido.
b) Nesse Relatório foi proposta a determinação da matéria colectável da Impugnante relativamente ao exercício de 1998 através do recurso a métodos indirectos.
c) Tal proposta mereceu despacho concordante do Director de Finanças de Viana do Castelo.
d) Em resultado, veio a ser efectuada a liquidação de IRC relativa ao exercício de 1998, cuja demonstração consta de fls. 9 do apenso e aqui se dá por reproduzida no seu teor.
e) O prazo de pagamento de tal liquidação terminou em 18 de Dezembro de 2002.
f) Em 17 de Março de 2008, a Impugnante apresentou reclamação graciosa contra a dita liquidação nos termos que constam de fls. 2 a 8 do apenso.
g) A referida reclamação graciosa foi indeferida por se ter considerado que a impugnação que tenha por objecto atacar os erros na quantificação ou nos pressupostos da determinação indirecta da matéria colectável, está sujeita a prévia reclamação nos termos do art. 91º da LGT, o que não sucedeu no caso presente, como melhor consta de fls. 66 do apenso e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
h) Dessa decisão foi interposto recurso hierárquico, o qual foi indeferido nos termos e com os fundamentos que constam de fls. 83 a 90 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
i) A decisão de indeferimento do recurso hierárquico foi notificada à Impugnante em 29 de Outubro de 2007.
j) A presente Impugnação judicial foi instaurada em 26 de Janeiro de 2008.
2.2. Matéria de facto não provada
Da que era para a decisão da causa não há matéria de facto que importe registar como não provada.
2.3. Motivação da decisão de facto
A decisão sobre a matéria de facto baseou-se na análise da prova documental junta aos presentes autos e, em especial, ao processo administrativo apenso.

ADITAMENTO DE FACTOS.
Ao abrigo do disposto no art. 712º do CPC aditamos os seguintes factos extraídos do capítulo IV Relatório junto a fls. 16 do PA apenso:
«Motivo e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos:
k) Prejuízos fiscais avultados declarados desde 1994 até 2000, (1994 - €12 24679, 1995 -€ 18 272.69, 1996 -€ 25 206.43, 1997 -€4 941.03, 1998 -€40 880.38, 1999 -€59 018.58, 2000 -€ 54601.90), sem investimentos que justifiquem situação de prejuízo ao longo destes 7 anos consecutivos (…) não sendo conhecida, por parte da Administração Fiscal, qualquer tentativa de venda desta empresa, por alegada falta de rentabilidade.
l) Impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos Indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de IRC dos anos de 1997 a 2000 (…).
Tal impossibilidade resulta dos (…) seguintes factos;
1.Desde 1995 até 2000 foram feitos suprimentos à empresa por parte da Presidente do Conselho de Administração Maria…, (…) no montante total de €548.962,44 (1995: €74 819.68, 1997: €102 787.72, 1998: €227 202.44, 1999: €71.826.90, e 2000: €72 325.70) não se encontrando tais suprimentos devidamente documentados, já que apenas apresentam como suporte contabilístico um documento interno, não assinado pela Administração da empresa, nem pela respectiva titular do empréstimo. Pedidos esclarecimentos durante a acção inspectiva, os mesmos não foram prestados.
2. Em 15 de Julho do corrente ano, ainda no decurso da acção inspectiva foi notificada a empresa para prestar esclarecimentos e enviar fotocópia do meio de pagamento que corporiza tais empréstimos de sócios. Até à data, não nos foi feita a prova da existência dos meios de pagamento, fotocópia de cheques ou extractos bancários, actas das reuniões de assembleia, onde constem e provem que efectivamente os suprimentos, foram efectuados, credibilizando tais empréstimos, tendo-nos sido apenas respondido que esses empréstimos foram para suprir deficiências financeiras.
3.Analisada a capacidade financeira da referida Presidente da Administração, titular dos suprimentos efectuados à sociedade, verificamos que o rendimento global do seu agregado familiar, declarado nas suas declarações de rendimento mod. 1/3 de IRS, relativamente aos anos de 1995, 1996, 1997, 1998, 1999 são respectivamente de €14 073,58; €15 041,75; €13 801,39; €13 021.12; €13 903,49; €16 266,26, rendimentos estes que estão muito longe dos apresentados pelos suprimentos efectuados e que não justificam minimamente tal capacidade.
4.A contabilidade reflecte Empréstimos Concedidos pela Caixa de Crédito Agrícola, em 1997 no montante de € 157.121,34 (34 (31.500.000$00), em 1999 € 47.385,80 (9.500.000$00) e em 2000 o montante de € 29.927,87 (6.000.000$00), e Despesas Financeiras, nomeadamente Juros pagos em 1997 €11.061,92 (2.217.716$00), em 1998 €8.025,07 (1.608.883$00), em 1999 €8.356,84 (1.675.395$00) e em 2000 €15.266,39 (3.060.637$00), com movimentação através da conta bancária da Caixa de Crédito Agrícola de Valença (conta n° 40024288924).
4.1.Contudo a contabilidade não evidência a conta 12 – Depósitos à Ordem, de tais movimentos, mas sim a conta 11- Caixa, existindo documentos bancários, notas de lançamentos de Juros, nomeadamente da conta n°40024288924 da Caixa de Crédito Agrícola e pagamentos de serviços por MULTIBANCO através da conta n° 8…da Caixa Geral de Depósitos, que são contabilizados por Caixa e nunca por Depósitos à Ordem, pelo que a contabilidade não reflecte de forma correcta a veracidade das operações.
5.Notificada a empresa em 15/07/2002, para proceder à exibição dos extractos bancários, dessas duas instituições, no prazo de 10 dias, a mesma respondeu que não os possui, pelo que os requisitou às respectivas instituições bancárias, solicitando ainda a prorrogação do prazo até 30 dias. Passados os 30 dias, a empresa não pediu prorrogação do prazo, nem exibiu os documentos solicitados.
6.Dos documentos que nos foram disponibilizados verificamos a falta dos relatórios de auditoria e certificação legal de contas e os relatórios de gestão do Conselho de Administração e os relatórios do Parecer do Conselho Fiscal não se mostravam assinados.
7.Feita uma análise aos talões de venda emitidos pela empresa, verificamos que os mesmos não identificam nem as marcas, nem as nem as referências, dos produtos, evidenciando por exemplo: «18 garrafões, 5% IVA» , «2 Vinho 17%», «2 desodorizante 17% IVA», «2 pijamas 17% IVA», «2 blusões 17% IVA», « 1 edredão 17%» ,«2 toalhas 1 7%» », «1 carro 17%»…. não sendo possível desta forma controlar as marcas de vinho nem as taxas do IVA, nem as marcas, nem as referências dos restantes artigos.
8.Analisados os inventários dos anos de 1997, 1998, 1999 e 2000, verificamos que nem todos os artigos estão devidamente identificados, encontrando-se descrita a quantidade, o nome do artigo, o preço unitário e o preço total, não referindo a referência que consta da factura de compra desse artigo, designando apenas «1 candeeiro de tecto», «2 candeeiros de mesa», « 10 facas de cozinha», «32 jogos de cama», «4 jogos de banho bordados».
9.Os artigos que se encontravam nas lojas, durante a acção inspectiva, não permitiam efectuar o cálculo da margem de lucro praticada. pois também eles não evidenciavam as referências do respectivo produto, nem o S.P. se mostrou colaborante para referenciar os respectivos documentos de compras.
10.Verificam-se as seguintes omissões e inexactidões no valor das existências declaradas:
a) As Existências Iniciais de 1997 encontram-se sobreavaliadas em €6.797,01 (1.362.679$00), uma vez que o valor contabilizado é de €488.027,02 (97.840.634$00), mas o somatório de todos os livros do inventário perfaz €481.230,01 (96.477.955$00).
b) As Existências finais constantes no balanço de 1997, estão subavaliadas em €67.053,26 (13.442.972$50). Não foi incluído no balanço final desse exercício o stock final constante do livro 9 do inventário final desse exercício.
c) As Existências finais constantes no ano de 1998, encontram-se subavaliadas em €7.648,28 (1.533.342$00), já que o somatório dos 9 livros constantes do Inventário totaliza €591.344,17 (118.553.861 $00) e as existências finais constantes do balanço são de €583.695,89 (117.020.519$00).
d) As Existências finais de 1999 encontram-se subavaliadas em € 21.950,75 (4.400.731 $00). Tal diferença deve-se à omissão de existências no balanço final desse exercício, resultante de:
- Não contabilização de um livro de inventário denominado «Portas do Sol 1999», no valor de €20.868,04 (4.183.666$00);
- Não contabilização de existências no montante € 1.082,72 (217.065$00), uma vez que o somatório dos restantes 10 livros de Inventários totalizam € 699.099,64 (140.156.894$00) e o balanço final desse exercício apresenta stock no valor de €698.016,93 (139.939.830$00).
e) No exercício de 2000, as existências finais apresentam-se sobreavaliadas em €2.277,01 (456.499$00), já que a totalidade dos 9 livros do Inventário Final totalizam € 691.305,21 (138.594.251 $00) e a contabilidade revela existências finais de €693.582,22 (139.050.750$00).
11- Foi feito um controlo das quantidades de 4 produtos, nomeadamente pijamas, (inclui pijamas homem, senhora, criança), Kgs toalhas em felpo, e Blusões, tendo-se verificado o seguinte:

Relativamente aos pijamas: Através das quantidades de existências iniciais, declaradas no inventário, das quantidades compradas e quantidades vendidas deste produto, apuramos quantidades de existências finais diferentes daquelas que se encontram nos inventários, pelo que poderemos presumir através da análise aos quadros seguintes que o S.P. sonegou compras nos exercícios de 1998 e 2000 e sonegou vendas de pijamas nos anos de 1997 e 1999. (segue-se um quadro explicativo)

Kilos de toalhas: Face á existência de kgs de toalhas constantes nos Inventários de 1997 e 1998, assim como aos kilos comprados e aos kilos vendidos, podemos concluir com base no quadro abaixo que não foram contabilizadas todas as compras de toalhas a peso, nestes exercícios (segue-se um quadro explicativo).

Blusões: Feito um controlo às quantidades de blusões, detectou-se que no exercício de 1999, o sujeito passivo, sem Ter existências iniciais, sem comprar, conseguiu vender e ainda ficar com stock. No ano de 2000 o sujeito passivo também consegue vender mais do que o que possui e ainda ficar com stock, conforme se pode verificar pelo quadro seguinte (segue-se um quadro explicativo).

12. Após consulta ao sistema VIES e através da análise dos elementos da contabilidade do S.P, verificamos que o sujeito passivo não procedeu à contabilização da totalidade das aquisições intracomunitárias por si efectuadas, nos anos de 1999 e 2000, conforme se pode verificar no quadro abaixo (segue um quadro explicativo).

IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Quanto à nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Nas conclusões 1) a 7) a Recorrente sustenta que a sentença é nula por omissão de pronúncia quanto à fundamentação da decisão do recurso hierárquico proferido e também por ser omissa quanto ao segundo pedido.

Depreendemos que a Recorrente imputa à sentença o vício de nulidade por omissão de pronúncia em duas vertentes: uma por omissão em relação «à falta de fundamentação da decisão do recurso hierárquico» e outra por omissão de pronúncia em relação ao segundo pedido.

Apreciemos então.
A lei não impõe ao juiz a apreciação de todas as linhas de argumentação jurídica mobilizadas pelas partes, pois não está sujeito às suas alegações no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (Art.º 5º/3 CPC, cfr. Ac. do STJ n.º 1352/08.0TYLSB.L1.S1 de 03-04-2014 (Relator Granja da Fonseca): VI - Existe nulidade da decisão por omissão de pronúncia quando o juiz não conheceu de certas questões (pedidos e causas de pedir) sobre as quais não podia deixar de se pronunciar, e já não quando não aprecie todos os fundamentos de que as partes se servem para fazer valer o seu ponto de vista, ou seja, os argumentos ou raciocínios expostos na defesa da tese de cada uma das partes. Cfr. José lebre de Freitas e outros, in Código de Processo Civil anotado, vol. II, 2ª ed. pp. 704.).

Mas tem o dever de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (art.º 608º/2 CPC), o que pode resultar implícito da sentença (cfr. Ac. do STA n.º 01109/12 de 07-11-2012 Relator: FRANCISCO ROTHES - Sumário: I - Porque só pode ocorrer nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento, nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio, tal nulidade não se verifica se o juiz evoca razões para justificar a abstenção de conhecimento de questão que lhe foi colocada).

Se o não fizer, nos termos expostos, a sentença é nula por omissão de pronúncia (art.º 125º/1 CPPT e 615º/1,d) CPC).

Em relação à nulidade por omissão de pronúncia relativa à falta de fundamentação do despacho proferido no recurso hierárquico, impõe-se revisitar o que a Impugnante alegou na petição inicial.

Na douta petição inicial a Impugnante começa por dizer que a decisão proferida no recurso hierárquico fundamenta-se «tão só e apenas na questão do contribuinte ter deixado esgotar o prazo para apresentar o pedido de revisão». Porém, continua a Impugnante, a reclamação graciosa não tinha «como único fundamento o erro na quantificação da matéria tributável ou nos pressupostos de aplicação dos métodos indirectos» (art. 3º da pi), mas também «…o vício de falta de fundamentação do relatório que sustenta as liquidações efectuadas» (art. 4º da pi). Depois conclui no art. 8º do articulado inicial que «Em relação a estes dois fundamentos – falta de fundamentação da decisão da AF de recorrer aos métodos indirectos na fixação da matéria tributável e da inexistência dos factos tributários – a reclamação da liquidação não fica dependente do pedido prévio de revisão da matéria tributável».

Embora se tenha referido à matéria alegada na reclamação que (alegadamente) não foi apreciada na decisão de recurso hierárquico, depreende-se do exposto que renunciou à invocação do vício de omissão de pronúncia, centrando o seu ataque à liquidação e à decisão na «…falta de fundamentação da decisão da AF de recorrer aos métodos indirectos na fixação da matéria tributável e inexistência de factos tributários», rematando de seguida que «o despacho recorrido não pode, pois manter-se» (art. 9º da pi.).

E tanto renunciou à imputação de qualquer vício relativo à decisão do recurso hierárquico que o pedido subsidiário formulado (e que o Impugnante considera não ter sido objecto de decisão) pedia a «…revogação do despacho proferido ordenando-se a sua remessa para ser proferida decisão de mérito».

Naturalmente, se a Impugnante pretendesse fazer valer qualquer vício de omissão de pronúncia do despacho proferido no recurso hierárquico não pediria que fosse proferida decisão de mérito, mas sim que fosse proferida nova decisão sem o vício.

Ora, a sentença partindo do facto de a tributação ter sido efectuada com recurso a métodos indirectos e não ter sido formulado o prévio pedido de revisão da matéria colectável, nos termos do art.º 91º da LGT, debruçou-se sobre os fundamentos da pretensão da Impugnante: falta de fundamentação dos pressupostos para avaliação indirecta, falta de fundamentação da liquidação e inexistência do facto tributário e negou procedência a ambos os vícios.

Parece-nos que em função dos factos alegados na petição inicial e do pedido, o MMº juiz apreciou todas as questões que a Impugnante colocou ao tribunal, pelo que não vislumbramos que a sentença padeça de nulidade por omissão de pronúncia, nesta parte.

Por outro lado, tendo apreciado estes vícios e decidido que eles não se verificavam, também carecia de sentido ordenar a «revogação do despacho proferido ordenando-se a sua remessa para ser proferida decisão de mérito».

Na verdade, seria até um acto inútil determinar a remessa ao órgão decisor que proferiu a decisão para fundamentar a respetiva decisão quando o julgador já decidiu que a liquidação e os fundamentos para recurso á avaliação indirecta estavam devidamente fundamentados.

Isto mesmo supondo que a decisão proferida no recurso hierárquico é omissa nesta parte (a Recorrente refere-se na conclusão 7 à «fundamentação da decisão do recurso hierárquico, mas de acordo com o que alegou na petição inicial, o vício seria de omissão de pronúncia e não de falta de fundamentação), e não é – a nosso ver.

Embora o Impugnante alegue na petição inicial que a decisão hierárquica se fundamenta «…tão só e apenas na questão do contribuinte ter deixado esgotar o prazo para apresentar o pedido de revisão (…) precludindo-se assim a hipótese de discutir a matéria da reclamação oportunamente apresentada» isso não é verdade, ou pelo menos, não é a verdade toda.

Basta lermos o ponto n.º 7.2 da informação sobre a qual recaiu o despacho do superior hierárquico onde consta expressamente o seguinte (fls. 83 do PA) para assim concluirmos: «Quanto ao alegado vício de falta de fundamentação do relatório da inspecção, temos a referir que ele não se verifica. Com efeito, o relatório da inspecção efectuada menciona de forma exaustiva as várias irregularidades praticadas pela empresa (vidé Capítulo IV – páginas 7 a 13) e a forma de apuramento do lucro tributável corrigido para efeitos de IRC (capítulo V – Página 13 a 17). Em face disto, não se compreende como pode o sujeito passivo argumentar com a falta de fundamentação do relatório de inspeção».

Por isso, se no artigo 4º da petição inicial a Impugnante pretendia invocar o vício de omissão de pronúncia da decisão proferida em recurso hierárquico relativo ao que alegara no artigo 13 da reclamação (vício de falta de fundamentação do relatório que sustenta as liquidações efectuadas) essa omissão tão pouco existe.

Vejamos agora a nulidade por omissão de pronúncia quanto ao segundo pedido.
O pedido formulado pela Impugnante foi o seguinte:
A) Deverá a decisão recorrida ser revogada e, em consequência, ser ordenado a anulação do acto tributário reclamado;
B) Ou caso assim não se entenda, a revogação do despacho proferido ordenando-se a sua remessa para ser proferida decisão de mérito.

Depois de analisar todas as questões que a Impugnante/Recorrente submeteu à apreciação do tribunal, a sentença julgou improcedente a impugnação.

Tendo-se debruçado sobre todas as questões que lhe foram colocadas, e decidindo pela sua improcedência, não tinha que individualizar qual o pedido improcedente. A improcedência refere-se a todos os fundamentos analisados, que fundamentam o pedido formulado, pelo que a sentença não padece, nesta parte, de qualquer vício.

Quanto à fundamentação dos pressupostos da avaliação indirecta e da liquidação.
A Impugnante/Recorrente defende que a sentença não se encontra fundamentada porque o relatório também o não está e a sentença remete toda a fundamentação para o mesmo.

Ora, a fundamentação é um conceito relativo que pode variar em função do tipo legal de acto administrativo que se examine.

O acto apenas encontra-se devidamente fundamentado sempre que é possível, através do mesmo, descobrir qual o percurso cognitivo utilizado pelo seu autor para chegar à decisão final (cfr.ac.S.T.J.26/4/95, C.J.-S.T.J., 1995, II, pág.57 e seg.; A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª. edição, 1985, pág.687 e seg.; Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1984, V, pág.139 e seg.). Quer dizer. Utilizando a linguagem de diversos acórdãos do S.T.A. (cfr.por todos, ac.S.T.A-1ª.Secção, 6/2/90, A.D., nº.351, pág.339 e seg.).

E só está fundamentado se um destinatário normalmente diligente ou razoável - uma pessoa normal - colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto acto (que determinará consoante a sua diversa natureza ou tipo uma maior ou menor exigência da densidade dos elementos de fundamentação) fica em condições de conhecer o itinerário funcional (não psicológico) cognoscitivo e valorativo do autor do acto, o que deve ser alcançado através do preenchimento dos requisitos formais da fundamentação que o art. 77º da LGT em articulação com o art. 125º do CPA (correspondente ao actual art. 153º do Novo CPA) consagram: ou seja, a fundamentação deve ser clara, suficiente e congruente.

Devemos ainda distinguir entre fundamentação formal e fundamentação material.

A fundamentação formal é aquela que se revela exposta num acto administrativo claro, suficiente e congruente.
Embora em termos sucintos, ele deve explicitar as razões de facto que a Administração considerou violadoras da lei aplicável, enquadrou-as juridicamente e extraiu dessas premissas o seu sentido decisório. E tanto basta para que o acto deva ter-se por fundamentado, nos termos gerais do art. 77 da LGT.

A fundamentação material é aquela que se atém à valia substancial dos argumentos, indagando se estes podem sustentar a decisão proferida, se são válidos, ou se conduzem àquela decisão, ou outra, redundando a sua omissão em vício de violação de lei (cfr. Ac do STA n.º 0494/11 de 28-09-2011 Relator: DULCE NETO).

Ora, do ponto de vista da fundamentação formal – que é a única que aqui pode estar em causa uma vez que o Impugnante renunciou à instauração do pedido de revisão da matéria tributável – não nos resta a mínima dúvida de que o recurso à avaliação indirecta se encontra devidamente fundamentado, assim como a respectiva liquidação como bem decidiu o MMº juiz «a quo».

Notemos, aliás, que a fundamentação da liquidação deve considerar-se efectuada quando se baseia no relatório da fiscalização - desde que este satisfaça os requisitos acima enunciados (cfr. Ac. do STA n.º 026636 de 24-04-2002 Relator: BRANDÃO DE PINHO).

Na Conclusão 23) a Recorrente defende que «A AF sustenta apenas que os rendimentos dos sócios não se compaginam com os suprimentos efectuados, só e apenas este facto fundamenta o relatório e toda a subsequente liquidação».

Evidentemente, esta conclusão não é verdadeira, nem sequer aproximadamente, como facilmente verificamos dos factos provados e daqueles que nesta instância se aditaram.

Diz a Recorrente que os sócios não foram notificados para esclarecer qual a origem dos rendimentos e que «…podem ter obtido esses rendimentos há muitos anos atrás…».

Sem dúvida que sim, mas demonstrando a AT os pressupostos para a avaliação indirecta como resulta do art. 74º/3 e 77º/4 LGT, cabia ao contribuinte o ónus de provar que esses pressupostos não se verificam, nos termos do art. 342º/2 do Código Civil, ou que a quantificação foi excessiva.

E só poderia fazê-lo instaurando previamente à impugnação judicial o procedimento de revisão da matéria tributável, nos termos do art. 91º e segs.. da LGT. Não o tendo feito, ficou precludido o direito de discutir judicialmente essas questões (cfr. entre muitos outros, o Ac. do STA n.º 0165/12 de 20-06-2012 Relator: LINO RIBEIRO Sumário: I - Se a impugnação judicial da liquidação se fundar na errónea quantificação da matéria colectável e/ou na não verificação dos pressupostos de determinação indirecta da matéria colectável, a revisão administrativa da matéria colectável é um preliminar indispensável ao uso desse meio processual).

Tendo renunciado ao direito de instaurar procedimento de revisão da matéria colectável, a discussão judicial ficou limitada à falta de fundamentação dos pressupostos para a avaliação indirecta e da liquidação, vícios que de nenhum modo procedem, como deixámos exposto.
E tendo em conta toda a prova produzida, não há como negar que os factos tributários existem, isto é, foram devidamente demonstradas pela AT as situações de facto concretas previstas abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradoras do direito à tributação.


V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Porto, 7 de Julho de 2016.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina Travassos Bento
Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira