Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02147/21.0BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/10/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO;
PRAZO DE PRESCRIÇÃO;
ALÍNEA A) DO ARTIGO 27º DO REGIME JURÍDICO DAS CONTRA-ORDENAÇÕES;
Sumário:A uma contraordenação punível com uma coima entre 1.500€00 e 450.000€00 corresponde o prazo de prescrição de 5 anos previsto na alínea a) do artigo 27º do Regime Jurídico das Contra-Ordenações, na redacção dada pela Lei 109/2001, de 24.12.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

O Ministério Público veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 31.08.2021, pela qual foi julgada verificada a excepção de prescrição do procedimento de contra-ordenação em causa e, com este fundamento, extinto o procedimento instaurado pela Direcção Municipal de Polícia Municipal e Segurança Pública do Município ... contra a V..., SA.

Invocou para tanto, em síntese, a decisão recorrida incorreu em erro de direito, com violação do disposto nos artigos 27º, 27º-A, nº1, alínea c) e nº2, e 28º, n.º 1, alíneas a), c) e d) e nº3, todos do Regime Geral das Contra-Ordenações.

Não foram apresentadas contra-alegações.

A Entidade Demandada veio acompanhar o recurso do Ministério Público.

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Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1. O Ministério Público vem interpor o presente recurso da sentença proferida nos autos em 31.08.2022, pela qual o tribunal a quo decidiu julgar extinto, por prescrição, o procedimento contraordenacional em causa;

2. O fundamento para a declaração da prescrição foi a alegada verificação do limite máximo do prazo de prescrição previsto nos art.ºs 27º, al.b), e 28º, n.º 3, do RGCO, o que in casu não se verificou, pelo que incorreu a sentença recorrida em erro de direito, com violação do disposto no art.º 27º, al. b) e no art.º28º, n.º 3, ambos do RGCO;


3. Salvo o devido respeito, o tribunal a quo aplicou erroneamente à contraordenação em causa o prazo de prescrição de três anos, previsto no artigo 27º, alínea b), do RGCO, em vez do prazo legalmente aplicável de cinco anos, tal como previsto na alínea a) do mesmo normativo, como decorre claramente da conjugação dessa norma com o disposto no referido artigo 98º, nº2, do RJUE, que define a moldura sancionatória abstratamente aplicável;

4. Com efeito, o limite máximo aplicável é aquele do artº 27º, al.b), do RGCO – de 5 anos - pelo que por força da sua conjugação com os art.ºs 27º-A e 28º, n.º 3, do mesmo diploma legal, o limite máximo do prazo de prescrição aplicável será de 7 anos e seis meses, e não de 4 anos e seis meses;

5. Acresce que, para além dos invocados períodos de suspensão do prazo de prescrição decorrentes das Leis de emergência COVID19, corretamente aplicados na sentença recorrida (de 5 meses e 10 dias), importa considerar que se verificaram diversas causas de interrupção do procedimento, embora não sejam ali referenciadas;

6. Compulsados os autos, constata-se que se verificaram duas causas de interrupção do prazo de prescrição do procedimento, ou seja: com a notificação ao arguido da instauração do procedimento e simultaneamente para exercício do seu direito de defesa em 30-09-2016 – e com a decisão condenatória da autoridade administrativa em 16/02/2021;

7. Depois de cada interrupção, começou a correr novo prazo de prescrição - como decorre do disposto no art.º 121º, n.º 2, do Código Penal, aplicável ex vi do artigo 32º do RGCO;

8. Sendo que se verifica nunca ter decorrido o prazo ininterrupto de 5 anos, previsto no art.º 27º, al. a), do RGCO, desde a data de qualquer das supra referidas interrupções, sem que entretanto não tivesse ocorrido qualquer outro facto suspensivo ou interruptivo do prazo prescricional nesse período temporal;

9. Com efeito, segundo o regime aplicável de suspensão dos prazos de prescrição, tal como previsto no art.º 27º-A do RGCO, e o art.º 28º, n.º 3, do mesmo diploma: “a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade”;

10. Ora, impõe-se marcar ainda que o art.º 27º-A, n.º 1, al. c), do RGCO estabelece que se suspende o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional “durante o tempo em que o procedimento estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso”, e no respetivo nº2 prevê que: “Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses.”;

11. Conforme se entendeu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Fixação de Jurisprudência n.º 4/2011, in DR n.º 30, I Série de 11-02-2011, “A suspensão do procedimento por contra-ordenação cuja causa está prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 27.º-A do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, inicia-se com a notificação do despacho que procede ao exame preliminar da impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa e cessa, sem prejuízo da duração máxima imposta pelo n.º 2 do mesmo artigo, com a última decisão judicial que vier a ser proferida na fase prevista no capítulo IV da parte II do Regime Geral das Contra-Ordenações”;

12. In casu, tal despacho judicial preliminar foi proferido em 27/09/2021, data em que se suspendeu o prazo de prescrição do procedimento por contraordenação, ainda em curso, nos termos do referido art.º 27º-A, n.º 1, al. c), do RGCO, pelo que deverá ainda acrescer o período de suspensão de 6 meses (limite máximo) na contagem do prazo prescricional;

13. Em suma, tendo o prazo de prescrição sido interrompido nas datas supra referidas e ainda suspenso mediante a aplicação das invocadas Leis de emergência que adotaram entretanto as medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS -CoV2 e da doença COVID -19, e em 27/09/2021 com o despacho de admissão do recurso de impugnação judicial (art.º 27º-A, n.º 1, al. c), e n.º 2 do RGCO), conclui-se, atento o limite previsto no art.º 28º, n.º 3, do RGCO, que o termo do prazo de prescrição ainda não se esgotou;

14. Não tendo ocorrido ainda o limite máximo do prazo de prescrição, incorreu a sentença recorrida em erro de direito, com violação do disposto nos art.ºs 27º, 27º-A, nº1, al.c) e nº2, e 28º, n.º 1, als. a), c) e d) e nº3, todos do RGCO.

Nestes termos, e nos demais de direito que V.Exas. melhor suprirão, deverão as normas legais supra referidas ser interpretadas e aplicadas no sentido supra invocado, e, consequentemente, a decisão recorrida deverá, nos termos do art.º 75º, n.º 2, als. a), do RGCO, ser revogada e determinada a devolução do processo ao tribunal a quo para decisão da questão de mérito relacionada com a imputada prática da contraordenação em causa.

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II –Matéria de facto.

A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:

1. Em 03.08.2016, foi elaborado pelos serviços do Município ... o Auto de Notícia n.º ...16, que deu origem ao processo de contraordenação que correu termos sob o n.º 439/CO/2016 e de que consta, entre outros, a seguinte descrição:
“(…) na morada acima referenciada levou a efeito a execução de obras de construção, nomeadamente, construção de edificação destinada a uso de instalações técnicas com área total de implantação de cerca de 315 m2, sem que para os devidos e legais efeitos estivesse munida da respetiva licença administrativa.
(…).”
(cfr. auto de notícia a fls. 1 do processo contraordenacional).
2. Em 16.02.2021, foi emitido despacho pelo Diretor de Polícia Municipal e Segurança Pública que determinou a aplicação à Recorrente de uma coima no valor de EUR 2.500,00, em virtude da factualidade descrita no auto constante do ponto anterior, de que consta, entre outros, o seguinte:
“Com a conduta descrita, a arguida violou o disposto no artigo 4.º, n.º 2, alínea c) do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo DL 136/2014, de 9 de setembro, constituindo contraordenação prevista e punida, nos termos do artigo 98.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do citado diploma, com uma coima graduada de 1.500,00 até ao máximo de € 450.000,00” (cfr. decisão a fls. 6.2 e seguintes do processo contraordenacional).
3. Em 27.09.2021, foi proferido despacho nos presentes autos que admitiu liminarmente o presente recurso e que foi enviado ao Recorrente por notificação eletrónica datada de 28.09.2021 (cfr. fls. 39 e 41 dos autos).
Deverá ainda ser aditado o seguinte facto, com relevo para a análise da excepção de prescrição aqui em apreço, invocado no recurso e documentado no processo:
4. A Arguida foi notificada da instauração do procedimento e simultaneamente para o exercício do direito de defesa em 30.09.2016 – ver registo postal com esta data e ofício de 19.09.2016 juntos com a petição inicial.

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III - Enquadramento jurídico.

O Ministério Público, Recorrente, tem claramente razão em toda a linha de argumentação.

Como se consigna na decisão recorrida “está em causa nos autos uma infração autuada em 03.08.2016, a que é aplicável uma contraordenação punível com uma coima entre EUR 1.500,00 e EUR 450.000, por estar em causa uma pessoa coletiva, nos termos do art. 98.º, n.º 2, do RJUE (cfr. pontos 1 e 2 do probatório)”.

Sucede que a tal sanção abstracta corresponde o prazo de prescrição previsto na alínea a) do artigo 27º do Regime Jurídico das Contra-Ordenações, na redacção dada pela Lei 109/2001, de 24.12, de 5 anos, tratando-se de manifesto erro a integração, feita pela decisão recorrida, na alínea b) do mesmo preceito a que corresponde o prazo de prescrição de 3 anos.

A partir deste pressuposto, errado, todo o raciocínio seguido na decisão recorrida se mostra igualmente errado.

Tendo em conta o disposto no n.º3 do artigo 28º do Regime Jurídico das Contra-Ordenações e as duas causas extraordinárias de suspensão do procedimento, em virtude da pandemia COVID-19 (Lei n.º 1-A/2020, de 19.03 e Lei n.º 4-B/2021, de 01.02) , o prazo (máximo) de prescrição é no caso concreto de 7 anos e meio e não, como afirmado na decisão recorrida, de 4 anos e meio.

Pelo que tendo a infracção sido cometida em 03.08.2016 nesta data se iniciou o prazo de prescrição do procedimento por contra-ordenação aqui em causa, o que, de resto, também ficou consignado na decisão recorrida.

Sucede que sendo o prazo máximo de prescrição aplicável ao caso de 7 anos e meio manifestamente ainda não decorreu tal prazo, contado desde a prática da infracção, ao contrário do decidido.

Em todo o caso, como refere o Recorrente verificaram-se também duas causas de interrupção da prescrição, nem sequer consideradas na decisão recorrida.

Com efeito, tendo em conta do disposto nas alíneas c) e d) do n.º 1º do artigo 28º do Regime Geral das Contra-Ordenações, o prazo de prescrição aqui em causa teve duas interrupções, uma com a notificação à Arguida da instauração do procedimento e simultaneamente para exercício do seu direito de defesa, em 30.09.2016, e outra, em 16.02.2021, com a prática do acto sancionatório impugnado.

Sendo certo que com cada interrupção começou a correr novo prazo de prescrição, nos termos do disposto pelas disposições conjugadas do artigo 121º, n.º 2, do Código Penal, e do artigo 32º do Regime Geral das Contra-Ordenações, e nunca se chegou a completar o período de 5 anos ininterruptos, muito longe está de se esgotar o prazo de prescrição, ao contrário do decidido.

Pelo que, como defende o Ministério Público, impõe-se revogar a decisão recorrida e mandar baixar os autos ao Tribunal recorrida para decisão de mérito sobre a impugnação da sanção por contra-ordenação, se nada mais a tal obstar.

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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que:

A) Revogam a decisão recorrida.

B) Ordenam a baixa dos autos para aí prosseguirem os seus termos como supra exposto.

Não é devida tributação.

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Porto, 10.02.2023



Rogério Martins
Luís Migueis Garcia
Conceição Silvestre