Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00873/11.1BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/08/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Cristina da Nova
Descritores:RECURSO, IMPUGNAR UMA DECISÃO, OBJETO DO RECURSO, ÓNUS DE ALEGAÇÃO E ESPECIFICAÇÃO:
PROVA TESTEMUNHAL E QUESTÃO NOVA.
Sumário:1- O recurso constitui o principal instrumento de impugnação de decisões judiciais, permitindo a sua reapreciação por um tribunal de categoria hierarquicamente superior [art. 627.º, n.º 1, do CPC]
As conclusões têm que conter os fundamentos que justifiquem a alteração ou anulação da decisão recorrida; fundamentos traduzidos na enunciação de verdadeiras questões de direito ou de facto cujas respostas interfiram com o teor da decisão

2- A prova testemunhal sendo um dos meios de prova admissível em direito não se basta se não se ancorar em outra prova objetiva e mais segura, por exemplo, assente em documentos registados na contabilidade da empresa, como atas ou acordos, consabido que no âmbito da contabilidade e fiscalidade os factos esteam-se no campo documental, (principio da documentação art. 23.º, n.º1, 115.º e 121.º do CIRC) sendo a prova testemunhal complementar, atendendo, nomeadamente, ao seu caráter mais volátil, naturalmente, ligada às contigências da incerteza e inconstância desta prova.
As inconsistências documentais da contabilidade implicam que a escrita ou a contabilidade sofra um sério abalo na sua presunção de veracidade.

3- A natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina, também, uma importante limitação ao objeto do recurso de apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal “ad quem” com questões novas..*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:S., SA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO

S., S.A., veio recorrer da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Porto de 18-12-2020 que julgou improcedente a impugnação da liquidação adicional do IRC de 2004 no montante de € 1.578.999,00.

Formula, nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:
«I. O presente recurso vem interposto da douta sentença de 18.12.2020 do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou improcedente a Impugnação Judicial intentada pela Recorrente, com vista à declaração de ilegalidade do ato de indeferimento do recurso hierárquico apresentado pela Recorrente que, por sua vez, versou, de forma mediata, sobre o ato de liquidação de IRC, referente ao exercício de 2004, no montante de € 1.578.999;
II. Demonstrou a Recorrente que o douto Tribunal recorrido, não só fez uma errada aplicação da lei aos factos, como não logrou dar como provado factos essenciais para a demonstração da inexistência de qualquer decréscimo de um passivo, em 2004, e, consequentemente, a ausência de qualquer variação patrimonial positiva, tributada em sede de IRC, em 2004;
III. Efetivamente, foi demonstrada cabalmente, pela prova documental e pelos depoimentos das três testemunhas arroladas pela ora Recorrente, a inexistência de qualquer rendimento na esfera da Recorrente apurado em 2004;
IV. De facto, a diferença verificada entre o preço pago pelos créditos adquiridos – por € 15.500.536 –, e o respetivo valor nominal – € 20.618.078,64 – decorreu tão só da liberdade contratual das partes, como é prática corrente no mercado, sobretudo na venda de créditos pelos Bancos;
V. Não tendo, em momento algum, havido perdão de parte da dívida, ou seja, do diferencial de € 5.117.452,65, que continuou a ser integralmente devido pela Recorrente à R., a qual assumiu a qualidade de credora em 2004;
VI. Assim, de acordo com as normas contabilísticas em vigor à data dos factos (POC), máxime o princípio do custo histórico de aquisição, a Recorrente manteve contabilizada a dívida ao acionista, no valor de € 20.618.078,64, e a R., acionista única da Recorrente, contabilizou pelo valor histórico do preço pago (€ 15.500.536);
VII. Como o Grupo R. consolida as contas, a diferença entre os valores contabilizados na ora Recorrente e na R. foi anulada nas contas consolidadas de 2004, sendo que a R. Holding registou, na conta 27-proveitos diferidos, um proveito de € 5.117.548,64 nesse exercício (2006), face ao diferencial entre o valor de aquisição (€ 15.500.536) e o valor recebido da devedora (€ 20.618.078,64), cf. decorre de forma inequívoca de toda a prova testemunhal, incluindo o depoimento de V., e do RIT citado a fls. 21 da sentença e incluído no ponto 6) dos factos provados;
VIII. Aqui chegados, fica cabalmente demonstrado que, em 2004, não houve qualquer perdão de dívida realizada pelo credor R., à devedora, ora Recorrente e, consequentemente, não existiu qualquer variação patrimonial positiva que explicasse e/ou justificasse a liquidação adicional de IRC em causa nestes autos;
IX. Por outro lado, de acordo com as regras do ónus da prova, caberia à AT provar a tese por si defendida, ou seja, o perdão parcial da dívida – o que não logrou fazer;
X. Aliás, acresce salientar que a AT, estranhamente, prescindiu da sua única testemunha arrolada, a saber, a Inspetora que levou a cabo a inspeção, em 2008, ao exercício de 2004 da ora Recorrente;
XI. Para reforçar a inexistência de qualquer perdão de dívida e, consequentemente, a inexistência de qualquer variação patrimonial positiva, acresce salientar, para a boa descoberta da verdade, que em 2006, por necessidades de liquidez de tesouraria para se posicionar no mercado imobiliária, a R. cedeu os créditos que detinha sobre a V. à sociedade-mãe, R. Holding, pelo respetivo valor de aquisição (€ 15.500.536);
XII. Ora, após a cessão de créditos havida em 2006 entre a R. e a R. Holding, o crédito, no valor de € 20.618.078,64, foi integralmente pago, pela Recorrente, à R. Holding,
XIII. A qual, verificando um acréscimo (dado pela diferença entre o valor de aquisição dos respetivos créditos à R. – a saber, € 15.500.536 – e o valor reembolsado pela Recorrente – € 20.618.078,64), a R. Holding registou o respetivo proveito, sujeitando-o a tributação em sede de IRC, no ano 2006;
XIV. Neste sentido, não só foram plenamente respeitadas as regras de registo contabilístico nas diversas operações havidas, como também foi levado a tributação o proveito gerado no ano de 2006,
XV. E, por conseguinte, fazer derivar daqui uma variação patrimonial positiva;
XVI. Acresce que ficou demonstrada a força probatória de todos os documentos juntos, nomeadamente em confronto com a prova testemunhal produzida, e que corroborou o teor dos mesmos;
XVII. Tudo conforme se manteve registado, devidamente, na contabilidade de Recorrente, maxime na conta 25 – empréstimos de acionistas;
XVIII. Acresce que nenhuma da prova testemunhal (sendo que a AT prescindiu, apesar de lhe caber o ónus da prova) ou documental carreada aos autos logrou demonstrar que houve algum perdão de dívida;
XIX. Sem prescindir, refira-se que o IRC, se encontra inevitavelmente condicionado por imperativos constitucionais da capacidade contributiva e da tributação do rendimento real, sendo que qualquer interpretação do artigo 21.º do Código do IRC que pretenda tributar a realidade descrita nos autos se afigura inconstitucional por violação do disposto nos artigos 103.º e 104.º da CRP e dos princípios fundamentais da tributação, nomeadamente do princípio da capacidade contributiva e do rendimento real;
XX. De facto, nenhum sujeito passivo pode ser obrigado a pagar um imposto referente a um rendimento concreto que não obteve (pior: relativamente a um alegado perdão de dívida que, não só não ocorreu, mas cujo crédito foi integralmente reembolsado ao credor);
XXI. Pelo que exigir à Recorrente o pagamento de um imposto com base num rendimento que o mesmo não obteve, atenta frontalmente contra tais princípios constitucionais, considerando que não existiu qualquer acréscimo patrimonial na sua esfera, uma vez que o passivo se manteve inalterado;
XXII. Aliás, diga-se que, a ter provimento a tese peregrina da AT, esta tributaria e receberia duas vezes o mesmo valor – isto é, em 2004, a ora Recorrente pagaria o IRC correspondente ao alegado e não provado perdão parcial da dívida e, em 2006, o credor pagou IRC correspondente à mesma realidade fiscal;
XXIII. Sendo certo que, em caso de procedência, sempre se deverá indemnizar a Recorrente pelos custos incorridos com a garantia bancária e, de igual modo, quanto ao imposto entretanto pago, e reembolsar a ora Recorrente de tal montante acrescido dos respetivos juros indemnizatórios e de mora;
XXIV. Pelo que não se poderá manter a douta sentença recorrida na ordem jurídica, por ilegal, devendo a mesma ser anulada.
Termos em que deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente, mantendo-se a douta sentença recorrida, assim se fazendo JUSTIÇA!»
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A Fazenda Pública não contra-alegou.
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O Mº P. teve vista no processo e emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso: «(…) Alega a S. S.A., em resumo, que a sentença enferma de erro de julgamento quanto à matéria de facto, na medida em que não valorou devidamente quer a prova testemunhal quer a documental e que levaria a concluir em sentido diferente ao decidido.
Cremos que não lhe assiste razão.
“O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida.” Ac. do TCAS de 31-10-2013 no processo 06531/13 in www.dgsi.pt.
Na decisão da matéria de facto, o juiz aprecia livremente as provas, conforme dispõe o artigo 607º nº 5 do CPC, analisa-as de forma crítica e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, especificando os fundamentos que foram decisivos para a formação da convicção, excepto quando a lei exija formalidades especiais para a prova dos factos controvertidos, caso em que tal prova não pode ser dispensada. E, pois pela fundamentação invocada para a decisão que normalmente se afere do juízo crítico sobre as provas produzidas.
O julgador “embora livre no seu exercício de formação da sua convicção não está isento ou eximido de indicar os fundamentos onde aquela assentou por forma a que, com recurso às regras de ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquele processo de formação da convicção sobre a prova ou não prova daquele facto, permitindo, desta feita, sindicar o processo racional da própria decisão.
Aliás, o CPPT determina e faz impender sobre o julgador um ónus de objectividade da sua convicção, através da exigência da fundamentação da matéria de facto (da factualidade provada e da não provada). devendo aquele analisar citicamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção (cfr. art. 123º nº 2 do CPPT).
É que não se trata de um mero juízo arbitrário ou de simples intuição sobre veracidade ou não de uma certa realidade de facto, mas antes duma convicção adquirida por intermédio de um processo racional, objectivado, alicerçado na análise crítica comparativa dos diversos dados recolhidos nos autos na e com a produção das provas e na ponderação maturação dos fundamentos e motivações, sendo que aquela convicção carece de ser enunciada ou explicitada por expressa imposição legal como garante da transparência, da imparcialidade e da inerente assunção da responsabilidade por parte do julgador na administração da justiça.
À luz desta perspectiva temos que se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.” Ac. do TCAN de 11/4/2014 no processo 00819/10.4BEPNE.
No caso em apreço, a recorrente, discorda dos factos dados como provados e não provados, entendendo que deveriam ser outros, bem como, da convicção do tribunal.
A S. S.A., o que pretende, é retirar da prova testemunhal ilações distintas das que a Mmª Juiz percepcionou e explicitou na respectiva fundamentação.
In casu, o julgador teve em conta quer a prova documental quer a testemunhal e explicou bem em que medida é que lhes deu credibilidade, como se depreende pela leitura dos factos provados e não provados e do exame critico da prova.
A modificação quanto à valoração da prova, tal como foi captada e apreendida na la instância, só se justificaria se, feita a reapreciação, fosse evidente a grosseira análise e valoração que foi efectuada pelo Tribunal, o que se não verifica, em nosso entender.
Estabilizada a base factual não merece censura o decidido. Constam da sentença as razões de facto e de direito em que esta assentou. A Mmª Juiz analisou a prova e fundamentou a decisão, em nosso entender, merecedora de confirmação, não se verificando os invocados vícios.
8O recurso, em nosso entender, não merece provimento.»
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Sem vistos dos Exmos. Juízes adjuntos, por assim ter sido acordado, foi o processo à Conferência para julgamento.
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2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR.

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, que destacou em 1.ª linha, [i] o erro de julgamento, e neste realça o erro de julgamento de facto ao não dar como provados factos essenciais para a demonstração da inexistência de qualquer decréscimo do passivo em 2004, e, por isso, ausência de variação patrimonial positiva, o que passa por saber, no seu entender, se o tribunal a quo desprezou toda a prova produzida quanto a 2006, desconsiderando-a e contaminando toda a prova cristalizada nos autos.

[ii] Saber se a sentença errou na aplicação da lei aos factos.

[iii] Se foram violados imperativos constitucionais da capacidade contributiva e da tributação do rendimento real [arts. 103.º e 104.º da CRP]


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3. FUNDAMENTOS de FACTO

Em sede de probatório a 1ª Instância, fixou os seguintes factos:
1) A Impugnante é uma sociedade anónima que tem como actividade a compra e venda de bens imobiliários – CAE 70120 [cf. relatório de inspecção tributária a fls. 27 e seguintes do processo físico].
2) Em 30-07-2004, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, o Banco BPI, S.A., o Banco Comercial Português, S.A., o Banco Espírito Santo, S.A., a T., S.A., e o Banco Totta & Açores, S.A., celebraram com a R. - Imobiliária, S.A. um contrato que designaram por “Contrato de Compra e Venda de Acções e de Cessão de Créditos”, do qual consta, entre o mais, o seguinte:
“[...]
(Documento na sentença original)

[...]”
[cf. fls. 38 e seguintes do PA, na parte respeitante à reclamação graciosa]
3) Em 23-06-2005, a Impugnante submeteu, via electrónica, o Anexo A da Declaração de Informação Contabilística e Fiscal, da qual consta o saldo credor de suprimentos, no final do exercício de 2004, no montante de 15.500.530,00€ [cf. fls. 132 do processo físico].
4) Em 28-09-2006, a R., S.A., ordenou a transferência bancária no valor de 15.500.530,00€ para a R. – Imobiliária, S.A. [cf. documento a fls. do proc. digital com a refª 007427463].
5) Em 29-11-2006, a Impugnante transferiu o montante de 20.618.078,64€ para a R. , S.A., sendo que esta última, no mesmo dia, transferiu o montante de 21.000.000,00€ para a sociedade R. – Imobiliária, S.A. [cf. fls. 320 do processo físico].
6) Em 12-09-2008, na sequência da ordem de serviço nº OI200802619, foi proferido despacho de concordância sobre o Relatório de Inspecção Tributária (RIT) elaborado pelos Serviços de Inspecção da Direcção de Finanças do Porto, do qual resultou a “consideração, para efeitos de determinação do resultado tributável de IRC do ano de 2004, de uma variação patrimonial positiva não reflectida no resultado líquido do exercício e não excluída nos termos do art. 21º do CIRC”, no valor de 5.117.542,65€, sendo que da fundamentação desse RIT consta, entre o mais, o seguinte:
“[...]
(Documento na sentença original)

[...]”
[cf. fls. 27 e seguintes do processo físico]

7) Em 01-10-2008, foi emitida a liquidação de IRC nº 2008 8310036583, referente ao exercício económico de 2004, da qual resultava, para a Impugnante, um valor global a pagar no montante de 1.578.999,04€ [cf. fls. 55 do PA, na parte respeitante à reclamação graciosa].
8) Em 20-01-2009, foi instaurado o processo de execução fiscal nº 3182200901004972 com vista à cobrança coerciva do montante resultante da liquidação referida no item anterior [cf. fls. 58 do PA, na parte respeitante à reclamação graciosa].
9) Em 31-03-2009, o Banco Comercial Português, S.A., emitiu, em nome da Impugnante, a garantia bancária nº 125-02-1521845, até ao montante de 2.072.688,00€, em ordem a caucionar as responsabilidades derivadas do processo de execução fiscal nº 3182200901004972 [cf. fls. 104-105 do processo físico].
10) Em 01-04-2009, a Impugnante apresentou requerimento acompanhado do documento relativo à garantia bancária referida no item anterior [cf. fls. 103 do processo físico].
11) Em 06-03-2009, a Impugnante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação de IRC nº 2008 8310036583, anteriormente referida [cf. fls. 4 e seguintes do PA, na parte respeitante à reclamação graciosa].
12) Em 09-12-2009, a reclamação graciosa referida no item anterior foi indeferida [cf. fls. 106-107 e 80 e seguintes do PA, na parte respeitante à reclamação graciosa].
13) Em 08-01-2010, a Impugnante apresentou recurso hierárquico do indeferimento da reclamação graciosa referido anteriormente [cf. fls. 113 e seguintes do PA, na parte respeitante ao recurso hierárquico].
14) Em 22-11-2010, o recurso hierárquico referido no item anterior foi indeferido [cf. fls. 113 e seguintes do PA, na parte respeitante ao recurso hierárquico].
15) Em 28-04-2011, o processo de execução fiscal nº 3182200901004972 encontrava-se suspenso [cf. fls. 29 do PA, na parte geral].
16) Em 09-09-2011, já na pendência da presente impugnação judicial, a Impugnante apresentou, via electrónica, uma Declaração de Substituição do Anexo A da Declaração de Informação Contabilística e Fiscal, relativa ao exercício de 2004, onde altera a informação que consta do campo A345, do quadro 12, do referido Anexo, substituindo o montante de €15.500.530,00, pelo montante de €20.618.078,64 [cf. fls. 154-159 do processo físico].
17) Em 16-12-2016, por referência ao processo de execução fiscal nº 3182200901004972, a Impugnante procedeu ao pagamento do montante de 1.396.700,88€, no âmbito do programa especial de redução do endividamento ao Estado [cf. fls. 353-356 do processo físico].
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FACTOS NÃO PROVADOS
Com relevância para a decisão da presente causa, não resulta provado o seguinte:
A) Em 2006, a R. – Imobiliária, S.A. cedeu o seu crédito sobre a Impugnante à R. , S.A., pelo valor de 15.500.530,00€.
B) Em 2006, a R. , S.A. comunicou à Impugnante que deveria liquidar a dívida no montante de 20.618.078,64€.
C) Em 2006, a Impugnante procedeu ao pagamento da dívida referida na alínea anterior no montante de 20.618.078,64€, tendo a R. , S.A. contabilizado o proveito de 5.177.542,65€.
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MOTIVAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
A decisão da matéria de facto efectuou-se mediante o recorte dos factos pertinentes para o julgamento da presente causa em função da sua relevância jurídica, atentas as soluções plausíveis de direito [cf. artigo 123º, nº 2, do CPPT, e artigo 607º, nº 4, do CPC ex vi artigo 2, alínea e), do CPPT], tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, dentro dos parâmetros do artigo 110º, nº 7, do CPPT, e, ainda, atendendo aos documentos juntos aos autos pelas partes e àqueles que integram o processo administrativo instrutor, cuja veracidade não foi colocada em causa.
De entre a prova documental mais relevante, ressai o relatório da inspecção tributária, cuja força probatória se reporta aos factos que nele são referidos, sejam os afirmados como tendo sido praticados pelos serviços de inspecção tributária – v.g. as diligências realizadas –, sejam os factos materiais apurados por esses serviços que se mostraram devidamente fundamentados através de elementos externos e assentes em critérios objectivos (cf. artigo 76º, nº 1, da LGT), valendo os meros juízos pessoais afirmados pela Administração Tributária como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador, sendo de aplicar o regime geral previsto para a força probatória dos documentos autênticos (cf. artigo 371º, nº 1, do CC) – cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 17-10-2019, proc. nº 603/12.0BELRA.
Em sede de audiência de inquirição de testemunhas, o Tribunal ouviu as testemunhas arroladas pela Impugnante, a saber: V., contabilista da Impugnante, desde 2004, mas também responsável da contabilidade do Grupo R., através da empresa C.; J., economista, e administrador da R. Holding; e J., director financeiro de uma empresa do Grupo R..
No que respeita, em particular, a todos os pontos que constam dos factos não provados, o juízo probatório proveio da livre apreciação da prova testemunhal, em conjugação com os elementos documentais constantes dos autos. Com efeito, além da prova documental, para a formação da prudente convicção criada pelo Tribunal contribuiu, ainda, a prova testemunhal produzida, livre e criticamente analisada à luz das regras de experiência comum (cf. artigo 396º do CC e artigo 607º, nº 5, do CPC), conforme, de seguida, se concretizará.
Relativamente aos factos provados, a prova testemunhal pouco ou nada acrescentou ao que já vinha firmado pela prova documental. Quanto à prova documental junta em sede de inquirição de testemunhas, e na sequência do que já foi expendido supra no âmbito dos incidentes de impugnação dos documentos suscitados pela Fazenda Pública, todos esses documentos se encontram sujeitos a livre apreciação.
Alinhando por esse diapasão, o único que merece total credibilidade é o doc. 4 (com a ref.ª 007427463), que consiste num comprovativo de transferência bancária entre contas do Banco BPI, com data de 28-09-2006, no valor de 15.500.530,00€, a debitar na conta da R. , S.A., e a creditar na conta da R. – Imobiliária, S.A., sem qualquer assinatura aposta. Como se disse em sede própria, quanto a este doc. 4, a sua autoria real, não presumida por uma subscrição que não existe, e reportada a todo o conteúdo do documento, deve ser estabelecida por outros meios. Estes meios podem ser, naturalmente, a presunção judicial. Assim, tratando-se de um documento emitido por um banco, um terceiro, não há nada que faça crer que o que nele vem declarado não corresponda à realidade.
Contudo, a realidade é tão-somente uma transferência bancária. Nada mais. A sua relevância fáctico-jurídica, para já, só se deve ater à comprovação da existência de uma transferência. Sobre o que lhe subjaz ou não, pronunciar-nos-emos seguidamente.
Pois bem, relativamente a toda a matéria de facto dada como não provada, entende-se que a prova produzida não concorreu para que se pudesse dar como provada a alegação vertida nos artigos 76º, 77º e 78º da petição inicial. Vejamos.
Na perspectiva da Impugnante, os meios tendentes à prova dessa alegação da Impugnante são a prova testemunhal, bem como a prova documental constante do doc. a fls. do processo digital com a refª 007427463 e de fls. 320 do processo físico. Mais pretende invocar os doc. 1 (com a refª 007427456), doc. 2 (com a refª 007427459), doc. 3 (com a refª 007427462) e doc. 5 (com a refª 007427464).
Sucede que, como é agora consabido nos autos, estes últimos quatro documentos foram impugnados com sucesso pela Fazenda Pública. E tendo sido impugnados com sucesso, já dissemos que, em abstracto, isso significa uma equiparação entre um documento não assinado e um documento cuja assinatura não é genuína. Em concreto, significa que a prova da alegação colhida nos artigos 76º, 77º e 78º da petição inicial se tornou mais dependente da consistência de outros meios de prova.
A título preliminar, e sem prejuízo de maiores desenvolvimentos em sede de fundamentação de direito, tenha-se presente que cabe, em regra, à Administração Tributária o dever de demonstrar os pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável), impendendo, por seu turno, sobre os administrados apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados esses pressupostos, entendimento que corresponde à regra geral artigo 342º do CC, de que quem invoca um direito tem o ónus da prova dos factos constitutivos, cabendo à contraparte a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos, regra essa que foi acolhida no artigo 74º, nº 1, da LGT (cf. Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte, de 04-06-2020, proc. nº 01074/12.7BEPRT, de 12-01-2012, proc. nº 624/05.0BEPRT). Além do mais, não obstante a presunção de veracidade de que gozam, por princípio, os elementos declarados pelo sujeito passivo, apresentados na forma legal e vertidos com a devida fiabilidade na sua contabilidade organizada de acordo com o legalmente exigido, essa presunção não se verifica, designadamente, quando as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo (cf. artigo 75º, nºs 1 e 2, da LGT).
O que vem alegado nesses artigos 76º, 77º e 78º da petição inicial, contende, como se sabe, com a restante alegação de facto e de direito por parte da Impugnante de que, ao contrário do que a AT entendeu no RIT, não houve qualquer redução dos créditos transaccionados no âmbito do “Contrato de Compra e Venda de Acções e de Cessão de Créditos” constante do item 2) dos factos provados. Cabendo à Impugnante a prova dos factos alegados nos artigos 76º, 77º e 78º da petição inicial, porquanto tendem a contrariar os pressupostos de facto dados como provados quanto à liquidação referente ao exercício de 2004, considera-se que aquela não logrou cumprir com esse ónus da prova.
Sobre essa questão, as testemunhas, que não tiveram intervenção directa no negócio, ofereceram um depoimento que, no que não se mostrou meramente conclusivo e opinativo, nada acrescentou ao que já se encontrava documentalmente provado [isto é, a celebração do contrato constante do item 2) dos factos provados tout court], de sorte que não coube retirar nenhuma factualidade ou ilação da produção da prova testemunhal.
No que respeita, estritamente, à matéria de facto alegada nos artigos 76º, 77º e 78º da petição inicial, nenhuma das testemunhas teve uma intervenção directa e imediata no alegado negócio. Todas disseram ter conhecimento de que, em 2006, ocorreu uma pretensa cessão dos créditos detidos sobre a V., da R.I para a R.H, e de que a V. havia pago à 20.618.078,64€ R.H tendente à liquidação da dívida associada aos anteditos créditos. Todavia, nenhuma pôde afirmar ter tido uma participação directa nas negociações ou na representação das sociedades. Pelo que tratando-se de funcionários ligados ao Grupo R., onde se inclui a Impugnante, é natural que essa qualidade faça com que o depoimento não convença por si só e que a apreciação do depoimento tenha de ser mais exigente. Afirmar ter conhecimento genérico não faz com que, à luz dos standards da prova, perante funcionários de entes da órbita do Grupo R., seja de considerar imediatamente preponderante a tese de facto da Impugnante. Com efeito, fossem as testemunhas, por exemplo, quem determinou as transferências bancárias em causa, fossem eles quem pretensamente vem imputado como autor dos documentos ora impugnados, tudo seria bem mais profícuo para apurar o substrato da vontade negocial que subjaz ao que envolve o “Contrato de Compra e Venda de Acções e de Cessão de Créditos” constante do item 2) dos factos provados, bem como para apurar da realidade da alegação constante dos artigos 76º, 77º e 78º da petição inicial. Mas não são.
Portanto, dos autos constam apenas documentos impugnados e documentos que contemplam movimentos de dinheiro que permitem leituras ambíguas, gerando dúvidas. E a prova testemunhal produzida não trouxe a juízo pessoas com intervenção directa que permitisse formar uma convicção prevalecente em favor da matéria alegada nos artigos 76º, 77º e 78º da petição inicial.
É dizer, existindo prova documental de fácil acesso à Impugnante, como se percebeu do testemunho de V., também não foi suficiente a prova testemunhal oferecida.
De facto, a Impugnante nunca juntou registos contabilísticos respeitantes às operações que vêm alegadas nos artigos 76º, 77º e 78º da petição inicial, que seriam aqueles que não deixariam dúvidas sobre o que aí vem articulado.
Em sede de alegações de recurso, a Impugnante juntou o documento a fls. 320 do processo físico, que demonstra que, em 29-11-2006, a Impugnante transferiu o montante de 20.618.078,64€ para a R. , S.A., mas também que esta última, no mesmo dia, transferiu o montante de 21.000.000,00€ para a sociedade R. – Imobiliária, S.A..
Ao longo do processo, foram surgindo diversos documentos pretensamente destinados a demonstrar os factos alegados nos artigos 76º, 77º e 78º da petição inicial, mas nunca os registos contabilísticos atinentes a esta matéria.
Note-se que a testemunha V. passou a ser o responsável pela contabilidade da Impugnante V. desde 2004, mais concretamente desde a celebração do “Contrato de Compra e Venda de Acções e de Cessão de Créditos” constante do item 2) dos factos provados. Mais do que isso, era já também responsável, nessa altura e desde então, pela contabilidade da R. – Imobiliária, S.A. (R.I) e da R. , S.A. (R.H).
De resto, a Impugnante, tendo tido oportunidade de juntar prova documental sólida com a petição inicial e tendo tido diversas oportunidades de o fazer supervenientemente ao longo do processo (como fez em sede de alegações de recurso), preferiu juntar apenas extractos bancários. E, sublinhe-se, se foi possível à Impugnante juntar o documento a fls. 320 do processo físico, que corresponde a um extracto bancário retirado do sítio em linha que se reporta a uma conta bancária (não da sua, mas) da titularidade da R.H, infere-se que não seria inviável juntar a escrita contabilística correspondente.
Não se pode deixar de sublinhar que os movimentos bancários apenas demonstram fluxos de dinheiro e não revelam de per se, no contexto de toda a prova produzida nestes autos, a realidade dos factos alegados nos artigos 76º, 77º e 78º da petição inicial. Para tanto, e perante as dúvidas que suscita a prova documental invocada pela Impugnante, seriam, sim, fidedignos e convincentes os registos contabilísticos dos factos alegados nos artigos 76º, 77º e 78º da petição inicial.
Repare-se, em todo o caso, que é tão-somente a falta de prova consistente sobre a matéria alegada nos artigos 76º, 77º e 78º da petição inicial que nos leva a considerar determinante a falta de prova por banda das partes quanto aos registos contabilísticos, não obstante as diversas oportunidades de que dispuseram em sede procedimental e também judicial, e não obstante até a iniciativa oficiosa do Tribunal.
Por mais que o Tribunal tenha tido a iniciativa de ordenar, ao abrigo do princípio do inquisitório, a junção de documentos que a Impugnante invoca para demonstrar o que vem alegado nos artigos 76º, 77º e 78º da petição inicial, estes acabaram por ser impugnados com sucesso, implicando dúvidas sobre a sua credibilidade.
Portanto, quanto à testemunha V. (que sobressai por ser o responsável pela contabilidade da V., R.H e R.I), muito do que disse não se encontra provado documentalmente nos autos pela Impugnante e podia tê-lo sido, por forma a criar uma convicção mais consistente sobre a sua alegação. Tal como a própria testemunha V. assumiu, enquanto contabilista das sociedades envolvidas facilmente poderia ter tido acesso aos documentos contabilísticos da R.H que poderiam provar, nomeadamente, a contabilização do proveito de 5.177.542,65€.
Por fim, ainda que a testemunha V. tenha referido, por um lado, que aludiu, aquando das diligências inspectivas, aos negócios jurídicos alegados nos artigos 76º, 77º e 78º da petição inicial e que isso foi ignorado, por outro lado, em contradição, quando perguntado expressamente se havia suscitado essa factualidade juntos dos serviços inspectivos, já respondeu que não. Além disso, a única esparsa e subtil referência à matéria em causa é a que se encontra, já após o procedimento inspectivo, no artigo 46º da reclamação graciosa. No mais, não consta do RIT, nem da pronúncia em sede de audiência prévia, nem dos autos deste processo judicial, que alguma vez os serviços inspectivos, no âmbito do procedimento inspectivo, tenham sido concretamente informados pela Impugnante do que vem alegado nos artigos 76º, 77º e 78º da petição inicial.
O facto de se demonstrar que, em 29-11-2006, a Impugnante transferiu o montante de 20.618.078,64€ para a R. , S.A., não serve, a nosso ver, como facto-base de uma presunção suficiente para firmar uma convicção sobre o que vem alegado nos artigos 76º, 77º e 78º da petição inicial. Até porque, logo de seguida, no mesmo dia, a R. , S.A., transferiu o montante de 21.000.000,00€ para a sociedade R. – Imobiliária, S.A., sem que qualquer das testemunhas se tivesse comprometido com um facto que explicasse concretamente a que se deveu esse novo movimento bancário.
Uma vez mais, perante a falência da prova documental constante dos autos, o que poderia resolver as dúvidas seriam, pois, os registos contabilísticos correspectivos, que poderiam ilustrar o que estava por detrás. Mas, nestes autos, estes inexistem.
Aqui chegados, porque o direito à prova se situa entre o princípio da auto-responsabilidade das partes e o princípio do inquisitório, tendo ambos tido o respectivo papel no devir processual, considera-se, em face da prova produzida nos autos, à luz das regras do ónus da prova, que não se provou o que vem alegado nos artigos 76º, 77º e 78º da petição inicial.»
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4. Apreciação jurídica do Recurso.

A Recorrente insurge-se contra o julgamento de facto e, bem assim, da análise da prova produzida, quer documental quer testemunhal que foi realizada no tribunal a quo.

Contudo analisando detalhadamente as conclusões, ainda que concatenadas com as longas alegações da recorrente, não encontramos qualquer erro concreto imputado à sentença.

Na verdade, feita uma apreciação global do devir processual, até ao momento, o que se surpreende é uma repetição dos fundamentos que foram sendo acionados ao longo do processo.

O recurso constitui o principal instrumento de impugnação de decisões judiciais, permitindo a sua reapreciação por um tribunal de categoria hierarquicamente superior [art. 627.º, n.º 1, do CPC]

Concatenando a decisão recorrida com as conclusões de recurso ressalta claro que a recorrente não reage de forma eficaz às razões explanadas na sentença para julgar improcedente a impugnação, maxime, aquilo que era o âmago da sua impugnação, ou seja, que a R.I cedeu o seu crédito sobre a recorrente à R. Holding SGPS pelo valor de aquisição, 15.500.536,00 e que a Holding comunicou à recorrente (V.) que deveria liquidar a dívida no montante de 20.618.078,64 e não pelo valor de aquisição (15.500.536,00) e que a recorrente pagou aquela quantia (20.618.078,64) e , por sua vez, a Holding contabilizou o proveito de 5.177.542,65 (ou seja, a diferença de 20.618.078,64 para 15.500.536,00). A recorrente reverte o seu desacordo aos fundamentos que presidiram à instauração da ação.

O recurso, maxime as conclusões, tem que conter os fundamentos que justifiquem a alteração ou anulação da decisão recorrida; fundamentos traduzidos na enunciação de verdadeiras questões de direito ou de facto cujas respostas interfiram com o teor da decisão, sem olvidar a identificação clara e precisa daquilo que se pretende obter do Tribunal Superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo.

Com efeito, nas conclusões 4ª a 18.ª a Recorrente remete-se para a tarefa de realçar a sua discordância com o que foi decidido, repetindo o que alegou em sede de impugnação [considerando que aqui vai mais além dos fundamentos aduzidos em sede de reclamação graciosa e recurso hierárquico] mas sem desferir um ataque eficaz à sentença cujo teor de todo não aceita.

Insiste, assim, a recorrente que foi demonstrada cabalmente, pela prova documental e pelos depoimentos das três testemunhas arroladas a inexistência de qualquer rendimento na esfera da Recorrente apurado em 2004; a diferença verificada entre o preço pago pelos créditos adquiridos – por € 15.500.536 –, e o respetivo valor nominal – € 20.618.078,64 – decorreu tão só da liberdade contratual das partes, como é prática corrente no mercado, sobretudo na venda de créditos pelos Bancos; de acordo com as normas contabilísticas em vigor à data dos factos (POC), máxime o princípio do custo histórico de aquisição, a Recorrente manteve contabilizada a dívida ao acionista, no valor de € 20.618.078,64, e a R., acionista única da Recorrente, contabilizou pelo valor histórico do preço pago (€ 15.500.536);
Como o Grupo R. consolida as contas, a diferença entre os valores contabilizados na ora Recorrente e na R. foi anulada nas contas consolidadas de 2004, sendo que a R. Holding registou, na conta 27-proveitos diferidos, um proveito de € 5.117.548,64 nesse exercício (2006), face ao diferencial entre o valor de aquisição (€ 15.500.536) e o valor recebido da devedora (€ 20.618.078,64), cf. decorre de forma inequívoca de toda a prova testemunhal, incluindo o depoimento de V., e do RIT citado a fls. 21 da sentença e incluído no ponto 6) dos factos provados

Olvida a recorrente que o tribunal a quo de forma minuciosa afasta a prova documental, atenta a fragilidade da sua força probatória, aliás, generosamente explicada, não foi esta decisão atacada, pese embora, continua a reafirmar na conclusão 16.ª que ficou demonstrada a força probatória de todos os documentos juntos, nomeadamente em confronto com a prova testemunhal que corroborou o teor dos mesmos.

Aqui a recorrente trilha o caminho de impugnação genérica do julgamento de facto e da errada valoração da prova testemunhal, em confronto com a prova documental.

Na verdade, a recorrente não cumpre, por um lado, o ónus da alegação, com falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e em que a recorrente se funda e, bem assim, a falta de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação, e do depoimento que confere densidade ao que por ela foi alegado no confronto com a prova documental ponderada pelo tribunal, posto que há prova documental, preliminarmente, afastada por ele.

Com efeito, no recurso continua a insistir nas mesmas razões que empreendeu na impugnação e que a sentença de forma irrepreensível explicou, a não valoração dos documentos juntos no âmbito da inquirição, em virtude de não possuírem aptidão para fazer a prova pretendida (força probatória dos mesmos) até pelo facto de haverem sido impugnados com eficácia a inexatidão das cópias, a genuinidade da autoria dos documentos por parte Fazenda Pública e, ainda, que os documentos emitidos por terceiros e não assinados são livremente apreciados pelo julgador.

Neste contexto, o tribunal veio a ponderar também a prova testemunhal relacionada com os factos controvertidos de modo a que o seu juízo probatório proveio da livre apreciação da prova testemunhal em conjugação com os documentos constantes dos autos, de tal modo que concluiu que o único documento apresentado pela recorrente que merece credibilidade é o documento n.º 4, que consiste num comprovativo de transferência bancária entre contas do Banco BPI, com data de 28-09-2006, no valor de 15.500.530,00 a debitar na conta da R. Holding e a creditar na conta da R., sem qualquer assinatura aposta, apenas dele podendo extrair-se que foi realizada uma transferência bancária, mas nada mais que isso.

Em simultâneo foi dado como provada a circunstância descrita no item 5 do acervo factual provado, ou seja, que a recorrente em 29-11-2006 transferiu o montante de € 20.618.078,64 para a R. Holding, e esta no mesmo dia transferiu o montante de € 21.000.000,00 para a R..

No que tange à prova testemunhal, realçou o tribunal, quanto aos factos nucleares da tese da recorrente, constantes dos artigos 76.º a 78.º da p.i., nenhuma das testemunhas teve intervenção direta e imediata no negócio, são funcionários do grupo R., onde se inclui a recorrente, o que foi dito, a forma como cada uma das testemunhas se explicou e se justificou não foi suficiente para corporizar o que se alegou, ademais, foram considerados depoimentos genéricos que, de per si, contribuem para o desmerecimento do depoimento.
O depoimento da testemunha que sendo o responsável da contabilidade do grupo não tinha documentos que objetivasse o que afirmou.

Ora, é consabido que a prova testemunhal, sendo um dos meios de prova admissível em direito não se basta se não se ancorar em outra prova objetiva e mais segura, por exemplo, assente em documentos registados na contabilidade da empresa, como atas ou acordos, consabido que no âmbito da contabilidade e fiscalidade os factos esteam-se no campo documental, (principio da documentação art. 23.º, n.º1, 115.º e 121.º do CIRC) sendo a prova testemunhal complementar, atendendo, nomeadamente, ao seu caráter mais volátil, naturalmente, ligada às contigências da incerteza e inconstância desta prova.

Por sua vez, as inconsistências documentais da contabilidade implicam que a escrita ou a contabilidade sofra um sério abalo na sua presunção de veracidade.

Ora, o tribunal recorrido enfatizou, e bem, que o direito à prova situa-se entre o princípio da autoresponsabilidade das partes e o princípio do inquisitório, ambos ponderados ao longo do processo, não obstante a recorrente não logrou demonstrar o que invocou, de acordo com o ónus da prova, para excluir que da operação realizada não decorreu para ela qualquer mais-valia na sua esfera patrimonial no ano de 2004.

Na verdade, a discordância sobre a valoração da prova testemunhal produzida e sobre a convicção do julgador, sem precisar ou identificar o vício lógico em que se incorre não permite a alteração da matéria de facto.

O erro deve ser evidenciado pela Recorrente, no caso da prova testemunhal, mas a recorrente pese embora tenha indicado o excerto dos depoimentos não identifica qual o erro que decorre do julgamento realizado.

Como tem sido jurisprudência deste tribunal, no contexto da valoração da prova o erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados.
Dito de outro modo, o erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação sub judice que não revista natureza jurídica.

O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida.

A decisão é errada ou por padecer de error in procedendo, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos atos processuais que integram o procedimento aplicável, ou de error in iudicando, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorretas da norma reguladora do caso ajuizado.

A decisão é injusta quando resulta de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexata dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe são confiados. (…)

Cfr. Ac. de 15-10-2015 deste TCA no processo 692/09 BEPNF, disponível em www.dgsi.pt
Ac. deste TCA no processo 458/07.7 BEPRT de 30/3/17, ainda inédito, mas na qual a relatora é adjunta.


A recorrente realça o facto de a quantia de € 20.618.078,64 transferida da conta da recorrente, em 29-11-2006, para a R. Holding (doc. 1 fls. 270) ao coincidirem os valores, exatamente idênticos, não compreende a razão pela qual ao tribunal não lhe suscitou, no mínimo, dúvidas a correspondência numérica.

No que respeita a este movimento financeiro, o documento que o sustenta não é esclarecedor, suscita dúvidas, que deveriam ter sido afastadas pela recorrente, aliás, como referiu a sentença; documentos existem no processo que contemplam movimentos de dinheiro que permitem leituras ambíguas, gerando dúvidas e a prova testemunhal trazida ao processo não permitiram formar uma convicção prevalente em favor da matéria alegada.

Não está explicado o movimento que a recorrente tanto enfatiza para dar como provado que a recorrente pagou a quantia de € 20.618.078,64, antes pelo contrário, o documento que é trazido à liça suscita dúvidas, e como tal, cabe a ela, que o invoca, desembaraçar-se delas, até porque está nas melhores condições de o fazer.

A recorrente insurge-se com o facto de o tribunal ter desconsiderado a Declaração de Informação Contabilística e Fiscal de 2004, a declaração de substituição na pendência do processo, o Anexo A, da qual consta o saldo credor de suprimentos, no final do exercício de 2004, no montante de 15.500.530,00.
Na verdade, as partes podem juntar documentos, a título excecional, posteriormente à p.i. se se verificar a superveniência a que faz depender a lei processual, contudo a declaração de substituição não obstante a sua validação pela AT não permite inferir o que pretende a recorrente, ou seja, não lhe está acoplada a inferência que o sua dívida foi sempre de € 20,618.078,64.

A recorrente no recurso afirma, ainda, que não se tratou de qualquer perdão de dívida, a diferença entre o valor da dívida e o valor pago resulta apenas da liberdade contratual das partes como é prática corrente no mercado, sobretudo na venda de créditos pelos bancos.

Contudo, o ato de correção não qualifica a operação perdão de dívida, apenas infere que a Recorrente viu reduzido o seu passivo em 5.11.542,65€ afetando positivamente e de forma significativa os capitais próprios da firma (…) e, por via disso, gerou um ganho imediato em favor da recorrente que viu o seu passivo alterado qualitativa e quantitativamente, que deveria ter sido relevado numa conta de proveitos extraordinários, atendendo à relevância da operação bem como ao seu caráter extraordinário [diretriz contabilística n.º 8], devendo concorrer para a determinação do lucro tributável, no ano em que a operação se efetiva- 2004.
Aliás, a sentença assertivamente discreteia da forma seguinte:(…) Foquemo-nos, agora, na fundamentação de facto do acto impugnado, que consta do RIT.
Relativamente ao exercício económico de 2004, os Serviços de Inspecção Tributária (SIT) partem, então, da contabilização dos créditos transaccionados, na óptica da contabilidade da R.I, bem como na perspectiva da contabilidade da V. – ainda à luz do Plano Oficial de Contabilidade, à altura vigente, por via do Decreto-Lei nº 410/89, de 21 de Novembro.
Nesse quadrante, no balanço da R.I consta um crédito sobre a Impugnante V. no valor de 15.500.535,99€, com registo na conta 268 – Outros devedores, contrapartida de uma conta financeira. Já a Impugnante V. manteve inalterada a sua situação de passivo, fazendo constar na conta 25 – empréstimos de accionistas o valor de 20.618.078,64€.
Apuraram, ainda, os SIT que a R.I e a V. são empresas relacionadas entre si, por via do capital social, em relação de domínio (100%), bem como pela existência de órgãos de administração comuns.
Neste contexto, compete ter presente que o acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos. Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição sine qua non da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada (cf. Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 08-05­2019, proc. nº 581/13.9BEALM, de 23-02-2017, proc. nº 637/09, de 22-05-2012, proc. nº 05232/11).
Desta feita, cabe à Administração Tributária o ónus da prova dos factos constitutivos do direito à liquidação, pelo que sempre que resultar da prova produzida uma dúvida fundada relativamente à existência e à quantificação do facto tributário, deve o acto tributário ser anulado (cf. artigo 100º, nº 1, do CPPT). Este princípio consubstancia uma aplicação no processo de impugnação judicial da regra geral sobre o ónus da prova no procedimento tributário enunciada no artigo 74º, nº 1, da LGT, em que se estabelece que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque, o qual constitui, em homenagem à unidade do sistema jurídico-tributário, um cânone também aplicável ao processo judicial tributário (cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 18-06-2015, proc. nº 07452/14).
Por ser assim, cabe, em regra, à Administração Tributária o dever de demonstrar os pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável), impendendo, por seu turno, sobre os administrados apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados esses pressupostos, entendimento que corresponde à regra geral artigo 342º do CC, de que quem invoca um direito tem o ónus da prova dos factos constitutivos, cabendo à contraparte a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos, regra essa que foi acolhida no artigo 74º, nº 1, da LGT (cf. Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte, de 04-06-2020, proc. nº 01074/12.7BEPRT, de 12-01-2012, proc. nº 624/05.0BEPRT).
Além do mais, não obstante a presunção de veracidade de que gozam, por princípio, os elementos declarados pelo sujeito passivo, apresentados na forma legal e vertidos com a devida fiabilidade na sua contabilidade organizada de acordo com o legalmente exigido, essa presunção não se verifica, designadamente, quando as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo (cf. artigo 75º, nºs 1 e 2, da LGT).
É dizer, gozando as declarações dos sujeitos passivos da presunção de verdade, as mesmas só podem ser alteradas pela AT quando existirem elementos que fundamentam essa não correspondência com a verdade, cabendo à AT demonstrar que os elementos de suporte à contabilidade do sujeito passivo não correspondem à sua realidade tributária, e que factos são esses, tendo presente o princípio da legalidade que preside ao direito tributário. Ora, depois de a AT ter feito essa prova, pelos termos e pressupostos que são legal e processualmente devidos, na eventualidade de o sujeito passivo com eles não concordar, é agora sobre si que recai o ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não se verificam, ou que na eventualidade de ocorrerem, que se verifica erro ou excesso na quantificação. E neste patamar, caso o sujeito passivo, não consiga fazer este exercício em torno do seu ónus de prova, a apreciação da sua actuação terá assim de ser resolvida contra ele, em favor da AT. Portanto, nestas situações, o ónus da prova de que a contabilidade do sujeito passivo retrata, fielmente, as operações contabilísticas por si levadas a cabo, impendem sobre si (…)
cabe à Administração Tributária o ónus da prova dos factos constitutivos do direito à liquidação, pelo que sempre que resultar da prova produzida uma dúvida fundada relativamente à existência e à quantificação do facto tributário, deve o acto tributário ser anulado (cf. artigo 100º, nº 1, do CPPT). Este princípio consubstancia uma aplicação no processo de impugnação judicial da regra geral sobre o ónus da prova no procedimento tributário enunciada no artigo 74º, nº 1, da LGT, em que se estabelece que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque, o qual constitui, em homenagem à unidade do sistema jurídico-tributário, um cânone também aplicável ao processo judicial tributário (…) não obstante a presunção de veracidade de que gozam, por princípio, os elementos declarados pelo sujeito passivo, apresentados na forma legal e vertidos com a devida fiabilidade na sua contabilidade organizada de acordo com o legalmente exigido, essa presunção não se verifica, designadamente, quando as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo (cf. artigo 75º, nºs 1 e 2, da LGT).
É dizer, gozando as declarações dos sujeitos passivos da presunção de verdade, as mesmas só podem ser alteradas pela AT quando existirem elementos que fundamentam essa não correspondência com a verdade, cabendo à AT demonstrar que os elementos de suporte à contabilidade do sujeito passivo não correspondem à sua realidade tributária, e que factos são esses, tendo presente o princípio da legalidade que preside ao direito tributário. Ora, depois de a AT ter feito essa prova, pelos termos e pressupostos que são legal e processualmente devidos, na eventualidade de o sujeito passivo com eles não concordar, é agora sobre si que recai o ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não se verificam, ou que na eventualidade de ocorrerem, que se verifica erro ou excesso na quantificação. E neste patamar, caso o sujeito passivo, não consiga fazer este exercício em torno do seu ónus de prova, a apreciação da sua actuação terá assim de ser resolvida contra ele, em favor da AT. Portanto, nestas situações, o ónus da prova de que a contabilidade do sujeito passivo retrata, fielmente, as operações contabilísticas por si levadas a cabo, impendem sobre si
(…) Ora, diante da matéria constante do RIT, bem como da factualidade dada como provada, entende-se que, no que toca ao exercício de 2004, andaram bem os SIT na análise que fizeram.
Perante a falta de conciliação de balanços entre firmas em relação de domínio entre si, com órgãos de administração comuns, bem como a diferença de critérios na contabilização ou falta desta, da diferença de créditos e débitos entre ambas, entende-se que existe uma disparidade na contabilidade com o condão de justificar os pressupostos de facto e de direito da actuação da AT.
É certo que o instituto da cessão de créditos, cujos requisitos de admissibilidade constam do artigo 577º, nº 1, do CC, define-se como um contrato pelo qual o credor transmite a terceiro, independentemente do consentimento do devedor, a totalidade ou uma parte do seu crédito, traduzindo-se na substituição do credor originário por outra pessoa, mas sem produzir a substituição da obrigação antiga por uma nova, mantendo-se inalterados os restantes elementos da relação obrigacional, com a única modificação subjectiva que consiste na transferência do lado activo da relação obrigacional (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 03-10-2017, proc. nº 71045/14.0YIPRT.L1.S1). A cessão de créditos consiste “na substituição do credor originário por outra pessoa, mantendo-se inalterados os restantes elementos da relação obrigacional [, isto é,] não se produz a substituição da obrigação antiga por uma nova, mas uma simples modificação subjectiva que consiste na transferência daquela pelo lado activo” (MÁRIO JÚLIO ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 5ª ed., Almedina, 1991, p. 677).
Também é certo que, em abstracto, não são desconhecidos, no tráfego jurídico, negócios jurídicos em que o valor de aquisição dos créditos não equivale ao valor nominal dos créditos. Contudo, é em concreto que importa cuidar do caso, até porque se trata de uma operação com a particularidade de envolver também a alienação da totalidade das acções da V., passando esta a ser detida pela R.I.
Mas não só. É que, ainda que seja verdade que a V. manteve inalterado o valor do seu passivo relativamente aos referidos créditos, fazendo constar na conta 25 - empréstimos de accionistas o valor de 20.618.078,64€, em contraponto, do outro e correspectivo lado, a R.I já fez constar o valor de 15.500.535,99€ na conta 26 – empréstimos a participadas.
É, pois, acertado que se interprete que, para além da alteração subjectiva dos credores decorrente do “Contrato de Compra e Venda de Acções e de Cessão de Créditos” [cf. item 2) do probatório], a R.I reduziu o seu crédito para 15.500.535,99€, pois que é o que ressuma da sua escrita contabilística. Do cotejo da contabilidade de ambas as sociedades, retira-se, assim, que, efectivamente, a Impugnante V. obteve um proveito de 5.117.542,65€, devendo ser considerada uma variação patrimonial positiva, nos termos do artigo 21º do CIRC, não reflectida no resultado líquido do exercício de 2004, decorrente de uma diminuição do seu passivo no mesmo montante.
Ademais, como bem nota a Fazenda Pública, se a R.I evidenciasse, na contabilidade, ser credora da Impugnante do valor de 15.500.535,99€ quando, na realidade se considerasse credora da quantia de €20.618.078,64, estaria a violar o princípio da fiabilidade, também plasmado na alínea a) do nº 3 do artigo 17º do CIRC, segundo a qual a qualidade da informação prestada pelas empresas tem de estar liberta de erros materiais e de juízos prévios.
Considera-se, pois, na vertente de facto, satisfeito o ónus que impendia sobre a AT no que tange à liquidação de IRC nº 2008 8310036583, referente ao exercício económico de 2004, pelo que cumpria à Impugnante demonstrar factos que pudessem infirmar o que decorria do confronto da sua contabilidade com a contabilidade da R.I, de acordo com o artigo 342º do CC e dos artigos 74º, nº 1, e 75º, nºs 1 e 2, da LGT. Mais ainda, além de ter provado os pressupostos de facto da liquidação impugnada, a AT adoptou os pressupostos de direito acertados.
Sem embargo, cumpre ainda curar da restante matéria que a Impugnante alega por forma a procurar contrariar a conclusão antecedente, como também aquela que a Fazenda Pública utiliza para reforçar a fundamentação contemplada no RIT.
Nesse domínio, sobressai primeiramente a factualidade objectivamente superveniente ao exercício económico em causa (2004), como seja a matéria alegada pela Impugnante nos artigos 76º, 77º e 78º da petição inicial.
Sobre o que vem alegado pela Impugnante nos artigos 76º, 77º e 78º da petição inicial, não se provou que, em 2006, a R. – Imobiliária, S.A. cedeu o seu crédito sobre a Impugnante à R. , S.A., pelo valor de 15.500.530,00€. Nem que, no mesmo ano, a R. , S.A. comunicou à Impugnante que deveria liquidar a dívida no montante de 20.618.078,64€. Como também não se provou que, também nesse ano, a Impugnante procedeu ao pagamento da dívida no montante de 20.618.078,64€, nem que a R. , S.A. contabilizou o proveito de 5.177.542,65€ [cf. alíneas A), B) e C) dos factos não provados].
Antes ressuma meramente provado que, em 28-09-2006, a R. , S.A., ordenou a transferência bancária no valor de 15.500.530,00€ para a R. – Imobiliária, S.A. [cf. item 4) do probatório] e que, em 29-11-2006, a Impugnante transferiu o montante de 20.618.078,64€ para a R. , S.A., sendo que esta última, no mesmo dia, transferiu o montante de 21.000.000,00€ para a sociedade R. – Imobiliária, S.A. [cf. item 5) do probatório].
Perante a justificação, por parte da AT, dos pressupostos de facto da sua actuação respeitante à variação patrimonial positiva não reflectida no resultado líquido do exercício de 2004, mormente as incongruências contabilísticas, competia à Impugnante demonstrar o que vem alegado nos artigos 76º, 77º e 78º da petição inicial. O que não fez [cf. alíneas A), B) e C) dos factos não provados].
É certo que poderia haver factos supervenientes ao acto impugnado que poderiam ter uma influência retrospectiva, mesmo que como factos instrumentais, embora sempre com a devida parcimónia, visto que, em rigor, o exercício económico em causa é o exercício de 2004 e não o de 2006.
Por outras palavras, o que viesse a suceder em 2006 poderia, atento o disposto no artigo 236º do CC, ter eventual relevância para aferir dos contornos do “Contrato de Compra e Venda de Acções e de Cessão de Créditos”, celebrado em 2004 [cf. item 2) do probatório], isto é, da cessão de créditos, se com ou sem redução da dívida. Como também a efectiva contabilização do proveito em 2006, na esfera da R.H, poderia infirmar substancialmente aquilo que, olhando ao exercício de 2004, indica ser uma incongruência, uma inexactidão da escrita contabilística da V. e da R.I, que acaba por ter se ser interpretado como uma modificação dos anteditos créditos.
Porém, perante a matéria de facto dada como não provada, por força da insuficiência da prova documental e testemunhal invocada pela Impugnante, e estando primeiramente em causa as inconsistências da escrita contabilística das sociedades V. e R.I em face do “Contrato de Compra e Venda de Acções e de Cessão de Créditos”, no seio do exercício de 2004, cabe retirar daí as devidas ilações quanto à efectiva redução do crédito.
Já no que contende com a factualidade subjectivamente superveniente da parte da AT, há que lembrar que a fundamentação do acto tributário deve ser contemporânea ao mesmo, não sendo admissível fundamentação a posteriori, mas isso não significa que não se possa atender a outros factos instrumentais subjectivamente supervenientes à prática do acto (porque conhecidos apenas depois), mas objectivamente anteriores (porque ocorridos antes da prática do acto impugnado), como seja que, em 23-06-2005, a Impugnante submeteu, via electrónica, o Anexo A da Declaração de Informação Contabilística e Fiscal, da qual consta o saldo credor de suprimentos, no final do exercício de 2004, no montante de 15.500.530,00€ [cf. item 3) do probatório].
De qualquer forma, toda a factualidade objectiva e subjectivamente superveniente – mesmo que instrumental – a que se aludiu anteriormente acaba por concorrer no mesmo sentido da improcedência das razões aventadas pela Impugnante.
Isto é, de uma banda, a Impugnante não provou o que vem alegado artigos 76º, 77º e 78º da petição inicial. De outra banda, a factualidade superveniente instrumentalmente relevante apenas corrobora a tese vertida no RIT, visto que se provou que, em 23-06-2005, a Impugnante submeteu, via electrónica, o Anexo A da Declaração de Informação Contabilística e Fiscal, da qual consta o saldo credor de suprimentos, no final do exercício de 2004, no montante de 15.500.530,00€ [cf. item 3) do probatório], sem que a declaração de substituição, porque apresentada já na pendência da presente acção [cf. item 16) do probatório], possa merecer relevância para infirmar o que antecede.
Em suma, tudo concorre para que se considere, tal como os SIT entenderam, que a Impugnante V. obteve um proveito de 5.117.542,65€, devendo ser considerada uma variação patrimonial positiva, nos termos do artigo 21º do CIRC, não reflectida no resultado líquido do exercício de 2004, decorrente de uma diminuição do seu passivo no mesmo montante.
Concluindo, julga-se improcedente o alegado vício de violação de lei.

Por fim, a recorrente vem invocar a violação dos arts. 103.º e 104.º da CRP e os princípios da capacidade contributiva e do rendimento real, que nunca antes havia suscitado no processo.

A natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina, também, uma importante limitação ao objeto do recurso de apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal “ad quem” com questões novas.
Os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo se do conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos imprescindíveis.
Assim, rejeita-se este segmento do recurso.

Concluiu-se, deste modo, pela improcedência do recurso.
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O presente processo tem valor de 1.396.700,88€

Nos termos do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP), «[n]as causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento».

O Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a afirmar, a dispensa do remanescente da taxa de justiça tem natureza excecional, pressupõe uma menor complexidade da causa e uma simplificação da tramitação processual aferida pela especificidade da situação processual e pela conduta das partes Cfr. com os acórdãos do 2.º Juízo do Tribunal Central Administrativo Sul de 29/05/2014, proc. n.º 7270/13, e de 27/11/2014, proc. n.º 6492/13, bem como do seu 1.º Juízo de 26/02/2015, proc. n.º 11701/14 e, ainda, o acórdão deste TCAN, de 08/01/2016, proferido no âmbito do processo n.º 1155/10.1BEBRG.


O disposto no artigo 6.º, n.º 7 do RCP está conexionado com o que se prescreve na tabela I, ou seja, que para além de € 275.000 ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada € 25.000 ou fração três unidades de conta no caso da coluna A, uma e meia unidade de conta no caso da coluna B, e quatro e meia unidade de conta no caso da coluna C.

É esse o remanescente, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre € 275.000 e o efetivo valor da causa, [1.396.700,88€] para efeito de determinação daquela taxa que deve ser considerado na conta final, se não for determinada a dispensa do seu pagamento.

A referência à complexidade da causa e à conduta processual das partes significa em concreto a sua menor complexidade ou simplicidade e a positiva atitude de cooperação das partes.

Importa, pois, apreciar, para além do requisito relativo ao valor da causa que efetivamente se verifica, uma vez que esta tem o valor tributário de 1.396.700,88€, se existem razões objetivas para a dispensa do pagamento, designadamente atendendo à complexidade da causa e à conduta processual das partes.

Considerando a jurisprudência do STA Acórdãos de 30-09-2020 no processo 073/19.2BALSB; de 16-09-2020 no n.º 0512/10BEPRT e de 16-09-2020 no processo n.º 0249/14 BESNT e a que vem sendo, também, seguida pelo TCAN Entre outro o processo 00287/15 de 7-12-2017, disponível www.dgsi.ptse a conduta processual das partes não obstar a essa dispensa e se o montante da taxa de justiça devida se afigura desproporcionado em face do concreto serviço prestado, pondo em causa a relação sinalagmática que a taxa pressupõe.”

Na verdade, o valor que se imporia pagar nos presentes autos seria excessivo, considerando que deve existir correspetividade entre os serviços prestados e a taxa de justiça cobrada aos cidadãos que recorrem aos tribunais, de acordo com o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 2.º da CRP e atendendo ainda ao direito de acesso à justiça acolhido no artigo 20.º igualmente da CRP.
Tudo visto e ponderado, na sequência do exposto, deverá conceder-se às partes a dispensa parcial do remanescente, dispensando-se de 70% da taxa de justiça.

Na verdade, a proporcionalidade entre a taxa de justiça devida e o trabalho jurisdicional, mais concretamente na sua vertente de proibição do excesso, bem como com o direito de acesso aos tribunais, deve ser ponderado.

Nesta conformidade, com a aplicação, nesta sede de recurso, das regras gerais previstas no Regulamento das Custas Processuais, verificando-se os pressupostos para a dispensa parcial do pagamento do remanescente da taxa de justiça, afigura-se-nos que o montante da taxa de justiça devida sempre seria desproporcionado em face do concreto serviço prestado, pelo que se mostra adequado dispensar parcialmente as partes do pagamento do remanescente da taxa de justiça desconsiderando-se 70% da taxa.
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5. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal em negar provimento ao recurso mantendo-se a sentença recorrida.
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Custas a cargo da recorrente dispensando-se as partes do remanescente da taxa de justiça no valor de 70%.
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Notifique-se.
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Porto, 8 de julho de 2021

Cristina da Nova
Ana Paula Santos
Margarida Reis
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i) Cfr. Ac. de 15-10-2015 deste TCA no processo 692/09 BEPNF, disponível em www.dgsi.pt
Ac. deste TCA no processo 458/07.7 BEPRT de 30/3/17, ainda inédito, mas na qual a relatora é adjunta.

ii) Cfr. com os acórdãos do 2.º Juízo do Tribunal Central Administrativo Sul de 29/05/2014, proc. n.º 7270/13, e de 27/11/2014, proc. n.º 6492/13, bem como do seu 1.º Juízo de 26/02/2015, proc. n.º 11701/14 e, ainda, o acórdão deste TCAN, de 08/01/2016, proferido no âmbito do processo n.º 1155/10.1BEBRG.

iii) Acórdãos de 30-09-2020 no processo 073/19.2BALSB; de 16-09-2020 no n.º 0512/10BEPRT e de 16-09-2020 no processo n.º 0249/14 BESNT

iv) Entre outro o processo 00287/15 de 7-12-2017, disponível www.dgsi.pt