Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00603/14.6BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/21/2018
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:IUC
ILEGALIDADE CONCRETA DA LIQUIDAÇÃO
Sumário:Não é admissível que no processo de oposição à execução fiscal o executado lance mão dos fundamentos próprios do processo de impugnação judicial, quando já anteriormente impugnou judicialmente as liquidações que deram origem às dívidas em execução.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:R..., Lda.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
A Recorrente, R..., Lda., com o NIPC 5…, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que julgou improcedente a oposição judicial deduzida contra o processo de execução fiscal nº 1856201401065467 e apensos, por dívidas de Imposto Único de Circulação (IUC) do ano de 2010 relativo a diversos veículos, melhor identificados nos autos.

A Recorrente no recurso jurisdicional formulou nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(…)1 – O presente recurso vem interposto da douta sentença na parte em que julgou improcedente a oposição quanto aos processos de execução fiscal pelas dividas de IUC do ano de 2010 relativas aos veículos identificados na matéria de facto julgada provada em A).
2 - O recorrente impugna no presente recurso quer a matéria de facto quer o direito aplicado, pelas razões que adiante se enunciam.
3 – QUANTO AO ERRO DE JULGAMENTO - IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO, SEMPRE SE DIRÁ, QUE, a oponente, ora recorrente, em sede de oposição judicial invocou a sua ilegitimidade, o que fez assentar no facto de não ser proprietária nem possuidora daqueles identificados veículos, à data dos respetivos tributos.
4 - No seu petitório, e com a finalidade de comprovar a sua ilegitimidade, a oponente alega, entre outros, o que se extraí do vertido nos articulados 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º da PI, que à data a que respeita os respetivos tributos “..os veículos não eram propriedade da aqui oponente, pois que, já há muito, haviam sido objeto de venda, conforme se afere das faturas que se juntam…” “…foram os mesmos vendidos a destinatário nacional, conforme consta das respetivas faturas já juntas…” “…que a oponente, à data do tributo, repete-se, …não era proprietária nem possuidora dos identificados veículos...” “…a propriedade dos identificados veículos não é da aqui oponente…” “…porque a posse se encontra totalmente afastada, por não exercida pelo titular do registo, …, não podendo nem devendo a propriedade ser-lhe atribuída.”.
5 - E, para tanto, designadamente, para prova da efetiva transmissão dos referidos veículos, em data anterior ao vencimento do imposto, a oponente juntou aos autos faturas e recibos, e ainda declaração de expedição dos veículos (DUC aduaneiro - documento aduaneiro comprovativo de exportação daqueles) de matricula QQ, SA, BS E CO uma vez que a sua venda foi seguida de exportação, assim como, documentos que atestam o cancelamento retroativo das respetivas matrículas.
6 - Entende-se, antes de mais, que sobre os referidos documentos não se evidencia na Sentença ora recorrida, que tenha existido a necessária análise crítica e conjugada, apesar da sua breve alusão na motivação de facto da Sentença, na medida em que, não se mostram refletidos nos factos materiais da causa, pelo menos, como complemento ou concretização da matéria alegada pela aqui recorrente, nomeadamente, na alínea C) dos factos provados, onde apenas se faz referência à emissão de fatura de venda, com total omissão ao recibo, e aos documentos de expedição dos veículos de matricula QQ, SA, BS E CO, que foram objeto de exportação e, por essa via, deixado de estar em território nacional.
7 - E, os factos articulados na petição inicial, cujos documentos que os atestam não foram objeto de impugnação por parte da AT, e que gozam de presunção de veracidade, carecem de elenco ou fixação nos factos materiais da causa (provados e/ou assentes).
8 - Pelo que, e por força disso, esses concretos pontos de facto (o vertido nos articulados 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º da PI) encontram-se incorretamente julgados na medida em que se impunha serem dados por provados, prevalecendo-se o Tribunal ad quo da prova documental junta ao processo, fazendo-os constar do elenco dos factos provados.
9 - No caso vertente, presente a matéria alegada, os documentos juntos e a posição da AT relativamente aos mesmos, impunha-se concluir e fazer constar que a oponente, à data dos tributos, não era realmente possuidora nem proprietária dos veículos a que respeita a presente oposição, impondo-se decisão neste sentido, e portanto, diversa da proferida, com o devido e pertinente reflexo desta concreta matéria na Sentença recorrida e o seu necessário elenco nos factos provados ou assentes – o que não se verifica.
10 - Por todo o exposto, da prova já referida e da sua conjugação, impõe-se decisão diversa da proferida, considerando-se provados os concretos pontos de factos acima enunciados.
11 - Da motivação de facto da Sentença recorrida resulta que “A restante matéria de facto alegada pelas partes, o Tribunal não julgou provada ou não provada, por ser irrelevante para a decisão da causa ou por constituir alegações conclusivas e/ou de direito, designadamente a questão da venda e da posse do veículo, porquanto conforme resultará da fundamentação de direito o facto determinante para a incidência subjetiva não é a sua propriedade e/ou posse do veículo e a data efetiva da sua venda, mas a identificação da pessoa em nome de quem está registado o direito de propriedade inscrito na Conservatória do Registo Automóvel à data do facto tributário.” (o sublinhado é nosso).
12 - Porém, e presente os factos essenciais que constituem a causa de pedir articulada pela oponente, refuta-se o constante da supra transcrita motivação de facto da decisão recorrida, pois que, e independentemente da solução que o Tribunal ad quo viesse a entender, como entendeu, ser de aplicar ao caso concreto e que fizesse, como fez, constar da fundamentação de direito, no caso vertente, a questão da venda e da posse e/ou propriedade dos veículos mostra-se relevante e pertinente para a decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito controvertida, e consequentemente, deve essa concreta matéria mostrar-se refletida na fundamentação de facto da sentença recorrida.
13 - Vale por dizer que o Juiz deve dar por provado ou não provado um determinado facto se, perante a prova produzida, se convenceu de que o mesmo ocorreu efetivamente ou não.
14 - Todavia, no caso em apreço e nesta parte, a valoração e convicção do Meritíssimo juiz ad quo assenta ou tem por base, pura e simplesmente, o entendimento que fez constar da fundamentação de direito, nomeadamente, de que, “….o facto determinante para a incidência subjetiva não é a sua propriedade e/ou posse do veículo e a data efetiva da sua venda, mas a identificação da pessoa em nome de quem está registado o direito de propriedade inscrito na Conservatória do Registo Automóvel à data do facto tributário.”, o que, nessa medida, se revela como critério arbitrário, irracional e ilógico, uma vez que leva à omissão de considerar assentes factos articulados na PI e não impugnados pela parte contrária.
15 – QUANTO AO ERRO DE INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DO DIREITO, consigna-se que não obstante e sem prescindir, ainda que se não entenda ser de alterar a matéria de facto nos termos supra anotados, atendendo às datas em que se operou as respetivas vendas, que foram seguidas de exportação e canceladas as suas matrículas, conforme constam da al. A) dos factos provados, no caso em apreço, sempre se impõe decisão diversa da proferida quanto ao direito aplicado, como adiante melhor se enunciará.
16 - A Oponente propôs a presente ação visando a extinção da execução instaurada para cobrança da quantia respeitante a imposto Único de Circulação Automóvel (IUC) relativa ao ano de 2010, alegando não ser responsável pelo pagamento da divida, uma vez que não era possuidora nem proprietária dos respetivos veículos, porquanto os vendeu, tendo ainda, em ato sucessivo, exportado os veículos de matrícula QQ, SA, BS E CO.
17 - A decisão recorrida, como primeiro fundamento argumentativo, parece pressupor que a oposição à execução fiscal, apresentada pela oponente, ora recorrente, não observa os invocados fundamentos, elencados no art. 204.º, n.º 1 do CPPT, em particular, no que tange ao enquadramento da invocada ilegitimidade da oponente nos termos da alínea b) do citado preceito legal.
Aparência argumentativa (“parece pressupor”), que decorre da fundamentação de direito onde consta expressamente que “Quando a oponente alega não ser proprietária…e que não os tem em seu poder ….,está mais a impugnar a legalidade da liquidação da divida exequenda do que a invocar a falta de posse que sustentaria a sua ilegitimidade.”.
18 - Argumentação que o Exmo. Senhor Juiz “ad quo” faz conjeturar o eventual uso de meio impróprio, e, efetivamente, um pouco mais adiante, conclui que a propriedade e a posse dos veículos não é fundamento de oposição.
19 - No entanto, e apenas por mera cautela de patrocínio, por parecer ou pressupor se tratar de raciocínio lógico usado como primeiro argumento decisório para concluir, a final, pela improcedência da oposição à execução fiscal quanto aos processos de fls. 455, sempre se dirá que, é jurisprudência uniforme do STA (Acórdão de 08.07.2015, proc. n.º 606/15) que, citando:
“I – Constitui fundamento admissível da oposição à execução fiscal a ilegitimidade substantiva do oponente fundada no facto de este, apesar de figurar como devedor no título executivo não ter sido, durante o período a que respeita a divida exequenda, o possuidor dos bens que a originam [cfr. art. 204.º, n.º 1, alínea b), do CPPT].”
“II – Esta excepção à impossibilidade de discutir em sede de oposição à execução fiscal a legalidade concreta da liquidação que deu origem à divida exequenda quando a lei faculta meio de impugnação judicial desse acto, apenas é admitida relativamente aos tributos sobre a propriedade cujo elemento definidor da incidência sujectiva é a aposse, fruição ou propriedade de bens.”
20 - Do referido Acórdão mais se afere que a oposição à execução fiscal é o meio adequado à extinção da execução e é pelo pedido que se afere a adequação do meio processual utilizado ao fim por ele visado.
21 - Pelo que, e no caso em apreço, afigura-se que a fórmula utilizada pela oponente, ora recorrente, na formulação do pedido (…deve ser julgada procedente a presente oposição, com a consequente extinção da execução relativamente à oponente”), não permite referenciar e/ou concluir, como na decisão ora posta em crise, que a oponente pretendia mais a impugnação do tributo do que extinção da execução, fundada na ilegitimidade da oponente, relacionada com a divida exequenda e com o respetivo título, e não com a incidência do tributo.
22 - Em reforço do raciocínio anteriormente delineado, o Exmo. Senhor Juiz “ad quo”, como desenvolvimento daquele (“Mas, ainda assim, não tem razão.”), fundamenta ainda a improcedência da oposição à execução fiscal na aplicação do art. 3.º, n.º 1, do CIUC no âmbito da nova redação introduzida pelo D.L. n.º 41/2016 de 1 de Agosto, consignado na motivação de direito que, “Com a norma interpretativa aprovada pelo art. 3.º do Decreto-Lei n.º (DL) 41/2016, de 1 de agosto, o IUC não é um imposto que incida sobre a propriedade ou posse do veículo, mas sobre a pessoa em nome de quem está registado um veículo automóvel.” (o sublinhado é nosso)
23 - É consabido que o identificado Decreto-Lei veio dar cumprimento ao art. 169.º da Lei do Orçamento de Estado (LOE) para 2016, aprovada pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, que dispõe ”Fica o Governo autorizado a introduzir alterações ao Código do Imposto único de Circulação, aprovado pela Lei 22-A/2007, de 29 de junho, com o seguinte sentido e alcance: a) Definir, com carácter interpretativo, que são sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos, no n.º 1 do artigo 3.º (…).”
24 – Porém, e não obstante os termos utilizados e expressos na lei habilitante (LOE), designadamente, na parte acima transcrita, a lei habilitada, nova redação do art. 3.º, n.º 1 introduzida pelo DL 41/2016 de 1 de Agosto, não classifica a norma como tendo natureza interpretativa, apesar do diploma, no seu preambulo, referir que a alteração legal veio ao encontro da necessidade sentida pelo legislador de “ultrapassar dificuldades legislativas”.
25 - Acresce que, a redação anterior do art. 3.º, n.º 1 do CIUC estabelecia uma presunção legal iuris tatum, ou seja suscetível de prova em contrário, determinando que “São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.”
26 - Norma que nunca suscitou dúvidas, não sendo fonte de incerteza ou insegurança jurídica a definição do seu âmbito de aplicação, aliás, sempre foi pacífica e uniformemente interpretada, como estabelecendo uma presunção legal iuris tatum, ou seja, suscetível de prova em contrário, sobre quem se considera ser o proprietário do veículo
27 - Já a nova redação do citado art. 3.º, n.º 1, veio determinar que passará a ser sujeito passivo do imposto a pessoa em nome da qual os veículos se encontrem registados independentemente de ser ou não o seu proprietário e/ou possuidor, afastando qualquer presunção legal quanto a quem pode ser considerado proprietário de um veículo.
28 - Relativamente à norma anterior, esta nova norma não vem fixar qualquer interpretação de várias possíveis, mas uma interpretação totalmente distinta da anterior.
29 - Tem-se formado corrente jurisprudencial uniforme, no sentido de que “A Lei Nova que venha consagrar uma interpretação diferente da mesma norma já não pode ser considerada realmente interpretativa (embora o seja porventura por determinação do legislador), mas inovadora.”
“Para que uma LN possa ser realmente interpretativa são necessários, portanto, dois requisitos: que a solução de direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o interprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei. Se o julgador ou intérprete, em face de textos antigos, não podiam sentir-se autorizados a adotar a solução que a LN venm consagrar, então esta é decididamente inovadora. (…)” [cfr. João Batista Machado clarificar, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador (15.ª Reimpressão, 2006, Almedina, Coimbra, pág. 246 e seguintes); Ac STA de 02.05.2012, proc. n.º 0234/12 disponível em www.dgsi.pt )
30 - Pelo que, não se verifica nenhum dos dois requisitos para que se possa classificar a nova lei como tendo natureza interpretativa, tratando-se a citada norma de natureza claramente inovadora, pelo que, a nova redação do art. 3.º, n.º 1 do CIUC não tem efeitos retroativos nem se aplica ao caso em apreço.
31 - Com efeito, entende-se que o Meritíssimo juiz ad quo aplicou e interpretou erradamente a norma ínsita no art. 3.º do CIUC e consequentemente, o art. 204.º n.º 1, al. b) do CPPT, ao concluir que a posse e a propriedade e a data da efetiva venda não é relevante para a decisão da causa e que a ilegitimidade não é fundamento de oposição.
32 - Nessa conformidade, deve ser afastada a aplicação ao caso em apreço da nova redação do art. 3.º, n.º 1 do CIUC introduzida pelo D.L. n.º 41/2016 de 1 de Agosto, uma vez que o citado diploma legal entrou em vigor apenas a 02.08.2016 e os factos tributários em análise ocorreram em data anterior (2008) à sua publicação (2016), impondo-se a aplicação do art. 3.º do CIUC com a redação aplicável à data dos factos, não se atribuindo à citada norma legal natureza interpretativa mas natureza inovadora.
33 - Ainda em desfavor do entendimento sufragado pelo Meritíssimo Juiz ad quo, sempre se dirá que, a aplicação da nova redação do art. 3.º ao caso em apreço, como consignado na Sentença recorrida, colide diretamente com o princípio da irretroatividade das leis fiscais, nomeadamente, em matéria de incidência tributária, um dos elementos essenciais dos impostos (art. 103.º, n.º 2 e 3 da CRP, 12.º, n.º 1 da LGT e 12.º, n.º 1 do CC)
34 - Assim como, o entendimento perfilhado na sentença recorrida colide ainda com o princípio da equivalência que enforma o CIUC, o qual incide sobre os custos ambientais e viários que cada individuo provoca na comunidade. Daqui resulta que os contribuintes devem ser onerados na medida do impacto ambiental que causam ao ambiente e à rede viária, consagrando-se o princípio do pagador-poluidor.
35 - Com efeito, a imputação do imposto não pode compadecer-se com a mera aparência de quem serão os causadores desse prejuízo, i.é, os alegados proprietários dos veículos e, nessa conformidade, os utilizadores/possuidores, os que efetivamente usam e conduzem os veículos é que são os reais poluidores, e portanto, os sujeitos do imposto, o que não se reconduz à aqui recorrente, conforme melhor resulta da matéria de facto dada como provada na decisão ora posta em crise e daquela cuja inclusão aqui anteriormente se reclamou.
36 - Acresce que, e como decorre dos mais elementares princípios de direito, e da unânime e pacífica Jurisprudência dos Tribunais Superiores, a presunção de propriedade derivada de registo admite prova em contrário, pois estamos, face a uma presunção “iuris tantum”.
37 - De facto, o registo automóvel, não tem natureza constitutiva de direitos, mas tão só presuntiva e declarativa, com função de publicidade do ato.
38 - Além do mais, a venda de veículos automóveis é negócio não formal, pois que, não depende da observância de qualquer formalidade, podendo fazer-se a sua prova por qualquer meio admitido em direito.
39 - Tal presunção é ilidível não só nos termos do art. 350.º, n.º 1 do CC, como também nos termos do art. 73.º da LGT.
40 - Presunção que a oponente, ora recorrente, logrou alcançar, basta que, para tanto, se atente à matéria de facto dada como provada, à inclusão na fundamentação de facto da sentença dos factos acima reclamados (ou mesmo que se não entenda incluir), e aos documentos juntos aos autos e em que a mesma foi sustentada, designadamente, por comprovada venda dos veículos em data anterior ao vencimento do tributo, tendo ainda a venda dos veículos de matrícula QQ, SA, BS E CO sido seguida de exportação, com cancelamento retroativo das respetivas matriculas sempre em data anterior ao facto tributário.
41 - É pois, nestes termos e com os fundamentos acima indicados que deve ser revogada a decisão ora posta em crise.
42 - Salienta-se que, o próprio pensamento e espirito legislativo nos reconduz a esta interpretação e não qualquer outra, o que decorre expresso na Proposta de Lei que está na origem da criação do CIUC, que, referindo-se concretamente ao IUC, esclarece que “A segunda linha de fundo na reforma da tributação automóvel que agora se leva a cabo está na deslocação de parte da carga fiscal do momento da aquisição para a fase da circulação.”
43 - Mais adiante na referida Proposta de Lei mais se refere que “Como elemento estruturante e unificador destas categorias, consagra-se o princípio da equivalência, deixando-se assim claro que o imposto, no seu conjunto, se subordina à ideia de que os contribuintes devem ser onerados na medida do custo que provocam ao ambiente e à rede viária sendo esta a razão de ser desta figura tributária (….) “
44 - Para finalizar, mais se refira que o IUC, como a sua própria designação impõe, Imposto único de circulação, reporta-se a efetiva circulação e propriedade, pelo que, não faz, qualquer sentido, quer material quer formal, de onerar a aqui recorrente.
45 - Atento a todo o exposto, a decisão recorrida violou o disposto nos art. 103.º, n.º 2 e 3 da CRP, 12.º, n.º 1 da LGT e 12.º, n.º 1 do CC, art. 1.º do CIUC, art. 29.º do D.L. n.º 54/75 de 12 de Fevereiro, alterado pela lei n.º 39/2008 de 11 de Agosto, ex vi art 7.º do C. Registo Predial, art. 350.º, n.º 1 do CC, art. 73.º da LGT, e violou o princípio da irretroatividade das leis fiscais, o princípio da equivalência e da igualdade tributária, da adequação, da proporcionalidade, da justiça, assim como, aplicou e interpretou erradamente a norma ínsita no art. 3.º do CIUC com aplicação da nova redação que lhe foi conferida pelo DL 41/2016 de 1 de agosto, atribuindo-lhe natureza interpretativa, por inconstitucionalidade material por violação da não retroatividade da lei fiscal e o art. 204, n.º 1 al b) do CPPT.
Nestes termos e com os fundamentos acima indicados deve ser revogada a decisão ora posta em crise e ser proferido Acórdão no sentido aqui preconizado.
Assim se fazendo, esperada JUSTIÇA! .. (…)”

A Recorrida não contra-alegou

O Ministério Público junto deste tribunal teve vista nos autos emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, por não se verificar erro de julgamento.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
As questões suscitadas pela Recorrente delimitadas pelas alegações de recurso e respetivas conclusões, nos termos dos artigos 608, nº 2, 635º, nº 4 e 5, todos do CPC, “ex vi” artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do CPPT, são saber se a sentença recorrida (i) incorreu em erro de julgamento da matéria de facto, ao não ter fixado e valorado determinados factos, [conclusões 2ª a 10ª] (ii) insuficiência da motivação da matéria de facto [conclusões 11ª a 14ª] (iii) incorreu em erro de interpretação e aplicação do direito[conclusões 15ª a 45ª].

3. JULGAMENTO DE FACTO
No Tribunal a quo, o julgamento da matéria de facto foi efetuado nos seguintes termos:
“(…) A) O Serviço de Finanças de Penafiel instaurou contra a executada originária o processo de execução fiscal n.º 1856201401065467 e apensos por dívidas de IUC do ano 2010, dos veículos com as matrículas a seguir identificadas, período, valor, data limite de pagamento voluntário (DLP), data da matrícula, data do seu cancelamento e data da fatura de venda, a seguir discriminadas (fls. 1, 1 verso, 21 a 39, 44 a 70, 91 a 119, 135 e 152 a 158 verso):
Data
Matrícula Ano IUC DLP Matrícula Cancelamento Fatura venda
SQ 2010 €498,01 11/12/2013 10/01/1992 17/04/2013 04/11/2009
QQ 2010 €534,81 11/12/2013 23/01/1989 11/05/2010 09/08/2007
AB2010 €773,26 11/12/2013 02/06/2005 10/04/2010 16/07/2009
AS 2010 €560,05 11/12/2013 07/10/2005 29/12/2009
MJ 2010 €53,45 11/12/2013 14/12/1998 07/07/2009
GV 2010 €805,00 11/12/2013 19/06/1996 30/09/2009
UR 2010 €55,06 11/12/2013 31/10/2006
QQ 2010 €383,15 11/12/2013 23/11/2000 15/12/2009
SA 2010 €444,17 11/12/2013 10/10/200731/01/2007
MQ 2010 €455,45 11/12/2013 04/02/2011
BS 2010 €691,99 11/12/2013 02/03/1993 05/08/2009 07/07/2009
GP 2010 €263,45 11/12/2013 23/04/1996 10/10/2011 07/07/2009
JQ 2010 €320,03 11/12/2013 25/02/1998 19/12/2013 23/04/2010
JQ 2010 €454,24 11/12/2013 25/02/1998 05/04/2013 23/04/2010
CO 2010 €984,38 11/12/2013 22/11/2007 31/01/2007

B) No ano de 2010 e até à data do cancelamento das matrículas, no caso das matrículas canceladas acima referidas, os veículos estavam registados em nome da oponente (fls. 21 a 39, 44 a 70 e 91 a 119).

C) Os veículos identificados em A) foram vendidos pela oponente, tendo sido emitida a fatura de venda nas datas aí referidas (fls. 21 a 39).

D) Em 09/05/2014, a oponente apresentou a petição inicial da oposição (fls. 3, 68 e 172 e seguintes).

E) As liquidações das dívidas exequendas foram objeto de impugnação judicial no processo n.º 2175/15.5 BEPNF (fls. 177 do processo de oposição n.º 608/14.7 BEPNF, ora junto a estes autos, donde resulta que neste processo de impugnação judicial foi impugnada a decisão da reclamação graciosa das liquidações das dívidas exequendas destes autos de acordo com a informação de folhas 68).
Com relevância para a decisão da causa inexiste matéria de facto julgada não provada.
(…)”

4. JULGAMENTO DE DIREITO
4.1. Foi liquidado à Recorrente, em 2010, Imposto Único de Circulação Autómovel (IUC) relativo a diferentes viaturas, que deram origem a estes autos.
Alega a Recorrente que, não é responsável pelo pagamento da dívida, uma vez que não era possuidora nem proprietária dos respetivos veículos, porquanto os vendeu, tendo ainda, em ato sucessivo, exportado os veículos de matrícula QQ, SA, BS e CO.
A decisão agora recorrida julgou a oposição improcedente, ao considerar que o fundamento invocado para se opor às execuções, ilegitimidade e inexigibilidade da dívida, assente no facto de na data das liquidações do IUC os veículos já terem sido vendidos e, por isso, já não ser proprietária, não configurava fundamento de oposição.
As questões suscitadas nestes autos foram já objeto de recentíssimos acórdãos deste TCAN, de 25.05.2018, nos processos 608/14.7BEPNF e 189/14.BEPNF, ainda não disponíveis na base de dados da DGSI.
A questão jurídica fundamental é idêntica, bem como as partes e as conclusões de recurso.
Assim, por semelhança ao caso sub judice e por economia de meios, visando a interpretação e aplicação uniforme do direito (cfr. artigo 8.º n.º 3 do CC), acolhemos a argumentação jurídica aduzida no aresto n.º 608/14.7BEPN.
Não ocorrendo justificação para dessa jurisprudência nos afastarmos, passaremos a transcrever o aresto, aderindo a todo o seu discurso fundamentador, com as adaptações indispensáveis à situação jurídica em análise.

“(…)A questão que a Recorrente pretende ver resolvida prende-se com o facto de em 2009 e 2010 [in casu 2010] apesar de os veículos estarem inscritos em seu nome na conservatória do registo automóvel não ser já proprietária deles por haverem sido vendidos, para o que juntou as respetivas faturas de venda e recibos de pagamento, identificando o comprador.
A AT instaurou execução fiscal para pagamento das quantias em dívidas provenientes do não pagamento do imposto único de circulação liquidado, respeitante àqueles anos, em virtude de nessa data a propriedade dos veículos estar inscrita em nome da R..., Lda.

A decisão recorrida, com a qual discorda a Recorrente, sancionou que o fundamento invocado para se opor às execuções, ilegitimidade e inexigibilidade da dívida, assente no facto de na data das liquidações do IUC os veículos já terem sido vendidos e, por isso, já não ser proprietária não configura fundamento de oposição.
A recorrente invoca nas suas conclusões acórdão do STA de 08/07/2015 que cita: “I – Constitui fundamento admissível da oposição à execução fiscal a ilegitimidade substantiva do oponente fundada no facto de este, apesar de figurar como devedor no título executivo não ter sido, durante o período a que respeita a divida exequenda, o possuidor dos bens que a originam [cfr. art. 204.º, n.º 1, alínea b), do CPPT].”
“II – Esta excepção à impossibilidade de discutir em sede de oposição à execução fiscal a legalidade concreta da liquidação que deu origem à divida exequenda quando a lei faculta meio de impugnação judicial desse acto, apenas é admitida relativamente aos tributos sobre a propriedade cujo elemento definidor da incidência subjectiva é a posse, fruição ou propriedade de bens.”

Vejamos,
Dispõe o art. 204º, n. º1, do C.P.P.T. que a oposição poderá ter algum dos fundamentos seguintes:

A ilegalidade abstrata da dívida; a ilegitimidade da pessoa citada por esta não ser o próprio devedor que figura no título ou seu sucessor ou, sendo o que nele figura, não ter sido, durante o período a que respeita a divida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram, ou por não figurara no título e não ser responsável pelo pagamento da dívida; a falsidade do título; a prescrição da dívida; falta da notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade; pagamento ou anulação da dívida exequenda; duplicação de coleta; ilegalidade da dívida exequenda, sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o ato de liquidação; quaisquer fundamentos não referidos nas alíneas anteriores e a provar por documento, desde que não envolvam apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, nem representem interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título.

«Dispõe o Código do Imposto de Circulação (aprovado pela Lei 22-A/2007, de 29/6) nos arts. 3º, nº1, 4º e 5º, nº1, “São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, (…) em nome das quais os mesmos se encontrem registados.
(…)
O imposto único de circulação é de periocidade anual, sendo devido por inteiro em cada ano a que respeita, correspondendo ao ano em que se inicia na data da matrícula ou em cada um dos seus aniversários, relativamente ao veículos da categoria A (…)”

O facto gerador do imposto é constituído pela propriedade do veículo, tal como atesta a matrícula ou o registo em território nacional.

Por conseguinte, é pressuposto da liquidação que o sujeito a quem foi liquidado o imposto de circulação seja o proprietário do veículo.

Por conseguinte, o citado art. 3º é uma norma de incidência subjetiva.

De facto a lei presume determinados factos, como no caso, é proprietário de um veículo quem o tem registado em seu nome.
Ora,
O órgão de execução fiscal dá conhecimento a fls. 68 que a Recorrente deduziu reclamação graciosa em 13/03/2014 relativamente a todas as liquidações que deram origem às dívidas exequendas, e, da sentença consta que foi instaurada impugnação judicial relativamente às mesmas liquidações.
[In casu consta da matéria de facto provada, e não impugnada, na alínea E) que “ As liquidações das dívidas exequendas foram objeto de impugnação judicial no processo n.º 2175/15.5 BEPNF, donde resulta que nesse processo de impugnação judicial foi impugnada a decisão da reclamação graciosa das liquidações das dívidas exequendas destes autos.]

Por conseguinte, desde então, tem conhecimento das liquidações reagindo às liquidações quer através da reclamação graciosa quer judicialmente através de processo de impugnação.

Resulta, assim, claro que a recorrente tem tido conhecimento dos montantes em falta do imposto e das próprias liquidações e, na sequência delas, tem lançado mão dos meios graciosos e contenciosos que o legislador pôs ao seu dispor.


Tal como é referido na decisão recorrida, no essencial, a recorrente pretende discutir a legalidade das liquidações que lhe foram notificadas, que não pagou e cujos valores em dívida foram dados à execução, neste processo de oposição, quando é certo que tal não é, em princípio, consentido pelo disposto no artigo 204º do CPPT.

Na verdade, e como a recorrente bem refere, o disposto no artigo 204º, n.º 1, al. b) do CPPT, destina-se àquelas situações em que se admite que seja questionada a legalidade da liquidação quanto à sua incidência subjetiva, uma vez que a administração tributária apenas efetua a liquidação a partir do conhecimento da qualidade de proprietário que consta dos seus registos, não recolhendo qualquer informação do contribuinte através de declaração, nem indagando sobre quem é o real proprietário, fruídos ou possuidor dos bens; mas esta não é a situação da recorrente, no seu caso concreto foi-lhe dada a possibilidade de se pronunciar antes da emissão das liquidações, como emerge da informação para efeito de admissibilidade da reclamação graciosa [fls. 49] e até lançou mão dos meios graciosos e contenciosos para discutir tais liquidações. (1)
Assim, não faria qualquer sentido que já estando a discutir tais liquidações nos meios processuais próprios ainda lhe fosse aqui permitido, mais uma vez, discutir a legalidade das referidas liquidações, sob pena de se cair numa situação de litispendência ou caso julgado.
Deste modo tem de improceder o recurso, mantendo-se a decisão recorrida embora com fundamentação diversa.”
Nesta conformidade não é admissível que no processo de oposição à execução fiscal o executado lance mão dos fundamentos próprios do processo de impugnação judicial, quando já anteriormente impugnou judicialmente as liquidações que deram origem às dívidas em execução.
Em face do exposto, também nos presentes autos é de negar provimento ao recurso, e manter a sentença com a presente fundamentação, em face da questão prévia decidida ficando prejudicada as demais questões questionadas.

4.2.E assim formulamos as seguintes conclusões:
Não é admissível que no processo de oposição à execução fiscal o executado lance mão dos fundamentos próprios do processo de impugnação judicial, quando já anteriormente impugnou judicialmente as liquidações que deram origem às dívidas em execução.


5. DECISÃO
Termos em que, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso e manter a sentença na ordem jurídica com a sobredita fundamentação.
Custas pela Recorrente.
Porto, 21 de junho de 2018
Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira
Ass. Fernanda Esteves
Ass. Cristina Nova

(1)Neste sentido o AC. do STA de 21/06/2017, no recurso n.º 01324/16, disponível em www.dgsi.pt