Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01072/07.2BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/14/2017
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:IMI
NOTIFICAÇÃO DE LIQUIDAÇÃO DE IMI
FUNDAMENTAÇÃO INSUFICIENTE
Sumário:I. Da interpretação conjugada dos artºs 268º, nº 3 da CRP, 124º do CPA e 77º da LGT, a fundamentação do ato tributário há de ser expressa, clara, suficiente, congruente e contextual que permita ao destinatário do ato perceber o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato para proferir a decisão.
II. O ato de liquidação de IMI, encontra-se devidamente fundamentado quando indica a localização, o artigo matricial, o ano a que este respeita, o valor patrimonial, a taxa aplicável, e a coleta correspondente a cada prédio.
III. O regime transitório permitia através do art.º 20.º do Dec-lei n.º 287/2003 de 12.11, o recurso à reclamação graciosa para protestar do resultado das atualizações do valor patrimonial tributário, com fundamento em erro de facto ou de direito, pelo que não pode a Recorrida em sede de impugnação do IMI de 2006, questionar a legalidade do valor patrimonial tributário, anteriormente fixado (2003).*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:T...
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública, não conformada com a sentença proferida em 10.02.2012, que julgou a impugnação procedente e anulou a liquidação de IMI (1.ª prestação), do ano de 2006, interpôs o presente recurso jurisdicional.

A Recorrente formulou nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:
(...)1 A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida contra a liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), do ano de 2006, com o n.º 2006 043574503, na parte relativa ao prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Ramalde, concelho do Porto, sob o artigo 4…, no valor de € 9.691,96.

B. A douta sentença sob recurso julgou procedente a presente impugnação, com a consequente anulação do acto de liquidação de IMI de 2004, por concluir que “não permitindo a notificação da liquidação determinar em que moldes se determinou o valor patrimonial tributário do imóvel em apreço, a liquidação padece de falta de fundamentação.”,

C. porquanto a mesma “não permite à impugnante aferir de onde adveio e como foi encontrado o valor patrimonial tributável atribuído ao prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia do Bonfim, sob o artigo U-04..., desconhecendo-se se decorre da aplicação de coeficientes da Portaria n.º 1337/2003, de 05/12, porque a AT considerou tratar-se de um prédio urbano não arrendado (art. 16.º, n.ºs 1 a 4) ou apenas arrendado até Dezembro de 1988 (art. 16.º, n.º 5), ou se foi determinado de acordo com os arts. 37.º a 46.º do CIMI ”.

D. Ressalvado o devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o que desta forma foi decidido.

Vejamos,
E. Como resulta dos autos, esta fixação do valor patrimonial resultou da aplicação directa da lei (Dec.-Lei n° 287/2003, de 12/11, que concretiza a Reforma da Tributação do Património (RTP) e estabelece um regime transitório de actualização dos valores patrimoniais tributários).

Assim,
F. Em 2003, com a entrada em vigor da Reforma da Tributação do Património, através do DL nº 287/2003, de 12.11, procedeu-se à actualização do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos já inscritos na matriz, para efeitos de sujeição ao novo Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), de acordo com o Regime Transitório integrado no Capítulo III desse DL.

G. Em conformidade com o determinado no dito Regime Transitório, não tendo apresentado a participação de prédio urbano arrendado nos termos do art. 18º do citado DL e da Portaria nº 1283/2003, de 13.11, foi aplicado o regime geral de actualização do valor patrimonial tributário estabelecido no art. 16º, nomeadamente no seu nº5, mediante o coeficiente de 1,97 correspondente ao ano da última actualização da renda, coeficiente esse aprovado pela Portaria nº 1337/2003, de 05.12.

H. Notificado da liquidação respeitante ao ano de 2003 o falecido marido apresentou reclamação nos termos do art. 20º do DL nº287/2003, tendo sido proferido projecto de despacho de indeferimento total pelo Chefe do então Serviço de Finanças do Porto-7, actual Porto-4, que consta de fls. 25 a 29 do Processo Administrativo junto aos autos e como foi referido no artigo 10 da contestação apresentada pela Fazenda Pública.

I. Facto este não considerado no probatório pelo Tribunal a quo, e que ao abrigo dos poderes que são concedidos ao Tribunal ad quem pelo art. 712º, nº 1, al. a), do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por via do art. 281º do CPPT cabe assinalar que, apesar de a reforma da legislação processual civil, introduzida pelo DL nº 303/2007, de 24.08, ter posto fim ao regime do agravo, mantém-se a remissão para o regime da modificabilidade da decisão de facto em sede de recurso para a 2.ª instância, nos termos do art. 712.º do CPC.
, se requer que seja aditado.

J. O conhecimento da fundamentação da fixação do Valor patrimonial do prédio em causa nos autos, ocorreu desde logo com a notificação da primeira prestação do IMI de 2003, na qual se indicam os elementos necessários ao cálculo do imposto em causa, nomeadamente o imposto a que respeita o acto tributário notificado e ano, a identificação dos imóveis a que respeita o valor patrimonial tributário sobre que incide o imposto, a identificação da taxa, a operação de apuramento da matéria tributável e a colecta,

K. elementos que tal como a Fazenda Pública, o Tribunal a quo não discorda que os mesmos foram externados na liquidação controvertida, pois, da análise da notificação conclui-se que todos os elementos se encontram devidamente identificados, não restando qualquer dúvida em relação ao montante do tributo e aos cálculos em causa.

L. Na posse deste dados, e tendo presente a entrada em vigor da Reforma da Tributação do Património e as alterações que esta traria à esfera tributária dos contribuintes, há que dar por assente que o destinatário da notificação da liquidação teve conhecimento de toda a informação necessária para compreender as razões do acto notificado e decidir conformar-se ou reagir contra o mesmo, utilizando os meios de defesa legalmente previstos.

M. Isto porque é neste momento, de acordo com o n.º 2 do art. 20.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro que o sujeito passivo fica apto a aferir da lesividade do acto, que afinal comunica-lhe a quantificação das alterações trazidas à sua esfera jurídica pela Reforma da Tributação do Património, no que aos valores patrimoniais tributários dos prédios sujeitos a IMI concerne.

N. A Fazenda Pública, compulsados os registos disponíveis de processos de impugnação judicial pendentes em que sejam autores o sujeito passivo É… ou sua esposa aqui impugnante, não teve contudo possibilidade de certificar-se da pendência de impugnação judicial contra a liquidação do IMI de 2003 relativo ao artigo urbano 4... aqui em causa,

O. nem disso deu conhecimento a impugnante, caso tenha apresentado a respectiva impugnação e a mesma seja de desconhecimento da Fazenda Pública, apesar de levantada tal questão na contestação apresentada pela Fazenda Pública.

P. Se demonstrada a não impugnação da liquidação de 2003 com base em erro de facto ou de direito na actualização do valor patrimonial tributário conforme o DL nº 287/2003 ou de falta de fundamentação da liquidação, encontra-se precludido o direito de impugnar judicialmente servindo-se de vícios desde então verificados, uma vez que o valor patrimonial do prédio em causa tornou-se definitivo com a decisão da reclamação apresentada nos termos do art. 20.º do DL 287/2003, de 12 de Novembro.

Q. Equiparamos a presente situação aquando de uma avaliação de um prédio para efeitos de IMI nos termos do art. 37.º e seguintes do CIMI, em que notificado do resultado de uma primeira avaliação, o contribuinte, apresentando nos termos do art. 76.º do CIMI o pedido de 2ª avaliação quando o fundamento é a errónea quantificação do VPT, desse resultado, não apresenta impugnação nos termos do art. 77.º do mesmo diploma, ou seja, tornando-se aí o VPT fixado em 2ª avaliação definitivo, sendo este então a considerar nas liquidações de IMI dos anos devidos.

R. Da decisão da reclamação referida foram apresentados os fundamentos do VPT fixado ao abrigo das regras do regime transitório constantes do DL nº 287/2003, conforme se pode verificar do conspecto de fls. 26 a 29 do processo administrativo junto aos autos.

S. Se a impugnante não foi notificada desta fundamentação, aquando da notificação da contestação apresentada junto aos autos a que se faz referência à mesma, nada veio dizer em sentido contrário, pelo que entende a Fazenda Pública que a mesma, apesar de não constar junta ao processo administrativo, foi efectuada.

T. Ademais, e se disso tivesse dúvidas o Tribunal a quo, deveria o mesmo, ao abrigo do principio do inquisitório previsto no art. 13.º do CPPT, notificar a AT para comprovar de tal notificação, pelo que, não o tendo feito, ao ser posta tal notificação em causa, o que não se concede, incorreu aqui o tribunal a quo em défice instrutório, o que se invoca.

Destarte,
U. Uma vez notificada a impugnante dos fundamentos da fixação do VPT do prédio em causa aquando da decisão de reclamação apresentada nos termos do art. 20.º do DL 287/2003 na sequência da liquidação de IMI de 2003, a AT através desta comunicação deu a conhecer os motivos pelo que o VPT foi fixado ao abrigo do regime transitório do IMI, sanando-se assim a falta de notificação da fundamentação da fixação do VPT fixado ao abrigo do regime transitório previsto no DL 287/2003, de 12 de Novembro.

V. A fundamentação da fixação do VPT de um prédio é notificada ao contribuinte não aquando das liquidações de IMI subjacentes nas notas de cobrança que são emitidas para pagamento do imposto anualmente, mas aquando da sua avaliação.

W. No presente caso, face ao regime transitório previsto com a entrada em vigor do CIMI, tal fundamentação apesar de constante da lei, uma vez que a mesma determina os seus termos, ao ter que ser notificada ao contribuinte, apenas o foi, na sequência da alusão sua falta, com o projecto de indeferimento da reclamação apresentada nos termos do art. 20.º do DL 287/2003, como o deveria ter sido, e não sempre aquando de cada liquidação anual de IMI.

Assim,
X. No atinente à liquidação ora em crise, apenas podemos concluir que da mesma consta a fundamentação necessária e que legalmente se impunha.

Y. Determina o nº 2 do artº 77º da LGT, que a fundamentação dos actos tributários deve conter sempre as disposições legais aplicáveis, a qualificação, a quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.

Ora,
Z. Respeitando a notificação em crise à liquidação de IMI do ano de 2006, os elementos necessários para que se considere devidamente fundamentada dirão respeito ao cálculo do imposto em causa, que no caso se considera serem: - Imposto a que respeita o acto tributário e respectivo ano de imposto – “Imposto Municipal sobre Imóveis” e “Ano de imposto”; Indicação da data da liquidação notificada – “Data da Liquidação”; Identificação e localização dos imóveis em causa – “Descrição dos prédios/ Município/ Freguesia/ Artigo”; Indicação do valor patrimonial dos imóveis – “Valor Patrimonial Tributário”; Existência ou não de isenção – “Valor Isento”; Identificação da taxa aplicável aos imóveis – “Taxa %”; Operação de apuramento da matéria tributável – “Valor Patrimonial Tributário” x “Taxa %“; Montante de colecta correspondente a cada prédio – “Colecta”.

AA. Neste sentido, veja-se os doutos Acórdãos do STA, de 2008/02/20, processo nº 0765/07 e de 2009/02/11, processo nº 0767/07 Disponíveis em www.dgsi.pt.
, dos quais resulta que para efeito do de liquidação de contribuição autárquica (aplicável, ao IMI) se encontra devidamente fundamentado o acto de liquidação que indica a localização, o artigo matricial, o valor matricial, o valor patrimonial, a data de liquidação, o ano a que respeita, a taxa aplicável, a inexistência de isenção e a colecta correspondente a cada um dos prédios urbanos.

BB. Em face dos elementos constantes da nota demonstrativa da liquidação de IMI controvertida, considera a Fazenda Pública, contrariamente ao doutamente decidido, estar a mesma devidamente fundamentada.

CC. Ao decidir no sentido que decidiu, a douta sentença incorreu em erro de julgamento de facto e de direito.

Termos em que,
Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, com as legais consequências. . (…)”

A Recorrida apresentou contra-alegações tendo formulado as seguintes conclusões:
1. A douta sentença do tribunal “a quo” concluiu que «(...) não permitindo a notificação da liquidação determinar em que moldes se determinou o valor patrimonial tributário do imóvel em apreço, a liquidação padece de falta de fundamentação».

2. Entende a Fazenda Pública considerar existir erro de julgamento de facto e de direito.

3. Ao invés da posição assumida pela Fazenda Pública, entende a Alegante ser justa e adequada a decisão proferida pelo Tribunal “a quo”,

4. pois, a A.F. limitou-se a emitir documento de cobrança de imposto em sede de IMI sem evidenciar qualquer tipo de fundamento.

5. O documento de cobrança não observa os requisitos imperativamente estabelecidos relativamente ao dever de fundamentação dos actos tributários.

6. Na perspectiva da Fazenda Pública o acto encontra-se fundamentado, pois, “O conhecimento da fixação do Valor patrimonial do prédio em causa nos autos, ocorreu desde logo com a notificação da primeira prestação do IMI de 2003, na qual se indicam os elementos necessários ao cálculo do imposto em causa, nomeadamente o imposto a que respeita o acto tributário notificado e ano, a identificação dos imóveis a que respeita o valor patrimonial tributário sobre que incide o imposto, a identificação da taxa, a operação de apuramento da matéria tributável e a colecta.”

7. Todavia, a fundamentação deve dar a conhecer ao interessado o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo Autor da decisão, sendo certo que se a fundamentação não esclarecer a motivação do acto por obscuridade, contradição ou Insuficiência, o acto considera-se não fundamentado (cfr. art. 77° da LGT e art. 125° do CPA).

8. Ora, nem no documento de cobrança, nem posteriormente, se fez qualquer referência, mesmo que de forma sumária, à razão por que o valor patrimonial tributário é o que a AT indica naquele documento.

9. Nenhuma referência se encontra também a esse respeito, no processo administrativo interno, ficando a impugnante no desconhecimento absoluto das operações efectuadas para o apuramento da matéria tributável (valor patrimonial tributário).

10. É convicção da Alegante que, a nota de liquidação, não se encontra devidamente fundamentada, na medida do que, a Alegante, não consegue aferir da forma como foi calculado o VPT.

11. Em momento algum a A.F., enuncia, e elenca todo um conjunto de factos, que pela sua configuração, expliquem a forma como se atingiu o valor que a A.F. alcançou.

12. Na verdade, a A.F. limitou-se a emitir a nota de liquidação e remeter à contribuinte para pagamento, sem qualquer tipo de fundamento,

13. No caso sub judice, a fundamentação apresentada pelo Fisco, não é suficiente, já que, um contribuinte normalmente diligente e razoável colocado na situação concreta de tal liquidação, não poderia reconstituir o itinerário funcional cognoscitivo e valorativo do agente administrativo Autor do acto.

14. Assim, pelos motivos que vêm de se expender não poderá deixar de se concluir que o acto tributário sindicado está insuficientemente fundamentado, o que consubstancia vício de forma.

Assim, determinando a anulação do acto tributário de IMI e confirmando a decisão proferida pelo Tribunal “a quo”, farão V. Ex.as inteira e sã JUSTIÇA!

O Exm. Procurador - Geral Adjunto não se pronunciou de mérito sobre a questão.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Cumpre apreciar e decidir a questão colocada pela Recorrente, a qual é delimitada pela conclusões das respetivas alegações, sendo a de saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento da matéria de facto e de direito, por violação do disposto nos artigos 77.º da LGT, 124.º, 125.º e 135.º do CPA.

3. JULGAMENTO DE FACTO

Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:

“(…) a) A impugnante foi notificada da liquidação de IMI do ano de 2006, 1º prestação, do prédio sito na freguesia do Ramalde/Porto, artigo U-04..., no montante de €9.691,96 com pagamento da 1ª prestação no mês de Abril de 2007, através do documento de cobrança nº 2006 043574503 (cf. doc. de fls. 13 dos autos).
b) Naquela notificação constavam as seguintes informações:

Descrição dos prédiosAnoValor PatrimonialValor isentoTaxa % Maj/MinColectaJuros comp.
Município do Porto Bonfim U-04...-AR/42006207,685,13 51.921,28 190.378,04 51.921,28 519.212,84 190.378,040,80
0,80
0,80
0,80
0,80
0,80
1661,48 415,37 1523,02 415,37 4.153,70 1.523,02 0,00

c) Resulta da nota de liquidação que o valor patrimonial atribuído ao imóvel é de €1.211.496,61(207.685.l3+51.921,28+190.378,04+51.921,28+519.212,82+190.378.04= 1.211.496,61) (cf. fls. 13 dos autos).

d) Por não se conformar com a liquidação realizada em relação ao mesmo imóvel, já no ano de 2003, havia deduzir reclamação graciosa mas não obteve resposta, o mesmo acontecendo para os anos de 2004 e 2005 (cf. fls. 21 a 23 dos aos autos).
e) A presente impugnação foi deduzida em 30/04/2007 (cf. doc. de fls. 2 dos autos).
Factos não provados
Dos autos não resultam provados outros factos com interesse para a decisão da causa.
***
O Tribunal firmou a sua convicção nos documentos juntos aos autos que não foram alvo de impugnação.. .(…)”

3.2. Alteração e aditamento oficioso à decisão sobre a matéria de facto.
Ao abrigo do disposto no artigo 712.º do CPC, ex vi artigo 2º, alínea e) e 281.º do CPPT, importa alterar as alíneas a) e b) do probatório e aditar ao probatório a alínea f) , por se encontrarem provados, em conformidade com os documentos constantes do processo administrativo apenso aos autos, não impugnados, a saber:

a) A impugnante foi notificada da liquidação de IMI , do ano de 2006, do prédio sito na freguesia do Ramalde/Porto, dos artigos U- 1…-J, U-04... Várias frações), U…-A e U-0…-AT, no montante de €5.873,05 com pagamento da 1ª prestação no mês de Abril de 2007, através do documento de cobrança nº 2006 043574503 (cf. doc. de fls. 13 dos autos).

b) Do documento de cobrança nº 2006 043574503 de IMI constavam, relativamente ao prédio urbano com art.º U-04... , as seguintes informações:

Descrição dos prédios
Ano
Valor Patrimonial
Valor isento
Taxa %
Maj/Min
Colecta
Juros comp.
Município do Porto Bonfim
U-04...-AR/4
U-04...-A2
U-04...-A2.3
U-04...-A.4
U-04...-A5.1
U-04...-R1/2
2006207,685,13 51.921,28 190.378,04 51.921,28 519.212,84 190.378,040,80
0,80
0,80
0,80
0,80
0,80
1661,48 415,37 1523,02 415,37 4.153,70 1.523,02 0,00
Mês de Abril de 2007 Valor a pagar de € 5 873,05
Este imposto é receita do (s) município (s) identificado (s) neste (s) documento (s) e a taxa, bem como a majoração/minoração, aplicada a prédios urbanos foi fixada por deliberação da (s,) respectiva (s) Assembleia (s) Municipal (is).
Foi observado, na presente liquidação, o disposto no art. 25° do DL 287/2003 de 12/11”, (Cfr. fls. 13 dos autos)

f) Em 16.05.2008 foi elaborada informação, pelo Chefe de Finanças Adjunto do Porto 2, em resposta a reclamação graciosa, da fixação do valor patrimonial tributário de 2003, efetuada por E…, casado com a ora Recorrente, por recurso ao regime transitório, nos termos do art.º 20.º do Dec-lei n.º 287/2003 de 12.11, onde foi projetado o indeferimento do pedido efetuado. (fls. 26 a 29 dos autos)

4. JULGAMENTO DE DIREITO
4.1. A questão fundamental que importa decidir é a saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito e de facto, por violação do preceituado nos artºs 77º da LGT, da LGT, 124.º, 125.º do CPA na medida em que se considera a insuficiente a fundamentação da liquidação de IMI.
No caso sub judice está em causa a fundamentação da liquidação de IMI, de 2006, nomeadamente saber se foram satisfeitas as exigências legais de fundamentação no que se refere à determinação do valor patrimonial tributário.
Dispõe o nº 3 do art.º 268º, da CRP, que: [o]s actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos”.
Por sua vez o nº 1 do art.º 124.º do CPA estabelece que “[P] ara além dos casos em que a lei especialmente o exija, devem ser fundamentados os actos administrativos que, total ou parcialmente:
a) Neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;
b)(…)”
E o art.º 77.º da LGT dispõe que “1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.
2 - A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.”.
Dos referidos normativos resulta que a fundamentação do ato tributário há de ser expressa, através duma exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito da decisão, clara/acessível, permitindo que, através dos seus termos, se compreendam os factos e o direito com base nos quais se decide, suficiente, possibilitando ao contribuinte um conhecimento concreto da motivação do acto; e congruente, de modo que a decisão constitua a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação.
Sendo essencial que dê a conhecer ao seu destinatário todo o percurso cognitivo e de valorativo dos pressupostos de facto e de direito que suportam a decisão ou os motivos por que se decidiu num determinado sentido.
As exigências de fundamentação variam de acordo com o tipo de acto e as circunstâncias concretas em que este foi proferido bastando-se, com a expressão clara das razões que levaram a determinada decisão, não tendo de reportar, a todos os factos considerados, vicissitudes ocorridas e a todas as ponderações feitas durante o procedimento que conduziu à decisão.
A fundamentação pressupõe, portanto, a busca de um conteúdo adequado, que há-de ser, suficiente para sustentar formalmente a decisão administrativa.
Trata-se de permitir ao destinatário normal a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato para proferir a decisão.
Sendo jurisprudência dos tribunais superiores, nomeadamente do acórdão do STA n.º 0765/07 de 20.02.2008, 0767/07 de 11.02.2009 que “Para efeito de liquidação de contribuição autárquica, encontra-se devidamente fundamentado o acto de liquidação que indica a localização, o artigo matricial, o valor patrimonial, a data da liquidação, o ano a que esta respeita, a taxa aplicável, a inexistência de isenção e a colecta correspondente a cada prédio.”
E também tem sido entendimento espelhado no acórdão do STA n.º 060/10 de 06.10.2010 “(…) não deve confundir-se a suficiência da fundamentação com a exactidão ou a validade substancial dos fundamentos invocados. É que, como adverte Sérvulo Correia In “Noções de Direito Administrativo”, I, pág. 403., «a fundamentação pode ser inexacta e ser suficiente, por permitir entender quais os pressupostos de facto e de direito considerados pelo autor do acto. Deste modo, a inexactidão dos fundamentos não conduz ao vício de forma por falta de fundamentação. Ela pode sim revelar a existência de outros vícios, como o vício de violação de lei por erro de interpretação ou aplicação de norma, ou (...) por erro nos pressupostos de facto».
Por conseguinte, o discurso fundamentador tem de ser capaz de esclarecer as razões determinantes do acto, para o que há-de ser um discurso claro e racional; mas, na medida em que a sua falta ou insuficiência acarreta um vício formal, não está em causa, para avaliar da correcção formal do acto, a valia substancial dos fundamentos aduzidos, mas só a sua existência, suficiência e coerência, em termos de dar a conhecer as razões da decisão.” (sublinhado nosso).
Da interpretação conjugada dos artºs 268º, nº 3 da CRP, 124.º do CPA e 77.º da LGT, a fundamentação do ato tributário há de ser expressa, clara, suficiente, congruente e contextual e permita ao destinatário do ato perceber o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato para proferir a decisão.
A fundamentação formal do ato não se confunde com a valia substancial dos fundamentos aduzidos na motivação do ato.
Relembremos que no presente recurso está em questão a primeira prestação de IMI, do ano de 2006, relativo ao prédio urbano com o art.º 04... composto por várias frações.
A Recorrida na petição inicial imputa à liquidação vício de forma, por falta de fundamentação alegando que tal requisito seria dispensável ao ano em causa se tal fundamentação houvesse sido feita no lançamento referentes aos anos de 2003, 2004 e 2005.
E que nem na liquidação de 2003, nem posteriores foi feita qualquer referência sumária à razão por que o valor patrimonial tributário que vem indicado naquele documento.
Ficando no desconhecimento completo das operações efetuadas para o apuramento do valor patrimonial tributário.
A sentença recorrida refere que “Ora, no que tange à operação de quantificação do tributo a pagar a fundamentação da liquidação não suscita qualquer censura, uma vez que dela resulta, com clareza, que o imposto a pagar deriva da aplicação da taxa de 0.80% ao valor patrimonial tributário do artigo matricial ali indicado (1ª prestação).
Todavia, já não podemos considerar que se encontra fundamentado o iter cognoscitivo percorrido pela AT para fixar o valor patrimonial encontrado e ali referido de €1.211.496,61
Efectivamente, e quanto à forma como foi encontrado aquele valor ocorre uma completa omissão.
Decorre do art. 1° do CIMI que o IMI incide sobre o valor patrimonial dos prédios rústicos e urbanos situados em território português, sendo o valor tributável dos prédios determinado nos termos do dito CIMI (art. 7°, n° 1) e aplicando-se aos prédios urbanos o disposto nos artigos 37° a 46° daquele diploma.
Contudo, a liquidação impugnada não permite à impugnante aferir de onde adveio c como foi encontrado o valor patrimonial tributável atribuído ao prédio inscrito na matriz urbana da freguesia do Bonfim, sob o artigo U-04..., desconhecendo-se se decorre da aplicação de coeficientes constantes da Portaria n° 1337/2003 de 05/12, porque a AT considerou tratar-se de um prédio urbano não arrendado (art. 16°, n° 1 a 4) ou apenas arrendado até Dezembro de 1988 (art. 16°, n° 5), ou se foi determinado de acordo com os artigos 37° a 46° do CIMI.
De notar, que em ponto algum da notificação da liquidação se detecta que a tributação resulta da aplicação do regime transitório previsto no art. 16°, n° 5, resultado da falta de apresentação, por parte do impugnante, da participação prevista no art. 18° do DL 28712003, e da aplicação dos coeficientes a que alude a Portaria n° 1337/2003 de 05/12, aos últimos valores de rendas declarados.
Resuma do que vem dito que não permitindo a notificação da liquidação determinar em que moldes se determinou o valor patrimonial tributário do imóvel em apreço, a liquidação padece de falta de fundamentação.
Por outra banda, a referência no acto de liquidação ao art. 25° do DL 287/2003, nada esclarece quanto à matéria de avaliação patrimonial do artigo matricial, pois esta norma estipula apenas um regime de salvaguarda, estabelecendo os limites ao aumento do IMI.
Ante o que vem dito é patente a insuficiência de fundamentação que equivale à sua falta, atento o previsto no art. 125°, n° 2 do CPA, conduzindo-se, desta forma, à procedência do invocado vício de forma. (…)”
Desde já se diga que não concordamos com o decidido, uma vez que, o ato de liquidação de IMI, encontra-se devidamente fundamentado quando indica a localização, o artigo matricial, o ano a que este respeita, o valor patrimonial, a taxa aplicável, e a coleta correspondente a cada prédio.
Compulsado o documento de cobrança nº 2006 043574503 pode-se verificar que se encontram os elementos necessários à liquidação do ato, aliás como bem reconhece a sentença recorrida.
No caso em apreço, não poder deixar de se entender que a Recorrente teve conhecimento, de forma acessível, clara, congruente e suficiente, do valor patrimonial com base no qual a Administração Tributária efetuou a liquidação, no ano de 2006.
Nesta conformidade procede as conclusões da Recorrente.

4.2. A Recorrida questionou ainda a ilegalidade da liquidação imputando erro de facto (deficiente apreciação da realidade tributária) e erro de direito (deficiente interpretação e aplicação do art.º 16.º do Dec-lei n.º 287/2003 e da Portaria n.º 1337/2003) que agora importa apreciar, em regime de substituição, face ao supra decido.
Importa esclarecer que no processo de apuramento da matéria tributária para efeito de liquidação de IMI existem duas fases: a fixação do valor patrimonial tributário (VPT) do imóvel e depois de fixado esse valor a liquidação de IMI, que corresponde a uma taxa sobre esse valor patrimonial previamente efetuado.
Em sede de liquidação de IMI são os atos de fixação de valores patrimoniais que servem de base à liquidação do imposto.
A fixação do valor patrimonial tributário, normalmente, é efetuado através de um processo de avaliação onde o sujeito passivo participa podendo usar todos os meios à sua disposição, culminando com a fixação desse valor que perdura por um determinado período de tempo.
Nos termos dos artigos 134.º, n.º 1 e 2 do CPPT a impugnação de atos de fixação do valor patrimonial depende do prévio esgotamento dos meios administrativos de revisão, previstos no procedimento de avaliação. Sendo que, os atos de fixação de valores patrimoniais podem ser impugnados autonomamente, com fundamento em qualquer ilegalidade, tratando-se de atos destacáveis para efeitos de impugnação contenciosa.
Mas, também pode ocorrer a fixação do valor patrimonial por determinação de lei, o que aconteceu em 2003, aquando da reforma da tributação do património, efetuada pelo Dec-lei n.º 287/2003 de 12.11, onde se estabeleceu um regime transitório para a avaliação dos prédios urbanos, enquanto não fosse efetuada avaliação geral.
Esse regime transitório estava previsto nos art.º 16.º a 19.º do referido diploma e permitia através do art.º 20.º do Dec-lei n.º 287/2003 de 12.11, o recurso à reclamação graciosa para protestar do resultado das atualizações do valor patrimonial tributário, com fundamento em erro de facto ou de direito.
No caso em apreço, está subjacente que à liquidação do IMI de 2006, (como nos foi dado conta nos articulados) ocorreu uma atualização através do recurso ao regime transitório em 2003, tendo sido fixado novo valor patrimonial tributário ao prédio urbano em questão.
E disso nos dá conta o processo administrativo apenso aos autos como decorre do facto f), aqui aditado, que em 16.05.2008 foi elaborada informação pelo Chefe de Finanças Adjunto de Porto 2, em resposta a reclamação graciosa da fixação do valor patrimonial tributário, de 2003, por recurso ao regime transitório nos termos do art.º 20.º do Dec-lei n.º 287/2003 de 12.11, efetuada por E…, casado com a ora Recorrente, onde foi projetado o indeferimento do pedido efetuado.
A Recorrida alega na petição inicial (art.ºs 25.º a 27.º)que o valor patrimonial tributário está incorretamente determinado (Actualizado).
O valor por que o prédio …foi inscrito na matriz e o ano são, de acordo com os elementos que a Administração Fiscal tem, …em seu poder os seguintes: € 597,06 –ano de 1994.
Por aplicação ao valor por que o prédio foi inscrito…do coeficiente de actualização previsto na Portaria n.º 1337/2003, de 5 de Dezembro, o respetivo valor é de € 764,24.”
Como supra se disse, o regime transitório permitia através do art.º 20.º do Dec-lei n.º 287/2003 de 12.11, o recurso à reclamação graciosa para protestar do resultado das atualizações do valor patrimonial tributário, com fundamento em erro de facto ou de direito, pelo que não pode a Recorrida em sede de impugnação do IMI de 2006, questionar a legalidade do valor patrimonial tributário, anteriormente fixado (2003).
Nesta conformidade, improcede a pretensão da recorrida.

4.3. E assim formulamos as seguintes conclusões/sumário.
I. Da interpretação conjugada dos artºs 268º, nº 3 da CRP, 124º do CPA e 77º da LGT, a fundamentação do ato tributário há de ser expressa, clara, suficiente, congruente e contextual que permita ao destinatário do ato perceber o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato para proferir a decisão.
II. O ato de liquidação de IMI, encontra-se devidamente fundamentado quando indica a localização, o artigo matricial, o ano a que este respeita, o valor patrimonial, a taxa aplicável, e a coleta correspondente a cada prédio.
III. O regime transitório permitia através do art.º 20.º do Dec-lei n.º 287/2003 de 12.11, o recurso à reclamação graciosa para protestar do resultado das atualizações do valor patrimonial tributário, com fundamento em erro de facto ou de direito, pelo que não pode a Recorrida em sede de impugnação do IMI de 2006, questionar a legalidade do valor patrimonial tributário, anteriormente fixado (2003).

5. DECISÃO

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, conceder provimento ao recurso, revogar a decisão judicial recorrida julgando o ato tributário suficientemente fundamentado, e em substituição julgar a impugnação improcedente.

Custas pela Recorrida, em ambas as instâncias.
Porto, 14 de setembro de 2017
Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina Travassos Bento