Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00374/19.0BEAVR-S1
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/02/2023
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:DESPACHO INTERLOCUTÓRIO,
INDEFERIMENTO DAS RECLAMAÇÕES CONTRA RELATÓRIO PERICIAL,
FALECIMENTO DE PERITO, NÃO TOMAR CONHECIMENTO DO RECURSO
Sumário:I - Perante uma impossibilidade superveniente de continuidade da diligência instrutória, nomeadamente por falecimento do perito, anterior à tomada de posição definitiva sobre reclamações visando o relatório pericial elaborado e prestação de esclarecimentos acerca da perícia, haverá que proceder a nova nomeação de perito, para elaboração de novo relatório pericial.
II - Neste circunstancialismo, o conhecimento do recurso, cujo objecto era decisão de indeferimento do pedido de esclarecimentos pelos peritos acerca do relatório pericial, não apresenta qualquer utilidade.
Recorrente:AA
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Outros despachos
Decisão:Não tomar conhecimento do objecto do recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Foi emitido parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

"AA", contribuinte n.º ..., com domicílio na Rua ..., interpôs recurso jurisdicional, por apelação autónoma que subiu em separado, do despacho interlocutório do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, proferido em 11/07/2022, que indeferiu o seu pedido de esclarecimentos apresentado no âmbito de prova pericial, após notificação do respectivo relatório pericial.

O Recorrente concluiu as suas alegações da seguinte forma:
A) O Mm.º Juiz a quo proferiu despacho pelo qual indeferiu a realização de perícia requerida pelo impugnante na sua p.i., sendo que, após recurso, foi tal despacho revogado e determinada a realização daquela.
B) Efectuada a perícia, o impugnante reclamou contra o relatório pericial, requerendo a prestação de esclarecimentos pelos Senhores Peritos, tendo sido proferido despacho a indeferir tal pretensão.
C) Concretamente, não resulta do relatório pericial se os Senhores Peritos relevaram ou não nos resultados finais obtidos, os desperdícios de matéria-prima ou “quebra no corte das bandas contratado a terceiros”, tendo, por isso, o impugnante requerido ao tribunal que os Senhores Peritos esclarecessem tal facto.
D) A omissão de tal informação traduz-se em deficiência e/ou obscuridade do relatório pericial, razão pela qual é lícito o requerimento de esclarecimento a tal propósito, ao abrigo do disposto no artigo 485.º, n.º 2 do CPC.
Acresce que,
E) Para apuramento da correcção ou incorrecção do IVA liquidado pela AT, concorre, por um lado, a questão se saber qual a expressão monetária da quantidade de produto acabado que deveria constar do stock da "E..., LDA.", e, por outro, a de saber qual a expressão monetária do valor que se obteria com a sua venda.
F) O tribunal deverá diligenciar, oficiosamente ou a requerimento, pelo apuramento de tais factos, ainda que instrumentais ou complementares dos factos constitutivos da causa de pedir, nos termos que resultam do disposto nos artigos 99.º, n.º 1 da LGT e 5.º, n.º 2, al. b) do CPC.
G) Por isso, afigura-se-nos ser lícito que se requeira que os Senhores Peritos esclareçam tais questões, na medida em que as mesmas são susceptíveis de contribuir para uma melhor discussão e decisão da causa.
H) O despacho do tribunal a quo que indeferiu o requerimento do impugnante de prestação de esclarecimentos pelos Senhores Peritos, na esteira daqueloutro que indeferiu a realização da perícia também por aquele requerida, é ilegal por violação do disposto nos artigos 5.º, n.º 2, al. b), 485.º, n.º 2 do CPC e 99.º, n.º 1 da LGT, devendo, por conseguinte, ser revogado e substituído por decisão que determine a prestação dos esclarecimentos requeridos.”
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A Recorrida não apresentou contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa analisar se a decisão interlocutória errou indeferindo o pedido de esclarecimentos apresentado no âmbito de prova pericial.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

O despacho interlocutório ora em crise tem o teor que se reproduz:
“(…) Notificado do relatório pericial, vem o Impugnante requerer que os peritos prestem os seguintes esclarecimentos:
i) confirmar que, no que respeita à determinação do fator de conversão dos quilogramas de matéria-prima adquirida em metros lineares de perfis metálicos para venda, o resultado obtido não contemplou qualquer quebra no corte das bandas contratado a terceiros, assentando, portanto, na hipotética existência de um processo produtivo ótimo;
ii) face às vendas declaradas e aos metros lineares vendidos, qual o valor unitário médio de venda do metro linear;
iii) em função do valor unitário médio de venda do metro linear, qual o valor total que se obteria com a venda dos 1.739.166 metros lineares que, de acordo com o apurado na perícia, deveria existir em stock em 31.08.2012.
Apreciando:
Prevê o artigo 485.º n.º 2 do Código de Processo Civil a possibilidade de as partes formularem reclamações nos casos em que exista deficiência, obscuridade ou contradição no relatório pericial.
Perscrutado o teor do relatório pericial, afigura-se que o mesmo é perfeitamente claro nas respostas às questões de facto que constituem o objeto da perícia. Acresce que, no seu requerimento, o Impugnante não concretiza em que medida considera que o relatório pericial padece de qualquer deficiência, obscuridade ou contradição.
No que respeita ao teor do esclarecimento identificado no ponto i), importa sublinhar que não pode o Impugnante pretender que os peritos adeqúem os critérios utilizados e as conclusões vertidas no respetivo relatório ao sentido que lhe for mais conveniente, desvirtuando, assim, o propósito da prova pericial.
A maior ou menor medida em que o resultado da perícia seja esclarecedor da factualidade em discussão é um aspeto que se insere no âmbito da livre apreciação probatória a realizar pelo Tribunal e sobre a qual as partes terão ainda oportunidade de pronunciar, mormente em sede de alegações escritas.
Quanto aos esclarecimentos identificados nos pontos ii) e iii), encerram uma ampliação do objeto da perícia, circunstância que extravasa a previsão da norma contida no artigo 485.º n.º 2 do Código de Processo Civil.
Face ao exposto, indefere-se o pedido de esclarecimentos apresentado.
Notifique.”
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O despacho judicial de admissão do presente recurso tem o seguinte conteúdo:
“Comunicação a fls. 655 do sitaf:
Tenha-se em consideração o seu teor para eventuais futuras comunicações ou diligências.
Notifique as partes de que foi comunicado ao Tribunal o falecimento do Perito "GG".
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Recurso:
Nos presentes autos de Impugnação, veio o Impugnante interpor recurso, para o Tribunal Central Administrativo Norte, do despacho interlocutório proferido a fls. 612/613 do sitaf.
O recurso é legal e tempestivo e o Recorrente tem legitimidade.
Em causa está a decisão de indeferimento do pedido de prestação de esclarecimentos por parte dos peritos que elaboraram o relatório pericial já constante dos autos. Afigura-se que a retenção do recurso afetaria o seu efeito útil, pelo que, nos termos do disposto no artigo 286.º n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, admite-se o recurso, com efeito suspensivo e subida imediata e em separado.
Autue o recurso em separado, instruindo-o com a petição inicial, a contestação, os despachos de fls. 463/464, 470 a 477, 487, 489, 527/528, o requerimento a fls. 533, o despacho a fls. 537, a comunicação a fls. 541, o relatório pericial de fls. 546 a 602, o requerimento a fls. 608, o despacho recorrido a fls. 612/613, respetivo comprovativo de notificação ao Recorrente, o requerimento de recurso e respetivas alegações, comprovativos da data de apresentação e dos pagamentos da taxa de justiça e da multa, dos comprovativos das notificações realizadas nos termos do artigo 282.º n.º 3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e da comunicação a fls. 655, todas do sitaf.
Após, remeta ao Tribunal Central Administrativo Norte.”

2. O Direito

Atenta a notícia no processo principal n.º 374/19.0BEAVR, bem como no despacho judicial supra transcrito, de falecimento do perito indicado pelo impugnante, é nossa convicção a absoluta inutilidade de apreciação do presente recurso.
Com efeito, estamos perante a determinação judicial de uma perícia colegial, também a realizar pelo perito identificado supra.
É verdade que os peritos já apresentaram o relatório pericial, porém, a produção da prova pericial não se esgota ou termina com a junção aos autos desse laudo.
Conforme decorre do disposto no artigo 485.º do Código de Processo Civil [Reclamações contra o relatório pericial):
1 - A apresentação do relatório pericial é notificada às partes.
2 - Se as partes entenderem que há qualquer deficiência, obscuridade ou contradição no relatório pericial, ou que as conclusões não se mostram devidamente fundamentadas, podem formular as suas reclamações.
3 - Se as reclamações forem atendidas, o juiz ordena que o perito complete, esclareça ou fundamente, por escrito, o relatório apresentado.
4 - O juiz pode, mesmo na falta de reclamações, determinar oficiosamente a prestação dos esclarecimentos ou aditamentos previstos nos números anteriores.
Referem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre in Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, Almedina, 3.ª edição, 2017, p. 339, que as partes “(…) podem, no prazo geral de 10 dias (art. 149-1), reclamar, tal como anteriormente, mas por escrito, por deficiência (o relatório não considera todos os pontos que devia ou não os considera tão completamente como devia), obscuridade (não se vislumbra o sentido de alguma passagem ou esta pode ter mais de um sentido) ou contradição (entre os vários pontos focados ou entre as posições tomadas pelos peritos, sendo a perícia colegial), ou ainda por falta de fundamentação suficiente (as conclusões do perito devem mostrar-se “devidamente fundamentadas”).”
Por outro lado, está, ainda, prevista legalmente a comparência dos peritos na audiência final, a fim de prestarem, sob juramento, os esclarecimentos que lhes sejam pedidos – cfr. artigo 486.º do Código de Processo Civil.
É, portanto, ostensivo que a produção da prova pericial somente terminará neste momento. Como explicam Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora no Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2.ª edição revista e atualizada, pág.584 e segs, o procedimento probatório da prova pericial comporta quatro fases distintas, a saber: a da sua proposição, a da sua admissão, a da sua preparação (fixação do objecto da perícia) e a da sua produção e assunção.
Logo, é evidente que caberá aos peritos que intervieram na realização da perícia colegial prestar os esclarecimentos que lhes forem solicitados acerca da mesma.
Entretanto, surgiu um impedimento superveniente de o perito nomeado pelo impugnante concluir o seu trabalho pericial, nomeadamente, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 485.º e 486.º do Código de Processo Civil.
Verificando-se uma impossibilidade superveniente de este dar continuidade à diligência, por força do seu falecimento, impor-se-á uma nova nomeação de perito, nos termos do disposto no artigo 472.º do Código de Processo Civil.
Nesta conformidade, é forçoso concluir que a prova pericial retomará a fase da sua produção, devendo ser elaborado novo relatório pericial pelo novo colégio de peritos.
Nesta medida, não tem qualquer efeito prático ou jurídico apreciar a reclamação dirigida ao relatório que consta dos autos, pelo que não se tomará conhecimento do objecto do presente recurso.

Conclusões/Sumário

I - Perante uma impossibilidade superveniente de continuidade da diligência instrutória, nomeadamente por falecimento do perito, anterior à tomada de posição definitiva sobre reclamações visando o relatório pericial elaborado e prestação de esclarecimentos acerca da perícia, haverá que proceder a nova nomeação de perito, para elaboração de novo relatório pericial.
II - Neste circunstancialismo, o conhecimento do recurso, cujo objecto era decisão de indeferimento do pedido de esclarecimentos pelos peritos acerca do relatório pericial, não apresenta qualquer utilidade.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em não tomar conhecimento do objecto do presente recurso.

Sem custas, na medida em que este TCAN não chegou a conhecer do recurso.

Porto, 02 de Fevereiro de 2023
Ana Patrocínio
Paula Moura Teixeira
Conceição Soares