Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02849/15.0BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/05/2021
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:IFAP/DESPESA NÃO ELEGÍVEL - RESOLUÇÃO DO CONTRATO; FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO; AUDIÊNCIA PRÉVIA
Recorrente:IFAP - INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS
Recorrido 1:N.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
N., residente na Rua (…), instaurou acção administrativa especial contra o IFAP - INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS, com sede na Rua (…), pedindo que se declare o acto administrativo proferido pelo Réu, nulo e de nenhum efeito.
Pediu ainda que se considere repristinado o acto primário emitido pelo Réu, válido e, assim vinculativo para Autora e Réu, ou, assim não sendo, que se condene o Réu a emitir o acto administrativo devido, que satisfaça a pretensão da Autora, considerando a despesa elegível no valor de €12.500,00 e a atribuição de um cofinanciamento no valor de €9.334,20.
Por decisão proferida pelo TAF de Braga foi julgada procedente a acção e anulado o acto impugnado.

Desta vem interposto recurso.

Alegando, o IFAP formulou as seguintes conclusões:
A. O presente recurso vem interposto da sentença de 22/05/2019, através da qual foi julgada procedente a acção administrativa, porquanto entendeu o Tribunal que “(…) por falta de exposição dos fundamentos de direito no acto impugnado, conclui-se pela verificação do vício de falta de fundamentação” entendeu também que “(…) ficando por demonstrar que a Autora foi notificada validamente para o exercício do direito à audiência prévia, impõe-se concluir que merece provimento o vício de preterição dessa formalidade e garantia dos particulares, a determinar a anulabilidade do acto em sindicância” entendeu ainda que a “(…) situação consubstanciada no empréstimo de um montante equivalente que permita à Autora proceder ao pagamento do subsídio não se enquadra no disposto no artigo 12.º, n.º1, al. b) do Decreto-lei n.º 81/2008, de 16 de Maio, contrariamente ao vertido pela entidade demandada, e denota a inexistência tanto de circunstâncias de facto como de norma habilitante que permita decisão de rescisão contratual e revogação do acto que determinou o pagamento dos apoios à Autora, o que gera a anulação do acto impugnado” logo, “(…) julgada procedente a referida causa de invalidade, assim como mostrando-se verificados os vícios resultantes da falta de fundamentação, da preterição da audiência prévia, em função da procedência da pretensão anulatória, está a Entidade Demandada constituída no dever de reconstruir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado (cfr. art. 173º do CPTA).” pelo que julgou procedente a presente ação, e anulou o ato impugnado e determinou a manutenção do ato que deferiu o apoio.
B. Salvo melhor entendimento, como seguidamente se demonstrará, a decisão parece fazer uma incorreta interpretação do direito aplicável, pois o Tribunal não levou em consideração que o ora Recorrente considera que o comportamento descrito como “O valor faturado e pago foi devolvido ao estaleiro e o pagamento da dívida só ocorreu após o recebimento do apoio referente à presente operação” constitui uma irregularidade que é fundamento para resolução do contrato nos termos do artigo 12.° e 13.° do Decreto-lei n.° 81/2008, de 16 de maio. C. O empréstimo de um determinado montante ao Recorrido a fim de aceder ao subsídio enquadra-se no disposto no artigo 12.°, n.° l, al. b) do Decreto-lei n.° 81/2008, de 16 de maio.
D. Nos termos do artigo 7.° do Decreto-lei n.° 81/2008, de 16 de maio, “os apoios financeiros a conceder ao abrigo dos regimes de apoio podem assumir a forma, cumulativa ou não, de a) Apoios diretos: Subsídios a fundo perdido ou Prémios ou Subsídios reembolsáveis (...) ”
E. Dispõe o artigo 11.° do DL citado que “sem prejuízo de outras obrigações fixadas nos diplomas que regulamentem os regimes de apoio do PROMAR ou nos contratos previstos no artigo 9.° constituem obrigações dos promotores: f) Manter toda a documentação relativa ao projeto organizada até três anos após a data de encerramento do PROAMAR, incluindo, nomeadamente documentos suscetíveis de comprovar as informações prestadas aquando da candidatura, bem como todos os documentos comprovativos da realização das despesas e respetivos pagamentos (...) ”.
F. Por sua vez, o artigo 12.°, n.° 1 do DL mencionado estabelece o regime de resolução por incumprimento, sendo que nos termos deste preceito legal “As entidades contratantes podem resolver o contrato celebrado com um promotor, quando ocorra alguma das seguintes situações: a) Incumprimento pelo promotor das obrigações decorrentes do presente decreto-lei, dos regulamentos que aprovam os regimes de apoio ou dos contratos; b) Prestação de falsas informações ou informações inexatas ou incompletas, seja sobre factos que serviram de base à apreciação da candidatura, seja sobre a situação do projeto ou falsificando documentos fornecidos no âmbito do projeto.”
G. No âmbito dos factos dados como provados resulta que a 22/10/2014 através do relatório verificação final nº 91/2014, levado a efeito pela DC da DRAP NORTE, esta entidade concluiu, com base nos documentos de despesa, meios de pagamento e extractos bancários, pela inelegibilidade da despesa total de 12.500,00 €, suportada pelas faturas nº 12/2012 e 25/2012 do fornecedor F., Lda., pelos seguintes motivos:
- no dia 05/11/2012 foi emitido pela promotora um cheque no valor de 12.500,00 €, para pagamento da fatura nº 25/2012, de 05/11/2012, no montante de 12.000,00 € e da fatura nº 12/2012, de 08/07/2012, no valor de 500,00 €, e o fornecedor “F.” emitiu o recibo nº 42/2012, em 05/11/2012; - o supra mencionado cheque foi sacado no dia 21/12/2012, no dia 19/12/2012 tinha sido efetuado um depósito bancário, pela beneficiária, na conta afeta ao projeto no valor de 6.000,00 € e no dia 20/12/2012 foi efetuada uma transferência bancária, pelo dono do estaleiro, no montante de 6.500,00 € a seu favor; - estes movimentos demonstram que parte da despesa relativa à operação foi suportada pelo fornecedor (6.500,00 €); - a despesa efetuada pela promotora não foi na realidade a que foi apresentada no pedido de pagamento no valor de 12.500,00 €.
H. Ou seja, «a despesa efectivamente realizada pelo promotor não foi apresentada no pedido de pagamento, pelo que se considera não elegível a despesa no valor de € 12.500,00 suportada nas faturas nº 12/2012 e 25/2012 do fornecedor F., Lda.».
I. Os factos em apreço conduzem à resolução do contrato de atribuição de apoio para um investimento elegível no valor total de € 12.500,00, com a devolução de 54,63 % deste valor
J. Nessa medida, é de concluir que os documentos comprovativos da despesa, tal como a fatura, o recibo de pagamento, bem como o cheque e o comprovativo de entrada na conta do estaleiro são falsos, visto que titulam uma operação que nunca sucedeu, ou seja, demonstram uma despesa que a Recorrida não teve, pois o valor foi devolvido pelo estaleiro.
K. Só são elegíveis os pagamentos efetuados pelos beneficiários, comprovados pelas respetivas faturas efetivamente pagas, bem como a condição geral do contrato de atribuição de ajudas/termo de aceitação, de acordo com a qual o pagamento das ajudas depende da apresentação de comprovativos e, da aplicação dos fundos pelos beneficiários (ou seja, do pagamento efetivo das despesas).
L. Quanto à eventual possibilidade de existir um “empréstimo”, ainda que o mesmo tenha ocorrido, tal facto não ficou assente uma vez que inexiste um contrato de mútuo que o titule (cfr. artigo 1143.° do Código Civil), nem o Recorrido logrou demonstrar que, posteriormente tenha reembolsado os montantes “emprestados”.
M. Atento o exposto tem forçosamente de se concluir que o Recorrido prestou uma informação não verdadeira e que os documentos apresentados, indiciavam titular uma operação fictícia, uma vez que os mesmos não seriam verdadeiros o que daria lugar a uma situação suscetível de resolução do contrato, o que veio a acontecer.
N. O Tribunal anula ainda a Decisão Final com fundamento em falta de fundamentação, e a este respeito entende-se que o Tribunal faz uma incorrecta apreciação dos factos e aplicação do direito aplicável.
O. Ora, face à factualidade apurada e documentalmente provada resulta que: a seguir a ter sido efetuado o alegado “pagamento” este foi devolvido à Recorrida o que se revela como elemento determinante da decisão. E não pode ser ignorado que, deliberadamente, a Recorrida esquece-se de todo o processo administrativo e respetivas comunicações trocadas entre esta e o Recorrente, nas quais a Recorrida participou e que estão subjacentes à tomada de posição.
P. Incontornável, é o facto da Recorrida ter conhecimento que «por a actividade que exerce gerar parcos rendimentos, quer por que, as invernias a Norte condicionam e contam mesmo para longos períodos de paralisação da actividade, não poucas vezes socorre-se do Luís Miguel para lhe emprestar dinheiro », determinava a devolução dos apoios recebidos indevidamente nos termos legais; e tanto assim é que a Recorrida não concretizou a obscuridade e insuficiência da fundamentação do acto sub judice para justificar a alegada falta de fundamentação, limitando-se a citar as normas legais aplicáveis, e basta uma simples leitura do ato administrativo impugnado, para se perceber, de forma sumária, mas evidente, os factos e a legislação subjacentes à prática do mesmo.
Q. Para além de outros acórdãos que seguem o mesmo entendimento, citam-se os seguintes: “um acto está suficientemente fundamentado sempre que um destinatário normal, colocado perante o acto em causa, possa ficar ciente das razões que sustentam a decisão nele prolatada” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27 de Maio de 2003, Proc. 1835/02, disponível em www.dgsi.pt). Não sendo imprescindível “para que a fundamentação de direito se considere suficiente [...] a indicação dos preceitos legais aplicáveis, bastando a referência aos princípios pertinentes, ao regime jurídico, ou a um quadro normativo determinado” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27 de Maio de 2003, Proc. 1835/02, disponível em www.dgsi.pt).
R. No caso em apreço, pela motivação em que se apoia, conforme aliás resulta de toda a correspondência trocada entre a Recorrida e o Recorrente, o ato impugnado mostrava-se apto a revelar a um destinatário normal as razões que determinaram a decisão.
S. Tanto assim é que, pela simples leitura da decisão final resulta evidente quais foram os critérios adotados na mesma, tendo, a própria Recorrida, ao longo da sua PI, demonstrado ter alcançado perfeitamente o conteúdo e sentido do ato impugnado; e a Recorrida não pode confundir falta de fundamentação com fundamentação com a qual não se conforma.
T. Verifica-se assim, inexistir qualquer falta de fundamentação no procedimento.
U. O Tribunal anula também a Decisão Final com fundamento em falta de audiência prévia.
V. Salvo melhor entendimento, o Tribunal a quo não fez uma correta interpretação dos factos e do direito aplicável, porquanto, pela DRAP Norte através de ofício refª nº 24743/29399/2014, de 15/07/2014, foi dado à Recorrida conhecimento das irregularidades detetadas na sequência da realização da ação de controlo, bem como a possibilidade de se pronunciar sobre as mesmas. No mencionado ofício com 11535/46163/2013, de 21/10/2013 foi ainda transmitido à Recorrida que deveria esclarecer o assunto no prazo de 10 dias úteis para Direcção Regional de Agricultura e Pescas do Norte Direcção de Serviços de Controlo e Estatística Rua (…).
W. Verifica-se assim, ter sido adequadamente concedida a oportunidade à Recorrida beneficiária de exercer o direito de audição, não obstante, nessa data ter optado por não exercer o direito de resposta. Ou seja, foi a Recorrida que prescindiu do seu direito de ser ouvida e não o Recorrente quem impossibilitou a mesma de o fazer.
X. Conforme fica demonstrado pelo processo administrativo junto aos autos, todas as irregularidades detetadas foram comunicadas à Recorrida, razão pela qual, salvo melhor opinião, verifica-se que não existe desta forma qualquer preterição da audiência de interessados.
Y. Face ao exposto, o entendimento do Tribunal ao julgar a ação procedente, não parece ter sido correta, pelo que, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e em consequência ser proferido acórdão considerando válida a decisão final proferida pelo IFAP, I.P.
Nestes termos e face ao exposto, com o suprimento, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e em consequência ser proferido acórdão considerando válida a decisão final proferida pelo IFAP, I.P.
A Autora juntou contra-alegações, concluindo:

1ª - O recorrente não pode, não tendo impugnado a matéria de facto dada como provada, concluir, de facto e de direito, à revelia e em contradição com os factos dados como provados;
2ª - Como o faz nas conclusões do seu recurso;
3ª - Andou bem a decisão recorrida, com abono na sua motivação densa e bem fundamentada, de facto e de direito, em considerar a ação procedente, anulando o ato administrativo emitido pelo recorrente, com fundamento nos vícios de forma - falta de fundamentação e preterição do direito de audiência prévia, e violação de lei;
4ª - Deve, pois, improceder o recurso.

O MP, notificado ao abrigo do disposto no artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.

Cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS
DE FACTO


Na sentença foi fixada a seguinte factualidade:
A. Em 28.11.2011, a Autora apresentou uma candidatura no âmbito do programa PROMAR – Programa Operacional Pesca 2007-2013, Eixo 1, Medida 1.4 - Pequena Pesca Costeira, à qual foi atribuído o código 31-01-04-FEP-159, referente à embarcação com a designação “IVONE” e abrangia duas rúbricas de investimento: casco, superestruturas e arranjos internos [no total de investimento de 12.500,00€] e motor propulsor [no total de investimento de 4.585,50€] – cfr. fls. 159 a 174 do processo administrativo (PA).
B. Por decisão de 13.01.2012 do Gestor do PROMAR foi aprovada a candidatura da Autora - cfr. fls. 122 a 126 do PA.
C. Por comunicação datada de 21.05.2012, com a referência 101059/DAIUNCQ/NCTR/2012, foi a Autora notificada da decisão de aprovação - cfr. fls. 122 a 126 do PA.
D. Na referida comunicação pode ler-se: “Nos termos do disposto no artigo 9º do D.L. nº 81/2008, de 16 de Maio, notificamos V. Exª. da decisão final relativa à candidatura apresentada… a qual foi aprovada… pelos seguintes valores: Incentivos - Subsídio não reembolsável… Valor - 9.334,20€”…; Comparticipação comunitária 7.000,65€; Comparticipação Nacional: 2.335,55€; “Despesa Pública - 9.334,20€… Participação do Beneficiário - 7.751,30€” - cfr. fl. 122 do PA.
E. O respectivo contrato foi assinado a 27.01.2012 - cfr. fls. 121 do PA.
F. O projecto constante da candidatura referida em A) foi totalmente realizado e executado, conforme verificação física realizada pela Entidade Demandada - cfr. fls. 67 e 85 do PA; facto não impugnado.
G. No dia 05.11.2012, a Autora emitiu um cheque à ordem da “F. , Lda.” no valor de 12.500,00€ (doze mil e quinhentos euros) cujo montante foi pago em 21.12.2012 (cfr. fls. 104 e 105 do p. a.)
H. Na mesma data, a “F. , Lda.” emitiu a factura n.º 25/2012 em nome da Autora, no valor de 12.000,00€ - cfr. fls. 102 do PA.
I. Em 08.07.2012, a “F. , Lda.” emitiu a factura n.º 12/2012 em nome da Autora, no valor de 500,00€ - Cfr. fls. 101 do PA.
J. Em 05.11.2012, a “F. , Lda.” emitiu o recibo n.º 42/2012 em nome da Autora no valor de 12.500,00€ (doze mil e quinhentos euros), no qual consta a seguinte descrição: “Recebemos de V. Exas. A quantia de 12.500,00€ (DOZE MIL E QUINHENTOS EURO(S)) através de Rec. Por Cheque 0699518898 sobre a conta CXEUR (Balcão: M.)” - cfr. fls. 103 do p. a.
K. No período compreendido entre 19.12.2012 e 21.12.2012, na conta da Autora titulada com o NIB (...) registaram-se os seguintes movimentos:
a. Em, 19.12.2012, um depósito a crédito de 6.500,00€;
b. Em 19.12.2012, uma transferência de L. a crédito no valor de 6.000,00€;
c. Em 21.12.2012, um cheque a débito de 12.500,00€ - cfr. fls. 46 e 47 do PA II.
L. L. é o sócio único da sociedade “F. , Lda.” - motivação da matéria de facto.
M. Os trabalhos realizados pela sociedade “F., Lda.” na embarcação da Autora foram pagos parcialmente por esta com dinheiro emprestado por L. - motivação da matéria de facto.
N. A Autora pagou/devolveu o montante emprestado por L. - motivação da matéria de facto.
O. Em 26/12/2012, a Autora remeteu à Entidade Demandada “Pedido de Pagamento” - cfr. fls. 96 do PA.
P. No referido pedido de pagamento a Autora, para além de preencher os impressos específicos, juntou os seguintes comprovativos da despesa projectada:
a. factura/venda a dinheiro n.º 0623, de 02/12/2011, emitida pela “L., Lda.”, no valor de 4.585,50€ (cfr. fl. 98 do PA);
b. factura n.º 12/2012, de 08/07/2012 emitida pela “F., Lda.” no valor de 500,00 (cfr. fls. 101 do PA da Pasta I);
c. o recibo n.º 42/2012, de 05/11/2012, emitido pela “F., Lda.” no valor de 12.500,00€ (cfr. fls. 103 do PA da Pasta I);
d. factura n.º 25/2012, de 05/11/2012 emitida pela “F., Lda.” no valor de 12.000,00€ (fls. 103 do PA da Pasta I);
e. Cópia dos cheques emitidos a favor dos fornecedores e respectivos depósitos (fls. 99, 100, 104 e 105 do PA Pasta I) e cópia do extracto bancário da Autora (fls. 100 e 104 do PA das Pasta I) - Cfr. ainda fls. 86 a 120 do PA da Pasta I).
Q. Após análise do pedido de pagamento apresentado, em 16.12.2012, e da elaboração do relatório de encerramento, em 18.04.2013 foi proferida decisão de validação da despesa - cfr. fls. 82 verso do PA.
R. Por ofício com a referência 692/2013, datado de 14.08.2013, foi a Autora notificada de que “…Foi aceite como elegível a totalidade da despesa apresentada para cofinanciamento …”, no qual consta o seguinte:
“(…) Mais se informa que a despesa pública justificada e aceite até ao momento ascende 9.334,20€, a que corresponde uma componente comunitária de 7.000,65€”.
- cfr. fls. 70 do PA.
S. Nessa sequência, a Entidade Demandada procedeu ao pagamento à Autora, em 25.04.2013, e depositou, nessa data, a título de reembolso de despesa, na conta bancária cujo NIB foi indicado pela Autora, o montante de 9.334,20€ - cfr. fls. 70 do PA da Pasta I.
T. A Entidade Demandada elaborou o ofício datado de 15/07/2014, com a referência 24743/2014, dirigido à aqui Autora, com o seguinte teor que ora se transcreve:
“No âmbito da acção de Verificação Física à embarcação “IVONE” no dia 01/07/2014, na companhia do representante de V. Exa., apurou-se que:
1- Dos trabalhos realizados pelo fornecedor F. - , Lda., foram emitidas duas facturas, uma no valor de 500€ em 08/07/2012 e outra de 12.000€ em 05/11/2012. Foi emitido um cheque de 12.500€ em 05/11/2012 para pagamento das duas facturas. Tendo sido emitido um recibo na mesma data 05/11/2012 no valor de 12.500€.
2- O cheque em questão só foi compensado em 21/12/2012.
3- Em 20/12/2012 foi efectuado um depósito na sua conta bancária no valor de 6.000€, pelo Sr. L. Ferreira, sócio único de F. , Lda” - cfr. fls. 56 verso e 57 do PA pasta II.
U. Em 22.10.2014, foi elaborado Relatório de Verificação Final n.º 91/2014 da candidatura referida em A), no qual consta, na parte que releva, o seguinte:
“(…) SITUAÇÕES RELEVANTES DETECTADAS EM SEDE DE CONTROLO
Físico e Normativo
A verificação normativa e física do projecto de investimento foi realizada na marina velha de Viana do Castelo na presença do promotor. O dossier do promotor encontrava-se bem organizado e com todos os elementos necessários para a verificação normativa do investimento. A verificação física do projecto foi efectuada no local e foi possível verificar todos os investimentos que constam do pedido de pagamento”.
Contabilístico e Financeiro
Apesar de o promotor possuir contabilidade simplificada foi possível verificar alguns lançamentos nomeadamente o extrato onde está referido o recebimento do subsídio, o promotor apresentou ainda os extractos bancários onde consta o pagamento aos fornecedores. No pagamento ao fornecedor F. , Lda., verificámos a seguinte, foi emitido um cheque no valor de €12.500 em 05/11/2012 para pagamento da factura n.º 25/2012 de 05/11/2012 no valor de €12,000 e da factura 12/2012 de 08/07/2012 no valor de €500, o fornecedor emitiu o recibo n.º 42/2012 em 05/11/2012; o cheque é sacado no dia 21/12/2012, nos dias 19/2012 é feito um depósito bancário pelo beneficiário na conta do projecto no valor de €6.000 e no dia 20/12/2012 é efectuado uma transferência bancária pelo dono do estaleiro no valor de €6.500. Foram solicitados esclarecimentos ao promotor sobre esta situação, nosso ofício 24743/2014 de 18/07/2014, o promotor não respondeu. Pensamos estar perante uma situação em que a despesa realmente efectuada pelo promotor não foi a apresentada no pedido de pagamento, uma vez que parte do capital (€6.500) utilizado para a cobertura da despesa foi proveniente do fornecedor, pelo que consideramos inelegível os bens de investimento que constam das facturas 12/2012 e 25/2012 são considerados inelegíveis, o que perfaz um total de €12.500.
Propõe-se que o projecto seja considerado em situação IRREGULAR. - cfr. fls. 6 a 18 do PA.
V. No referido relatório, na parte identificada sob o título “Verificações da Realização Física e Financeira”, no campo 4 “Evidência quanto ao acompanhamento da realização física (quando previstos/necessários)”, consta o seguinte:
a. Quanto ao item “6. concretização dos objectivos definidos para o pedido de apoio, nomeadamente os que contribuem para a avaliação dos critérios que fundamentaram a selecção do pedido de apoio”, indica-se “sim”.
b. Quanto ao item “7. O beneficiário mantém os requisitos de enquadramento nos termos do Regulamento Específico da Medida/Acção ou nos termos do Contrato de atribuição da Ajuda”, indica-se “sim”.
c. Quanto ao item “8. As condições de acesso estão a ser cumpridas com a implementação do pedido de apoio”, indica-se “sim”.
d. Quanto ao item “9. A elegibilidade do investimento realizado está de acordo com a legislação de apoio”, indica-se “sim”.
e. Quanto ao item “10. Os custos e montantes máximos/mínimos elegíveis foram respeitados com a execução do pedido de apoio”, indica-se “sim”.
f. Quanto ao item “11. A análise da razoabilidade da despesa prevista foi realizada de forma a evitar sobre factoração dos investimentos”, indica-se “sim”. - cfr. fls. 6 a 18 do PA.
W. No referido relatório, na parte identificada sob o título “Verificações da Realização Física e Financeira”, no campo 19 “Relativamente aos documentos de despesa”, consta o seguinte:
a. Quanto ao item “11. A análise da razoabilidade da despesa prevista foi realizada de forma a evitar sobre factoração dos investimentos”, indica-se “sim”.
b. Quanto ao item “20. Existência de “recibos de favor”, indica-se “não”, sendo que na nota de rodapé nº 9, se explicita “Recibo cuja data é anterior à data do correspondente pagamento, facto que pode indicar uma prática de antecipação de data de pagamento, face à data efectiva do mesmo, de forma a antecipar o recebimento do subsídio”.
c. Quanto ao item “21. Confirmação do pagamento através de extracto bancário”, indica-se “sim”.
d. Quanto ao item “23. Descontos/anulações não deduzidos à despesa elegível”, indica-se “não”, sendo que na nota de rodapé n.º 10, se explicita “Verifica-se da existência de Notas de Crédito no extracto da conta do fornecedor e de Imobilizado. Esta verificação deverá também ser suportada através da comparação com extractos obtidos da circularização de fornecedores, caso esta se venha a justificar, ou através de uma análise de razoabilidade às contas de descontos obtidos (financeiros e/ou comerciais)” - cfr. fls. 6 a 18 do PA.
X. O Relatório de Verificação Final obteve a concordância da Directora de Serviços de Controlo e Estatística e do Director Regional da Direcção Regional de Agricultura e Pescas do Norte - cfr. fls. 6 do PA.
Y. Em 17/02/2015, foi elaborada proposta no “sentido da abertura do procedimento de recuperação de 54,63% do montante total de 12.500,00€”, na qual consta o seguinte que ora se transcreve:
“(…)
3. A operação foi executada pelo montante aprovado.
4. No relatório n.º 91/2014, conclui a DC da DRAP NORTE, com base nos documentos de despesas (fatura e cheque) e extractos bancários, pela inelegibilidade da despesa de 12.500,00€, respeitante ao pagamento das facturas n.ºs 12/2012 e 25/2012 do fornecedor F. , Lda., pelos seguintes motivos:
- O promotor emitiu um cheque no valor de 12 500,00, em 5/11/2012, para pagamento da factura n.º 25/2012 de 5/11/2012, no valor de 12 000,00€, e da factura n.º 12/2012 de 8/7/2012 no valor de 500,00€, o fornecedor emitiu o recibo n.º 42/2012 em 5/11/2012;
- O cheque é sacado no dia 21/12/2012 e no dia 19/12/2012 é feito um depósito bancário pelo beneficiário na conta do projecto no valor de 6 000,00€ e no dia 20/12/2012 é efectuada uma transferência bancária pelo dono do estaleiro no valor de 6 500,00€.
- Estes movimentos demonstram que parte do capital (6 500,00€) utilizado para a cobertura da despesa foi proveniente do fornecedor.
5. Ao promotor foram solicitados esclarecimentos sobre esta situação, mas não foi obtida resposta.
6. A despesa efectivamente realizada pelo promotor não foi a apresentada no pedido de pagamento, pelo que se considera não elegível a despesa no valor total de 12 500,00€, suportada nas faturas n.º 12/2012 e 25/2012 do fornecedor F. , Lda.” - cfr. fls. 4 do PA cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
Z. Em 26/02/2015, o Gestor do PROMAR apôs a menção de “Concordo” na supra referida proposta e ordenou a remessa “Ao IFAP e DRAP Norte para os devidos efeitos” - cfr. fls. 164 do PA.
AA. Em 27.04.2015, pelo Presidente do Conselho Directivo do IFAP, IP foi proferida “Decisão Final”, com o seguinte teor:
“Finda a fase de instrução no procedimento administrativo (…) cumpre tomar decisão final, o que se faz, nos termos e com os fundamentos seguintes:
…3. A coberto do ofício ref. 24743/29399/2014, de 15/07/2014, que se dá aqui por integralmente reproduzido, foi notificada nos termos dos artigos 100º e 101º do Código de Procedimento Administrativo da situação detetada na visita de verificação levada a efeito pela DRAP-Norte, no dia 26/06/2014.
4. Com efeito, na deslocação supra referida constatou-se com base nos documentos de despesa (factura e cheque) e extractos bancários, a inelegibilidade da despesa de 12 500€ suportada nas facturas n.º 12/2012 e 25/2012 do fornecedor “F. , Lda.” com os seguintes fundamentos:
- No dia 05/11/2012 emitiu um cheque no valor de 12.500,00€ para pagamento da factura n.º 25/2012, de 05/11/2012, no montante de 12.000,00€ e da factura n.º 12/2012, de 08/07/2012, no valor de 500,00€, e o fornecedor “F.” emitiu a factura n.º 42/2012, em 05/11/2012.
- o cheque foi sacado no dia 21/12/2012, no dia 19/12/2012 efectuou um depósito bancário na conta afecta ao projecto no valor de 6.000,00€ e no dia 20/12/2012, efectuada uma transferência bancária pelo dono do estaleiro, no montante de 6.500,00€ a se favor;
- estes movimentos demonstram que parte da despesa relativa à operação foi suportada pelo fornecedor (6.500,00€), e a despesa que efectivamente suportou não corresponde à despesa apresentada no pedido de pagamento no 12.500,00€”
5 - Atentos os factos já mencionados comunicados pela DRAP-Norte a coberto do ofício refª 24743/29399/2014, de 16/07/2014, que não obteve resposta, encontram-se reunidas as condições para determinar a rescisão contratual com devolução de todo o incentivo que foi pago. (…)” - cfr. Doc. n.º 1 da P.I
BB. Através de missiva identificada com a referência 00662/2015DAI-UREC, foi a Autora notificada da supra referida decisão - cfr. Doc. n.º 1 da P.I.

Em sede de factualidade não provada o Tribunal consignou:

Não resultaram provados os demais factos alegados pelas partes, designadamente o que se segue:
1. O ofício referido em T) foi remetido à aqui Autora e foi por esta recepcionado.
Com relevo para a decisão, não subsistem outros factos que o tribunal tenha considerado como não provados.

DE DIREITO

Está posta em causa a sentença que acolheu a leitura da Autora.
Atente-se no seu discurso fundamentador, na parte que ora releva:

Em causa na presente acção administrativa especial, está o pedido de anulação da decisão do IFAP, comunicada mediante ofício nº 00662/2015DAI-UREC, datada de 27.04.2015, que com fundamento na inelegibilidade da despesa de 12.500,00€, suportada nas facturas n.º 12/2012 e 25/2012 do fornecedor “F. , Lda.” determinou unilateralmente a rescisão contratual com o consequente reembolso da quantia de 9.334,20€, a efectuar no prazo de 30 dias, decisão a que são imputadas diversas ilegalidades.
Tal acto foi proferido em sede de uma acção de controlo promovida pelo IFAP, destinada a fiscalizar a forma como a Autora, enquanto beneficiária de ajudas comunitárias efectuou as despesas e a eleger aquelas que cumpriram as obrigações legais e contratuais, mormente de índole financeiro-contabilístico. Neste contexto, o ente fiscalizador considerou inelegíveis as referidas 2 facturas.
A Autor pretende a declaração de nulidade ou anulação do acto que determinou a resolução contratual e a devolução do apoio recebido, estribando-se a sua pretensão no facto do acto enfermar dos vícios de falta de fundamentação, falta de audiência prévia e vício de violação de lei e de usurpação de poderes.
A questão a decidir na presente acção consubstancia-se em aferir da validade do acto impugnado. Mais concretamente, importa apreciar e decidir: (i) se o acto impugnado é nulo por usurpação de poder (por impossibilidade de revogação); (ii) se houve preterição de audiência prévia; (iii) se o acto padece de falta de fundamentação; (iv) se o acto padece de vício de violação de lei; e ainda se, (v) procedendo algum(uns) do(s) vicio(s) apontados, será de repristinar o acto que ordenou o pagamento ao Autor ou se há que condenar a Entidade Demandada a emitir acto administrativo que proceda ao pagamento do montante peticionado pelo Autor.
Vejamos, separadamente, por facilidade de exposição, cada uma das referidas questões.

*
A. Da preterição da formalidade atinente à fundamentação
A Autora sustenta que a decisão impugnada não possui a fundamentação exigível nos termos legais, uma vez que não expõe nem concretiza em que medida o comportamento descrito no ofício constitui uma violação legal que determine a inelegibilidade da despesa e consequente rescisão contratual e restituição do valor comparticipado pelo Réu e recebido pela Autora.
A Entidade Demandada advoga, por seu turno, que a decisão ora impugnada de reposição de verbas indevidamente percepcionadas pela Autor foi fundada nos pressupostos legais do regime de ajudas aplicável, tendo a Autora demonstrado ter alcançado perfeitamente o conteúdo e sentido do acto ora impugnado.
Vejamos.
Os artigos 124.º e 125.º do CPA, em concretização do nº 3 do artigo 268.º da CRP consagram, respectivamente, o dever geral de fundamentação dos actos administrativos e os respectivos requisito, que consiste “na enunciação explicita das razões que levaram o seu autor a praticar o ato e a dotá-lo de certo conteúdo” (Cfr. AMARAL, Freitas, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, Coimbra, Almedina, 2006, p. 346).
Preceitua o artigo 125.º do CPA o seguinte:
“1.A fundamentação deve ser expressa, através da sucinta exposição dos fundamentos de facto e direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respectivo acto.
2. Equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.”.
Impõe-se assim aos órgãos administrativos o dever de exteriorizarem as razões de facto e de direito que estão na base das respectivas decisões, de molde a permitir, entre o demais, ao destinatário normal reconstituir o itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela Administração e dessa forma conhecer as razões pelas quais decidiu em determinado sentido e não noutro – assim, Acórdãos do STA de 07.03.95, P. n.º 34024., de 29.05.2001. P. n.º 46950), do TCAN, de 11/02/2011, P. n.º 00920/06.9BECBR; de 27/05/2011, P. n.º 00090/09.0BEBRG.
Estes normativos correspondem ao cumprimento do postulado no actual artigo 268.º, n.º3 da C.R.P., no qual se consagra o dever de fundamentação e correspondente direito subjectivo do administrado à fundamentação, sendo que, com a consagração de tal dever, se visa harmonizar o direito fundamental dos cidadãos a conhecerem os fundamentos factuais e as razões legais que permitem a uma autoridade administrativa conformar-lhes negativamente a esfera jurídica com as exigências que a lei impõe à administração de actuar, na realização do interesse público, com presteza, eficácia e racionalidade.
Para que cumpra as suas funções deverá permitir que um destinatário médio consiga reconstituir o iter cognoscitivo, bem como as razões, de facto e de direito, que determinaram a adopção de um ato com determinado conteúdo (Cfr. Acórdão STA de 10/09/08, processo nº 65/08, publicado em www.dgsi.pt).
Um acto estará devidamente fundamentado sempre que um destinatário normal possa ficar ciente do sentido dessa mesma decisão, e das razões que a sustentam, permitindo-lhe optar conscientemente entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, impondo à Administração uma ponderação e, por conseguinte, facilita a formação de uma vontade mais esclarecida por parte desta.
Ou seja, fundamentar um ato administrativo consiste em expor o raciocínio de aplicação aos pressupostos que se verificam no caso concreto face às normas jurídicas que regulam tal situação.
Conforme vem decidindo a jurisprudência, a fundamentação é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, porém só é suficiente quando permite a um destinatário aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão. Assim, há suficiência de fundamentação quando um destinatário normal, colocado na situação do real destinatário, apreender as razões de facto e de direito por que o autor do ato actuou como actuou.
A fundamentação tem de ser suficiente e congruente. Será suficiente se contiver os elementos bastantes, capazes ou aptos a basear a deliberação recorrida e congruente se se basear num processo lógico, coerente e sensato, do qual resulte um conjunto de afirmações que não contêm erros de raciocínio - Vieira de Andrade in O Dever de Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos, Coimbra, 1991, p. 227 e ss.
Com efeito, equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que por insuficiência, obscuridade ou incongruência não esclareçam concretamente os motivos de facto e de direito da decisão - n.º 2, do artigo 125.º, do CPA.
Sendo que, e no que interessa aos autos, “(…) O ponto de vista relevante para apreciar se o conteúdo da fundamentação é suficiente é o da compreensibilidade do destinatário médio, postado na situação concreta, devendo dar-se por cumprido o dever legal de fundamentação se a motivação contextualmente externada permitir perceber quais as razões de facto e de direito que determinaram o autor do ato a agir ou a escolher a concreta medida por ele adotada” - Acórdão do TCAN, de 10/05/2012, P.º 01032/07.3BEBRG – não sendo sempre necessária à suficiência da fundamentação de direito “a indicação dos preceitos legais aplicáveis, bastando a referência a princípios jurídicos pertinentes ou a um regime jurídico que definam um quadro legal perfeitamente conhecido ou cognoscível por um destinatário normal, colocado na posição do destinatário real.” - Acórdão do STA de 8/6/2011, P. 68/11.
Ora, ao contrário do sustentado pela Entidade Demandada, o acto impugnado, aferido segundo os critérios de experiência comum e da lógica do homem médio (do bónus pater familias), não se encontra devidamente fundamentado, dado que não contém os elementos e pressupostos de direito necessários e suficientes para esclarecê-la sobre as razões determinantes da decisão tomada, mais propriamente, qual a norma que determina ou legitima a inelegibilidade daquelas despesas e/ou as regras comunitárias ou nacionais eventualmente preteridas que desencadeiam tal conclusão/consequência jurídica, nem a norma fundamento que determina a consequência da resolução contratual em causa.
Com efeito, no caso em apreço, importa analisar a dimensão da exposição dos fundamentos de direito no acto impugnado e, nessa medida, a factualidade apurada não permite concluir que o acto se encontra devida e suficientemente fundamentado quanto ao enquadramento legal que o motivou.
O que se comprova pelo facto de a decisão final proferida pelo IFAP apenas identificar os factos concretos praticados pela Autora, sem cuidar de analisar e externalizar a sua conformidade à luz das normas legais relativas à elegibilidade das despesas para efeitos de atribuição de subsídio, bem assim as que habilitam legalmente a entidade a rescindir o contrato.
O acto em causa é completamente omisso quanto ao elemento de juridicidade em que se suporta a decisão, sendo que estatui o n.º 1 do artigo 125.º do CPA que têm que ser expostos os fundamentos de direito da decisão.
Em boa verdade, além de ser claro que o acto em causa não contém a indicação precisa das normas consideradas violadas, também não é menos correcto que a problemática em causa não se situada num determinado e inequívoco e exclusivo quadro legal, em termos de subsunção dos factos invocados em sede de decisão a uma estatuição claramente perceptível e perfeitamente cognoscível da Autora, do ponto de vista de um destinatário normal.
Conforme se deixou expresso no Ac. STA n.º 01835/02, de 27-05-2003 (disponível para consulta em www. dgsi.pt): “Padecem de vício de falta de fundamentação de direito os actos administrativos que determinam anulação de adjudicação, cancelamento de licença de ocupação da via pública, imediata retirada dos quiosques, sem invocar qualquer preceito legal nem fazer apelo a qualquer princípio, regime jurídico, ou quadro normativo determinado que alicerce tais decisões”.
Ora, a decisão final tomada pelo IFAP, após identificar, em concreto, cada um dos factos apurados, não explica de que forma os mesmos – e se é que entende que viola - se mostram desconformes com as regras nacionais e comunitárias que regulam os critérios de elegibilidade dos pedidos de apoio e de pagamento nas vertentes física, documental e contabilística [v.g. se através da violação das regras relativas à regularidade e da legalidade dos documentos de despesa, ou se envolve outros níveis de elegibilidade, nomeadamente em termos temporais, em sintonia com a legislação aplicável e com o contrato de ajuda comunitária ao qual a Autora se vinculou].
Começando por analisar os motivos fundantes da resolução contratual, preceitua o n.º 1 do artigo 12.º do Decreto-lei n.º 81/2008 que:
“As entidades contratantes podem resolver o contrato celebrado com um promotor, quando ocorra alguma das seguintes situações:
a) Incumprimento pelo promotor das obrigações decorrentes do presente decreto-lei, dos regulamentos que aprovam os regimes de apoio ou dos contratos;
b) Prestação de falsas informações ou informações inexatas ou incompletas, seja sobre factos que serviram de base à apreciação da candidatura, seja sobre a situação do projeto ou falsificando documentos fornecidos no âmbito do projecto”.
Ora, é insofismável que os fundamentos previstos para a resolução do contrato podem arrimar-se nas duas mencionadas causas, essencialmente distintas, sendo que o acto não refere qual em concreto das duas – ou se as duas causas – se verificam no caso em apreço.
De tal forma assim o é, que a primeira norma refere-se a uma panóplia de situações, de índole variada, que podem determinar a resolução, designadamente a violação da juridicidade associada ao Decreto-lei n.º 81/2008, aos regulamentos nacionais e europeus que preveem o regime de apoio e ao clausulado próprio do contrato, exigindo-se a enunciação no acto de resolução que eventualmente se funde na referidas alínea a) das concretas normas violadas para enunciar o incumprimento legal ou contratual presente e que justifica a resolução contratual.
Na verdade, o acto aqui impugnado em momento algum faz referência às normas [v.g. artigo 12.º], ao quadro legal ou aos princípios jurídicos que mobiliza [nacionais ou comunitários atinentes ao regime da inelegibilidade das despesas] para sustentar a sua decisão de rescisão contratual.
Lido o acto com atenção, o esforço para externalizar a fundamentação realizada pela Entidade Demandada cifrou-se a enunciar determinados factos que apurou e a concluir que, como os mesmos não foram impugnados nem rebatidos, iria proceder à rescisão do contrato que a unia ao Autor.
Nos demais elementos disponíveis no processo administrativo e que se fez referência na factualidade pertinente – Relatório de Verificação Final, carta onde a Entidade Demandada solicita esclarecimentos ao Autor, na proposta que sustenta o acto impugnado, e no próprio acto impugnado - claudica qualquer tentativa de se alcançar a referência ao regime jurídico, norma ou princípio em que a Entidade Demandada alicerça a sua decisão de rescisão contratual.
Com efeito, não se pode perder de vista nem aqui deixar de se chamar a atenção que na pretensão deduzida sob a forma de impugnação de um acto administrativo (cfr. artigos 37.º, n.º 1, alínea a), e 51.º ambos do CPTA), estamos diante de um contencioso de mera legalidade, devendo o Tribunal forçosamente formular o juízo sobre a legalidade do acto sindicado em função da fundamentação contextual integrante de facto e de direito, não se quedando (porque vedado) de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, sobretudo as eleitas posteriormente na pendência do meio impugnatório.
Com tem sido jurisprudência sólida e uniforme sobre a matéria e que a título meramente exemplificativo aqui se deixa nota “No contencioso de mera legalidade, como é o caso do processo de impugnação judicial, o tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade do acto sindicado tal como ele ocorreu, apreciando a respectiva legalidade em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto, estando impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, quer estas sejam por ele eleitas, quer sejam invocados a posteriori na pendência do recurso contencioso” - Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 0951/11, datado de 26.02.2014.
Na doutrina, importa, brevis causae, deixar aqui expressas as seguintes posições e notas sobre tal temática:
- MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, volume I, 10.ª edição, pág. 479, que refere que é «irrelevante que a Administração venha, já na pendência do recurso contencioso, invocar como motivos determinantes outros motivos, não exarados no acto», e volume II, 9.ª edição, pág. 1329, onde que diz que «não pode (…) a autoridade recorrida, na resposta ao recurso, justificar a prática do acto recorrido por razões diferentes daquelas que constam da sua motivação expressa»;
- MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, Volume I, pág. 472, onde escreve que «as razões objectivamente existentes mas que não forem expressamente aduzidas, como fundamentos do acto, não podem ser tomadas em conta na aferição da sua legalidade».).
Revertendo tais considerações para o caso em presença, analisado o acto ora impugnado, falha qualquer veleidade da Entidade Demandada procurar apenas em sede contencioso apresentar os fundamentos jurídicos que alegadamente suportam a decisão em crise, pois, a fundamentação tem que ser coeva do acto emitido, não se apresentando a contestação como meio idóneo para a incluir a fundamentação omitida.
Por outro lado, nada se dizendo no acto de que forma essa putativa situação de incumprimento de normas em vigor determina a rescisão do contrato, torna-se difícil perceber as razões que privilegiaram este solução em face de outras soluções menos gravosas para a Autora, mesmo que se verificasse o incumprimento parcial das suas obrigações, designadamente, decidindo pela modificação do contrato, tanto mais que não vem colocado em causa que o projecto foi executado na sua integralidade – vide nesse sentido o artigo 24.º da p.i..
E o que se veio de dizer assume relevância na medida em que coligida a proposta feita pelos serviços, datada de 17.02.2015, e que mereceu o despacho de concordância do Gestor do PROMAR, datado de 26.02.2015, perante a mesma factualidade apenas se propunha a abertura do procedimento de recuperação de 54,63% do montante total de 12.500,00€, e não a rescisão integral do contrato. Desta feita, o acto impugnado mostra-se isolado no panorama do procedimento administrativo a, conclusivamente, determinar a resolução do contrato, quando, perante a exposição dos mesmos factos, quer no relatório de verificação final, que apenas qualificada a situação como irregular, quer na proposta que antecede, apenas se propunha a modificação/restituição parcial do montante.
Assim sendo, por falta de exposição dos fundamentos de direito no acto impugnado, conclui-se pela verificação do vício de falta de fundamentação.
Ora, deste modo, em face de tudo quanto se expendeu, julga-se procedente, por provado, o vício de falta de fundamentação do acto impugnado, o que gera a anulação da decisão impugnada.
*
B) Da preterição do dever de audiência prévia:
A Autora impetra que não foi notificada pelo Réu para o exercício do direito de audiência prévia, o que constituiu um vício de forma e gera a anulabilidade do acto impugnado.
A Entidade Demandada retorquiu que a DRAP Norte, através de ofício com a referência 24743/29399/2014 de 15/07/2014, deu a conhecer as irregularidades detectadas na sequência realização da acção de controlo bem como a possibilidade de se pronunciar sobre a mesma.
Importa apreciar e decidir.
A participação dos cidadãos na formação das decisões administrativas, conforme vem sendo referido pela doutrina e pela jurisprudência, é considerado (como refere o ac. do STA de 03-03-2004, proc. 01240/02) “um princípio estruturante do processamento da actividade administrativa, pois que através dele se possibilita o confronto dos pontos de vista da Administração com os do administrado”.
Está totalmente pacificado no quadro da legislação aplicável ao caso dos presentes autos (CPA na versão anterior à conferida pelo Decreto-Lei n.º 4/2015) que o direito de audiência prévia, consagrado nos artigos 100.º e ss. do CPA e no artigo 267.º, n.º 5 da CRP, impõe à Administração a obrigação de criar as condições fáticas necessárias à garantia de uma efectiva audição dos destinatários de decisão administrativa desfavorável.
Esse princípio vem concretizado no artigo 100º e sgs. do CPA (na redacção aplicável) que tem como finalidade proporcionar aos interessados a possibilidade de se pronunciarem sobre o objecto do procedimento, chamando a atenção do órgão competente para a decisão relativamente aos pontos de vista que pretende sejam analisados no procedimento.
A referida disposição visa, assim dar cumprimento à directiva constitucional de “participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito” (art. 267º n.º 5 da CRP).
O princípio da participação tem consagração expressa no artigo 8º do CPA, que impõe à Administração o dever de "assegurar a participação dos particulares, bem como das associações que tenham por objecto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões que lhes disserem respeito, designadamente através da respectiva audiência nos termos deste Código".
O particular exercerá tal direito mediante notificação que, de acordo com o artigo 101º, nº 2, do CPA deve fornecer os elementos necessários para que fique a conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão.
Revertendo tais considerandos para o caso dos autos, não assiste razão à Entidade Demandada quando pretende demonstrar que o ofício com a ref. nº 24743/29399/2014, de 15/07/2014 veio efectivar e permitir o exercício do direito de audiência previa.
Desta feita, primo conspectu, tal como resulta dos factos não provados em 1), ficou por provar nos autos que tal ofício chegou à esfera de conhecimento da Autora, e, estando nesta parte uma pretensão impugnatória, cabia à Entidade Demandada a demonstração dos pressupostos de facto e de direito do acto, bem como a observância das regras formais e demais tramitação procedimental. Ora, sem prejuízo de se fazer referência ao aviso de recepção nesse mesmo ofício, coligido o procedimento administrativo e à prova junta na fase judicial não se encontra presente qualquer aviso de recepção relativo a tal ofício.
Contudo, ainda que assim não fosse, perspectivando o teor do ofício em presença, e confrontando com as exigências legais, a comunicação em causa não contém, ainda que implicitamente o sentido provável da decisão (designadamente a rescisão do contrato), nem nele se encontram previstos os elementos mencionados no artigo 101º n.º 2, do CPA.
Ficando por demonstrar que a Autora foi notificada validamente para o exercício do direito à audiência prévia, impõe-se concluir que merece provimento o vício de preterição dessa formalidade e garantia dos particulares, a determinar a anulabilidade do acto em sindicância.
*
C) Violação do artigo 141.º do CPA:
(…)
Improcede, desta forma, a apontada causa de ilegalidade.
*
D. Da alegada usurpação de poderes:
(…)
Concluindo-se portanto que, no presente caso, inexiste usurpação de poderes.
*
E. Do vício de violação de lei:
A Autora afirma que o acto padece de vício de violação de lei, porquanto a Autora não praticou nenhum irregularidade ou ilegalidade que impusesse a revogação do contrato celebrado e que a vinculava à Entidade Demandada, uma vez que os trabalhos foram efectivamente realizados na embarcação da aqui Autora pelo estaleiro “F.”, tendo este emitido as facturas n.ºs 25/2012, de 05 de Novembro de 2012 e 12/2012, de 08/07/2012, as quais foram pagas pela Autora, e foi emitido o respectivo recibo n.º 42/2012.
Mais difícil se torna expor ou enunciar as razões constantes no despacho que determinou a revogação do contrato com a concomitante restituição das quantias, desde logo porque é inelutável que, pese embora se enuncie um conjunto de factos, não vem concretizado o fundamento legal ao abrigo do qual se funda a decisão em causa, nos termos já sustentados em sede de apreciação do vício de falta de fundamentação.
Os factos relatados no ofício em causa são os seguintes, mostrando-se os mesmos parcialmente apreendidos nos autos, conforme consta nos pontos P) e K) dos factos assentes que a Autora não dissente [com a excepção do ponto 3 claramente conclusivo ou interpretativo]:
- No dia 05/11/2012 emitiu um cheque no valor de 12.500,00€ para pagamento da factura n.º 25/2012, de 05/11/2012, no montante de 12.000,00€ e da factura n.º 12/2012, de 08/07/2012, no valor de 500,00€, e o fornecedor “F.” emitiu a factura n.º 42/2012, em 05/11/2012.
- o cheque foi sacado no dia 21/12/2012, no dia 19/12/2012 efectuou um depósito bancário na conta afecta ao projecto no valor de 6.000,00€ e no dia 20/12/2012, efectuada uma transferência bancária pelo dono do estaleiro, no montante de 6.500,00€ a se favor;
- estes movimentos demonstram que parte da despesa relativa à operação foi suportada pelo fornecedor (6.500,00€), e a despesa que efectivamente suportou não corresponde à despesa apresentada no pedido de pagamento no 12.500,00€”
O Réu apenas na contestação apresentada em juízo é que enquadra juridicamente a factualidade apurada no âmbito do procedimento administrativo. Sustenta o Réu já em juízo que o pagamento da ajuda ao beneficiário seria efectuado a título de reembolso e após verificação do respeito dos critérios de elegibilidade, o que torna obrigatória a apresentação pelo beneficiário de documentos comprovativos da despesa paga e realizada, e que in casu não ocorreu a efectiva liquidação dos valores constantes das facturas.
Alega que a Autora montou um “esquema” que se traduziu nas seguintes operações: com a finalidade de entregar no Réu os documentos comprovativos da realização da despesa e, porque era necessário demonstrar através de extracto bancário a transferência, os fornecedores transferiam para a conta da Autora igual montante, sendo que assim a Autora não procedeu a qualquer pagamento, nem desembolsou qualquer montante. Pelo que com este comportamento prestou falsas informações ou informações inexactas ou incompletas sobre a situação do projecto ou falsificando documentos fornecidos no âmbito do projecto, constituindo causa de revogação do contrato por força da alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º do Dl n.º 81/2008, de 16 de Maio.
Também alega que uma vez que a decisão de pagamento do subsídio baseou-se em factos incorrectos e é incompatível com o Direito Comunitário e Nacional, pode ser revogada, considerando que, fruto do controlo documental efectuado, se apurou que o investimento realizado violava o disposto n.º 1685/2000 de 28 de Julho.
Desde logo importa fazer um conjunto de precisões quanto à argumentação expendida pela entidade em sede de contestação, dado que em momento algum do procedimento vem definido ou configurado a resolução do contrato como consequência da violação das regras de elegibilidade previstas no regulamento n.º 1685/2000, de 28 de Julho.
A contestação sustenta ainda a decisão tomada na circunstância de os “Fornecedores” terem transferido para a conta da Autora em igual montante ao que consta nos comprovativos da realização das despesas. Contudo, tal não se verifica no plano dos factos provados, posto que na realidade o que ocorreu e ficou demonstrado nos autos é que foi o L., pessoalmente, que emprestou a quantia à Autora, para pagamento parcial do serviço de remodelação prestado, tendo a Autora pelo menos suportado a quantia de 6.000,00€.
Embora, como já referido, não venha em lado algum alegado o enquadramento jurídico que a Entidade Demandada sustenta a sua decisão, depreende-se do relatório final de execução que a desconformidade detectada na execução do projecto da Autora assenta na circunstância de o gerente e sócio único da sociedade “F.”, ainda que por intermédio da conta pessoal, ter transferido para a Autora dinheiro, em valor parcelar ao do serviço por ele facturado. Considerando a Entidade Demandada, por esse facto, que a despesa da Autora para com a “F.” não foi efectivamente paga, logo é inelegível para efeitos de pagamento no quadro do projecto aprovado à Autora, bem assim por constituir prestação de falsas declarações.
Deste modo, a primeira questão a solucionar passa em saber na situação em apreço se as despesas foram efectivamente pagas e portanto se poderiam ou não ser qualificadas como despesas elegíveis.
Numa segunda fase apenas se apreciará se a entrega de documentos criavam a aparência do cumprimento das referidas regras de elegibilidade, de modo a permitir a libertação do subsídio sem que efectivamente tenha a Autora desembolsado qualquer montante, prestando, dessa forma e no entendimento do Réu, falsas declarações ou, contrariamente, se ocorreu a materialidade das operações financeiras reportadas pela Autora no pedido de pagamento.
Vejamos, então.
O Decreto-lei n.º 81/2008, de 16 de maio estabelece o enquadramento nacional dos apoios a conceder ao sector da pesca no âmbito do Programa Operacional Pesca 2007-2013, doravante designado por PROMAR, no quadro do Fundo Europeu das Pescas (FEP), aprovado pelo Regulamento (CE) n.º 1198/2006, do Conselho, de 27 de julho, cujas normas de execução constam do Regulamento (CE) n.º 498/2007, da Comissão de 26 de março e do Plano Estratégico Nacional (PEN) (cfr. artigo 1.º do DL mencionado), sendo a concessão do apoio regulada pela Portaria n.º 823/2010, de 30 de Agosto.
Nos termos do artigo 7.º do Decreto-lei n.º 81/2008, de 16 de maio, “os apoios financeiros a conceder ao abrigo dos regimes de apoio podem assumir a forma, cumulativa ou não, de:
a) Apoios directos:
i. Subsídios a fundo perdido;
ii. Prémios;
iii. Subsídios reembolsáveis (…) ”
Por seu turno, preceitua o artigo 11.º do DL referido que “sem prejuízo de outras obrigações fixadas nos diplomas que regulamentem os regimes de apoio do PROMAR ou nos contratos previstos no artigo 9.º constituem obrigações dos promotores:
a) (…)
f) Manter toda a documentação relativa ao projeto organizada até três anos após a data de encerramento do PROMAR, incluindo, nomeadamente documentos suscetíveis de comprovar as informações
Por sua vez, o artigo 12.º, n.º 1 do DL mencionado estabelece o regime de resolução por incumprimento. Nos termos do preceito legal referido “1 — As entidades contratantes podem resolver o contrato celebrado com um promotor, quando ocorra alguma das seguintes situações:
a) Incumprimento pelo promotor das obrigações decorrentes do presente decreto-lei, dos regulamentos que aprovam os regimes de apoio ou dos contratos;
b) Prestação de falsas informações ou informações inexatas ou incompletas, seja sobre factos que serviram de base à apreciação da candidatura, seja sobre a situação do projeto ou falsificando documentos fornecidos no âmbito do projecto.
Considerando as disposições nacionais referidas, estando em causa fundos comunitários, para efeitos de compreensibilidade do conceito mobilizado pela Entidade Demandada – despesas efectivamente paga - tem que se recorrer aos dispositivos legislativos comunitários que versam sobre a matéria em termos de evolução legislativa.
A definição de despesa efectivamente paga encontrava-se plasmada no artigo 32º, n.º 1 do Regulamento CE n.º 1260/1999, de 21 de Junho de 1999, que estabelecia disposições gerais sobre os Fundos estruturais, a qual se consubstancia no seguinte “Os pagamentos intermédios ou do saldo serão referentes às despesas efectivamente pagas, que devem corresponder a pagamentos executados pelos beneficiários finais e justificados por facturas pagas ou documentos contabilísticos com um valor de prova equivalente.”.
Dando execução, nos termos do disposto no artigo 53.º ao Reg. (CE) nº 1260/1999 do Conselho de 21.06, a Comissão, entre outros, aprovou o Reg. n.º 1685/2000 da Comissão, de 28.07.2000 (posteriormente alterado pelos Regulamentos (CE) nº 1145/2003 da Comissão de 27.06 e pelo Reg. (CE) nº 448/2004 da Comissão de 10.03.2004), relativo à elegibilidade das despesas no âmbito das operações co-financiadas pelos Fundos Estruturais, conforme regras gerais definidas no artº 30º do Reg. nº 1260/99.
Além disso, em abono da verdade, a definição constante no artigo 89.º da contestação não se mostra fiel à redacção do Reg. nº 1685/2000 dada pelo Reg. (CE) nº 448/2004, que revogou a parte aí citada “Além disso, nos casos em que a execução das operações não esteja sujeita a um procedimento de consulta ao mercado, os pagamentos executados pelos beneficiários finais têm de ser justificados por despesas efectivamente liquidadas (incluindo os encargos referidos no pomo 1.4) pelos organismos ou empresas públicas ou privadas relevantes, no âmbito da execução da operação”.
Ora, a anexo ao Reg. (CE) nº 1685/2000 fixava as regras de elegibilidade das despesas, sendo estabelecida como primeira regra que as despesas tenham sido efectivamente pagas.
Regra nº 1.1. “os pagamentos executados pelos beneficiários finais, nos termos do nº 1, terceiro paragrafo, do artigo 32º do Reg. (CE) nº 1260/1999 (seguidamente designado «regulamento geral», serão pagamentos em dinheiro, salvo as excepções indicadas no ponto 1.”. - redacção dada pelo Reg. nº 448/2004 (CE) de 10.03.2004.
De acordo com o previsto no ponto 2.1º, parágrafo, do referido Anexo, na redacção dada pelo Regulamento 2004 “regra geral, os pagamentos executados pelos beneficiários finais, declarados como pagamentos intermédios e pagamentos do saldo final, devem ser comprovados pelas respectivas facturas pagas. Se tal não for possível, os pagamentos devem ser comprovados por documentos contabilísticos de valor probatório equivalente”.
E na segunda parte do seu n.º 2.3: “Em todos os outros casos, incluindo a concessão de subvenções públicas, os pagamentos executados pelos beneficiários finais, declarados como pagamentos intermédios e pagamentos do saldo final, têm de ser comprovados por despesas efectivamente pagas (incluindo as despesas referidas no ponto 1.5) pelos organismos ou empresas públicas ou privadas envolvidos na execução da operação.”
Do cotejo das normas em causa verifica-se que a legislação europeia pressuponha o preenchimento de três requisitos de verificação cumulativa, de modo a que se possa qualificar uma despesa como despesa efectivamente paga: um pagamento, executado pelo beneficiário final e justificado por facturas ou documentos contabilísticos com força probatória equivalente.
Como vimos, o Fundo Europeu de Pescas foi instituído através do Regulamento (CE) nº 1198/2006 do Conselho de 27 de Julho de 2006, que no artigo 55º, n.º 4, refere que as regras sobre a elegibilidade das despesas são da competência das autoridades nacionais, no respeito pelas determinações quanto a essa elegibilidade constantes do próprio regulamento. No que tange com a efectividade da despesa realizada, o n.º 1 do referido artigo 55º preceitua enquanto requisito de elegibilidade da despesa o seguinte “As despesas são elegíveis para uma participação do FEP se tiverem sido efectivamente pagas pelos beneficiários entre a data de apresentação do programa operacional à Comissão ou entre 1 de Janeiro de 2007, consoante o que ocorrer primeiro, e 31 de Dezembro de 2015. As operações co-financiadas não podem ter sido concluídas antes do início da data de elegibilidade”.
Sucede, por seu turno, que o Regulamento CE n.º 1260/1999, de 21 de Junho de 1999 foi revogado pelo Regulamento (CE) n.º 1083/2006 do Conselho, de 11 de Julho de 2006 que estabelece disposições gerais sobre o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, o Fundo Social Europeu e o Fundo de Coesão [cfr. artigo 107.º], que versa unicamente no artigo 56.º sobre as regras atinentes à elegibilidade das despesas.
Preceitua o referido dispositivo legal:
“1. As despesas, incluindo para grandes projectos, são elegíveis para uma participação dos fundos se tiverem sido efectivamente pagas entre a data de apresentação dos programas operacionais à Comissão ou entre 1 de Janeiro de 2007, consoante o que ocorrer primeiro, e 31 de Dezembro de 2015.
As operações não podem ter sido concluídas antes do início da data de elegibilidade.
4. As regras relativas à elegibilidade das despesas são fixadas a nível nacional, sem prejuízo das excepções previstas nos regulamentos específicos para cada fundo. As referidas regras abrangem a totalidade das despesas públicas declaradas a título do programa operacional”.
E, por outra banda, o regulamento CE n.º 1685/2000 de 28 de Julho de 2000, relativo às regras de execução do Regulamento (CE) n° 1260/1999 do Conselho no que diz respeito à elegibilidade das despesas no âmbito das operações co-financiadas pelos Fundos estruturais, foi revogado pelo Regulamento (CE) n.º 1828/2006 da comissão, de 08 Dezembro de 2006 [artigo 54.º], que prevê as normas de execução do Regulamento (CE) n.º 1083/2006 que estabelece disposições gerais sobre o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, o Fundo Social Europeu e o Fundo de Coesão e do Regulamento (CE) n.º 1080/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo ao Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional.
Em face do que aqui se expôs, analisadas as coordenadas normativas que conformam e regulam especificamente o Fundo Europeu de Pesca através do qual se co-financiam as candidaturas de que a Autora se mostra beneficiária, não consta qualquer noção ou conceito operativo [densificado] de despesa efectivamente paga, pelo menos não da forma constante do Regulamento CE n.º 1260/1999, de 21 de Junho de 1999, que, entretanto foi revogado pelo Regulamento (CE) n.º 1083/2006 do Conselho, de 11 de Julho de 2006, sendo que as regras relativas à elegibilidade das despesas são fixadas a nível nacional, sem prejuízo das excepções previstas nos regulamentos específicos de cada Fundo.
A primeira conclusão que impõe extrair é que a norma fundante na contestação e que serviria para estribar o conteúdo decisório do acto – ou alegadamente fundante, dado que não se pode perder de vista que nenhum foi mobilizado –, isto é, o Regulamento n.º 1685/2000 de 28 de Julho [vide artigo 96.º da contestação] não se poderá mostrar violado, na exacta medida em que não se encontra em vigor.
Todavia, ainda que atentamos aos critérios previstos no quadro de vigência do Regulamento CE n.º 1260/1999, de 21 de Junho de 1999, para aquilo que se deveria entender como despesa efectivamente paga (pagamento feito pelo beneficiário final comprovado documentalmente por factura ou documento com força probatória equivalente), também não se assoma, compulsada a matéria de facto, que foram violadas as características delineadas nos instrumentos legislativos comunitários que encerravam o conceito em apreço.
Isto é, ainda que tal conceito e requisitos não sejam directamente aplicáveis, e como tal careça de sentido invocar que a sua violação constitui causa de resolução contratual [eventualmente se invocando o incumprimento pelo promotor das obrigações decorrentes dos regulamentos que aprovam os regimes de apoio ou dos contratos (vide artigo 12.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-lei n.º 81/2008)], no caso dos autos não é possível colocar em causa a materialidade do pagamento realizado pela Autora à “F.”, consubstanciado na existência do concreta transferência de dinheiro do beneficiário através do desconto em 21.11.2012 do cheque emitido pela Autora à “F.”, quem prestou ou executou as prestações, os bens ou os serviços incluídos dentro da candidatura que lhe foi aprovada.
Por outro lado, quando a lei exige ainda que essa despesa para além de realizada esteja paga quer dizer que a respectiva obrigação esteja cumprida.
Embora não aplicadas aquelas normas que vimos de citar, a exigência de prova de pagamento através de quitação e facturas pagas resulta também aplicável por via dos termos gerais do direito. Como o cumprimento se presume com a quitação (art. 786º, 1, do C. Civil), a prova do cumprimento da obrigação é feita através do recibo de quitação. Daí que para efeitos contabilísticos a despesa seja justificada com dois documentos: a factura e o recibo ou documento de quitação.
In casu, do cotejo da factualidade considerada assente resulta que a Autora se candidatou ao apoio PROMAR para remodelação da embarcação “IVONE” e abrangia a rúbrica de investimento: casco, superestruturas e arranjos internos, num total de investimento de 12.500,00€.
Ora, mostra-se assente que as facturas n.ºs 42/2012 e 12/2012 em questão foram emitidas pelo fornecedor em 05.11.2012 e 08.07.2012; que o cheque para o seu pagamento foi emitido em 05.11.2012; o fornecedor entregou à ora Autora o correspondente recibo em 05.11.2012; que aquele fornecedor procedeu ao desconto do cheque em 21.12.2012. Ficou efectivamente comprovado que nesta última data saiu da conta bancária da Autora – movimento a débito - e foi recebido pelo estaleiro o montante de 12.500,00€ - cfr. factualidade assente em H).
É assertivo que a finalidade das ajudas pagas no âmbito do Programa PROMAR, é a de reembolsar o beneficiário das despesas realizadas e não a de conceder capital para o financiamento de um determinado projecto e, por outro lado, as despesas em causa devem estar alicerçadas em concretas e reais prestações de facto. Ora, no caso sub judice, as condições de execução do contrato revelam precisamente que o contrato foi cumprido e executado [cfr. factualidade assente em F] e não vem indicada norma cuja violação permita desconsiderar as despesas que foram efectuadas em conformidade com as exigências impostas pelo contrato.
A despesa, para efeitos de ajudas comunitárias, só pode ser considerada como efectivamente realizada quando haja o pagamento efectivo, nomeadamente a transferência de determinada quantia da conta do beneficiário para a conta do fornecedor. No caso dos autos, a despesa efectivamente paga corresponde a um efectivo e real pagamento por parte da beneficiária da ajuda comunitária ao seu fornecedor, sendo verificado através da análise das datas dos documentos de despesa e dos modos de pagamento – desconto do cheque de forma regular [permitindo ao credor entrar na posse imediata da quantia a que tem direito].
Com pertinência para a análise da validade do acto impugnado, resulta provado pela verificação realizada pela entidade demandada:
- O beneficiário mantém os requisitos de enquadramento nos termos do Regulamento Específico da Medida/Acção ou nos termos do Contrato de atribuição da Ajuda
- A elegibilidade do investimento realizado está de acordo com a legislação de apoio
- Os custos e montantes máximos/mínimos elegíveis foram respeitados com a execução do pedido de apoio
- A análise da razoabilidade da despesa prevista foi realizada de forma a evitar sobre factoração dos investimentos
- Inexistiu recebido de favor
- O pagamento encontra-se confirmação do pagamento através de extracto bancário
- inexistiu descontos/anulações à despesa elegível.
- cfr. facto assente em V).
A nosso ver o que é relevante para esclarecer o conceito de “despesa paga” e “despesa realizada” é, antes de mais a despesa tenha sido realizada, isto é, o gasto ou custo tenha ocorrido. O certo é que no caso dos autos, tal ocorreu em 05.11.2011 com a emissão do cheque ou no limite com o concreto desconto do cheque em 21.11.2012, data que a Autora entregou ao credor as quantias monetárias, traduzido no respectivo documento bancário que titula os movimentos bancários.
No entanto, no caso presente, o facto de ter ocorrido um empréstimo a título pessoal do sócio gerente em data anterior, em 19.12.2012, não consente, sem mais e por si só, que se conclua que a despesa em causa não foi realizada e paga na data indicada, nem alterar a natureza formal da operação ocorrida em 21.12.2012, data em que o cheque é sacado.
Nessa perspectiva a jurisprudência quanto a esse temática – elegibilidade da despesa efectivamente realizada decorrente da ocasião do pagamento - obriga a que estejam compreendidas no período de elegibilidade a contabilização das facturas e recibos relativos às despesas correspondentes às actividades financiadas e ocorridas nesse período não relevando para efeitos de elegibilidade, o momento em que se efectue o respectivo movimento bancário, sendo o recibo (ou outro documento de quitação fiscalmente aceite) o documento comprovativo do pagamento de determinada quantia – Acórdão do TCA Norte, de 09.06.2010, proferido no processo n.º 00586/06.6BEPNF, e de 30.04.2009, proferido no processo n.º 01146/7.0BEBRG.
Assim, no caso sub judice cremos que outra solução não existe, que não seja a de considerar que o pagamento relativo às despesas cuja elegibilidade é questionada se mostra comprovada pela emissão, no período elegível, da respectiva factura, do cheque para pagamento da mesma e do correspondente recibo, sendo claro que o pagamento – movimento bancário associado ao desconto do cheque - foi efectivamente efectuado [em 20.12.2012] em data anterior á formulação do pedido de pagamento [em 26.12.2012].
Embora a Entidade Demandada faça apelo à figura das despesas efectivamente pagas, por esse prisma, resultando do relatório de controlo e ficando demonstrado que o recibo, também designado de documento de quitação, na data em que foi emitido ainda não se encontrava efectivamente liquidado mas que na data em que foram apresentados os respectivos pedidos de pagamento no IFAP, as facturas já se encontravam efectivamente pagas por meio do cheque dado como meio pagamento pela Autora, atendendo à data do respectivo cheque e ao facto do desconto ser posterior à emissão do recibo, não se pode abalar a materialidade do pagamento.
Por outro lado, a despesa realizada não se mostra, em nenhum dos sentidos, simulada, não apenas porque houve um pagamento [deslocação patrimonial da esfera do Autor para a esfera da “F.” no valor facturado], mas porque existiu o elemento corpóreo e material da relação jurídica (a “F.” executou na totalidade a obra para a qual a Autora a contratou pelo valor razoável ou de mercado); assim como a “F.” facturou a obra realizada e a quantia facturada correspondente ao pagamento que deu entrada na “F.”.
Tanto assim é que, em sede de controlo documental, aquando da apresentação a pagamento, a Entidade Demandada atestou a regularidade e conformidade da operação, as quais, segundo se entende, não se mostram abaladas pelo facto de a candidatura executada pelo beneficiário ter sido objecto de recurso a fontes de financiamento que não do próprio, dado que não resulta da lei – ou pelo menos de nenhum normativo invocado – que sancione tal comportamento.
Atenta a factualidade apurada, a rescisão operada no acto impugnado não pode estar fundamentada na alínea a) do artigo 12.º do Decreto-lei n.º 81/2008, à míngua da falta de alegação e demonstração de normativos violados. Igualmente, não se constata que a Autora tenha prestado falsas informações ou informações inexactas ou incompletas, muito menos que incorreu em qualquer prática de falsificação de documentos, pelo que não poderá a rescisão operada pelo acto impugnado obter guarida nesta alínea b) artigo 12.º do Decreto-lei n.º 81/2008.
Ao invés, o que se passou no caso sub judice foi que o desconto do cheque [e não a sua emissão] é que ocorreu muito depois de ter sido passado o recibo, sendo que o pedido de pagamento e autorização de pagamento ocorreu após o movimento bancário relativo ao pagamento de uma despesa elegível. No demais, a documentação junta pela Autora demonstra a materialidade e efectividade das operações [na sua tríplice dimensão: execução da obra, emissão da factura e posterior pagamento], como vimos, ficando por demonstrar por isso mesmo que os documentos apenas visam criar a aparência – sem substrato - do cumprimento formal das regras de elegibilidade.
O que, efectivamente, de relevante decorre da argumentação da argumentação prende-se, em grande parte, com questões interpretativas que são, de forma enviesada, introduzidas pela entidade demandada através da figura de despesas não efectivada [pagamento não efectivado/provado], porquanto a Entidade Demandada apenas parece, no plano real, proceder à desconsideração [uma espécie de anulação] da despesa efectuada pela Autora junto da “F.”, em razão de ter constado movimentos na conta bancária a crédito, traduzidos na transferência realizada pelo sócio único da “F.”, no sentido de considerar que a Autora não incorreu em despesa no valor 6.500,00€ e, nessa decorrência, não pagou tal valor.
Deste modo, incontroverso que é a materialidade do pagamento, quanto muito se poderá discutir é a natureza e legitimidade do financiamento que permitiu à Autora ser portadora dos meios monetários necessários a proceder ao pagamento [efectivo] em causa, mas que, em todo o caso, não permite sustentar, à falta de norma habilitante, a desqualificação ou desconsideração do pagamento em causa, parcial ou integralmente, como faz a entidade demandada, o que sempre abala os pressupostos da decisão.
A Entidade Demandada não sustentou em juízo que existia no plano legal ou regulamentar aplicável, de influência nacional ou comunitária, nem concatenada toda a sistemática do sistema de atribuição de fundos, a proibição ou limitação de que os investimentos realizados no âmbito dos projectos aprovados em candidaturas fossem suportados com recurso a fontes de financiamento externos ao próprio beneficiário, nem invocou normas ou princípios que permitam circunscrever negativamente os potenciais financiadores.
Assim sendo, inexiste norma legal, de base nacional ou comunitária, que permita à Entidade Demanda classificar como não efectivas [ilegíveis] despesas que materialmente foram pagas pelo Autor à “F.”.
A factualidade apreendida nos autos nada tem a ver com as situações em que o cheque é emitido após ter sido passado o recibo ou depois de se ter solicitado o pagamento dos apoios à entidade competente, dado que nestas situações, a despesa terá necessariamente de considerar-se inelegível [cfr. acórdão do TCA Sul, proferido no processo 01365/16].
Desta forma, segundo se entende, a jurisprudência citada pela Entidade Demandada não se mostra aplicável à situação presente dos autos, dado que nela - cfr- jurisprudência citada e aquela citada na presente decisão -, os Tribunais Superiores foram chamados a emitir pronúncia em situações em que não foi dado cumprimento de forma e temporalidade dos documentos e pagamentos das despesas apresentadas, bem ao contrário da situação dos presentes autos, quando a materialidade do pagamento se mostra consolidada em momento anterior ao pedido de pagamento, o que permite qualificar a despesa como efectivamente paga e por isso mesmo legível.
Desta feita, a situação consubstanciada no empréstimo de um montante equivalente que permita à Autora proceder ao pagamento do subsídio não se enquadra no disposto no artigo 12.º, n.º1, al. b) do Decreto-lei n.º 81/2008, de 16 de Maio, contrariamente ao vertido pela entidade demandada, e denota a inexistência tanto de circunstâncias de facto como de norma habilitante que permita decisão de rescisão contratual e revogação do acto que determinou o pagamento dos apoios à Autora, o que gera a anulação do acto impugnado.
Julgada procedente a referida causa de invalidade, assim como mostrando-se verificados os vícios resultantes da falta de fundamentação, da preterição da audiência prévia, em função da procedência da pretensão anulatória, está a Entidade Demandada constituída no dever de reconstruir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado (cfr. art. 173º do CPTA).
X

Constitui entendimento unívoco da doutrina e obteve consagração legal o de que o objecto do recurso jurisdicional se encontra delimitado pelas conclusões extraídas da motivação, por parte do recorrente, não podendo o tribunal ad quem conhecer de matéria que nelas não tiver sido versada, com ressalva óbvia, dos casos que imponham o seu conhecimento oficioso.

Do erro de julgamento de direito -

É objecto de recurso a sentença de 22/05/2019, através da qual foi julgada procedente a acção administrativa, porquanto entendeu o Tribunal que “(…) por falta de exposição dos fundamentos de direito no acto impugnado, conclui-se pela verificação do vício de falta de fundamentação”; entendeu também que “(…) ficando por demonstrar que a Autora foi notificada validamente para o exercício do direito à audiência prévia, impõe-se concluir que merece provimento o vício de preterição dessa formalidade e garantia dos particulares, a determinar a anulabilidade do acto em sindicância”, entendendo ainda que a “(…) situação consubstanciada no empréstimo de um montante equivalente que permita à Autora proceder ao pagamento do subsídio não se enquadra no disposto no artigo 12.º, n.º 1, al. b) do Decreto-lei n.º 81/2008, de 16 de Maio, contrariamente ao vertido pela entidade demandada, e denota a inexistência tanto de circunstâncias de facto como de norma habilitante que permita decisão de rescisão contratual e revogação do acto que determinou o pagamento dos apoios à Autora, o que gera a anulação do acto impugnado”.

Sentenciou-se, assim, que, em função da procedência da pretensão anulatória, está a Entidade Demandada constituída no dever de reconstruir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado.

Segundo o Apelante a decisão fez uma incorreta interpretação dos factos e do direito aplicável.

Cremos que lhe assiste razão.

Vejamos:
Ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, a Autora apresentou candidatura para uma operação no âmbito da Medida Investimentos a Bordo e Seletividade - Equipamentos e Trabalhos de Modernização do PROMAR - Programa Operacional Pesca, que se enquadra no Regulamento (CE) nº 1198/2006, de 27 de julho, regida a nível nacional pela Portaria nº 424-F, de 13/06/2008 com o respetivo termo de aceitação.

A esta operação é aplicável a legislação relativa à Medida 1.4 “Pequena Pesca Costeira” do PROMAR - Programa Operacional Pesca 2007-2013, que se enquadra no Regulamento (CE) n° 1198/2006, de 27 de julho, alterado pelo Regulamento (CE) nº 387/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho de 19 de abril, regida a nível nacional pela Portaria nº 823/2010, de 30 de agosto.
Como alegado, no âmbito dos apoios cofinanciados pelo FEP estamos perante um “pagamento a título de reembolso”, isto é, um pagamento realizado ao beneficiário mediante autorização de despesa emitida após verificação do respeito dos critérios de elegibilidade e que envolve a apresentação, pelo beneficiário, de documentos comprovativos da despesa realizada e paga.

Assim, considera-se despesa elegível a despesa efetivamente paga, perfeitamente identificada e claramente associada à concretização de uma operação, cuja natureza e data de realização respeitem a regulamentação específica da Medida/Ação em causa, bem como as regras nacionais e comunitárias aplicáveis.

Os documentos de despesa são os que comprovam a realização e pagamento das despesas apresentadas a reembolso, designadamente faturas liquidadas, o respetivo modo de pagamento através de transferência bancária, débito em conta ou cheque ou ainda, de documentos contabilísticos de valor probatório equivalente (por exemplo, a Venda a Dinheiro e o talão de pagamento de serviços efetuado através de Multibanco constituem documentos de quitação com valor probatório e a nota de honorários constitui documento equivalente a fatura, desde que apresentada conjuntamente com o modo de pagamento).

São elegíveis os pagamentos efetuados pelos beneficiários, comprovados pelas respetivas faturas efetivamente pagas, bem como a condição geral do contrato de atribuição de ajudas/termo de aceitação, de acordo com a qual o pagamento das ajudas depende da apresentação de comprovativos e da aplicação dos fundos pelos beneficiários (ou seja, do pagamento efetivo das despesas).

A entrega de um pedido de pagamento/reembolso, representa a declaração pelo promotor, de que para a execução do projeto e, em consequência, a despesa se encontra efetivamente paga e, por conseguinte, pressupõe a realização dos investimentos e o efetivo pagamento das despesas (cujo reembolso veio solicitar), o que, no caso concreto, posteriormente, se verificou não ter sucedido.

No referido pedido de pagamento a aqui recorrida, para além de preencher os impressos específicos, juntou os comprovativos da despesa projectada.
A 22/10/2014 através do relatório de verificação final nº 91/2014, levado a efeito pela DC da DRAP NORTE, esta entidade concluiu, com base nos documentos de despesa, meios de pagamento e extractos bancários, pela inelegibilidade da despesa total de 12.500,00€, suportada pelas faturas nºs 12/2012 e 25/2012 do fornecedor F. , Lda., pelos seguintes motivos:
-no dia 05/11/2012 foi emitido pela promotora um cheque no valor de 12.500,00€, para pagamento da fatura nº 25/2012, de 05/11/2012, no montante de 12.000,00€ e da fatura nº 12/2012, de 08/07/2012, no valor de 500,00€, e o fornecedor “F.” emitiu o recibo nº 42/2012, em 05/11/2012; -o supra mencionado cheque foi sacado no dia 21/12/2012; no dia 19/12/2012 tinha sido efetuado um depósito bancário, pela beneficiária, na conta afeta ao projeto no valor de 6.000,00€ e no dia 20/12/2012 foi efetuada uma transferência bancária, pelo dono do estaleiro, no montante de 6.500,00€ a seu favor;
-estes movimentos demonstram que parte da despesa relativa à operação foi suportada pelo fornecedor (6.500,00€);
-a despesa efetuada pela promotora não foi na realidade a que foi apresentada no pedido de pagamento no valor de 12.500,00 €.
Face ao exposto concluiu-se que “a despesa efectivamente realizada pelo promotor não foi apresentada no pedido de pagamento, pelo que se considera não elegível a despesa no valor de €12.500,00 suportada nas faturas nºs 12/2012 e 25/2012 do fornecedor F., Lda.”. Os factos em apreço conduziram à resolução do contrato de atribuição de apoio para um investimento elegível no valor total de €12.500,00, com a devolução de 54,63 % deste valor.

No entanto entendeu o Tribunal a quo que (…) o que, efectivamente, de relevante decorre da argumentação prende-se, em grande parte, com questões interpretativas que são, de forma enviesada, introduzidas pela entidade demandada através da figura de despesas não efectivadas [pagamento não efectivado/provado], porquanto a Entidade Demandada apenas parece, no plano real, proceder à desconsideração [uma espécie de anulação] da despesa efectuada pela Autora junto da “F.”, em razão de ter constado movimentos na conta bancária a crédito, traduzidos na transferência realizada pelo sócio único da “F.”, no sentido de considerar que a Autora não incorreu em despesa no valor 6.500,00€ e, nessa decorrência, não pagou tal valor. Deste modo, incontroverso que é a materialidade do pagamento, quanto muito se poderá discutir é a natureza e legitimidade do financiamento que permitiu à Autora ser portadora dos meios monetários necessários a proceder ao pagamento [efectivo] em causa, mas que, em todo o caso, não permite sustentar, à falta de norma habilitante, a desqualificação ou desconsideração do pagamento em causa, parcial ou integralmente, como faz a entidade demandada, o que sempre abala os pressupostos da decisão.
E continuou: A Entidade Demandada não sustentou em juízo que existia no plano legal ou regulamentar aplicável, de influência nacional ou comunitária, nem concatenada toda a sistemática do sistema de atribuição de fundos, a proibição ou limitação de que os investimentos realizados no âmbito dos projectos aprovados em candidaturas fossem suportados com recurso a fontes de financiamento externos ao próprio beneficiário, nem invocou normas ou princípios que permitam circunscrever negativamente os potenciais financiadores. Assim sendo, inexiste norma legal, de base nacional ou comunitária, que permita à Entidade Demanda classificar como não efectivas [ilegíveis] despesas que materialmente foram pagas pelo Autor à “F.”. Desta feita, a situação consubstanciada no empréstimo de um montante equivalente que permita à Autora proceder ao pagamento do subsídio não se enquadra no disposto no artigo 12.º, n.º 1, al. b) do Decreto-lei n.º 81/2008, de 16 de maio, contrariamente ao vertido pela entidade demandada, e denota a inexistência tanto de circunstâncias de facto como de norma habilitante que permita decisão de rescisão contratual e revogação do acto que determinou o pagamento dos apoios à Autora, o que gera a anulação do acto impugnado (…).
Este entendimento, como advogado nas alegações, não é correto, já que não leva em consideração que o ora recorrente considera que o comportamento descrito como O valor faturado e pago foi devolvido ao estaleiro e o pagamento da dívida só ocorreu após o recebimento do apoio referente à presente operação” constitui uma irregularidade que é fundamento para resolução do contrato nos termos dos artigos 12.° e 13.° do DL 81/2008, de 16 de maio.
Como é evidente, o que comprova a casualidade da situação é a coincidência de datas de entradas e saídas de verbas.
Importa por isso realçar a alínea H, do contrato de financiamento, sobre pagamentos indevidos, que diz que “qualquer irregularidade verificada durante a execução da operação pode determinar a devolução dos pagamentos efetuados independentemente da data da sua constatação”.

Com efeito, o empréstimo de um determinado montante à Autora/ Recorrida a fim de aceder ao subsídio enquadra-se no disposto no artigo 12.°, n.° l, al. b) do DL 81/2008, de 16 de maio.

O DL 81/2008, de 16 de maio estabelece o enquadramento nacional dos apoios a conceder ao setor da pesca no âmbito do Programa Operacional Pesca 2007-2013, doravante designado por PROMAR, no quadro do Fundo Europeu das Pescas (FEP), aprovado pelo Regulamento (CE) n.° 1198/2006, do Conselho, de 27 de julho cujas normas de execução constam do Regulamento (CE) n.° 498/2007, da Comissão de 26 de março e do Plano Estratégico Nacional (PEN) (cfr. artigo l.° do DL mencionado), sendo a concessão do apoio regulada pela Portaria n.° 823/2010, de 30 de Agosto.
Por seu turno, nos termos do artigo 7.° do DL 81/2008, de 16 de maio, “os apoios financeiros a conceder ao abrigo dos regimes de apoio podem assumir a forma, cumulativa ou não, de: a) Apoios diretos: i. Subsídios a fundo perdido; ii. Prémios; iii. Subsídios reembolsáveis (...)”.

Dispõe o artigo 11.° do DL citado que “sem prejuízo de outras obrigações fixadas nos diplomas que regulamentem os regimes de apoio do PROMAR ou nos contratos previstos no artigo 9.° constituem obrigações dos promotores: a) (...) f) Manter toda a documentação relativa ao projeto organizada até três anos após a data de encerramento do PROAMAR, incluindo, nomeadamente documentos suscetíveis de comprovar as informações prestadas aquando da candidatura, bem como todos os documentos comprovativos da realização das despesas e respetivos pagamentos (...) ”.

Por sua vez, o artigo 12°/1 do DL mencionado estabelece o regime de resolução por incumprimento. Nos termos do preceito legal referido “As entidades contratantes podem resolver o contrato celebrado com um promotor, quando ocorra alguma das seguintes situações: a) Incumprimento pelo promotor das obrigações decorrentes do presente decreto-lei, dos regulamentos que aprovam os regimes de apoio ou dos contratos; b) Prestação de falsas informações ou informações inexatas ou incompletas, seja sobre factos que serviram de base à apreciação da candidatura, seja sobre a situação do projeto ou falsificando documentos fornecidos no âmbito do projeto.”.
In casu, a Recorrida não efetuou a despesa com a remodelação da embarcação, mas conseguiu demonstrar que a fez para efeitos de recebimento do apoio PROMAR.

Nessa medida, bem concluiu a Entidade Demandada que os documentos comprovativos da despesa, tal como a fatura, o recibo de pagamento, o cheque e o comprovativo de entrada na conta do estaleiro titulam uma operação que nunca sucedeu.

Ademais, quanto à eventualidade de ter existido um “empréstimo”, certo é que tal facto não ficou assente uma vez que inexiste contrato de mútuo que o titule (cfr. artigo 1143° do Código Civil).

Tão pouco a Recorrida logrou demonstrar que, posteriormente, tenha reembolsado quem quer que seja dos montantes “emprestados”.

Atento o exposto forçoso era concluir que os documentos apresentados indiciavam titular uma operação fictícia, o que daria lugar a uma situação suscetível de resolução do contrato, como veio a acontecer.

O Tribunal anula ainda a Decisão Final com fundamento em falta de fundamentação.

Porém, sem suporte.

Como é sabido, a fundamentação constitui um dever genérico da Administração, na sua actuação com os administrados.
Com efeito, o artigo 124º do anterior Código do Procedimento Administrativo, na esteira do nº 3 do artigo 268º da Constituição da República Portuguesa, consagra um dever geral de fundamentação dos actos administrativos, dever que é concretizado no artigo 125º do mencionado Código do Procedimento Administrativo.

Preceitua este artigo 125º - sob a epígrafe “Requisitos da fundamentação” - nos nºs 1 e 2, o seguinte:

“1.A fundamentação deve ser expressa, através da sucinta exposição dos fundamentos de facto e direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respetivo ato.
2.Equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.”.

Assim, a fundamentação de um concreto acto, para que possa desempenhar em pleno a principal função subjacente à previsão da respectiva exigência, tem que ser expressa, através duma exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito da decisão; clara, permitindo que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide; suficiente, possibilitando ao administrado, um conhecimento concreto da motivação do acto, ou seja, as razões de facto e de direito que determinaram o órgão ou agente a actuar como actuou e, ademais, congruente, de modo que a decisão constitua conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como justificação, envolvendo entre eles um juízo de adequação, não podendo existir contradição entre os fundamentos e a decisão.

Tal como tem sido jurisprudência uniforme do STA, a fundamentação do acto administrativo é um conceito relativo, devendo concluir-se pela sua existência quando um destinatário normal, na posição do interessado em concreto, não tenha dúvidas acerca das razões que motivaram a decisão - cfr., por todos, o Acórdão do Pleno de 14/05/97, segundo o qual, a fundamentação, “(...) varia consoante o tipo legal de acto administrativo em concreto, havendo que entender a exigência legal em termos hábeis, dados a funcionalidade do instituto e os objectivos essenciais que prossegue: habilitar o destinatário a reagir eficazmente pelas vias legais contra a respectiva lesividade (objectivo endo-processual) a assegurar a transparência, a serenidade, a imparcialidade e a reflexão decisórias (objetivos exa ou extra-processuais)”.

A fundamentação, ainda que sucinta, deve ser suficiente para convencer o particular e permitir-lhe o controlo do acto.

O que significa que o administrado deve ficar na posse de todos os elementos de facto e de direito que conduziram à decisão, o que traduz a exigência de que a administração deve dar-lhe, ainda que de forma sucinta, nota do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido para a tomada de decisão.

Na verdade, só assim o particular pode analisar a decisão e ponderar se lhe dá ou não o seu acordo; também só por essa via, ele fica munido dos elementos essenciais para poder impugnar a decisão.

É que, só sabendo quais os factos concretos considerados pela Administração, ele pode argumentar se eles se verificam ou não; só conhecendo os critérios valorativos da Administração sobre esses factos, ele pode discuti-los, apresentar outros ou até valorá-los doutra forma; finalmente, só em face das normas legais invocadas, ele pode discernir se são essas ou outras as aplicáveis ao caso.

Com a fundamentação visa-se, pois, que o destinatário fique ciente do modo e das razões por que a administração decidiu num e não noutro sentido.

A fundamentação visa responder às necessidades de esclarecimento do Administrado destinando-se a informá-lo do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto e a permitir-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática e porque motivo se decidiu num sentido e não noutro. E, sendo assim, pode dizer-se que não só a insuficiência, a obscuridade e a contradição da fundamentação equivalem a falta de fundamentação, uma vez que as mesmas impedem o devido esclarecimento, como também que um acto está devidamente fundamentado quando o administrado, colocado na sua posição de destinatário normal - o bonus pater familias do artº 487º, nº 2 do CC - fica a saber das razões que o motivaram cfr. nº 3 do artº 268º da CRP, e artº 124º do CPA - entre muitos outros, os seguintes Acórdãos do STA de 19/3/81, proc. 13.031, de 27/10/82 in AD 256/528, de 25/7/84 in AD 288/1386, de 4/3/87 in AD 319/849, de 15/12/87 in AD 318/813 e na doutrina Marcello Caetano em “Manual”, pág. 477 e Esteves de Oliveira em “Direito Administrativo”, pág. 470.

É, pois, jurisprudência pacífica e unânime que a fundamentação do acto administrativo se destina, não só, a revelar ao administrado como se formou a vontade do emitente do acto, mas também, a permitir à Administração reflexão, sobre se certos factos, encarados à luz de certos preceitos legais, impõem a prolação do acto administrativo” (Acórdão do STA de 10/3/1983, proc. 16559).

Sucede que “a suficiência da fundamentação de um determinado acto administrativo deve ser apreciada em razão da motivação contextual, isto é, da que nele se incorpora e lhe é contemporânea” (v. Acórdão do STA de 17/6/2003, proc. 482/03). “Somente [gerando] invalidade do acto administrativo por vício de forma derivado de falta de fundamentação de facto a omissão total de fundamentos de factos. Não havendo isenção de fundamentação de facto esta deve existir, mesmo que sucinta ou expressa por formas especiais” (Acórdão do STA de 17/01/1996, proc. 14619).

Deste modo, reitera-se, “um acto está suficientemente fundamentado sempre que um destinatário normal, colocado perante o acto em causa, possa ficar ciente das razões que sustentam a decisão nele prolatada” -(Acórdão do STA de 27/5/2003, proc. 1835/02), não sendo imprescindível “para que a fundamentação de direito se considere suficiente [...] a indicação dos preceitos legais aplicáveis, bastando a referência aos princípios pertinentes, ao regime jurídico, ou a um quadro normativo determinado”.

Voltando ao presente caso, não pode o Tribunal concluir o que conclui, ou seja, que (…) o acto impugnado mostra-se isolado no panorama do procedimento administrativo a, conclusivamente, determinar a resolução do contrato, quando, perante a exposição dos mesmos factos, quer no relatório de verificação final, que apenas qualifica a situação como irregular, quer na proposta que antecede, apenas se propunha a modificação/restituição parcial do montante (…).
Na verdade, não pode ignorar-se todo o processo administrativo e respetivas comunicações trocadas entre a Autora/Recorrida e o ora recorrente.

Ora, destes elementos resulta que a seguir a ter sido efetuado o alegado “pagamento” este foi devolvido à Recorrida o que se revela como elemento determinante da decisão de rescisão contratual com devolução de todo o apoio que foi pago.

Assim, pela motivação em que se apoia, conforme aliás resulta de toda a correspondência trocada entre a Recorrida e o Recorrente, o acto impugnado mostrava-se apto a revelar a um destinatário normal as razões que determinaram a decisão, razão pela qual a decisão do IFAP de reposição da verba indevidamente recebida foi fundada nos pressupostos legais do regime de ajudas aplicável, sendo não só correta a sua aplicação, como também a única legalmente possível.

Tanto assim é que, pela simples leitura da decisão final resulta evidente quais foram os critérios adotados na mesma, tendo, a própria recorrida, ao longo da sua PI, demonstrado ter alcançado perfeitamente o conteúdo e o sentido do acto impugnado.

Com efeito, a Recorrida não pode confundir falta de fundamentação com fundamentação com a qual não se conforma.

Verifica-se assim, inexistir qualquer falta de fundamentação no procedimento.

E o que dizer da falta de audiência prévia?

Como se viu, o Tribunal anulou também a Decisão Final com fundamento em falta de audiência prévia.

Depois de discorrer sobre esta figura jurídica concluiu: revertendo tais considerandos para o caso dos autos, não assiste razão à Entidade Demandada quando pretende demonstrar que o ofício com a ref. nº 24743/29399/2014, de 15/07/2014 veio efectivar a permitir o exercício do direito de audiência previa.
Desta feita, primo conspectu, tal como resulta dos factos não provados em 1), ficou por provar nos autos que tal ofício chegou à esfera de conhecimento da Autora, e, estando nesta parte uma pretensão impugnatória, cabia à Entidade Demandada a demonstração dos pressupostos de facto e de direito do acto, bem como a observância das regras formais e demais tramitação procedimental. Ora, sem prejuízo de se fazer referência ao aviso de recepção nesse mesmo ofício, coligido o procedimento administrativo e à prova junta na fase judicial, não se encontra presente qualquer aviso de recepção relativo a tal ofício.
Contudo, ainda que assim não fosse, perspectivando o teor do ofício em presença, e confrontando com as exigências legais, a comunicação em causa não contém, ainda que implicitamente o sentido provável da decisão (designadamente a rescisão do contrato), nem nele se encontram previstos os elementos mencionados no artigo 101º n.º 2, do CPA.

Ficando por demonstrar que a Autora foi notificada validamente para o exercício do direito à audiência prévia, impõe-se concluir que merece provimento o vício de preterição dessa formalidade e garantia dos particulares, a determinar a anulabilidade do acto em sindicância.

Não secundamos esta leitura.

É incontornável que a audiência de interessados, como figura geral do procedimento administrativo de 1º grau, constitui um afloramento da directiva constitucional de “participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito”, proclamada no artigo 267.º/5, da CRP, impondo ao órgão administrativo competente a obrigação de associar o administrado à tarefa de preparar a decisão final.

O princípio de participação obteve consagração expressa no artigo 8.º do anterior CPA, que comina à Administração o dever de “assegurar a participação dos particulares, bem como das associações que tenham por objecto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões que lhes disserem respeito, designadamente através da respectiva audiência nos termos deste Código”.

Nesta senda, o artigo 100.º do mesmo diploma veio estabelecer que “concluída a instrução e salvo disposto no artigo 103º, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente sobre o sentido provável da decisão”.

O escopo que a lei prossegue com a consagração desta formalidade é, assim, o de proporcionar aos interessados a possibilidade de se pronunciarem sobre o projecto de decisão e daí que, tendo em vista essa finalidade, a notificação da proposta de decisão deva fornecer-lhes todos os aspectos que foram relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito (cfr. a norma do n.º 2 do artigo 101.º do CPA de 1991).

Assim, na sequência dessa notificação, poderão os interessados chamar a atenção do órgão decisor para a relevância de certos interesses ou pontos de vista relativos ao objecto do procedimento e que não foram considerados, bem como requerer diligências e juntar documentos, sem prejuízo das que, oficiosamente, se entender dever, ainda, realizar após o exercício da audiência (cfr. os artigos 101.º/3 e 104.º, ambos do citado Código).

Atento o exposto, imperativo se torna concluir que a audiência prévia dos interessados, no procedimento administrativo, configura um princípio estruturante da actividade administrativa e, portanto, uma formalidade legal essencial, cuja inobservância fere o acto de anulabilidade por vício de procedimento, excepto quando não haja lugar a diligências instrutórias prévias (v. artigo 100.º/1, 1.º segmento, a contrario sensu, do CPA) e/ou nos casos de dispensa dessa audiência, expressamente previstos no artigo 103.º do CPA;
-Conforme enfatiza o Acórdão do STA de 03/03/2004, no proc. n.º 01240/02, entre tantos outros, estamos perante uma formalidade essencial cuja violação tem como consequência jurídica a ilegalidade do próprio acto, normalmente sancionada com a sua anulabilidade, já que é a sanção prevista para “os actos praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção” (vide o artº 135.º do CPA);
-É certo que no caso dos autos foi dado como não provado que o ofício referido em T) foi remetido à Autora e foi por esta recepcionado;
-No entanto, não pode olvidar-se a factualidade inserta nas alíneas Z, AA e BB do probatório:
Z. Em 26/02/2015, o Gestor do PROMAR apôs a menção de “Concordo” na supra referida proposta e ordenou a remessa “Ao IFAP e DRAP Norte para os devidos efeitos” - cfr. fls. 164 do PA.
AA. Em 27.04.2015, pelo Presidente do Conselho Directivo do IFAP, IP foi proferida “Decisão Final”, com o seguinte teor:
“Finda a fase de instrução no procedimento administrativo (…) cumpre tomar decisão final, o que se faz, nos termos e com os fundamentos seguintes:
…3. A coberto do ofício ref. 24743/29399/2014, de 15/07/2014, que se dá aqui por integralmente reproduzido, foi notificada nos termos dos artigos 100º e 101º do Código do Procedimento Administrativo da situação detetada na visita de verificação levada a efeito pela DRAP-Norte, no dia 26/06/2014.
4. Com efeito, na deslocação supra referida constatou-se com base nos documentos de despesa (factura e cheque) e extractos bancários, a inelegibilidade da despesa de 12 500€ suportada nas facturas n.º 12/2012 e 25/2012 do fornecedor “F. , Lda.” com os seguintes fundamentos:
- No dia 05/11/2012 emitiu um cheque no valor de 12.500,00€ para pagamento da factura n.º 25/2012, de 05/11/2012, no montante de 12.000,00€ e da factura n.º 12/2012, de 08/07/2012, no valor de 500,00€, e o fornecedor “F.” emitiu a factura n.º 42/2012, em 05/11/2012.
- o cheque foi sacado no dia 21/12/2012, no dia 19/12/2012 efectuou um depósito bancário na conta afecta ao projecto no valor de 6.000,00€ e no dia 20/12/2012, efectuada uma transferência bancária pelo dono do estaleiro, no montante de 6.500,00€ a se favor;
- estes movimentos demonstram que parte da despesa relativa à operação foi suportada pelo fornecedor (6.500,00€), e a despesa que efectivamente suportou não corresponde à despesa apresentada no pedido de pagamento no 12.500,00€”
5 - Atentos os factos já mencionados comunicados pela DRAP-Norte a coberto do ofício refª 24743/29399/2014, de 16/07/2014, que não obteve resposta, encontram-se reunidas as condições para determinar a rescisão contratual com devolução de todo o incentivo que foi pago. (…)” - cfr. Doc. n.º 1 da P.I
BB. Através de missiva identificada com a referência 00662/2015DAI-UREC, foi a Autora notificada da supra referida decisão - cfr. Doc. n.º 1 da P.I.

Assim sendo, afigura-se que o Tribunal a quo não fez uma correta interpretação dos factos e do direito aplicável, porquanto, pela DRAP Norte foi dado conhecimento à Recorrida das irregularidades detetadas na sequência da realização da ação de controlo, bem como da possibilidade de se pronunciar sobre as mesmas.

Atentos os factos já mencionados comunicados pela DRAP-Norte a coberto do ofício refª 24743/29399/2014, de 16/07/2014, que não obteve resposta, encontram-se reunidas as condições para determinar a rescisão contratual com devolução de todo o incentivo que foi pago. (…)” - cfr. Doc. n.º 1 da P.I.
Através de missiva identificada com a referência 00662/2015DAI-UREC, foi a Autora notificada da supra referida decisão.

Verifica-se, assim, ter sido adequadamente concedida a oportunidade à Recorrida beneficiária de exercer o direito de audição, não obstante, esta ter optado por não exercer o direito de resposta.

Foi a Recorrida que prescindiu do seu direito de ser ouvida e não o Recorrente quem impossibilitou a mesma de o fazer.

Não pode é, como este alega, nesta data, vir invocar que não lhe foi dado conhecimento em tempo oportuno das irregularidades detetadas o que a impossibilitou de se pronunciar sobre as mesmas.
Tem, pois, de se considerar que as irregularidades detetadas foram comunicadas à Recorrida, razão pela qual, se verifica que não existe qualquer preterição da audiência de interessados.

Mas mesmo que assim não fosse entendido, o acto em análise não poderia ser anulado com base na preterição de uma formalidade como a falta de audiência prévia, uma vez que se vem adensando na doutrina e na jurisprudência dos tribunais superiores a prevalência do princípio utile per inutile non vitiatur (ou princípio da inoperância dos vícios ou o princípio do aproveitamento do acto administrativo), isto é, quando se conclua, como sucede, in casu, que o exercício do direito de audiência prévia em nada alteraria a decisão administrativa.

Ora, no caso concreto, tal conclusão é facilmente atingida pelas conclusões que é possível extrair do processo administrativo.

Procedem, pois, as conclusões do Apelante.

DECISÃO

Termos em que se concede provimento ao recurso
, revoga-se a sentença e julga-se improcedente a acção.
*
Custas pela Autora/Recorrida, sem prejuízo do apoio judiciário de que possa beneficiar.
*
Notifique e DN.
*
Porto, 05/02/2021


Fernanda Brandão
Hélder Vieira
Helena Canelas