Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00325/09.0BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/31/2020
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Isabel Costa
Descritores:ACÓRDÃOS PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA; ARTIGO 8º, N.º 3, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário:I – O Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, de 16.11.2011, proferido no proc. 0220/11, uniformizou a jurisprudência nos seguintes termos: “a alteração do posicionamento remuneratório dos trabalhadores da função pública faz-se, no período de 1/1 a 1/3/2008, de acordo com o estabelecido nos artigos 46º a 48º e 113º, n.º 1, da Lei n. 12-A/2008, de 27 de fevereiro, em virtude do artigo 119º, n.º 1, da Lei n.º 67-A/2007, de 21 de Dezembro, ter revogado os artigos 19º e 20º do DL n.º 353-A/89, de 26 de outubro, e de ter determinado a aplicação do regime estabelecido naquela lei (12-A/2008), à qual se referiu como lei futura e que lhe veio conferir exequibilidade, no período em causa.”

II - Sem embargo da não vinculatividade dos acórdãos para uniformização de jurisprudência, seguro é que a mesma deve ser respeitada, atentos os princípios da certeza e da segurança jurídicas, que enformam o sistema jurídico e, bem assim, face à suprema relevância da uniformidade na interpretação e aplicação da lei, proclamada no artigo 8º, n.º 3, do Código Civil. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Município de (...)
Recorrido 1:Sindicato dos Trabalhadores da Administração Local
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Parecer no sentido do provimento do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I - Relatório

O Município de (...), vem interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo TAF de Mirandela que, julgando procedente a ação que contra si intentara o Sindicato dos Trabalhadores da Administração Local (STAL), em representação de F.J.A.R.A., o condenou à prática dos atos devidos que reconheçam a progressão do representado do Autor ao escalão 3 desde 10.01.2008.

Na alegação apresentada, formulou as seguintes conclusões, que se transcrevem ipsis verbis:

A. O meio processual adequado para a impugnação da sentença proferida nos autos em 13.10.2015 é o recurso jurisdicional.
B. A sentença recorrida não respeita jurisprudência uniformizada do STA concretamente o Acórdão Pleno da 1ª Secção cf. Acórdão do Pleno de 16.11.2011, proc. 0220/11
“a alteração do posicionamento remuneratório dos trabalhadores da função pública faz-se, no período de 1/1 a 1/3/2008, de acordo com o estabelecido nos artigos 46º a 48º e 113º, n. 1, da Lei n. 12-A/2008, de 27 de fevereiro, em virtude do artigo 119º, n.º 1, da Lei n.º 67-A/2007, de 21 de Dezembro, ter revogado os artigos 19º e 20º do DL n.º 353-A/89, de 26 de outubro, e de ter determinado a aplicação do regime estabelecido naquela lei (12-A/2008), à qual se referiu como lei futura e que lhe veio conferir exequibilidade, no período em causa.”
C. A contagem do tempo para a mudança de escalão mantém-se suspensa no período compreendido entre 01.01.2008 a 01.03.2008 pelo que o A. não tem direito à progressão pretendida.
Termos em que se deve revogar a decisão recorrida mantendo-se o ato de indeferimento.

O Recorrido contra-alegou pugnando pela manutenção da sentença recorrida.

O Ministério Público junto deste TCA emitiu parecer no sentido provimento do recurso.

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II – Objeto do recurso


A questão suscitada pela Recorrente, nos limites das conclusões das alegações apresentadas a partir da respectiva motivação, (cfr. artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, todos do CPC de 2013, ex vi artigo 140º do CPTA) consiste em saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento por violação da jurisprudência uniformizadora do Supremo Tribunal Administrativo, nomeadamente, do Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo, de 16.11.2011, proferido no processo n.º 0220/11.

III – Fundamentação de Facto

Na sentença foram dados como assentes os seguintes factos:
1. O Autor é associado do Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local – cfr. fls. 5 da numeração SITAF;
2. Os rendimentos ilíquidos do Autor não ascendem a 200UCs – cfr. fls. 10 da numeração SITAF;
3. Em 04.02.2008, foi elaborada a informação 11/2008, com o seguinte teor – cfr. fls. 6 a 8 da numeração SITAF:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
4. Sobre tal informação recaiu despacho de concordância em 12.02.2008 – cfr. fls. 6 da numeração SITAF;
5. O Autor foi notificado de tal despacho por certidão datada de 21.07.2009 – cfr. fls. 9 da numeração SITAF;
6. O Autor é Técnico Profissional Especialista Principal, enquadrado no escalão 2, desde 20.09.2002 – facto não controvertido;
7. A petição inicial que origina os presentes autos deu entrada neste Tribunal, em
15.09.2009 – cfr. carimbo aposto na folha de rosto da petição inicial a fls. 1 da numeração SITAF.

IV – Fundamentação de Direito

Conclui o Recorrente, Município de (...), que a sentença recorrida desrespeitou a doutrina que dimana do Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, de 16.11.2011, proferido no proc. 0220/11, que uniformizou a jurisprudência nos seguintes termos:
“a alteração do posicionamento remuneratório dos trabalhadores da função pública faz-se, no período de 1/1 a 1/3/2008, de acordo com o estabelecido nos artigos 46º a 48º e 113º, n.º 1, da Lei n. 12-A/2008, de 27 de fevereiro, em virtude do artigo 119º, n.º 1, da Lei n.º 67-A/2007, de 21 de Dezembro, ter revogado os artigos 19º e 20º do DL n.º 353-A/89, de 26 de outubro, e de ter determinado a aplicação do regime estabelecido naquela lei (12-A/2008), à qual se referiu como lei futura e que lhe veio conferir exequibilidade, no período em causa.”

Lida a sentença recorrida, constata-se que este entendimento não foi perfilhado.
O tribunal a quo defendeu e consagrou posição jurídica diametralmente oposta, fundando-se, para tanto, na doutrina veiculada no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 26.05.2010, no processo n. 0958/09, nos termos do qual: “À progressão nas categorias por mudança de escalão, decorrente na permanência por um módulo de tempo de 4 anos no escalão imediatamente anterior, que se vença entre 01.01.2008 e 01.03.2008, é aplicável o disposto nos artigos 19º e 20º do DL n.º 353-A/89, de 26 de outubro, diploma que só veio a ser revogado pela Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro) novo regime de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas), a qual fixou a sua entrada em vigor e a respetiva produção de efeitos em data posterior à da sua publicação.”

Reproduz-se parte do citado acórdão do Pleno do STA, que fundamenta o sentido propugnado pelo Recorrente para a questão a decidir:

“2. 2. 2. Como decorre do expendido no número anterior, o que está em causa é apurar o regime jurídico aplicável à alteração do posicionamento remuneratório, nas respectivas categorias, de funcionários, inseridos em carreiras horizontais, que tenham completado, no período entre 1/1/2008 e 1/3/2008, quatro anos de serviço no escalão imediatamente anterior àquele a que pretendiam aceder. Se o regime decorrente do estabelecido nos artigos 19º e 20º do DL nº 353-A/89, de 16 de Outubro, como decidiu o acórdão recorrido, ou o decorrente do estabelecido nos artigos 46.º a 48.º e 113.º da Lei n.º 12-A/2008, por força da norma transitória estabelecida no artigo 119.º, n.º 1, da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, como decidiu o acórdão fundamento.
O acórdão recorrido adoptou a primeira solução enunciada, que fundamentou, em síntese, no facto da progressão nas carreiras estar estabelecida no DL n.º 353-A/89 e, após ter sido congelada até 31/12/2007, a Lei n.º 67-A/2007 ter procedido ao seu descongelamento, dizendo que haveria progressão, a partir de 1/1/2008, nos moldes estabelecidos em lei a surgir posteriormente, que previu entrar em vigor nessa data, mas que apenas veio a entrar em vigor em 1/3/2008, pelo que, apenas tendo o DL n.º 353-A/89 sido revogado por essa mesma lei, a progressão nesse período (entre 1/1 e 1/3/2008) continuou a fazer-se pelo estabelecido nos artigos 18.º e 19.º desse diploma legal.
Para o efeito, considerou que: (i) o artigo 119.º da Lei n.º 67-A/2007 não revogou os artigos 19.º e 20.º do DL n.º 353-A/89; e que, perante essa situação, se impunha uma de duas conclusões, a saber: “(ii) ou o referido art. 119º, nº 1 da Lei nº 67-A/2007, ao fixar a data de 1 de Janeiro de 2008 para o início da produção de efeitos do novo regime de progressão nas categorias, que há-de vir a ser estabelecido em lei futura, contém a ressalva implícita das situações desenvolvidas ainda ao abrigo do DL n° 353-A/89, diploma que só veio a ser revogado justamente pela nova lei (Lei nº 12-A/2008, de 27 de Fevereiro);(iii) ou, a admitir-se que o citado art. 119º, nº 1 da Lei nº 67-A/2007 fixa, sem qualquer ressalva, a data de 1 de Janeiro de 2008 para o início da produção de efeitos dessa lei futura, então essa prescrição foi necessariamente derrogada pelo conteúdo da nova lei, concretamente pelo citado art. 118º, nº 1 da Lei nº 12-A/2008, de 27 de Fevereiro (lex posterior priori derrogat).
Face ao quadro traçado, impõe-se, antes do mais, resolver duas questões: (i) se o artigo 119.º da Lei n.º 67-A/2007 revogou ou não os artigos 19.º e 20.º do DL n.º 353-A/89; e (ii) em caso afirmativo, se aquele preceito foi revogado pelo artigo 118.º da Lei n.º 12-A/2008.
2. 2. 3. Começando pela primeira questão, o acórdão recorrido considera que não, em virtude de não ter sido feita na Lei n.º 67-A/2007 “…qualquer declaração expressa de revogação, total ou parcial, do DL n.º 353-A/89” e de também dela não resultar a revogação tácita ou implícita deste diploma, que só veio a ser consagrada na Lei n.º 12-A/2008, pelo que, se tivesse sido revogada anteriormente, “… teríamos então um diploma a ser revogado duas vezes, o que é, do ponto de vista técnico e jurídico, perfeitamente inconcebível”.
Ora, o DL n.º 353-A/89 não foi, de facto, expressamente revogado pela Lei n.º 67-A/2007, que também não regulou toda a matéria naquele diploma regulado, pelo que só implicitamente pode ter sido revogado (cfr. artigo 7.º do C. Civil).
Quanto a esta revogação implícita, não procede o argumento da dupla revogação, pois que o tratamento feito pela Lei n.º 67-A/2007 de matéria do DL n.º 353-A/89 passível de operar a sua revogação foi meramente parcial, tendo continuado em vigor muitos outros preceitos deste último diploma passíveis de serem revogados.
Essa revogação, ou não, há-de, assim, ser encontrada no âmbito da interpretação conjugada do quadro normativo potencialmente aplicável, que deverá procurar reconstituir o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (artigo 9.º do C. Civil).

Vejamos, então.
O regime do estatuto remuneratório dos funcionários e agentes da Administração Pública e a estrutura das remunerações base das suas carreiras e categorias era regulado, ao tempo em que a representada do Autor se posicionou no escalão em relação ao qual pretendia progredir, (23/10/2001), pelo DL n.º 353-A/89, de 16 de Outubro.
De acordo com o estabelecido no artigo 19.º deste diploma, “
A progressão nas categorias faz-se por mudança de escalão” (nº 1), e “A mudança de escalão depende da permanência no escalão imediatamente anterior dos seguintes módulos de tempo: a) Nas carreiras horizontais, quatro anos...” (nº 2).
Por sua vez, o seu artigo 20º dispõe que “A progressão é automática e oficiosa” (nº 1), e que “O direito à remuneração pelo escalão superior vence-se no dia 1 do mês seguinte ao do preenchimento dos requisitos estabelecidos no artigo anterior...” (nº 3).
A Lei nº 43/2005, de 29 de Agosto veio determinar “
a não contagem do tempo de serviço para efeitos de progressão nas carreiras e o congelamento do montante de todos os suplementos remuneratórios de todos os funcionários, agentes e demais servidores do Estado [desde a data da sua entrada em vigor, 30/08/2005] até 31 de Dezembro de 2006”.
A vigência destas medidas de congelamento foi, entretanto, prorrogada por mais um ano pela Lei nº 53-C/2006, de 29 de Dezembro, cujo artigo 4º prescreveu: “
A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação e produz efeitos até 31 de Dezembro de 2007, salvo se diploma concretizador da revisão dos sistemas de vínculos, carreiras e remunerações expressamente determinar data anterior.
Pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 109/2005, de 2/6/2005, publicada no DR. n.º 124, I Série B, de 30-6-2005, foi decidido “
determinar a revisão do sistema de carreiras dos funcionários públicos e dos demais servidores do Estado”, designadamente no que concerne a “criar alternativas aos mecanismos automáticos de evolução profissional e remuneratória que permitam uma rigorosa planificação da evolução orçamental em matéria de despesas de pessoal” [n.º 1, alínea h)].
Na sequência desta resolução, foi desencadeado o respectivo processo legislativo, que culminou com a aprovação em Conselho de Ministros de 14/6/2007 da proposta de lei n.º 152/X, da qual constava a entrada em vigor da lei a que daria origem em 1/1/2008 (artigo 117.º, n.º 1) e a revogação do DL n.º 353-A/89 [artigo 116.º, alínea u)].
Esta proposta foi aprovada pela Assembleia da República, tendo sido remetida para promulgação do Senhor Presidente da República, que a recebeu em 29/11/2007 (Decreto n.º 173/X). O Senhor Presidente da República requereu ao Tribunal Constitucional que aferisse da conformidade constitucional de algumas normas desse diploma [artigo 2.º, n.º 3, artigo 10.º, n.º 2, artigo 68.º, n.º 2, artigo 80.º, n.º 1, alíneas a) e c), artigo 101.º, n.º 1, alíneas a) e b) e n.º 2, e artigo 112.º, n.º 1, alíneas a), b) e c)], que, por acórdão de 20/12/2007, publicado no DR. n.º 9, 1.ª série, de 14/1/2008, julgou inconstitucionais as normas constantes dos artigos 2.º, n.º 3, 10.º, n.º 2 e 68.º, n.º 2 (que tratavam da aplicação da normação contida na lei, por remissão, aos juízes) e dos artigos 36.º, n.º 3 e 94.º, n.º 2 (que se reportavam à retenção cautelar automática de metade da remuneração base de funcionário indiciado responsável pela celebração de contratos de prestação de serviços inválidos) e não julgou inconstitucionais as restantes normas questionadas.
O diploma, que, na sua versão inicial, entraria em vigor em 1/1/2008, voltou, novamente, à Assembleia da República, que o expurgou das apontadas inconstitucionalidades e o aprovou em 18 de Janeiro, tendo sido publicado, após promulgação e referenda do dia 20 do mesmo mês, no dia 27/2/2008, dele constando que entraria em vigor no dia 1 do mês seguinte ao da sua publicação (artigo 118.º, n.º 1) e que produziria efeitos, no que à alteração do posicionamento remuneratório diz respeito, na mesma data (n.º7 do mesmo preceito).

Quanto a essa alteração, o legislador, após ter estabelecido a possibilidade do dirigente máximo do serviço decidir, em face da disponibilidade das verbas orçamentais, o universo das carreiras e categorias onde as alterações do posicionamento remuneratório podiam ocorrer (artigo 46.º), estabeleceu a regra geral dessas alterações, que assentava no mérito (artigo 47.º) e que, na falta de lei em contrário, se reportava a 1 de Janeiro do ano a que tivesse lugar (n.º 7 do mesmo preceito), estabelecendo situações excepcionais no seu artigo 48.º. Resultando ainda, da conjugação dos artigos 47.º, n.º 6 e 113.º, n.º 1, do diploma que podia haver alterações obrigatórias, independentemente dos universos estabelecidos de acordo com o artigo 46.º, a partir de 1/1/2008.
Em 31/12/2207 foi publicada a Lei n.º 67-A/2007 (Orçamento de Estado para 2008), cujo artigo 119.º prescreveu, no seu n.º 1: “
A partir de 1 de Janeiro de 2008, a progressão nas categorias opera-se segundo as regras para alteração do posicionamento remuneratório previstas em lei que, na sequência da Resolução do Conselho de Ministros nº 109/2005, de 30 de Junho, defina e regule os novos regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas, produzindo efeitos a partir daquela data.
O que se infere da conjugação do quadro normativo enunciado é, assim, quanto a nós, que o legislador, absolutamente conhecedor de todo esse quadro e do processo legislativo conducente à Lei n.º 12-A/2008, nomeadamente do provável atraso da entrada em vigor da nova lei, bem como de que em 31/12/2007 terminava o descongelamento da progressão na carreira pelo simples decurso do tempo (artigo 4.º da Lei n.º 53/2006), que não pretendia que continuasse a fazer-se dessa forma, e para que não restassem dúvidas de que assim não seria a partir de 1/1/2008, produziu esta norma (artigo 119.º, n.º 1, da Lei n.º 67-A/2007), que qualificou expressamente de “transitória” e através da qual definiu que, para o período decorrente entre 1/1/2008 e a entrada em vigor do diploma futuro, que referenciou, essa progressão se faria segundo as regras dessa futura lei, de cujo conteúdo, que a tornaria exequível, se apropriou.
Defende o recorrido que o artigo 119.º da Lei n.º 67-A/2007 não pode ser considerado como uma disposição transitória, pela simples razão de que as disposições transitórias contêm sempre um regime concreto, seja fazendo perdurar o da anterior lei ou criando um próprio, quando, no caso, este preceito limita-se a remeter para uma lei futura cujo regime se desconhece.
Mas não lhe assiste razão, porquanto, como resulta do expendido, o regime da lei futura era perfeitamente conhecido à data da aprovação dessa lei. O que não era conhecido era a data da sua entrada em vigor, por força das referenciadas vicissitudes. E, por isso, estando em causa despesas que deviam ser orçamentadas, o legislador acautelou essa matéria, definindo que o regime aplicável seria o da nova lei e, consequentemente, que não era aplicável o regime do DL n.º 353-A/89. Essa nova lei viria conferir-lhe exequibilidade (cfr., sobre esta temática, o Parecer da Procuradoria-Geral da República n.º 000032001, de 20/12/2001, com abundante doutrina).
Donde resulta que o artigo 119.º, n.º 1, da Lei n.º 67-A/2007 revogou, implicitamente, contrariamente ao que considerou o acórdão recorrido, os artigos 19.º e 20.º do DL n.º 353-A/89, pois que, de acordo com a doutrina do referido parecer, que se sufraga, a Lei n.º 67-A/2007, “ainda que inexequível, logo que entre em vigor, tem o condão de revogar, como qualquer outra, todas as normas anteriores com ela incompatíveis, nos termos do n.º 2 do artigo 7.º do Código Civil”.
O acórdão fundamento chegou à mesma conclusão, seguindo um percurso interpretativo idêntico, mas com uma pequena diferença no quadro que elaborou e que consistiu em considerar integrada aquela norma transitória do Orçamento de Estado para 2008 na Lei n.º 12-A/2008, como norma transitória desta. O resultado é o mesmo, a revogação dos artigos 19.º e 20.º do DL n.º 353-A/89, que se considera ter ocorrido.
O preceito em causa teve, assim, como considerou o acórdão fundamento, o duplo efeito de derrogar a aplicação do regime estabelecido nos artigos 19.º e 20.º do DL n.º 353-A/89 e de determinar a aplicação da normação da lei nova – a Lei n.º 12-A/2008 – a partir de 1/1/2008.
2. 2. 4. Assente a revogação dos referidos preceitos do DL n.º 353-A/89 pelo artigo 119.º da Lei n.º 67-A/2007, apreciemos, agora, a revogação deste último preceito pelo artigo 118.º, n.º 1 da Lei n.º 12-A/2008, que o acórdão recorrido considerou verificar-se, com fundamento no princípio de que “lex posterior priori derrogat”.Não sufragamos essa posição.
Na verdade, em face do estatuído no artigo 7.º do C. Civil, só implicitamente podia ter havido revogação.
O seu apuramento há-de ser feito nos moldes apontados em 2.2.3., resultando do aí expendido que foi intenção do legislador de 2007 que fosse aplicado, a partir de 1/1/2008, o novo regime. E, deste novo regime não resulta qualquer inversão de posição, bem pelo contrário, dele resulta, como já foi salientado, suportado nos elementos racional e sistemático da interpretação das leis, que podia haver alterações obrigatórias, independentemente dos universos estabelecidos de acordo com o seu artigo 46.º, a partir de 1/1/2008 (artigos 47.º, n.º 6 e 113.º, n.º 1), o que aponta claramente para a consideração da vigência da Lei n.º 67-A/2007.
A determinação da entrada em vigor e da produção de efeitos da Lei n.º 12-A/2008 a partir de 1/3/2008 compreende-se, pois que, para o período anterior (a partir de 1 de Janeiro) já havia norma em vigor, com o mesmo conteúdo desta e que com ela se harmoniza, apenas tendo esta lei vindo conferir, para esse período, exequibilidade à Lei 67-A/2007.
Não houve, portanto, qualquer intenção do legislador de revogar a Lei n.º 67-A/2007, que também não apresenta qualquer incompatibilidade com a Lei n.º 12-A/2008. Pelo contrário, regulando estas leis substantivamente do mesmo modo, reportam-se a períodos diferentes, tendo o legislador visado, com elas, afastar a aplicação do regime do DL n.º 353-A/2008 e garantir que, a partir dessa data de 1 de Janeiro, se aplicasse o novo regime, sem hiatos e integralmente.
Conclui-se, pois, que o artigo 119.º, n.º 1, da Lei n.º 67-A/2007 não foi revogado pelo artigo 118.º, n.ºs 1 e 3 da Lei n.º 12-A/2008 e, como tal que era este o regime aplicável no caso
sub judice e não o do DL n.º 353-A/89.
2. 2. 5. Definido o regime jurídico aplicável, há que decidir a questão controvertida.
Está-se no âmbito de uma acção administrativa especial para a prática do acto devido, que tem por objecto um requerimento da associada do Autor para passar ao escalão seguinte da estrutura salarial da carreira de telefonista, na qual estava inserida, requerimento esse relativamente ao qual não houve ainda decisão de que tenha sido notificada a funcionária em causa.
Resulta da matéria de facto dada como provada que a associada do Autor se encontrava posicionada no escalão 5 da sua carreira desde 23/10/2001.
O módulo de tempo necessário para a sua progressão ao 6.º escalão era de 4 anos, dado estar integrada numa carreira horizontal [artigo 19.º, alínea) do DL n.º 353-A/89], que se completaria, em condições normais, em 23/10/2005.
Como a contagem do tempo foi suspensa, para efeitos de progressão, entre 31/8/2005 e 31/12/2007 (cfr. artigo da Lei n.º 43/2005, de 29/8, e artigo da Lei n.º 53-C/2006, de 29/12], faltavam-lhe, em 1/1/2008, 53 dias para completar esse módulo.
Conforme resulta do expendido, o artigo 119.º, n.º 1 da Lei n.º 65-A/2007 revogou o regime estabelecido no DL n.º 353-A/89 e determinou que se aplicasse, a partir de 1/1/2008, data em que a associada do Autor, ora recorrido, ainda não tinha adquirido o direito à progressão pretendida, o regime estabelecido em lei futura, que veio a ser a Lei n.º 12-A/2008.
Assim sendo, a associada do Autor não tinha direito a progredir nos moldes requeridos, ou seja, não tinha o direito que pretende que o Réu seja condenado a reconhecer-lhe.
Pelo que a acção deverá improceder.
Poderia ser equacionada a possibilidade de condenar o Réu a apreciar a pretensão com base no regime legal aplicável, situação para a qual não existem factos que permitam apurar da viabilidade da pretensão. Mas, precisamente pela falta desses factos e por que não foi requerida a progressão com base nesse regime, perante o qual a interessada poderá eventualmente não satisfazer os requisitos para o efeito, entende-se mais aconselhável não o fazer, deixando à interessada a possibilidade de a requerer.
2. 2. 6. Em conformidade com o expendido, impõe-se uniformizar a jurisprudência nos seguintes termos:
“A alteração do posicionamento remuneratório dos trabalhadores da função pública faz-se, no período de 1/1 a 1/3/2008, de acordo com o estabelecido nos artigos 46.º a 48.º e 113.º, n.º 1, da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, em virtude do artigo 119.º, n.º 1, da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, ter revogado os artigos 19.º e 20.º do DL n.º 353-A/89, de 26 de Outubro, e de ter determinado a aplicação do regime estabelecido naquela lei (12-A/2008), à qual se referiu como lei futura e que lhe veio conferir exequibilidade, no período em causa.”

3. DECISÃO
Nesta conformidade, acorda-se, no Pleno desta Secção, em:
a) concedendo provimento ao recurso, anular o acórdão recorrido e julgar improcedente a acção;
b) fixar a seguinte jurisprudência:
“A alteração do posicionamento remuneratório dos trabalhadores da função pública faz-se, no período de 1/1 a 1/3/2008, de acordo com o estabelecido nos artigos 46.º a 48.º e 113.º, n.º 1, da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, em virtude do artigo 119.º, n.º 1, da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, ter revogado os artigos 19.º e 20.º do DL n.º 353-A/89, de 26 de Outubro, e de ter determinado a aplicação do regime estabelecido naquela lei (12-A/2008), à qual se referiu como lei futura e que lhe veio conferir exequibilidade, no período em causa.”

Afigura-se-nos irrepreensível o valor doutrinal do citado acórdão do Pleno do STA.
E, como aponta o Exm.º Magistrado do Ministério Público no seu douto parecer, sem embargo da não vinculatividade desta posição jurisprudencial vencedora (pelo menos nos termos legalmente consagrados para o revogado “assento”), seguro é que a mesma deve ser respeitada, atentos os princípios da certeza e da segurança jurídicas, que enformam o sistema jurídico e, bem assim, face à suprema relevância da uniformidade na interpretação e aplicação da lei, proclamada no artigo 8º, n.º 3, do Código Civil.

A ser assim, tendo a sentença a quo contrariado o mencionado aresto uniformizador, assiste razão ao Recorrente quando pugna pela revogação da sentença em crise.
Tal como referiu o citado aresto, referimos também o seguinte: Poderia ser equacionada a possibilidade de condenar o Réu a apreciar a pretensão com base no regime legal aplicável. Mas, para essa situação, não existem factos que permitam apurar da viabilidade da pretensão. E precisamente pela falta desses factos e porque não foi requerida a progressão com base nesse regime, perante o qual o interessado poderá eventualmente não satisfazer os requisitos para o efeito, não o faremos.
V – Decisão
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em conceder provimento ao presente recurso, revogando a sentença recorrida e julgando a presente ação improcedente e, em consequência, mantendo-se na ordem jurídica o ato contenciosamente impugnado.
Sem custas por isenção subjectiva do Recorrido.
Registe e D.N.

Porto, 31 de janeiro de 2020

Isabel Costa
João Beato
Helena Ribeiro