Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:03156/14.1BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/16/2020
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Paulo Ferreira de Magalhães
Descritores:MILITAR; PRESTAÇÃO DE SERVIÇO EFECTIVO EM RC; RENOVAÇÃO DO CONTRATO; CESSAÇÃO DO VÍNCULO CONTRATUAL;
PAGAMENTO DE PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA.
Sumário:1 - O Regulamento de Incentivos à Prestação de Serviço Militar nos Regimes de Contrato (RC) e de Voluntariado (RV), foi aprovado e publicado por anexo ao Decreto-Lei n.º 320-A/2000, de 15 de dezembro, nos termos e para os efeitos previstos na Lei n.º 174/99, de 21/09 [Lei do Serviço Militar].

2 – Nos termos do disposto no artigo 21.º, n.º 1 do referido Regulamento [na redação dada pelo artigo 43.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro], os militares que tenham cumprido serviço efetivo em RC pelo período mínimo de dois anos têm direito, após o termo da prestação de serviço efetivo naquele regime, ao pagamento de uma prestação pecuniária correspondente a um duodécimo da remuneração anual por cada ano completo de serviço efetivamente prestado.

3 – Tendo sido instaurado ao ora Recorrente um processo disciplinar, e depois de corridos termos, tendo vindo a ser-lhe aplicada pena disciplinar de 15 dias de proibição de saída, por despacho do Comandante da Base Aérea n.º 6, datado de 02 de julho de 2014, do que o mesmo interpôs recurso hierárquico para o Chefe de Estado Maior da Força Aérea, que o indeferiu por sua decisão datada de 23 de julho de 2014, essa pena disciplinar tem aptidão para condicionar o âmbito da avaliação de mérito do militar visado e poder ser determinante para a consideração de que o mesmo não tem “classificação de serviço” que permita a renovação do seu contrato, conduzindo ao indeferimento do seu pedido.

4 – No âmbito do Estatuto dos Militares das Forças Armadas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 236/99, de 25 de junho, o legislador disciplinou as causas de cessação do vínculo contratual em regime de contrato (RC), que as fixou [no que ora nos interessa], em causas em razão da caducidade, e causas em razão da rescisão [Cfr. artigo 300.º, n.º 1], sendo que, em torno da caducidade do vínculo contratual, o mesmo ocorre quando não haja sido deferido pedido de renovação do contrato que tenha sido requerido pelo militar, com fundamento nos motivos previstos no artigo 28.º, n.º 2 da Lei do Serviço Militar [Cfr. artigo 300.º, n.º 2, alínea b)], e por sua vez, em torno da rescisão do vínculo contratual, o mesmo pode ocorrer, por aplicação das sanções previstas no CJM [Código de Justiça Militar] e no RDM [Regulamento de Disciplina Militar], sendo que, neste domínio, ou seja, para efeitos de rescisão do contrato, os factos que serão para tanto levados em conta têm de ser apurados em processo próprio, ou seja, em processo no âmbito do qual se saiba [principalmente o militar contratado] de que é intenção da Administração Militar vir a efectuar a rescisão do contrato caso se prove a factualidade que lhe esteja imputada em sede criminal ou disciplinar [Cfr. artigo 300.º, n.º 3, alínea f) e n.º 6].

5 – Sendo a duração de cada contrato individual e as respectivas renovações fixadas por despacho do Chefe do estado-maior do respectivo ramo [que como decorre do despacho datado de 25 de julho de 2014, é o Despacho n.º 44/03/A, de 12 de novembro] e se ao militar Autor em regime de contrato [ora Recorrente] lhe é necessariamente aplicado o Estatuto dos Militares das Forças Armadas, o contrato que o mesmo detinha com a Força Aérea e que teve o termo do 5.º ano em 31 de agosto de 2014, não foi rescindido por esta entidade, antes caducou, por não ter sido deferida a sua renovação, o que comporta consequências diversas para efeitos da concessão da prestação pecuniária a que se reporta o artigo 21.º, n.º 1 do Regulamento de Incentivos à Prestação de Serviço Militar, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 320-A/2000, de 15 de dezembro [na redação dada pelo artigo 43.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro].

6 - Constitui causa de cessação do vínculo contratual, a caducidade do contrato por não ter sido deferido o pedido da sua renovação, assistindo ao militar Autor [ora Recorrente], neste circunstancialismo, o direito ao pagamento de uma prestação pecuniária correspondente a um duodécimo da remuneração anual por cada ano completo de serviço efectivamente prestado.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:T.
Recorrido 1:Força Aérea Portuguesa
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:


I - RELATÓRIO

T., inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 23 de junho de 2017, que julgou improcedente a pretensão por si deduzida contra a Força Aérea Portuguesa, atinente ao pedido de pagamento da prestação pecuniária prevista no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 320-A/2000, de 15 de dezembro, pelo tempo de serviço que fosse correspondente.

No âmbito das Alegações por si apresentadas [Cfr. fls. 124 a 126 dos autos em suporte físico], elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:

“CONCLUSÕES

1 - Quanto à matéria de facto, o juiz tem o dever de selecionar o que interessa para a decisão, levando em conta a causa (ou causas) que fundamentam o pedido formulado pelo Autor.

2 - Atenta a causa de pedir, tal qual o Apelante a configurou na petição inicial chamando à colação o regime legal das penas disciplinares militares e os efeitos que a lei lhes atribui, deveria ter sido levado aos factos provados, e deve ser aditado o seguinte facto: “Após ter apresentado o pedido de renovação do contrato referido em 5 dos factos provados, o A. foi sujeito a avaliação extraordinária, avaliação essa que foi positiva” (facto alegado pelo Apelante e provado por confissão).

3 - Está assente que (2 e 3 dos Factos Provados) que por decisão de 02/07/2014 do Comandante da BA6, o A. foi punido com 15 dias de Proibição de Saída, por ter sido dado como provado que praticou actos de praxe.

4 - Dispõe o art. 45º do RDM (Lei Orgânica nº 2/2009, de 22 de Junho, que “As penas disciplinares produzem unicamente os efeitos declarados no presente Regulamento, sem prejuízo das consequências no âmbito da avaliação de mérito, nos termos da lei.” (negrito e sublinhado nossos).

5 - Os efeitos da pena de proibição de saída estão previstos no art. 46º do RDM e, quanto a praças, cingem-se à proibição de saída da Unidade (quanto a oficiais e sargentos há a possibilidade, em acréscimo, de acarretarem transferência de Unidade).

6 - O regime de contrato (RC), para todos os efeitos legais é equivalente ao contrato administrativo de provimento e o militar contratado é equiparado a agente administrativo, aplicando-se-lhe o Estatuto dos Militares das Forças Armadas, com as necessárias adaptações (art. 45º do Regulamento da Lei do Serviço Militar – DL 289/2000, doravante designado RLSM).

7 - De acordo com o art. 298º do Estatuto dos Militares das Forças Armadas (DL 236/99, doravante designado EMFAR), o militar em RC é avaliado (avaliação do mérito), relevando essa avaliação para efeito de renovação do contrato.

8 - Ainda de acordo com o EMFAR a avaliação dos militares em RC é efectuada por regulamento próprio: Regulamento de Avaliação do Mérito dos Militares em RV e RC, que será aprovado por portaria do Ministro da Defesa Nacional (MDN), sob proposta do Conselho de Chefes de Estado-Maior (CCEM) – vg art. 298º, nº 2 e art. 42º, 2 do EMFAR.

9 - Não tendo esse Regulamento sido aprovado, na Força Aérea Portuguesa a avaliação dos militares é feita através do Regulamento de Avaliação do Mérito dos Militares da Força Aérea (REAMMFA – Portaria 976/2004) que estabelece o SIAMMFA, que, não sendo o Regulamento previsto no art. 298º, nº 2 do EMFAR, refere, contudo aplicar-se aos militares em RC que estarão sujeitos a avaliação periódica com referência a 30 de Abril de cada ano, durante o período inicial do contrato, e a avaliação extraordinária para efeito de prorrogação do RC – arts. 14º e 15º.

10 - Após ter apresentado o pedido de renovação do contrato sobredito, foi sujeito a avaliação extraordinária, avaliação essa que foi positiva.

11 - Com a cessação do contrato o A. teria e tem direito ao pagamento da prestação pecuniária prevista no art. 21º, nº 2 do DL 320-A/2000 (RIPSMRCV), pois que a punição com a pena de proibição de saída não pode, nos termos da lei, produzir quaisquer outros efeitos que não a proibição de saída da Unidade.

12 - A punição com 15 dias de proibição de saída não pode, por imperativo legal que veda quaisquer outros efeitos que não os supra enunciados nas conclusões 4 e 5 supra, relevar como constituindo fundamento para o termo da prestação do serviço militar por motivo imputável ao Apelante.

13 - A douta sentença sub judice violou o disposto no art 94º, nºs 2 e 4 do CPTA, art. 45º da Lei Orgânica nº 2/2009 de 22 de Junho e art.º 42º e 298º do DL 236/99,

Termos em que, revogando a douta sentença recorrida V.Exªs farão,
JUSTIÇA.”
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A Recorrida apresentou Contra-alegações [Cfr. fls. 130 a 139 dos autos em suporte físico], no âmbito das quais, a final, elencou as conclusões que ora se reproduzem:

Em conclusão:

a) O Recorrente invoca erro de Direito na sentença do TAF do Porto ao não dar provimento à interpretação de que a sanção disciplinar a que foi sujeito apenas podia ter efeitos no plano disciplinar;
b) O Recorrente invoca erro de Direito na sentença do TAF do Porto ao não dar provimento ao pedido de atribuição de subsídio de reintegração findo o serviço militar.
c) O TAF do Porto decidiu bem em toda a linha, pelo que a sentença não merece críticas.
d) Praticamente em vésperas de renovação de prestação de serviço militar em regime de contrato com a Força Aérea, o ora Recorrente foi punido com sanção disciplinar relevante, por ter praticado rituais de praxe, nem sabendo que tal era totalmente proibido
e) A sanção foi registada no seu processo individual
f) O militar requereu a renovação do contrato com a Força Aérea por mais um ano de serviço.
g) Em fase de apreciação e avaliação do seu requerimento, o seu registo disciplinar teve necessariamente e nos termos legais de ser tomado em conta.
h) Nos termos do n.º 2 do artigo 28.º da Lei do Serviço Militar (Lei n.º 174/99, de 21SET), o contrato deve ser renovado sempre que permaneça vaga no respectivo efectivo das Forças Armadas, se o militar contratado se manifestar nesse sentido e tiver classificação de serviço que o permita
i) O artigo 300.º, n.º 2, alínea b) do EMFAR estabelece que o vínculo contratual correspondente à prestação de serviço efectivo em RC e RV caduca, designadamente, não havendo renovação do contrato, pelos motivos previstos no n.º 2 do Artigo 28.º da LSM, ou seja, se tiver classificação de serviço que o permita.
j) A classificação de serviço é determinada pelo registo disciplinar, avaliação individual, registos médicos e outros elementos considerados relevantes
l) Os órgãos de gestão de pessoal da Força Aérea entenderam que o militar, atento o seu registo disciplinar recente e os motivos que lhe deram origem, não tinha classificação de serviço que fundamentasse a renovação da prestação de serviço militar.
m) A renovação de contrato não é um mero procedimento administrativo, rotineiro, pelo que a o ora Recorrente foi avaliado em todos os seus parâmetros, sendo que o comportamento disciplinar foi relevante.
n) Mal seria se a Força Aérea estivesse obrigada a manter nas fileiras militares com registo disciplinar relevante.
o) Foi por motivos imputáveis exclusivamente ao militar – o seu comportamento disciplinar – que o contrato não foi renovado por mais um ano.
p) No tocante ao subsídio de reintegração, nos termos do art.º 43.º do OE para 2012 (Lei 64-B/2011), que alterou o artigo 21.º do Regulamento de Incentivos (DL 320/2007) não haverá pagamento de subsídio de reintegração se o contrato for rescindido por motivos imputáveis ao militar.
q) A infracção disciplinar é um facto/motivo imputável ao próprio.
r) Não fosse a infracção disciplinar, o normal seria a continuação da prestação de serviço militar por parte do ora Recorrente.
s) Atribuir subsídio de reintegração a quem cometeu infracções disciplinares relevantes, tal como aqueles que cumpriram exemplarmente as suas obrigações, seria tratar de forma igual quem não teve comportamentos idênticos.

Nestes termos e nos demais de Direito, deverá esse TCA Norte manter, por inteiramente justa e correcta, a decisão do TAF do Porto recorrida, negando assim a pretensão do Recorrente.”
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O Ministério Público junto deste Tribunal não emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo para o efeito, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC, sido obtida a concordância dos Meritíssimos Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente].

Assim, as questões suscitadas pelo Recorrente e patenteadas nas conclusões das suas Alegações resumem-se, em suma e a final, em apreciar e decidir sobre se a Sentença recorrida padece de erro de julgamento na apreciação da matéria de facto [por não ter dado como provada, factualidade por si alegada na sua Petição inicial e não impugnada pela Ré na sua Contestação, ora Recorrida – Cfr. conclusões 1 e 2], assim como de erro de julgamento de direito [por ter decidido que não tem direito a receber a prestação pecuniária prevista no artigo 21.º, n.º 1 do Regulamento de Incentivos à Prestação de Serviço Militar nos Regimes de Contrato (RC) e de Voluntariado (RV), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 320-A/2000, de 15 de dezembro [na redacção conferida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro – Cfr. conclusões 4 a 12].
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III - FUNDAMENTOS
IIIi - DE FACTO

No âmbito da factualidade considerada pela Sentença recorrida, dela consta o que por facilidade para aqui se extrai como segue:

III – Fundamentação de facto:
Factos provados:
Consideram-se provados os seguintes factos, com relevo para a decisão da causa:
1) O A. foi incorporado na Força Aérea em 14/07/2008 e ingressou nas fileiras, em 06/07/2009, no regime de contrato, por dois anos, efetuando ulteriormente renovações anuais (cfr. doc. de fls. 8 a 16 do suporte físico do processo).
2) Foi instaurado processo disciplinar contra o A. em resultado da prática de atos de praxe sobre outros militares nos meses de dezembro de 2013, janeiro e fevereiro de 2014 (cfr. relatório do procedimento disciplinar de fls. 71 a 75 do suporte físico do processo).
3) Em 02/07/2014 foi proferido despacho pelo Comandante da Base Aérea n.º 6, tendo por base o teor do relatório final do procedimento disciplinar, que determinou a aplicação ao A. da pena de 15 dias de proibição de saída, nos termos dos art.os 30.º, n.º 1, alínea c), e 33.º, n.º 1, do Regulamento de Disciplina Militar, pelo facto de o A., com a prática dos factos que lhe foram imputados, não ter cumprido os deveres especiais de obediência, autoridade, camaradagem e correção, tendo agido com um grau de culpa elevado (cfr. doc. de fls. 77 e 78 do suporte físico do processo).
4) O A. interpôs recurso hierárquico do despacho punitivo que antecede, tendo o mesmo sido indeferido por decisão de 23/07/2014 do Chefe de Estado-Maior da Força Aérea, que manteve o despacho recorrido (cfr. doc. de fls. 80 a 82 do suporte físico do processo).
5) Uma vez que o seu contrato terminava em 31/08/2014, o A. requereu junto do R. a sua renovação pelo período de um ano, com efeitos a partir de 01/09/2014 até 05/07/2015 (cfr. doc. de fls. 84 e 85 do suporte físico do processo).
6) O pedido de renovação do contrato foi indeferido por despacho do Diretor de Pessoal de 25/07/2014, com a seguinte fundamentação:
(…)
1. De acordo com o disposto no n.º 2, do art.º 28.º da LSM, o contrato deve ser renovado sempre que permaneça vaga no respetivo efetivo das Forças Armadas, se o militar se manifestar nesse sentido e tiver classificação de serviço que o permita.
2. Considera-se que a ‘classificação de serviço’, prevista no n.º 2, do art.º 28.º da LSM, é um conceito que encerra, de forma cumulativa, todos os elementos previstos no parágrafo 26 do Despacho do CEMFA n.º 44/03/A, de 12NOV, dos quais depende a decisão da renovação ou não do contrato, nomeadamente:
a. Registo disciplinar e criminal;
b. Avaliação Individual;
c. Registos médicos e toxicológicos;
d. Outros elementos considerados relevantes.
3. Relativamente ao seu registo disciplinar verifica-se que o militar foi punido por despacho do Comandante da BA6, de 02JUL2014, com pena de 15 dias de Proibição de Saída. Em 23JUL2014, o CEMFA indeferiu o recurso hierárquico necessário interposto pelo militar, mantendo o despacho punitivo.
4. De acordo com o disposto no n.º 1, do art.º 15.º do EMFAR, o militar deve, em todas as situações, pautar o seu procedimento pelos princípios éticos e pelos ditames da virtude e da honra, adequando os seus atos aos deveres decorrentes da sua condição de militar e à obrigação de assegurar a sua respeitabilidade e o prestígio das Forças Armadas.
5. Em função do seu registo disciplinar, torna-se evidente que o requerente revela um comportamento desadequado à sua condição de militar, não tendo por isso classificação de serviço que permita a renovação do seu contrato
(cfr. doc. de fls. 84 e 85 do suporte físico do processo).
7) O A. foi notificado do despacho de indeferimento do seu pedido de renovação do contrato em 30/07/2014 (cfr. doc. de fls. 17 e 18 do suporte físico do processo).
8) O A. interpôs contra o ora R. ação administrativa especial visando a declaração de nulidade ou anulação do despacho do Diretor de Pessoal de 25/07/2014, que indeferiu o pedido de renovação do seu contrato, e, bem assim, a condenação do R. a reconhecer a renovação do contrato do A. pelo período de um ano e com início em 01/09/2014, com os respetivos e concomitantes direitos administrativos, ação que correu termos neste Tribunal no âmbito do processo n.º 2838/14.2BEPRT (cfr. processo no SITAF).
9) Por sentença proferida em 16/06/2016 no processo acima referido e já transitada em julgado, foi o R. absolvido da instância por falta de liquidação da taxa de justiça inicial pelo ora A. (cfr. processo no SITAF).
10) A presente ação foi instaurada em 01/12/2014 (cfr. doc. de fls. 2 do suporte físico do processo).
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Factos não provados:
Não há factos que cumpra julgar não provados com interesse para a decisão da causa, de acordo com as várias soluções plausíveis de direito.
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Os factos que foram considerados provados resultaram do exame dos documentos supra identificados, conjugados com a vontade concordante das partes, nos termos expressamente referidos no final de cada facto.
Em particular, os factos vertidos nos pontos 8) e 9) resultaram provados em face da consulta do processo n.º 2838/14.2BEPRT, expressamente invocado pelas partes nos seus articulados, no SITAF [cfr. ainda o art.º 5.º, n.º 2, alínea c), segunda parte, do CPC].”
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IIIii - DE DIREITO
Está em causa a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 23 de junho de 2017, no âmbito da qual, tendo apreciado o pedido deduzido pelo Autor [ora Recorrente] na Petição inicial, veio a julgá-lo improcedente, e tal em suma, por não ter o mesmo direito a receber a prestação pecuniária prevista no artigo 21.º, n.º 1 do Regulamento de Incentivos à Prestação de Serviço Militar nos Regimes de Contrato (RC) e de Voluntariado (RV), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 320-A/2000, de 15 de dezembro [na redacção conferida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro], porque o vínculo contratual que o mesmo detinha para com a Força Aérea foi rescindido por motivos que lhe são [ao ora Recorrente] imputáveis, por ter sido punido em sede disciplinar.

No âmbito do presente recurso [como já o fazia no articulado inicial], o Recorrente sustenta, em suma, que tem direito a essa prestação porque o seu contrato cessou, e que esse seu direito não pode ser beliscado com o facto de ter sido punido com a pena de proibição de saída, sendo que, por seu lado, a Recorrida sustenta precisamente o contrário [talqualmente o fez na Contestação], e tanto, que não foi feito o pagamento dessa prestação porque o contrato foi rescindido por motivos imputáveis ao Autor, ora Recorrente.

Cumpre então apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações, começando desde já pelo invocado erro de julgamento na apreciação da matéria de facto [por não ter o Tribunal dado como provada, factualidade por si alegada na sua Petição inicial e não impugnada pela Ré na sua Contestação, ora Recorrida – Cfr. conclusões 1 e 2].

Ora, neste domínio, refere o Recorrente que o Tribunal recorrido errou ao ter arredado do probatório factualidade que invocou em sede de causa de pedir e que era atinente ao regime legal das penas disciplinares e aos efeitos que a lei lhes atribuiu, designadamente para efeitos de renovação do contrato e/ou para pagamento da prestação após o decurso desse serviço militar.

Vejamos.

Refere o Recorrente que na Petição inicial enunciou que no âmbito do seu contrato sempre foi avaliado com avaliação positiva, o que assim também sucedeu na sequência da apresentação do pedido da sua renovação [do contrato], pois foi sujeito a avaliação extraordinária, que foi positiva, e que esta factualidade [Cfr. pontos 15, 16 e 17 da Petição inicial] devia ter sido levada em conta pelo Tribunal recorrido para efeitos de decisão da causa, pois que, na sua óptica, a avaliação positiva era factor determinante para a renovação do contrato, constituindo um facto essencial a ser apreciado por ser integrante da causa de pedir determinante do pedido formulado a final da Petição inicial, e que nessa medida devia ter sido levado ao probatório, e não o tendo feito, que o Tribunal errou na apreciação desse julgamento de facto.

Ora sendo certo que os termos e os pressupostos da decisão de não renovação do contrato não constitui objecto dos presentes autos [antes do Processo n.º 2838/14.2BEPRT, onde já foi proferida Sentença com trânsito em julgado, tendo a Ré sido absolvida da instância – Cfr. pontos 8 e 9 do probatório], depois de cotejada a Petição inicial e a Contestação em torno desta matéria atinente à avaliação extraordinária positiva, e tendo subjacente o disposto no artigo nos artigos 37.º, n.ºs 1 e 2 alínea e) do CPTA, e artigos 574.º, n.ºs 1 e 2, e 552.º, n.º 1, ambos do CPC [ex vi artigo 1.º e 42.º, n.º 1 do CPTA], constatamos que a Ré, ora Recorrida não impugnou o vertido sob a matéria em causa identificada pelo Autor sob os pontos 16, 17, 18, 38 e 39 da Petição inicial, tendo apenas feito uma mera referência sob o ponto 33.º da sua Contestação, no sentido de que a avaliação positiva é um elemento informativo para efeitos de renovação do contrato mas que não é de modo algum o garante dessa renovação.

No âmbito da sentença recorrida e em sede das questões a decidir, o Tribunal a quo fixou nos termos e para efeitos do disposto no artigo 596.º, n.º 1 do CPC, que “… a questão fundamental a decidir respeita a saber se o A. tem direito a receber, após o termo da prestação de serviço militar efetivo em regime de contrato, a prestação pecuniária prevista no n.º 1 do art.º 21.º do anexo ao Decreto-Lei n.º 320-A/2000, de 15/12, e se deve o R. ser condenado no respetivo pagamento.

Tratando estes autos de uma acção administrativa comum, que em face do pedido formulado pelo Autor visa a condenação da entidade demandada no cumprimento de deveres de prestar por ter cessado o seu contrato, que decorrem directamente do disposto no artigo 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 320-A/2000, de 15 de dezembro, e que tem por objecto o pagamento de uma quantia correspondente a um duodécimo da remuneração anual por cada ano completo [ou seja, 5 anos], julgamos que o aditamento à matéria de facto como requerido pelo Recorrente não reveste qualquer interesse para a decisão da causa segundo as soluções plausíveis de direito, pois que a questão atinente à avaliação do seu mérito [do Autor enquanto militar] apenas poderia ter a sua razão de ser se o mesmo [Recorrente] tratasse nestes autos dos fundamentos do acto administrativo que ditou a não renovação do seu contrato, o que manifestamente não é o caso.

De maneira que, por aqui tem de improceder a pretensão recursiva do Recorrente.

Cumpre agora apreciar e decidir o invocado erro de julgamento de direito, que como sustentou o Recorrente, tem subjacente o facto de o Tribunal a quo ter decidido que não tem o mesmo direito a receber a prestação pecuniária prevista no artigo 21.º, n.º 1 do Regulamento de Incentivos à Prestação de Serviço Militar nos Regimes de Contrato (RC) e de Voluntariado (RV), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 320-A/2000, de 15 de dezembro [na redacção conferida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro – Cfr. conclusões 4 a 12].

Neste conspecto e para melhor explicitação, para aqui extractamos parte da fundamentação de direito aportada na Sentença recorrida, como segue:

[…]
O Decreto-Lei n.º 320-A/2000, de 15/12, veio aprovar, em anexo, o Regulamento de Incentivos à Prestação de Serviço Militar nos Regimes de Contrato (RC) e de Voluntariado (RV), nos termos e para os efeitos previstos na Lei do Serviço Militar (Lei n.º 174/99, de 21/09).
Dispõe o n.º 1 do art.º 21.º do citado Regulamento (na redação conferida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30/12, aplicável ao caso dos autos), inserto no capítulo dedicado às “Compensações financeiras e materiais”, que “os militares que tenham cumprido serviço efetivo em RV ou em RC pelo período mínimo de dois anos têm direito, após o termo da prestação de serviço efetivo naqueles regimes, ao pagamento de uma prestação pecuniária correspondente a um duodécimo da remuneração anual por cada ano completo de serviço efetivamente prestado”.
Acrescenta, no entanto, o n.º 3 do mesmo preceito que “não há lugar ao pagamento de prestação pecuniária a que se refere o n.º 1 nas seguintes situações: a) quando, durante o serviço efetivo, o militar obtenha provimento em concurso para serviço ou organismo da Administração Pública ao abrigo do previsto nos artigos 30.º, 33.º, 34.º e 35.º do presente Regulamento; b) quando o vínculo contratual não seja renovado por iniciativa do militar ou seja rescindido por motivos imputáveis ao mesmo” (sublinhado e negrito nosso).

Ora, extrai-se da factualidade provada que, tendo o A. requerido junto do R. a renovação do seu contrato, que terminava em 31/08/2014, pelo período de um ano, com efeitos a partir de 01/09/2014 até 05/07/2015, tal pedido de renovação veio a ser indeferido por despacho do Diretor de Pessoal de 25/07/2014, com o fundamento expresso de que o A. fora punido, no âmbito de processo disciplinar contra si instaurado, com uma pena de 15 dias de proibição de saída. O R. entendeu que, “(…) de acordo com o disposto no n.º 1, do art.º 15.º do EMFAR, o militar deve, em todas as situações, pautar o seu procedimento pelos princípios éticos e pelos ditames da virtude e da honra, adequando os seus atos aos deveres decorrentes da sua condição de militar e à obrigação de assegurar a sua respeitabilidade e o prestígio das Forças Armadas. (…) Em função do seu registo disciplinar, torna-se evidente que o requerente [o ora A.] revela um comportamento desadequado à sua condição de militar, não tendo por isso classificação de serviço que permita a renovação do seu contrato” (cfr. pontos 3, 5 e 6 dos factos provados).
Ou seja, o R. decidiu não renovar o contrato que o ligava ao A. por ter concluído que, com o comportamento por este assumido anteriormente e que foi punido em sede disciplinar, não havia as condições necessárias em termos de classificação de serviço que permitissem essa renovação (sendo essa classificação um dos requisitos exigidos pelo n.º 2 do art.º 28.º da Lei do Serviço Militar para que o contrato seja renovado, até à duração máxima de seis anos do serviço efetivo em regime de contrato). A consequência dessa não renovação é, claro está, a cessação do vínculo contratual.
Note-se, ainda, que, não cabendo nesta ação apreciar a validade e legalidade da decisão que indeferiu o pedido de renovação do contrato formulado pelo A., o certo é que essa decisão, com os fundamentos nela invocados, se mantém válida e vigente na ordem jurídica, produzindo os seus efeitos, porquanto a ação administrativa especial intentada pelo ora A. tendo em vista a impugnação desse ato terminou com uma decisão judicial de absolvição do R. da instância (cfr. pontos 8 e 9 dos factos provados).
Por conseguinte, atenta a fundamentação avançada pelo R. para não permitir a renovação do contrato com o A. e assim fazer cessar a relação funcional, a outra conclusão não é possível chegar senão a de que tal vínculo foi rescindido por motivos imputáveis ao A., porquanto foi a consideração do seu comportamento, punido em sede disciplinar, que esteve única e exclusivamente na base daquela tomada de decisão.
Encontra-se, por isso, verificada, in casu, a situação excludente prevista na segunda parte da alínea b) do n.º 3 do art.º 21.º do Regulamento de Incentivos à Prestação de Serviço Militar nos Regimes de Contrato (RC) e de Voluntariado (RV), aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 320-A/2000, de 15/12 (na versão conferida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30/12, já em vigor à data dos factos aqui em causa), pelo que o A. não tem direito a auferir a prestação pecuniária que peticiona pelo termo da prestação do serviço militar.
Não colhe a argumentação do A. de que, por um lado, a punição disciplinar que lhe foi aplicada não impedia o pagamento da compensação ora peticionada, isto porque somente uma pena de cessação compulsiva do contrato revelaria que os factos imputados ao A. eram incompatíveis com a sua permanência nas Forças Armadas, nem de que, por outro lado, a pena de proibição de saída com que foi punido só pode relevar no âmbito da sua avaliação de mérito, a qual veio a ter, ainda assim, um resultado positivo.
O que resulta expressa e claramente da alínea b) do n.º 3 do art.º 21.º ora em análise é que o vínculo contratual tenha sido rescindido por motivos imputáveis ao militar, independentemente de quais sejam esses motivos, o que sucedeu no caso vertente. Foi o comportamento do A. disciplinarmente punido que levou à decisão de não renovação do seu contrato e, portanto, à sua cessação. De igual modo, se lhe tivesse sido aplicada diretamente a pena de cessação compulsiva do contrato, também estaríamos perante uma cessação imediata do vínculo contratual por motivos imputáveis ao militar, não sendo sequer necessária uma decisão de não renovação do contrato. Ambas as situações preenchem o âmbito de previsão daquela norma, pelo que, no plano dos factos, é irrelevante que ao A. não tenha sido aplicada a pena de cessação compulsiva do contrato.
Acresce que a circunstância de a sua avaliação de mérito ter tido um resultado positivo também não afasta a existência de um ato que decidiu a não renovação do seu contrato pelo facto de não estarem reunidas as condições a tanto necessárias em termos de classificação de serviço, devido ao comportamento por este assumido anteriormente e punido em sede disciplinar.
Por todo o exposto, conclui-se que o A. não tem direito, nos termos legais, ao recebimento da prestação pecuniária prevista no n.º 1 do art.º 21.º do Regulamento de Incentivos à Prestação de Serviço Militar nos Regimes de Contrato (RC) e de Voluntariado (RV), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 320-A/2000, de 15/12 (na versão conferida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30/12), o que determina a improcedência do pedido de condenação do R. no seu pagamento.
[...]“

Apreciou e decidiu o Tribunal a quo, em suma, que face ao disposto no n.º 3, alínea b) do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 320-A/2000, de 15 de dezembro, na redacção introduzida pelo artigo 43.º da lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, tendo o Autor ora Recorrente sido punido disciplinarmente, que o contrato que detinha para com a Força Aérea não foi renovado por razões/fundamentos que só a si [Autor] são imputáveis. De outra forma, que se o Autor, ora Recorrente não tivesse sido punido disciplinarmente, que então aí, inexistiriam razões/fundamentos para a não renovação, e dessa feita, que o contrato não podia deixar de ser renovado.

Mas o assim julgado não pode manter-se.

Vejamos.

O Autor, ora Recorrente estava ligado à Força Aérea em regime de contrato, contrato esse que de acordo com o disposto no artigo 45.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 289/2000, de 14 de novembro, não podia ter um período de duração inferior a 2 anos, nem superior a 6 anos.

Conforme resulta do probatório [Cfr. pontos 2, 3 e 4], foi instaurado ao ora Recorrente um processo disciplinar, no âmbito do qual lhe veio a ser aplicada pena disciplinar de 15 dias de proibição de saída, por despacho do Comandante da Base Aérea n.º 6, datado de 02 de julho de 2014, do que o mesmo interpôs recurso hierárquico para o Chefe de Estado Maior da Força Aérea, que o indeferiu por sua decisão datada de 23 de julho de 2014.

Conforme também resulta do probatório [Cfr. pontos 5 e 6], o 5.º ano do seu contrato terminava em 31 de agosto de 2014, tendo o mesmo [o ora Recorrente] apresentado requerimento para efeitos da sua renovação [para aquele que seria o 6.º e último ano de contrato], com efeitos a partir de 01 de setembro de 2014, requerimento esse que veio a ser indeferido por despacho do Director de Pessoal da Força Aérea, datado de 25 de julho de 2014, que tomando de base o disposto no artigo 28.º, n.º 2 da Lei do Serviço Militar, e bem assim, o entendimento de que a “classificação de serviço” aí mencionada tem o âmbito que lhe foi dado pelo Chefe de Estado Maior da Força Aérea, pelo ponto 26 do seu Despacho n.º 44/03/A, de 12 de novembro, ou seja, do que depende “… a decisão da renovação ou não do contrato …”, isto é, e designadamente, que para esse efeito deve ser levado em linha de conta, para além da avaliação individual, o registo disciplinar e criminal do pretendente à renovação do contrato.

Como decorre do patenteado sob os pontos 3, 4 e 5 do despacho do Director de Pessoal da Força Aérea, datado de 25 de julho de 2014, para efeitos da avaliação do pedido de renovação do contrato formulado pelo ora Recorrente, o mesmo apenas se focalizou no seu registo disciplinar, dele tendo extraído que por ter uma pena disciplinar averbada, que esse é o [único] fundamento para indeferir o pedido de renovação do contrato, porquanto se tornava “… evidente que o requerente revela um comportamento desadequado à sua condição de militar, não tendo por isso classificação de serviço que permita a renovação do seu contrato.”

Ora, por força da sua actuação em violação de normas castrenses, o militar, ora Recorrente, foi sujeito a acção disciplinar, e após corridos os devidos termos, foi-lhe aplicada a pena de 15 dias de proibição de saída [da Base aérea], tendo subjacente o disposto nos artigos 30.º, n.º 1, alínea c) e 33.º, n.º 1, ambos do Regulamento de Disciplina Militar [RDM], aprovado pela Lei Orgânica n.º 2/2009, de 22 de julho, que se concretizou/concretizava na impossibilidade de o mesmo se ausentar do aquartelamento durante esse período, mantendo sempre e de todo o modo o dever de comparecer às formaturas diárias e de efectuar o serviço para que estiver escalado. E tratando-se de um militar em regime de contrato, poderia ainda ter-lhe sido aplicada, caso tivesse sido essa a proposta do instrutor do processo disciplinar, e do responsável hierárquico pela aplicação da pena disciplinar, a pena de cessação compulsiva do regime de contrato que ligava o militar à Força Aérea, como assim dispõe o n.º 3 do referido artigo 30.º.

O Recorrente sustentou e defendeu que por decorrência do disposto no artigo 45.º, n.º 1 do RDM [aprovado pela Lei Orgânica n.º 2/2009, de 22 de julho], a pena disciplinar de que foi alvo apenas podia produzir os efeitos previstos neste mesmo Regulamento, e que dele não consta que a aplicação de qualquer pena pudesse ser determinante do não pagamento da prestação pecuniária a que se reporta o n.º 1 do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 320-A/2000, de 15 de dezembro, ou seja, de que a perda do direito à prestação pecuniária, respeitante a um mês por cada ano de serviço prestado em regime de contrato, não é [não pode ser] uma consequência de uma qualquer pena disciplinar aplicada a um militar.

Mas será que essa perda do direito à prestação pecuniária pode ocorrer quando o vínculo contratual termine [por decisão da Administração Militar] por motivos imputáveis ao militar?

A esta questão respondeu afirmativamente o Tribunal a quo pois que a Recorrida não pagou ao militar Autor a prestação a que se reporta o n.º 1 do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 320-A/2000, de 15 de dezembro quando o mesmo tinha já cumprido 5 anos de contrato, tendo extraído essas consequências do facto de lhe ter sido indeferido [ao militar] o pedido de renovação do contrato, e que essa não renovação se deu porque o militar Autor, ora Recorrente, tinha uma pena averbada no seu registo disciplinar e que por essa razão não tinha classificação de serviço que permitisse essa renovação, tendo assim a cessação do vínculo contratual ocorrido por motivos que lhe eram imputáveis.

Ora, não decorre do probatório [nem dos autos], em particular do vertido no seu ponto 6, nenhuma factualidade de onde se possa extrair que o vínculo contratual tenha sido rescindido pela Administração Militar, antes apenas, que o vínculo contratual correspondente à prestação de serviço efectivo em RC não foi renovado, quando foi apreciado nos termos e para os efeitos do artigo 28.º, n.º 2 da Lei do Serviço Militar [Lei n.º 174/99, de 21 de setembro].

Por julgarmos com interesse para a decisão a proferir, para aqui extraímos o artigo 300.º do Estatuto dos Militares das Forças Armadas (EMFAR), que foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 236/99, de 25 de junho [actual redacção], como segue

“Artigo 300.º
Cessação
1 - Constituem causas de cessação do vínculo contratual correspondente à prestação de serviço efectivo em RC e RV: [sublinhado da nossa autoria]
a) A caducidade, [sublinhado da nossa autoria] sem prejuízo do disposto no n.º 1 do Artigo 47.º do RLSM;
b) A falta de aproveitamento na instrução complementar, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do Artigo 47.º do RLSM;
c) A rescisão. [sublinhado da nossa autoria]
2 - O vínculo contratual correspondente à prestação de serviço efectivo em RC e RV caduca, designadamente: [sublinhado da nossa autoria]
a) Por falta de aproveitamento na instrução básica;
b) Não havendo renovação do contrato, pelos motivos previstos no n.º 2 do Artigo 28.º da LSM; [sublinhado da nossa autoria]
c) Quando atinja a duração máxima fixada na LSM;
d) Com o ingresso nos QP;
e) Verificando-se a impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva da prestação de serviço efectivo.
3 - O vínculo contratual correspondente à prestação de serviço efectivo em RC e RV pode ser rescindido pelo ramo onde o militar preste serviço, designadamente, nas seguintes situações: [sublinhado da nossa autoria]
a) Na pendência do período experimental, nos termos e prazos previstos no RLSM;
b) Quando a falta de aproveitamento na instrução complementar seja imputável ao militar, a título de dolo ou negligência grosseira, ficando o militar sujeito ao pagamento de indemnização ao Estado, nos termos e montantes fixados por despacho do MDN, ouvido o CCEM, tendo em conta os custos envolvidos na formação ministrada e a expectativa da afectação funcional do militar;
c) Por desistência ou eliminação nos cursos para ingresso no QP, por razões que lhe sejam imputáveis;
d) Por falta de aptidão física ou psíquica, comprovada por competente junta médica, desde que não resulte de acidente em serviço ou doença adquirida por motivo do mesmo;
e) Por falta de aptidão técnico-profissional para o desempenho das suas funções;
f) Por aplicação das sanções previstas no CJM e no RDM. [sublinhado da nossa autoria]
4 - O vínculo contratual correspondente à prestação de serviço efectivo em RC e RV pode ser rescindido pelo militar, nas seguintes situações:
a) Na pendência do período experimental, nos termos e prazos previstos no RLSM;
b) Findo o período experimental, através de requerimento do interessado dirigido ao CEM do ramo respectivo, nos termos a fixar por despacho do MDN, ouvido o CCEM.
5 - Não há lugar à rescisão do vínculo contratual, por iniciativa do militar, quando este se encontre em situação de campanha, integrado em forças fora dos quartéis ou bases, ou embarcado em unidades navais ou aéreas, a navegar ou em voo, bem como no desempenho de missões temporárias de serviço fora do território nacional.
6 - O apuramento dos factos que levam à aplicação das alíneas b), e) e f) do n.º 3 do presente Artigo, é feito em processo próprio, do qual deve constar a matéria necessária à apreciação e decisão final.” [sublinhado da nossa autoria]

De igual modo, também para aqui extraímos o artigo 45.º do Regulamento da Lei do Serviço Militar, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 289/2000, de 14 de novembro [actual redacção], como segue:

“Artigo 45.º
Regime de contrato
1 - Para todos os efeitos legais, o regime de contrato (RC) é equivalente ao contrato administrativo de provimento e o militar contratado equiparado a agente administrativo.
2 - Aos militares em RC aplicar-se-á o Estatuto dos Militares das Forças Armadas, com as necessárias adaptações. [sublinhado da nossa autoria]
3 - O serviço efectivo em RC compreende a prestação de serviço militar voluntário por um período mínimo de dois e máximo de seis anos, com vista à satisfação das necessidades das Forças Armadas ou ao eventual ingresso nos QP, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 28.º da LSM.
4 - A duração de cada contrato individual e as respectivas renovações são fixadas por despacho do chefe do estado-maior do respectivo ramo.” [sublinhado da nossa autoria]

Ora, face ao que deixamos extraído supra, o legislador disciplinou as causas de cessação do vínculo contratual em regime de contrato (RC), que as fixou [no que ora nos interessa], em causas em razão da caducidade, e causas em razão da rescisão [Cfr. artigo 300.º, n.º 1], sendo que, em torno da caducidade do vínculo contratual, o mesmo ocorre quando não haja sido deferido pedido de renovação do contrato que tenha sido requerido pelo militar, com fundamento nos motivos previstos no artigo 28.º, n.º 2 da Lei do Serviço Militar [Cfr. artigo 300.º, n.º 2, alínea b)], e por sua vez, em torno da rescisão do vínculo contratual, o mesmo pode ocorrer, por aplicação das sanções previstas no CJM [Código de Justiça Militar] e no RDM [Regulamento de Disciplina Militar], sendo que, neste domínio, ou seja, para efeitos de rescisão do contrato, os factos que serão para tanto levados em conta têm de ser apurados em processo próprio, ou seja, em processo no âmbito do qual se saiba [principalmente o militar contratado] de que é intenção da Administração Militar vir a efectuar a rescisão do contrato caso se prove a factualidade que lhe esteja imputada em sede criminal ou disciplinar [Cfr. artigo 300.º, n.º 3, alínea f) e n.º 6].

Como resulta do probatório, o pedido de renovação do contrato efectuado pelo militar [Autor, ora Recorrente] foi indeferido por despacho datado de 25 de julho de 2014, que levou em conta na sua fundamentação, essencialmente, o facto de o mesmo ter um registo disciplinar que por si só não lhe permite ter classificação de serviço que permita a renovação do contrato, que é uma das condições [cumulativas] para a renovação do contrato, a que se reporta o artigo 28.º, n.º 2 da LSM.

Portanto, face ao disposto no artigo 45.º, n.ºs 2 e 4 do Regulamento da Lei do Serviço Militar, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 289/2000, de 14 de novembro [actual redacção], se a duração de cada contrato individual e as respectivas renovações são fixadas por despacho do Chefe do estado-maior do respectivo ramo [que como decorre do despacho datado de 25 de julho de 2014, é o Despacho n.º 44/03/A, de 12 de novembro, constante a fls. 62 a 69 dos autos em suporte físico] e se ao militar Autor em regime de contrato [ora Recorrente] lhe é necessariamente aplicado o Estatuto dos Militares das Forças Armadas, o contrato que o mesmo detinha com a Força Aérea e que teve o termo do 5.º ano em 31 de agosto de 2014, não foi rescindido por esta entidade, antes caducou, por não ter sido deferida a sua renovação, o que comporta consequências diversas para efeitos da concessão da prestação pecuniária a que se reporta o artigo 21.º, n.º 1 do Regulamento de Incentivos à Prestação de Serviço Militar, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 320-A/2000, de 15 de dezembro [na redação dada pelo artigo 43.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro].

É que o n.º 3, alínea b) – 2.ª parte - do referido artigo 21.º não pode ser convocado para efeitos da sua aplicação ao caso vertente, dada a inaplicabilidade da sua previsão normativa, pois que a situação perante a qual o militar Autor foi colocado após a notificação do indeferimento do seu pedido de renovação do contrato, foi determinante da caducidade do contrato depois de decorridos 5 anos, e não da rescisão do contrato, que de resto, não resultou alegado nem provado sequer que tenha sido essa a intenção da Administração Militar.

Com a cessação do contrato que detinha para com a Força Aérea, por não lhe ter o mesmo sido renovado, assiste ao militar Autor [ora Recorrente], o direito ao pagamento de uma prestação pecuniária correspondente a um duodécimo da remuneração anual por cada ano completo de serviço efectivo prestado.

De maneira que, com base nos fundamentos enunciados supra, a pretensão recursiva do ora Recorrente tem assim de proceder.
*

E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:


Descritores: Militar; Prestação de serviço efectivo em RC; Renovação do contrato; Cessação do vínculo contratual; Pagamento de prestação pecuniária.

1 - O Regulamento de Incentivos à Prestação de Serviço Militar nos Regimes de Contrato (RC) e de Voluntariado (RV), foi aprovado e publicado por anexo ao Decreto-Lei n.º 320-A/2000, de 15 de dezembro, nos termos e para os efeitos previstos na Lei n.º 174/99, de 21/09 [Lei do Serviço Militar].

2 – Nos termos do disposto no artigo 21.º, n.º 1 do referido Regulamento [na redação dada pelo artigo 43.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro], os militares que tenham cumprido serviço efetivo em RC pelo período mínimo de dois anos têm direito, após o termo da prestação de serviço efetivo naquele regime, ao pagamento de uma prestação pecuniária correspondente a um duodécimo da remuneração anual por cada ano completo de serviço efetivamente prestado.

3 – Tendo sido instaurado ao ora Recorrente um processo disciplinar, e depois de corridos termos, tendo vindo a ser-lhe aplicada pena disciplinar de 15 dias de proibição de saída, por despacho do Comandante da Base Aérea n.º 6, datado de 02 de julho de 2014, do que o mesmo interpôs recurso hierárquico para o Chefe de Estado Maior da Força Aérea, que o indeferiu por sua decisão datada de 23 de julho de 2014, essa pena disciplinar tem aptidão para condicionar o âmbito da avaliação de mérito do militar visado e poder ser determinante para a consideração de que o mesmo não tem “classificação de serviço” que permita a renovação do seu contrato, conduzindo ao indeferimento do seu pedido.

4 – No âmbito do Estatuto dos Militares das Forças Armadas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 236/99, de 25 de junho, o legislador disciplinou as causas de cessação do vínculo contratual em regime de contrato (RC), que as fixou [no que ora nos interessa], em causas em razão da caducidade, e causas em razão da rescisão [Cfr. artigo 300.º, n.º 1], sendo que, em torno da caducidade do vínculo contratual, o mesmo ocorre quando não haja sido deferido pedido de renovação do contrato que tenha sido requerido pelo militar, com fundamento nos motivos previstos no artigo 28.º, n.º 2 da Lei do Serviço Militar [Cfr. artigo 300.º, n.º 2, alínea b)], e por sua vez, em torno da rescisão do vínculo contratual, o mesmo pode ocorrer, por aplicação das sanções previstas no CJM [Código de Justiça Militar] e no RDM [Regulamento de Disciplina Militar], sendo que, neste domínio, ou seja, para efeitos de rescisão do contrato, os factos que serão para tanto levados em conta têm de ser apurados em processo próprio, ou seja, em processo no âmbito do qual se saiba [principalmente o militar contratado] de que é intenção da Administração Militar vir a efectuar a rescisão do contrato caso se prove a factualidade que lhe esteja imputada em sede criminal ou disciplinar [Cfr. artigo 300.º, n.º 3, alínea f) e n.º 6].

5 – Sendo a duração de cada contrato individual e as respectivas renovações fixadas por despacho do Chefe do estado-maior do respectivo ramo [que como decorre do despacho datado de 25 de julho de 2014, é o Despacho n.º 44/03/A, de 12 de novembro] e se ao militar Autor em regime de contrato [ora Recorrente] lhe é necessariamente aplicado o Estatuto dos Militares das Forças Armadas, o contrato que o mesmo detinha com a Força Aérea e que teve o termo do 5.º ano em 31 de agosto de 2014, não foi rescindido por esta entidade, antes caducou, por não ter sido deferida a sua renovação, o que comporta consequências diversas para efeitos da concessão da prestação pecuniária a que se reporta o artigo 21.º, n.º 1 do Regulamento de Incentivos à Prestação de Serviço Militar, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 320-A/2000, de 15 de dezembro [na redação dada pelo artigo 43.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro].

6 - Constitui causa de cessação do vínculo contratual, a caducidade do contrato por não ter sido deferido o pedido da sua renovação, assistindo ao militar Autor [ora Recorrente], neste circunstancialismo, o direito ao pagamento de uma prestação pecuniária correspondente a um duodécimo da remuneração anual por cada ano completo de serviço efectivamente prestado.
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IV – DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência em conceder provimento ao recurso interposto pelo Recorrente T., e consequentemente, em revogar a Sentença recorrida, e julgar procedente o pedido deduzido a final da Petição inicial.
*

Custas a cargo da Recorrida.
**
Notifique.
*
Porto, 16 de outubro de 2020.

Paulo Ferreira de Magalhães
Fernanda Brandão
Hélder Vieira