Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02012/12.2BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/12/2015
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:CONVOLAÇÃO
JUNÇÃO DOCUMENTOS
ALTERAÇÃO DECISÃO MATÉRIA DE FACTO
Sumário:1. O disposto no artigo 651.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC) permite a junção de documentos, em fase de recurso, com as alegações e as contra-alegações, quando esta se torne necessária em virtude do julgamento efectuado em 1.ª Instância.
2. Impõe-se a alteração da decisão da matéria de facto pelo tribunal superior, nos termos do artigo 662.º, n.º 1 do CPC, por força de documento junto aos autos posteriormente à decisão proferida em 1.ª Instância.
3. Constituem obstáculos à convolação processual, a inadequação do pedido formulado e a intempestividade, por referência à forma processual correcta.
4. Não obsta à convolação de impugnação judicial em oposição à execução fiscal, se o responsável subsidiário foi pessoalmente citado para a reversão em 13/11/2012 e a petição inicial foi apresentada em 27/11/2012 – cfr. artigo 203.º do CPPT.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:L...
Recorrido 1:IGFSS
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

L…, NIF 1…, com domicílio na Rua…, S. Mamede de infesta, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, proferida em 17/12/2012, que rejeitou liminarmente a impugnação deduzida, por erro na forma de processo e impossibilidade de convolação.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
I - A MM.a Juiz “a quo” considerou o seguinte: dos autos, resulta, pois, que o Impugnante pretende reagir contra o despacho de Reversão, que reverteu para si a título subsidiário, as dívidas da devedora originária B…, LDA., proferido pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social de Braga, e não contra a legalidade de qualquer ato de liquidação.
II - Assim, o meio processual adequado para reagir contra a decisão de reversão de dívida cobrada em execução fiscal não é a Impugnação Judicial, mas a Oposição à Execução Fiscal, regulada nos artigos 97.°, n.° 1, alínea o), e 203.° e seguintes do mesmo Código.
III - Nesta conformidade, conclui-se, pois, que houve erro na forma de processo, uma vez que a Impugnação Judicial não é o meio processual adequado para apreciar as questões suscitadas pelo Impugnante na petição inicial.
IV - O pedido é, como vimos, consentâneo com a Oposição à Execução Fiscal.
V - Havendo erro na forma de processo, a convolação só e admissível, para além da idoneidade da respetiva petição para o efeito, desde que não seja manifesta, a improcedência ou extemporaneidade da petição apresentada, em função do meio processual adequado (cfr., entre outros, Acs. do STA de 30-09-2009, Proc. 0587/09 e de 25-03-2009, Proc. 074/09).
VI - Compulsados os autos, verificamos que o Impugnante confessa, no artigo 8.° da petição inicial, que: «(...) em 17/10/2012, o I. recebeu uma notificação da referida Reversão», o que é corroborado pelo doc. 8 junto à PI, do qual resulta igualmente que foi o Impugnante citado da reversão em 17/10/2012, ora, tendo a petição dos presentes autos sido apresentada em 04/12/2010 (?), (pensamos que a MM. a Juiz queria dizer 04/12/2012), é manifesto que a mesma se mostra intempestiva.
VII - Em face desta decisão, o aqui recorrente apercebe-se do lapso de escrita no seu artigo 8º da Petição Inicial, quando disse que o opoente recebeu a notificação da reversão em 17/10/2012, quando na verdade queria dizer, que recebeu a notificação datada de 17/10/2012.
VIII - Pois, na realidade a notificação apenas foi recebida pelo opoente/recorrente em 13/11/2012, como aliás, consta do aviso de recepção.
IX - Perante esta situação, o opoente/recorrente deu conhecimento à MM.ª Juiz “a quo” de tal facto, através de requerimento a si dirigido, requerendo que o lapso de escrita fosse atendido e assim desse sem efeito a sentença proferida nos autos e o prosseguimento da oposição à execução fiscal, tendo sido emitido o seguinte despacho:
(...) “Na verdade, o pedido subjacente ao requerimento apresentado, contende diretamente com o núcleo essencial da Sentença já proferida, pelo que cairemos no âmbito do denominado princípio do esgotamento do poder jurisdicional do juiz depois de proferida a Sentença, consagrado no artigo 666.º do CPC, porquanto o Juiz apenas pode e deve resolver as questões e incidentes que surjam posteriormente e que não exerçam influência na Sentença ou despacho que emitiu, o que não é manifestamente o caso.
Pelo exposto, indefere-se o requerido.”
X - Na realidade, a notificação foi recebida em 13/11/2012 e a oposição apresentada em 04/12/2012, logo dentro do prazo dos 30 (trinta) dias para deduzir oposição.
XI - Porém, é um facto que existe lapso de escrita no artigo 8.° da oposição, mas entendemos que a forma não se pode sobrepor à substância, uma vez que, in casu, tal conduziria inevitavelmente a uma injustiça material, o que não é consentânea com a realização que a justiça visa alcançar.
XII - Não significa isto que a MM.ª Juiz “a quo” tivesse decidido erradamente, decidiu de acordo com os dados que foram carreados para o processo, nomeadamente por aquilo que foi dito nas peças processuais pelo aqui recorrente, que inconscientemente deu informações erradas, erro que pesou contra si.
XIII - Relevando V. Exas. o lapso do aqui recorrente e, revogando a decisão ora posta em crise, farão com que a substancia se sobreponha à forma, bem como ordenando a convolação do processo por se cumprir os requisitos legais e assim o prosseguimento dos autos.
XIV - Assim, apesar do mérito da decisão da MMª Juiz, esta indubitavelmente, sobrepõe a verdade FORMAL à verdade SUBSTANCIAL.
Termos em que, se Requer a Vas. Exas. Srs. JUÍZES CONSELHEIROS, se dignem REVOGAR a decisão posta em crise, ordenando a baixa do processo à 1ª Instância, e a convolação do processo, a fim de os autos prosseguirem, privilegiando-se assim a Substância em detrimento da Forma, com o que, assim se fazendo, se fará a sempre esperada Justiça.
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Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 186-187 dos autos, no sentido da procedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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Objecto do recurso - Questões a apreciar e decidir:
A questão suscitada pelo Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, prende-se, essencialmente, com o erro de julgamento, que determinou a rejeição da impugnação judicial por verificação de erro na forma do processo e inviabilidade de convolação.

II. Fundamentação

1. Matéria de facto

Vigora no direito português o modelo de apelação restrita, de acordo com o qual o recurso não visa o reexame, sem limites, da causa julgada em 1.ª Instância, mas tão- somente a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o Tribunal “a quo” no momento em que proferiu a sentença. Como resulta de uma jurisprudência uniforme e reiterada, os recursos são meios processuais de impugnação de anteriores decisões judiciais e não ocasião para julgar questões novas. Em princípio, não pode alegar-se matéria nova nos Tribunais Superiores, em fase de recurso, não obstante o Tribunal “ad quem” tenha o dever de apreciar as questões de conhecimento oficioso. Daí que, não devam ser juntos documentos novos na fase de recurso. A lei, porém, prevê excepções.
Uma delas é a prevista no artigo 651.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC), na redacção introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26/6: quando a junção de documentos se torne necessária em virtude do julgamento proferido em 1.ª Instância (cfr. a norma anterior ao novo CPC – artigo 693.º-B do CPC).
No que diz respeito à hipótese de junção de documentos quando esta se torne necessária em virtude do julgamento efectuado em 1.ª Instância, o advérbio “apenas”, usado no artigo 651.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, significa que a junção só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida a decisão na 1.ª Instância, isto é, se a decisão da 1.ª Instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento. A lei quis, manifestamente, cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes da decisão da 1.ª Instância ser proferida (cfr. Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.533 e 534).
Ora, lidas as alegações e conclusões de recurso, parece-nos claro que o Recorrente apoia a junção dos documentos, nesta fase, por considerar que a mesma apenas se tornou necessária em resultado do julgamento em 1.ª Instância, por aí se ter decidido pela verificação da caducidade do direito de acção e, consequentemente, pela inviabilidade de convolação.
Efectivamente, na presente situação, a factualidade considerada na decisão recorrida resultou de afirmação do impugnante no artigo 8.º da sua petição inicial, que foi entendida com a natureza de confissão, por se ter referido expressamente à data em que recebeu a notificação da reversão do processo de execução fiscal.
O aqui Recorrente somente com a fundamentação constante da decisão em crise se apercebe do erro em que induziu o juiz “a quo” ao afirmar que em 17/10/2012 recebeu uma notificação da reversão, uma vez que, afinal, queria ter escrito que recebeu a notificação datada de 17/10/2012, pois na realidade a notificação apenas foi recebida em 13/11/2012 – cfr. conclusões VII e VIII das alegações de recurso.
Por conseguinte, entende-se estar verificada uma das circunstâncias que a lei considera, a título excepcional, como justificativa da apresentação de documentos com as alegações de recurso (aqui, posteriormente à decisão proferida em 1.ª Instância), donde decorre que a junção dos mesmos deve ser admitida, para conhecimento da tempestividade do exercício do direito de acção e ponderação de convolação, questão esta, aliás, do conhecimento oficioso.
Nesta conformidade, tendo em conta o disposto no artigo 651.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, com interesse para a decisão do presente recurso, considera-se apurada a seguinte factualidade, nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º 1 do Código de Processo Civil - alterando a decisão proferida sobre a matéria de facto - considerando documento carreado supervenientemente:
1. O ora recorrente recebeu o ofício n.º 33326 de 06/11/2012, datado de 17/10/2012, contendo citação pessoal da reversão do processo de execução fiscal n.º 0301200900041432 e apensos, em 13/11/2012 – cfr. documentos constantes de fls. 71 a 73 (data em que foi conseguida a entrega da carta), 183 (aviso de recepção), 191 a 194 do processo físico e fls. 69 a 73 do original do processo de execução fiscal n.º 0301200900041432 apenso aos autos.
2. A petição inicial, que deu origem aos presentes autos, foi apresentada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga em 27/11/2012 – cfr. registo dos CTT, Correios, constante do envelope que continha a petição inicial a fls. 49 do processo físico.

2. O Direito

O Recorrente não coloca em causa o julgamento efectuado com respeito à verificação de erro na forma do processo, pois a decisão recorrida concluiu que a forma processualmente adequada para satisfazer a pretensão do impugnante seria a oposição à execução fiscal.
Foi no circunstancialismo de ponderação da possibilidade de convolação, nos termos do artigo 98.º, n.º 4 do CPPT e do artigo 97.º, n.º 3 da LGT, que o Tribunal a quo teve necessidade de verificar se estariam reunidos os respectivos requisitos, nomeadamente, a tempestividade da acção.
Quanto ao dever de determinar a convolação processual, sempre que possível, tal prende-se com o princípio “pro actione”, no sentido de promover a celeridade processual sempre que não existam obstáculos que a impeçam (cfr. artigo 97.º da LGT), sendo que tem sido entendido que constituem obstáculos a essa mesma convolação, a inadequação do pedido formulado e a intempestividade, por referência à forma processual correcta, precisamente como foi decidido pelo tribunal a quo.
A convolação justifica-se por razões de economia processual, pelo que só deve ser efectuada quando tiver alguma utilidade. Não deve operar-se, sob pena da prática de actos inúteis, proibida por lei, a convolação de uma impugnação judicial em oposição à execução fiscal, se a petição é intempestiva para o efeito. Assim entendeu a decisão recorrida.
Vejamos, então, se se revela inviabilizada a convolação da presente acção na forma processualmente adequada, por se mostrar ultrapassado o prazo previsto no artigo 203.º do CPPT.
A factualidade considerada na decisão recorrida resultou de afirmação do impugnante no artigo 8.º da sua petição inicial, que foi entendida com a natureza de confissão, por se ter referido expressamente à data em que recebeu a notificação da reversão do processo de execução fiscal.
Atendendo à prova documental disponibilizada nos autos posteriormente à prolação da decisão em 1.ª Instância, impôs-se, como vimos, a alteração da factualidade apurada, nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º 1 do CPC; uma vez que, afinal, o impugnante transmitiu o facto de forma imperfeitamente expressa. Na verdade, queria escrever que recebeu a notificação datada de 17/10/2012, pois na realidade a notificação apenas foi recebida em 13/11/2012 – cfr. conclusões VII e VIII.
Efectivamente, o facto de se ter apurado que o recorrente foi citado da reversão do processo de execução fiscal n.º 0301200900041432 e apensos em 13/11/2012 altera, necessariamente, o julgamento efectuado em 1.ª Instância.
Não se tendo podido manter a data que a sentença recorrida considerou efectuada a citação (reversão), verifica-se que o prazo previsto no artigo 203.º do CPPT para deduzir oposição foi, afinal, respeitado.
Ora, tendo a petição inicial sido apresentada em 27/11/2012, constata-se que desde a data da citação pessoal do recorrente em 13/11/2012 ainda não havia decorrido os 30 dias previstos no referido artigo 203.º do CPPT.
Nesta conformidade, o obstáculo da extemporaneidade da petição inicial, apontado na decisão recorrida à convolação, não se verifica. Pelo que, se nada mais a isso obstar, os presentes autos devem ser convolados em oposição à execução fiscal, seguindo-se os ulteriores termos; não podendo manter-se, pois, a decisão recorrida.

Na medida em que o sentido decisório proferido pelo tribunal a quo se deveu a causa imputável ao ora Recorrente, por ter assumido a data da sua citação em 17/10/2012, será responsável pelas custas referentes ao presente recurso, não obstante o provimento do mesmo, por se entender que lhe deu causa – cfr. artigo 527.º, n.º 1 do CPC.

Conclusões/Sumário

1. O disposto no artigo 651.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC) permite a junção de documentos, em fase de recurso, com as alegações e as contra-alegações, quando esta se torne necessária em virtude do julgamento efectuado em 1.ª Instância.
2. Impõe-se a alteração da decisão da matéria de facto pelo tribunal superior, nos termos do artigo 662.º, n.º 1 do CPC, por força de documento junto aos autos posteriormente à decisão proferida em 1.ª Instância.
3. Constituem obstáculos à convolação processual, a inadequação do pedido formulado e a intempestividade, por referência à forma processual correcta.
4. Não obsta à convolação de impugnação judicial em oposição à execução fiscal, se o responsável subsidiário foi pessoalmente citado para a reversão em 13/11/2012 e a petição inicial foi apresentada em 27/11/2012 – cfr. artigo 203.º do CPPT.

III. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida, e determinar a baixa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, a fim de serem convolados na forma processual adequada, se a isso nada mais obstar, seguindo-se os ulteriores termos.

Custas a cargo do Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.

D.N.

Porto, 12 de Fevereiro de 2015.
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Fernanda Esteves