Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02182/16.0BEBRG-R1
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/12/2018
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA DA DECISÃO DO RELATOR
Sumário:
I-Não pode recorrer quem tiver aceitado a decisão;
I.1-visto o conteúdo do pedido de renovação da instância apresentado pelo Autor resulta evidente que este se conformou com a decisão final de desentranhamento da petição e consequente absolvição da Ré nos autos, pois que, se tivesse da mesma discordado, certamente teria interposto recurso da decisão, já que é apenas esse o meio processualmente admissível para recorrer da decisão proferida em 1ª instância;
I.2-não deixa de parecer contraditório que o Autor/Recorrente, após aceitar a decisão proferida, venha apenas dela recorrer quando tomou conhecimento que não seria legalmente admissível o meio processual de que lançou mão para evitar a absolvição da instância da Ré, ora Recorrida. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:ARC
Recorrido 1:Freguesia de T....
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Reclamação
Decisão:
Manter a decisão objecto de reclamação
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:RELATÓRIO
Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
Em 28/06/2018 foi proferida a decisão sumária que ora se transcreve:
ARC, residente na Quinta V…, B…, intentou acção administrativa de reconhecimento de um direito subjectivo contra a Freguesia de T....
Em 6 de dezembro de 2017 foi proferida decisão de absolvição da instância da Ré por não pagamento da taxa de justiça devida pelo Autor.
Esta sentença foi notificada a este por ofício datado de 7 de dezembro de 2017.
Em 18 de dezembro de 2017 o Autor requereu o seguinte: (…) 1. Foi o aqui Requerente notificado da sentença proferida pelo tribunal, absolvendo o Réu da instância por falta de comprovativo de pagamento de taxa de justiça.
Ao abrigo do artigo 560º do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 79º, nº 7 do CPTA, requer-se a renovação da instância, com a apresentação de nova petição por parte do aqui Autor, que ora se junta com os respectivos documentos (…)”.
Em 24 de janeiro de 2018, o Autor apresentou requerimento de interposição de recurso da sentença proferida em 6 de Dezembro de 2017.
Foi então proferido pelo TAF de Braga o seguinte Despacho:
Vejamos.
Dispõe o art. 632º, sob a epígrafe “Perda do direito de recorrer e renúncia ao recurso”, no nº 2 do CPC, aplicável ex vi do art. 140º nº 3 do CPTA, que “Não pode recorrer quem tiver aceitado a decisão depois de proferida.”.
Por sua vez o nº 3 deste dispositivo preceitua que “A aceitação da decisão pode ser expressa ou tácita; a aceitação tácita é a que deriva de qualquer facto inequivocamente incompatível com a vontade de recorrer.”.
Ora, neste caso em concreto, parece-nos evidente que o Autor Recorrente adoptou uma posição processual que só deve ser entendida como aceitando a decisão constante da sentença proferida nestes mesmos autos.
Na verdade, a decisão objecto de recurso, conforme já supra referido, absolveu o réu da instância por falta de pagamento da taxa de justiça devida pela interposição da presente acção e, na sequência de tal decisão, o Autor recorreu à faculdade constante do art. 79º nº 7 do CPTA e requereu a renovação da instância com apresentação de nova petição inicial, documentos e comprovativo do pagamento da taxa de justiça.
Deste modo, das duas uma: ou aceita a sentença proferida e requer a renovação da instância ou não a aceita e recorre da mesma.
Não pode é pretender, por um lado, aceitar a decisão e agir em conformidade com a mesma solicitando a renovação da instância e depois recorrer da sentença por dela discordar.
Perante esta atitude dualista do Autor e o disposto nos nºs 2 e 3 do art. 632º do CPC entendemos que tacitamente o Autor perdeu o direito de recurso da decisão judicial proferida nestes autos em 6 de Dezembro de 2017.
Pelo exposto, indefere-se o requerimento de recurso apresentado pelo Autor (art. 145º nº 2 al. a) do CPTA).
Este Despacho está ora posto em crise.
Cumpre apreciar e decidir.
Fundamentos -
Vejamos:
Dispõe o artº 643º do CPC que:
“1 - Do despacho que não admita o recurso pode o recorrente reclamar para o tribunal que seria competente para dele conhecer no prazo de 10 dias contados da notificação da decisão.
2-O recorrido pode responder à reclamação apresentada pelo recorrente, em prazo idêntico ao referido no número anterior.
4-A reclamação, logo que distribuída, é apresentada ao relator, que, em 10 dias, profere decisão que admita o recurso ou o mande subir ou mantenha o despacho reclamado, a qual é suscetível de impugnação, nos termos previstos no n.º 3 do artigo 652.º”.
Vale isto por dizer que, ao contrário do que pretende fazer crer o Autor, a resposta da Ré à reclamação por aquele apresentada do despacho de indeferimento da interposição de recurso, é um articulado legalmente admissível e encontra o seu fundamento no citado artº 643º/2 do CPC, ex vi artºs 1º e 145º/3 do CPTA, razão pela qual não será ordenado o seu desentranhamento.
Contudo, o mesmo não se poderá dizer em relação ao requerimento apresentado pelo Autor/Reclamante, isto porque, após a resposta à reclamação apresentada, nos termos da lei processual, a reclamação deverá ser distribuída, sem possibilidade de serem apresentados novos articulados (artº 643º/4 do CPC).
Em suma:
-o Autor aproveitou para reformular toda a reclamação que anteriormente havia apresentado, atendendo ao teor da resposta apresentada pela Ré;
-aquilo que fez o Autor foi valer-se da resposta apresentada por esta - que explicita em si os inúmeros vícios da reclamação - para sanar os mesmos e, mais do que isso, para pedir o desentranhamento dessa peça, pois bem sabe que a reclamação por si apresentada não é legalmente admissível;
-de forma alguma poderá agora o Autor alegar um “mero lapso” na apresentação da sua reclamação;
-o requerimento apresentado configura um claro exemplo de um expediente manifestamente inadmissível e infundado porquanto, além de ser processualmente inadmissível, vem alterar todo o conteúdo da reclamação apresentada, dirigindo-a a um outro tribunal, apresentando conclusões inexistentes e até juntando um novo comprovativo do pagamento de uma taxa de justiça;
-aliás, neste particular será ainda pertinente evidenciar que, surpreendentemente, a taxa de justiça que agora foi junta - alegadamente emitida e liquidada para interposição da reclamação - terá sido liquidada cerca de um mês antes de ter sido proferida a decisão de indeferimento da interposição de recuso;
-tal equivale a dizer que o Autor terá liquidado a respectiva taxa de justiça ainda antes de saber que teria necessidade de apresentar a correspondente reclamação;
-além do mais, nos termos do artº 7º/4 do Regulamento das Custas Processuais, a taxa de justiça devida pelos incidentes é determinada de acordo com a tabela ii, variando entre 1 e 3 Uc’s, a liquidar pelo seu valor mínimo, sem prejuízo do pagamento do excedente, se o houver, a final, (artº 6º/6 do RCP) ou da sua sujeição a uma taxa sancionatória excepcional (artºs 531º do CPC e 10º do RCP);
-questione-se, então, a adequação do DUC apresentado e respectivo pagamento, não só quanto ao montante, mas também em relação à liquidação anterior ao acto que originou a reclamação - lê-se na resposta à reclamação e aqui corrobora-se.
Acolhendo-se a posição da Ré/Reclamada, naturalmente falecem as conclusões da alegação com a consequente manutenção na ordem jurídica do despacho sub judice;
-como dele resulta das duas uma: ou o Autor aceita a sentença proferida e requer a renovação da instância ou não a aceita e recorre da mesma.
Não pode é pretender, por um lado, aceitar a decisão e agir em conformidade com a mesma, solicitando a renovação da instância e depois recorrer da sentença por dela discordar.
Perante esta atitude dualista do Autor e o disposto nos nºs 2 e 3 do artº 632º do CPC entendemos que tacitamente o Autor perdeu o direito de recurso da decisão judicial proferida nestes autos em 6 de dezembro de 2017.
DECISÃO
Termos em que se indefere a pretensão do Autor, mantendo-se a decisão objecto de censura que indeferiu o requerimento de recurso apresentado.
X
Alegando, o Autor formulou as seguintes conclusões:
I. O aqui Autor, ora Reclamante, intentou a presente ação contra a Freguesia de T..., Braga, apresentando a competente e necessária petição inicial, sendo Contrainteressada MCLC.
II. Com tal petição, juntou pedido de proteção judiciária, que acabou por ser indeferido.
III. Por virtude do conhecimento que disso lhe foi dado pelo Tribunal, procedeu o Autor, de forma atempada, ao pagamento da 1.ª prestação da taxa de justiça, como lhe era legalmente permitido.
IV. Sucede, porém, que, mais tarde e, unicamente, por mero lapso puramente material, não censurável, juntou, ao presente processo, o comprovativo do pagamento da contrainteressada, MCLC,
V. No convencimento de que o mesmo se referia ao pagamento da 2.ª prestação da taxa de justiça por si devida.
VI. Ora, perante tal facto, foi o aqui Autor notificado no sentido de dizer o que achasse por conveniente a tal propósito,
VII. Tendo este, nessa conformidade e reiterando o supra explanado, que, alegado que só por se ter verificado tal lapso, é que juntara o comprovativo daquela supra interessada e não o comprovativo do pagamento da dita 2.ª prestação.
VIII. No entanto e apesar dos esforços demonstrados pelo Autor com vista à regularização da situação, para surpresa sua, em 6 de Dezembro de 2017, foi, sem mais, proferida sentença, pelo Juiz da 1.ª Instância, na qual este, tão só e apenas, se debruçou sobre esta matéria de não pagamento de taxa de justiça,
IX. Decidindo nela pelo desentranhamento da petição inicial e absolvição do Réu da Instância.
X. Ora, o aqui Autor/Reclamante, notificado, em 11 de Dezembro de 2017, de tal decisão e não se conformando com a mesma, requereu, de modo subsidiário, em 18 de Dezembro de 2017, a renovação da instância, ao abrigo do artigo 560.º do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 79.º, n.º7 do C.P.T.A.
XI. Juntando, com tal requerimento, os respetivos documentos e comprovativo de pagamento da taxa de justiça devida e solicitando que se considerasse apresentada a mesma na data em que o tinha sido a primeira petição inicial, para efeitos da tempestividade da sua apresentação, nos termos e para os efeitos do artigo 87.º, n.º 8 do C.P.T.A..
XII. Só que, como se passou mais de um mês sem ter sido proferida qualquer decisão sobre o assim requerido pelo Autor,
XIII. Este, por mera cautela, interpôs recurso da sentença proferida para o Tribunal Central Administrativo do Norte, em 24 de Janeiro de 2018.
XIV. No entanto, só em 7 de Março 2018, foi o aqui Autor notificado da decisão proferida pelo Tribunal, decretando o indeferimento do pedido de renovação da Instância, ordenando o desentranhamento daquela petição inicial e a, subsequente, devolução dos documentos juntos com a mesma, bem como do comprovativo do pagamento da taxa de justiça.
XV. Perante tal insólita decisão, o aqui Autor, ora Reclamante, apresentou, em 16 de Março de 2018, requerimento, chamando, em suma, à atenção do Tribunal que já havia interposto, em tempo oportuno e com legitimidade, aquele supra mencionado recurso da sentença,
XVI. Pelo que devia o mesmo subir, nos presentes autos, para esse Tribunal Central Administrativo do Norte.
XVII. Pese embora tenha sido alertado pelo Autor, para essa situação, acabou o Julgador do Tribunal de 1.ª Instância, em 13 de Abril de 2018, por proferir decisão a indeferir a apresentação do recurso interposto, invocando o disposto no artigo 145.º, n.º2, al. a) do C.P.T.A., em clara violação de tal disposição legal.
XVIII. Decisão essa de que o aqui Autor foi notificado em 16 de Abril de 2018 e de que, agora, tempestivamente e com toda a legitimidade, reclama para esse Tribunal.
XIX. Nessa conformidade, cumpre, desde logo, colocar, como assento tónico da presente reclamação, (tal como o aqui Autor/Reclamante já o fez nas alegações do recurso por si interposto) discordar da invocação feita pelo Julgador do Tribunal a quo, na sentença recorrida,
XX. Do facto do aqui Autor ter sido notificado, em Fevereiro de 2017, da decisão do pedido de proteção jurídica que formulou.
XXI. Pois, o que é certo e verdadeiro é que este só foi notificado da decisão, proferida pelo Instituto da Segurança Social, de indeferimento desse seu pedido em 31 de Agosto de 2017, através de ofício emanado pelo Tribunal a quo.
XXII. A tal propósito, se alegará que, como bem se sabe, na redação dos artigos 18.º e 29.º, da Lei 34/2004, de 29 de Julho, bastaria ao aqui Autor/Reclamante apresentar, juntamente com a petição inicial, o comprovativo de proteção jurídica,
XXIII. Ficando, a partir dessa data, suspenso o prazo para pagamento da taxa de justiça até que a decisão da Segurança Social seja notificada ao aqui Autor/Reclamante,
XXIV. O que, em suma e claramente, não sucedeu no presente caso,
XXV. Havendo, portanto e como o Autor invocou nas alegações de recurso, uma manifesta nulidade sobre a qual o Tribunal, como era sua obrigação, se devia pronunciar, sem mais.
XXVI. Tudo isto a significar que, carece de total fundamento válido a decisão proferida pelo Tribunal de 1.º Instância de indeferimento do recurso interposto pelo aqui Autor/Reclamante, de forma atempada e munido de toda a legitimidade.
XXVII. Recurso esse que, portanto, esse Tribunal, com toda a certeza, decidirá no sentido de ser admitido com o que fará, como sempre, inteira Justiça!
XXVIII. Até porque, como é evidente, o Julgador do Tribunal de 1.ª Instância, ao não admitir o Recurso interposto, violou, claramente, um dos princípios fundamentais do Processo Civil, essencialmente o Princípio da Economia Processual,
XXIX. Máximo esse traduzido numa economia de meios, maxime, sem ter de os duplicar, como resulta, insolitamente, da decisão proferida,
XXX. A qual, por si só, tipifica um claro e total prejuízo para as partes, e nenhum benefício para a Justiça, bem pelo contrário.
XXXI. Tanto mais que, a presente ação foi intentada em 21 de Novembro de 2016, tendo já havido lugar a contestação e réplica, sendo esta última datada de 06 de Junho de 2017, tendo, assim, terminado, a fase dos articulados,
XXXII. Pelo que nada justifica a repetição dos mesmos, sem mais, numa outra nova ação, perfeitamente idêntica.
XXXIII. Além disso, na mesma linha de pensamento, há que ter em consideração o, também, basilar princípio processual da estabilidade da Instância,
XXXIV. Que fundamenta a manutenção da petição inicial, que deu origem ao presente processo.
XXXV. Destaque-se que este é o pedido principal do aqui Autor/Reclamante, o qual nunca por nunca aceitou a sentença proferida, da qual, aliás, recorreu, contrariamente ao que afirma o Julgador da 1.ª Instância.
XXXVI. Sendo o pedido subsidiário, nesta sede, o da renovação da Instância, formulado só para o caso de não proceder aquele principal – cfr. artigo 554.º do Código de Processo Civil –
XXXVII. E que, tão só e apenas, revela que o Autor/Reclamante sempre teve e tem interesse processual que é um pressuposto inominado.
XXXVIII. Conclui-se, assim, que tudo isto mais se justifica, hoje, numa altura em que já se consagrou um novo paradigma da essência do processo, mais flexível e menos formal, para se alcançar uma melhor e mais célere Justiça.
XXXIX. Melhor e célere justiça essa que, no caso presente, só poderá ser alcançada, portanto, com o deferimento da presente reclamação,
XL. Como esse Tribunal, com toda a certeza, decidirá.
Termos em que e nos melhores de Direito devem proferir decisão no sentido de admissão do recurso interposto pelo Reclamante.
*
A Ré/Freguesia de T... juntou contra-alegações, concluindo:
1. O regime legal para apresentação da reclamação, estatuído nos arts. 145º, nº 3 do CPT e 643º, nº 3 do CPC, determina que esta deverá ser dirigida ao tribunal superior, apresentada na secretaria do tribunal recorrido, autuada por apenso aos autos principais e é sempre instruída com o requerimento de interposição de recurso e as alegações, a decisão recorrida e o despacho objeto de reclamação.
2. Simplesmente, compulsados os autos, parece ter o Recorrente ignorado por completo o regime legal para apresentação da reclamação, porquanto em vez de dirigir a mesma ao tribunal ad quem, fê-lo para o tribunal a quo, incompetente para dela decidir.
3. Mais do que isso, configurando a reclamação do despacho impugnado um verdadeiro recurso, a mesma não dispensa que as alegações concluam pela formulação de conclusões (arts. 637º, nº 2 e 639º CPC).
4. Ora, determinando o regime legal que a falta de apresentação de conclusões impede irremissivelmente o conhecimento do objeto do recurso, não restava outra solução ao Juiz Desembargador Relator que não indeferir a reclamação apresentada (arts. 641º, nº 2, al. b) e 639º nº 3 CPC).
5. Por outro lado, sempre se dirá ainda que a reclamação do despacho que indefere a interposição do recurso está, como aliás o próprio recurso da sentença, sujeita ao pagamento da respetiva taxa de justiça (vide, a este propósito, o acórdão do TRE de 19.11.2015, proferido no processo que correu termos sob o nº 1167/12.0TBSLV-A.E1).
6. Sucede, porém, que o Recorrente, além de não ter pago, atempadamente, a taxa de justiça devida pela reclamação, também não efetuou o pagamento devido pela interposição do recurso.
7. Curiosamente, após a resposta da Recorrida, apresentada ao abrigo do disposto no art. 643.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi art. 145.º, n.º 3 do CPTA e na qual se evidenciaram todos os vícios do articulado do Recorrente, este apresentou uma nova peça processual ¯ desrespeitando, mais uma vez, de forma clara e ostensiva as regras processuais legalmente previstas no art. 643.º, n.º 2 do CPC ¯ na qual aproveitou para reformular toda a reclamação que anteriormente havia apresentado, desta feito atendendo ao teor da resposta apresentada pela Ré/Recorrida.
8. Em boa verdade, aquilo que fez o Autor/Recorrente, com recurso a manifesta má-fé, foi valer-se da resposta apresentada pela Recorrida – que explicita em si os inúmeros vícios da reclamação – para sanar os mesmos e, mais do que isso, para pedir o desentranhamento dessa peça, pois bem sabia que a reclamação por si apresentada não poderia ser admitida.
9. A este propósito, como bem se decidiu na sentença posta em crise, sempre se dirá que de forma alguma poderá o Recorrente – como tem vindo a fazer ao longo do processo – alegar um “mero lapso” na apresentação da sua reclamação para ludibriar as partes e o Tribunal e, com recuso a essa justificação implausível e por meio de um expediente manifestamente inadmissível e infundado, porque processualmente inadmissível, alterar todo o conteúdo da reclamação apresentada, dirigindo-a a um outro tribunal, apresentando conclusões inexistentes e até juntando um novo comprovativo do pagamento de uma taxa de justiça.
10. Assim, não deixa de ser curiosamente paradoxal a postura assumida pelo Autor que se mostra tão preocupado com os princípios da economia processual, da justiça material, da estabilidade da instância, do interesse em agir, da litispendência, do caso julgado e da “jurisprudência das cautelas”, quando esquece o princípio basilar de todos eles: o da legalidade!
11. Do que vem de dizer-se, mostrando-se por demais evidente que o Recorrente não deu cumprimento às regras legalmente previstas para a apresentação do recurso nem para a apresentação da reclamação do despacho que indeferiu esse mesmo recurso, sempre deverão os mesmos ser, por isso, totalmente improcedentes.
12. Não obstante, perfilha a Recorrida do mesmo entendimento do Tribunal Administrativo e Fiscal quando considera que ao pedir a renovação da instância o Recorrente se conformou com a decisão do Tribunal e, assim, de forma tácita, renunciou ao direito ao recurso (art. 632º, nº 2 do CPC).
14. Assim sendo, não deixa de parecer contraditório que o Recorrente, após aceitar a sentença proferida, venha dela recorrer quando tomou conhecimento que não seria legalmente admissível o meio processual a que se havia socorrido para evitar a absolvição da Recorrida na instância.
15. De resto, esta situação é facilmente comprovada pelo facto de o próprio Recorrente afirmar que “por mera cautela” interpôs recurso da decisão final, uma vez que, se o fez nesses termos, então parece confessada a sua concordância com a decisão final de desentranhamento da petição inicial.
16. Além disso, ao contrário do que pretende fazer crer o Recorrente, se tivermos em consideração a data em que o pedido de renovação da instância foi apresentado (18.12.2017), resultará improcedente o seu argumento de que tal pedido tenha sido apresentado “de modo subsidiário”, de “modo condicional” e como “ultima ratio”, já que o recurso da sentença apenas foi apresentado em 24.01.2018.
17. Do exposto, conclui-se não assistir razão ao Recorrente, devendo manter-se a decisão recorrida de indeferimento da interposição do recurso apresentado ou, no mínimo, de negar provimento ao recurso apresentado.
TERMOS EM QUE, negando provimento à presente impugnação e confirmando as decisões recorridas, farão JUSTIÇA
*
Cumpre apreciar e decidir.
Vejamos:
É objecto de censura a decisão sumária supra transcrita - despacho proferido pelo Relator - que manteve a decisão de indeferimento do requerimento do recurso apresentado pelo aqui Recorrente.
Nas suas alegações, o Autor/Recorrente coloca o foco da sua discordância em relação ao despacho em crise na decisão que recaiu sobre o indeferimento do requerimento de recurso por si apresentado, pugnando pela adopção de uma diferente solução jurídica para as questões de direito submetidas à apreciação judicial.
Todavia sem razão.
Com efeito o procedimento em causa constitui um recurso manifestamente inadmissível e infundado porquanto, além de violar de forma clara e ostensiva o regime legal que lhe seria aplicável, as questões nele suscitadas mostram-se completamente destituídas de suporte factual e jurídico-legal - lê-se nas contra-alegações e aqui corrobora-se.
Começando pela análise da impugnação do despacho proferido pelo Relator que manteve a decisão de indeferimento do requerimento de recurso interposto pelo Recorrente convém salientar que, ao abrigo do disposto no artº 145º/3 do CPT “do despacho do juiz ou relator que não admita o recurso pode o recorrente reclamar, segundo o disposto na lei processual civil, para o tribunal que seria competente para dele conhecer”.
Por sua vez, estabelece o artº 643º/3 do CPC que “a reclamação, dirigida ao tribunal superior, é apresentada na secretaria do tribunal recorrido, autuada por apenso aos autos principais e é sempre instruída com o requerimento de interposição de recurso e as alegações, a decisão recorrida e o despacho objeto de reclamação”.
Ora, analisados os autos, resulta que o Recorrente não deu cumprimento ao regime legal para apresentação da reclamação, porquanto em vez de dirigir a mesma ao tribunal ad quem, fê-lo para o tribunal a quo, incompetente para dela decidir. Mais do que isso, resulta unânime da nossa doutrina e jurisprudência que a reclamação do despacho que não admite o recurso é um verdadeiro recurso, razão pela qual não se dispensa que as alegações concluam pela formulação de conclusões, sob pena de indeferimento (a título meramente exemplificativo, vejam-se os acórdãos do TRL de 17/09/2015, proferido no âmbito do processo que correu termos sob o nº 23801/13.5T2SNT-A.L1-8 e do TRG, de 14/01/2016, no proc. 3718/14.7T8VNF-A.G1).
Isto será facilmente compreensível se tivermos presente que a reclamação consiste num pedido de reapreciação de uma decisão dirigida ao tribunal que a proferiu e que o recurso é um pedido de reapreciação de uma decisão, em regra não transitada, dirigido a um tribunal de hierarquia superior, com a finalidade de a revogar ou substituir por outra mais favorável ao recorrente.
Nesta perspetiva, segue-se como corolário que não pode ser recusado, que a reclamação contra o despacho que não admita o recurso não será uma reclamação mas verdadeiramente um recurso. Esta é, aliás, a posição defendida por Miguel Teixeira de Sousa, quando afirma que “apesar de o artigo 688.º [atual 643º do CPC] a qualificar como reclamação, a impugnação do indeferimento ou da retenção do recurso pelo tribunal a quo é realmente um recurso, porque ela é dirigida ao presidente do tribunal superior que seria competente para conhecer do recurso não admitido ou retido”.
De resto, é esta natureza de verdadeiro recurso que explica a razão pela qual na regulação do respectivo procedimento, a lei se refere repetidamente ao tribunal recorrido e não, como se impunha em estrita coerência com o nomen iuris com que o designou, ao tribunal reclamado.
Partindo deste pressuposto, a reclamação do indeferimento do requerimento de interposição do recurso deveria ter incluído não apenas as alegações mas também as suas conclusões (artºs 637º/2 e 639º CPC), o que não sucedeu.
Ora, determinando o regime legal que a falta de apresentação de conclusões impede irremissivelmente o conhecimento do objecto do recurso, não restava outra solução que a não a de indeferir a reclamação apresentada pelo Recorrente (artºs 641º/2/b) e 639º/3 do CPC).
A acrescer, sempre se dirá que reclamação do despacho que indeferiu a interposição do recurso está, como aliás o próprio recurso da sentença, sujeita ao pagamento da respectiva taxa de justiça (vide, a este propósito, o acórdão do TRE de 19/11/2015, proferido no processo 1167/12.0TBSLV-A.E1).
Sucede, porém, que o Recorrente, mais uma vez, desvalorizou por completo os ónus que sobre si recaíam, não mostrando ter pago a taxa de justiça devida pela reclamação nem sequer pela interposição do recurso. Tal equivale a dizer que o Recorrente não deu cumprimento às regras legalmente previstas para a apresentação do recurso nem para a apresentação da reclamação da decisão que indeferiu a interposição de recurso; e, assim sendo, sempre tinham os mesmos de ser improcedentes, tanto mais que a decisão proferida nos autos da acção principal absolveu a Ré da instância precisamente pelo reiterado incumprimento, por parte do Autor, das regras processuais que instruem a apresentação da petição inicial.
Só após a resposta da Recorrida, apresentada ao abrigo do disposto no artº 643º/2 do CPC, aplicável ex vi artº 145º/3 do CPTA e na qual foram invocados os vícios do articulado do Recorrente é que este apresentou uma nova peça processual, ao arrepio das regras processuais legalmente previstas no citado artº 643º/2, na qual aproveitou para reformular toda a reclamação que anteriormente havia apresentado, desta feito atendendo ao teor da resposta apresentada pela Ré/Recorrida.
Em suma:
-os autos atestam que o Autor/Recorrente instaurou uma acção sem junção do comprovativo de pagamento da taxa de justiça; apresentou extemporaneamente um comprovativo de pagamento que havia sido liquidado pela contrainteressada; recorreu a expedientes incompatíveis para impugnar a decisão tomada pelo tribunal e desprezou todo o procedimento para deduzir recursos e reclamações;
-ao contrário do que afirma não se trata de meros “lapsos” mas de incumprimento das regras adjectivas que norteiam os institutos jurídicos em presença;
-para além dos invocados princípios da economia processual, da justiça material, da estabilidade da instância, do interesse em agir, da litispendência, do caso julgado e da “jurisprudência das cautelas” existe o princípio basilar da legalidade que não pode ser ignorado ou contornado;
-como bem julgou o Tribunal a quo, ao pedir a renovação da instância o Recorrente conformou-se com a decisão do Tribunal e, assim, de forma tácita, renunciou ao direito ao recurso - artº 632º/2 e 3 do CPC (artº 681º do CPC de 1961).
1-…… .
2-Não pode recorrer quem tiver aceitado a decisão depois de proferida.
3-A aceitação da decisão pode ser expressa ou tácita; a aceitação tácita é a que deriva da prática de qualquer facto inequivocamente incompatível com a vontade de recorrer.
4-…..
5-…. ;
-visto o conteúdo do pedido de renovação da instância apresentado pelo Recorrente resulta evidente que este se conformou com a decisão final de desentranhamento da petição e consequente absolvição da Ré/Recorrida nos autos, pois que, se tivesse da mesma discordado, certamente teria interposto recurso da decisão, já que é apenas esse o meio processualmente admissível para recorrer da decisão proferida em 1ª instância;
-não deixa de parecer contraditório que o Recorrente, após aceitar a decisão proferida, venha apenas dela recorrer quando tomou conhecimento que não seria legalmente admissível o meio processual de que lançou mão para evitar a absolvição da instância da Ré, ora Recorrida;
-assim não assiste razão ao Recorrente quando diz que não concorda com o despacho do Relator quando refere que tacitamente perdeu o direito de recurso porque não terá apresentado qualquer declaração expressa ou tácita de aceitação da decisão, já que resulta implícita a sua aceitação quando pediu a renovação da instância;
-além disso, ao contrário do que pretende fazer crer, se tivermos em consideração a data em que o pedido de renovação da instância foi apresentado (18/12/2017), redundará improcedente o seu argumento de que tal pedido tenha sido apresentado “de modo subsidiário”, de “modo condicional” e como “ultima ratio”, já que o recurso em apreço apenas foi apresentado em 24/01/2018.
Acolhendo-se a leitura da Recorrida naturalmente sucumbe a posição do Recorrente, pois é notório que não lhe assiste qualquer razão quanto ao pedido de deferimento do requerimento de recurso interposto.
***
DECISÃO
Termos em que se mantém a decisão objecto de reclamação.
Custas pelo Recorrente.
Notifique e D.N.
Porto, 12/10/2018
Ass. Fernanda Brandão
Ass. Frederico Branco
Ass. João Sousa