Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00410/14.6BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/05/2021
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:TRIBUNAL ARBITRAL; ENCARGOS DO PROCESSO; INSUFICIÊNCIA ECONÓMICA; ACESSO À JUSTIÇA; COLISÃO DE DIREITOS.
Sumário:I- A Lei n.º 15/2002, de 22/02, que aprovou o CPTA introduziu uma relevante inovação face ao regime anteriormente vigente, em que o contencioso da legalidade dos atos de autoridade da Administração Pública em matéria de execução dos contratos, estava subtraída aos tribunais arbitrais, viabilizando a possibilidade de, num mesmo processo, ser «apreciada a globalidade da relação jurídica controvertida, nos diferentes planos e dimensões em que ela se desbobra».

II- Pese embora a legalidade administrativa seja de ordem pública e, como tal, as questões que se coloquem a propósito da validade ou invalidade dos atos administrativos sejam indisponíveis, tal não significa que as mesmas não possam ser julgadas por árbitros. O que não podem é ser julgadas de acordo com a equidade.

III- Não se devem mostrar desprotegidos no seu direito de acesso à justiça aqueles que, por insuficiência económica superveniente, que não lhes seja imputável, não possam cumprir com a convenção de arbitragem em face dos encargos devidos, mesmo tendo estes sido estabelecidos por acordo.

IV- O ónus da prova da insuficiência económica superveniente de uma das partes para suportar os encargos decorrentes da submissão do litígio a tribunal arbitral, nos termos da convenção de arbitragem subscrita, incumbe à parte que invoca a difficultas praestandi, para o que é necessário que tenha alegado e provado factos dos quais se extraia essa conclusão.

V- Provada a insuficiência económica superveniente não imputável às apelantes, a mesma constitui uma alteração das circunstâncias em que contrataram a convenção arbitral, possibilitando-lhes, só por si, recorrer ao tribunal estadual.

VI- A simples instauração de um PER não comprova de per se que uma sociedade se encontre numa situação económica difícil, pelo que a simples circunstância de as aqui apelantes terem instaurado PER e do juiz ter nomeado àquelas Administrador Judicial Provisório, o que implica o prosseguimento desse processo de revitalização para negociações, não permite concluir que as mesmas se encontrem numa situação de efetiva dificuldade económica que reclame a respetiva revitalização e muito menos que essa eventual situação económica difícil em que se encontrem seja superveniente à celebração do compromisso arbitral, e que, sendo superveniente, não lhes seja imputável.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:S., SA e Outra.
Recorrido 1:PARQUE ESCOLAR, E.P.E.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte:

1.1.S., SA., com sede no Lugar (…) e F., SA., com sede na Rua (…), Espanha, moveram a presente ação administrativa especial contra PARQUE ESCOLAR, E.P.E., no qual formularam os seguintes pedidos:

“A. Declarar a ilegalidade e ilicitude do acto administrativo do Presidente do Conselho de Administração da Parque Escolar, datado 04.03.2014 de resolução do contrato de empreitada.
B. Condenar a Ré a reconhecer o direito às Autoras a prorrogação legal do prazo da empreitada na Escola de (...) em 707 dias e na Escola de (...) em 911 dias.
C. Condenar a Ré ao pagamento à Autora Sá Machado da quantia de 981.454,07€ e à Autora F. da quantia de 582.149.27€, referente a valores de trabalhos facturados.
D. Condenar a Ré ao pagamento às Autoras, na proporção do consórcio, da quantia de 45.214,56€, acrescido de IVA, referente à revisão de preços da empreitada.
E. Reconhecer que as Autoras têm direito à quantia de 780.251,09€, acrescida de IVA, na proporção do consórcio, referente aos trabalhos realizados, mas cujo preço as partes não chegaram a acordo e, consequentemente, condenar a Ré nesse pagamento.
E Reconhecer e condenar a Ré à redução das garantias bancárias prestadas, ao valor de 5% dos trabalhos efectivamente realizados.
G. Reconhecer as Autoras o direito ao reequilíbrio financeiro do contrato de empreitada e consequentemente condenar a Ré ao pagamento dos danos sofridos pelas Autoras, na proporção do consórcio, que perfaz a quantia global de 14.858.007,95€.
H. Condenar a Ré ao pagamento às Autoras, na proporção do consórcio, da quantia de 2.203.330,42€, referente a lucos cessantes;
I. Condenar a Ré ao pagamento às Autoras, na proporção do consórcio, da quantia de 1.000.000.00€, a título de Indemnização por danos não patrimoniais sofridos pelas Autoras devido à Resolução contratual ilícita.
J. Condenar a Ré ao pagamento dos Juros de mora à taxa legal sobre todos os valores peticionados.”

1.2. Citada, a Ré contestou, defendendo-se por exceção, invocando, entre outras, a incompetência material do tribunal administrativo e fiscal por preterição do Tribunal Arbitral convencionado. Defendeu-se ainda por impugnação, pugnando pela improcedência da ação e deduziu pedido reconvencional contra as Autoras pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de €1.695.997,75, a título dos sobrecustos em que incorrerá até à conclusão da empreitada.

1.3. Notificadas, as autoras responderam à matéria de exceção, alegando, em síntese, para o que releva em relação à exceção da incompetência do TAF por preterição do Tribunal Arbitral, não poder o presente litígio ser submetido ao Tribunal Arbitral por estar em causa a impugnação do ato administrativo que determinou a resolução do contrato de empreitada celebrado entre as partes e, ainda, por se verificar uma situação de impossibilidade económica superveniente das autoras para suportar os custos do processo no tribunal arbitral, o que, nos termos do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 311/2008 e do Acórdão do STJ, de 18/01/2000 determina a inexequibilidade da convenção arbitral.

1.4.O Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel proferiu decisão, julgando-se territorialmente incompetente e remeteu os autos para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga.

1.5. Em 13/05/2016, o TAF de Braga proferiu despacho saneador - sentença, absolvendo o Réu da instância, cujo segmento decisório é do seguinte teor:

«Pelo exposto, julga-se procedente a excepção de incompetência material deste tribunal e, consequentemente, absolve-se o Réu da instância.
Custas a cargo das Autoras.
Registe e notifique da decisão».

1.6. Inconformada com a decisão assim proferida, a Autora interpôs recurso jurisdicional da mesma, formulando as seguintes conclusões:

«I. As recorrentes não se conformam com a decisão proferida pelo Tribunal à quo que decidiu julgar procedente a exceção de incompetência material do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga e consequentemente absolveu as Autoras/recorrentes da Instância.
II. Desde logo entendem as recorrentes que deveria constar nos factos dados como assentes e que interessam para a apreciação da excepção divisada a difícil situação económica das recorrentes bem como a sua apresentação a um Plano Especial de Revitalização.
III. Esse facto está provado por documentos juntos aos autos não tendo sido impugnados pelo recorrido.
Posto isto,
IV. No domínio do contencioso administrativo, permite-se a jurisdição arbitral, no entanto, com limitações, nomeadamente referente a atos administrativos cuja invalidade esteja em causa, segundo o disposto na alínea c) do art. 180.º do CPTA. (anterior – aplicável ainda nos presentes autos).
V. No caso dos autos, entre os pedidos formulados pelas recorrentes está em causa a ilegalidade do ato administrativo do Presidente do Conselho Administrativo da Parque Escolar de resolução do contrato de empreitada.
VI. Se, portanto, o ato é ilegal, conforme as recorrentes peticionam, significa que o mesmo será inválido para a ordem jurídica e encontra-se assim, subtraído à arbitragem. Motivo pelo qual, tratando-se de um ato indisponível o tribunal estadual é o competente para apreciação da presente ação.
VII. A excepção dilatória alegada pela Ré, e julgada procedente pelo Tribunal a quo, nos termos do disposto no art. 5.º n.º 1 da LAV, não é aplicável se se verificar que “(...) manifestamente, a convenção de arbitragem é nula, é ou se tornou ineficaz ou é inexequível”. (sublinhado nosso)
VIII. Da matéria constante nos autos, nomeadamente nos documentos juntos, resultam factos suficientes que permitiam ao Tribunal a quo julgar que, a convenção de arbitragem é inexequível, nomeadamente por impossibilidade económica e financeiras das recorrentes em suportar os encargos resultantes do recurso ao tribunal arbitral.
IX. Resulta dos autos que a recorrente S. SA, apresentou-se a um processo especial de revitalização, e que, se encontra a atravessar uma situação económica difícil, nos termos em que a mesma vem definida pelo artº 17-B do CIRE, por se debater com dificuldades sérias para cumprir pontualmente as suas obrigações, quer por falta de liquidez, quer por não conseguir obter crédito junto das instituições financeiras.
X. Também a recorrente F., está a atravessar um momento difícil, tendo-se apresentado em Espanha a um processo de recuperação muito semelhante com o regime português.
XI. Insuficiência esta superveniente à data em que as partes outorgaram o contrato de empreitada e convencionaram este acordo de resolução de litígios a tribunal arbitral, conforme se poderá verificar, pelos documentos que foram juntos, na resposta à exceção, à data da assinatura do acordo (resultados de 2010) a recorrente Sá Machado apresentava um resultado positivo de 116.991,46€ e atualmente actualmente apresenta avultados prejuízos.
XII. A tudo isto acresce que, a recorrida ilicitamente, efectuou a compensação da quantia de 500.579,77€ à S. SA e da quantia de 51.208,92€ à F. SA.
XIII. E deixou de efectuar quaisquer pagamentos, encontrando-se em débito para com as recorrentes nas quantias referidas na PI, que são muito elevadas.
XIV. Créditos que dizem respeito a trabalhos executados e portanto cujos custos as recorrentes já suportaram, vendo-se desprovidas na sua tesouraria desse montante, o qual é substancial.
XV. As recorrentes entendem ter alegado factos que tornassem conclusiva a ideia de que essa obrigação se teria extinguido por ter-se tornado impossível, por causa não imputável às recorrentes, o recurso ao Tribunal Arbitral.
XVI. Tal situação financeira da recorrente S., SA, agravou-se precisamente após a recorrida deixar de efetuar quaisquer pagamentos às recorrentes no âmbito dessa empreitada.
XVII. A recorrente F. SA, também está a atravessar um momento difícil, visto que, não recebe qualquer pagamento no âmbito da empreitada há cerca de um ano.
XVIII. O valor desta causa é de 26.520.000,00€ (vinte e seis milhões, quinhentos e vinte mil euros) o que implica custos elevadíssimos com o Tribunal arbitral, que, tanto a recorrente S. corno a F. não têm, para puderem suportar estas despesas.
XIX. Perante estes factos, que diga-se não foram tidos em conta nem, apreciados pelo tribunal a quo, só se poderá concluir que, a convenção de arbitragem mostre-se inexequível, por impossibilidade económica superveniente das recorrentes em suportarem os custos com o tribunal arbitral.
XX. A convenção de arbitragem não é aplicável nos casos em que uma das partes do contrato demonstra notória incapacidade económica e financeira de suportar os encargos resultantes do recurso a um tribunal arbitral, devendo neste caso ser considerado que é causa legítima de incumprimento da convenção de arbitragem.
XXI. Este tem sido o posicionamento da jurisprudência, nomeadamente, acórdão do Tribunal Constitucional n.º 311/08 proferido no processo n.º 753/07 e, o acórdão do STJ de 18.01.2000, ambos in www.dgsi.pt
XXII. Sem prejuízo de, em face das alterações ao Código de Processo Civil, ter desaparecido a previsão que constava no anterior Código na al. j) do art. 494 do CPC, o certo é que, se poderá aplicar este mesmo pensamento ao disposto no art. 5.º n.º 1 do LAV, uma vez que a questão que se discute está relacionada com a inconstitucionalidade da absolvição da instância, no caso da parte a quem se pretende que seja oponível esteja em insuficiência económica superveniente à convenção de arbitragem.
XXIII. Se não se atender a que, a impossibilidade económica é causa de inexequibilidade da convenção de arbitragem, sempre se dirá que, o art. 5.º n.º 1 do LAV é inconstitucional, pois, ao se julgar o tribunal administrativo e Fiscal de Braga corno materialmente incompetente, está-se a denegar o acesso às recorrentes à justiça, uma vez que estas não têm comprovadamente possibilidades de custear os encargos do tribunal arbitral, o que resultará a denegação da justiça a uma das partes por entraves de capacidade económica, o que resulta a violação do disposto no art. 20.º da Constituição da República Portuguesa.
XXIV. Além disso, não pode o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga decidir violando princípios essenciais do direito português nomeadamente o princípio da igualdade.
XXV. Ora, o Tribunal ao considerar-se materialmente incompetente está a violar de forma absolutamente inaceitável este princípio, pois está a impor às requerentes o recurso, única e exclusivamente, ao Tribunal Arbitral quando comprovadamente as mesmas não dispõem de meios económicos para custear esse recurso.
XXVI. Sobre as recorrentes está a ser exercida uma pressão inaceitável para recorreram ao Tribunal Arbitral sob pena de não poderem ter acesso à justiça.
XXVII. Ora, nos termos do disposto no artº. 20º da Constituição da República Portuguesa, a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
XXVIII. O interesse ao acesso à justiça é superior ao interesse de respeitar uma convenção arbitral.
XXIX. Encontrando-se a recorrente S. SA, num processo Especial de Revitalização, é aplicável a disposição constante no art. 87.º do CIRE.

Termos em que,
Deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida, substituindo-a por outra que, julgue o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga materialmente competente para apreciar a Paula Amorim presente ação, devendo os autos serem remetidos à 1.ª instância pelos fundamentos e para os efeitos acima invocados, com as demais consequências legais, por tal ser de Inteira Justiça.»

1.7. Os Réus não contra-alegaram.

1.8. Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 146º, n.º 1 do CPTA, o Ministério Público, não emitiu parecer.

1.9. Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
*
II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.

2.1. Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Acresce que por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.

2.2. Assentes nas enunciadas premissas, as questões que se encontram submetidas à apreciação do tribunal ad quem passam por saber se ao julgar procedente a exceção dilatória de incompetência material do TAF de Braga por preterição do Tribunal Arbitral a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento por:
a- não ter levado aos factos assentes a difícil situação económica das recorrentes bem como a sua apresentação a um “Plano Especial de Revitalização (ver conclusões II e III).;
b- por estando em causa a impugnação do ato administrativo que determinou a resolução do contrato de empreitada que as autoras celebraram com a Ré, com fundamento na sua ilegalidade, a sua apreciação estar subtraída aos tribunais arbitrais, o que devia ter levado o tribunal a quo a decidir pela improcedência da referida exceção ( ver conclusões IV a VI).
c-por se verificar a inexequibilidade da convenção arbitral, decorrente da comprovada situação económica difícil das Recorrentes que as impossibilita de suportarem os custos do processo em tribunal arbitral; e,
d-caso assim se não entenda, por ser o artigo 5.º da Lei de Arbitragem Voluntária ser inconstitucional, por configurar denegação no acesso à justiça, que é constitucionalmente garantida pelo artigo 20.º (ver conclusões XXII a XXIX).
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III – FUNDAMENTAÇÃO
A.DE FACTO
3.1. A 1.ª Instância considerou provados os seguintes factos com relevância para a decisão a proferir:
«1. Em 11-03-2011 foi celebrado contrato entre as Autoras e a ED documento designado “contrato de empreitada” junto à P.I. como documento nº4 e cujo teor se dá por reproduzido integralmente, e onde, além do mais, na sua Cláusula 16ª, sob a epígrafe „Tribunal Arbitral”, dispõe que:
“1. Todos os litígios emergentes do presente Contrato, nomeadamente os que resultem da sua interpretação, aplicação ou integração, serão em primeira instância resolvidos através de reunião conciliatória a ter lugar entre as Administrações da Parque Escolar e do Empreiteiro, agendada pela parte interessada com 15 (quinze) dias úteis de antecedência relativamente à data da mesma e da qual será lavrada acta.
2. Se tal diligência de conciliação se não puder efectuar dentro do referido prazo ou se se frustrar, a questão será definitivamente submetida a um Tribunal Arbitral que funcionará em Lisboa, e será constituído por 3 (três) árbitros, nomeando cada uma das partes um deles, sendo o terceiro, que presidirá, escolhido por acordo de todos, ou na sua falta, pelo Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa.
3. A decisão do Tribunal Arbitral deverá ser proferida no prazo máximo de 6 (seis) meses, podendo os juízes julgar segundo a equidade.”;
2. Em 04-03-2014 foi remetido pela ED as Autoras o oficio com a referência NUI-2014-001527-S, junto com a p.i. como doc. nº 10 e que aqui se dá por integralmente reproduzido, e que em síntese lhes comunicava, no âmbito da “Empreitada de execução das obras de modernização para a Fase 3A do Programa de Modernização das Escolas com Ensino Secundário — Lote 3EN6 — ESCOLA SECUNDARIA D. DINIS, EM SANTO TIRSO e ESCOLA SECUNDARIA DE PONTE DE LIMA”, a “Decisão de Resolução Sancionatória do Contrato do Empreitada n.º 11/2333/CA/C”,
3. O Réu não foi, até á data, notificado para designar árbitro com vista à constituição de Tribunal Arbitral;»
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III.B.DE DIREITO

3.2. Vem o presente recurso jurisdicional interposto do despacho saneador-sentença proferido pelo TAF de Braga que absolveu a Ré da instância com fundamento na procedência da invocada exceção dilatória de incompetência absoluta do TAF por preterição do Tribunal Arbitral.

Para assim concluir, foi a seguinte a fundamentação em que se estribou o Tribunal a quo, que se considera útil reproduzir:

«As Autoras deduziram a presente acção administrativa contra a ré Parque Escolar, E.P.E., pretendendo sindicar a decisão do Presidente do Conselho de Administração da Parque Escolar datado 4 de Marco de 2014 por via do qual a Ré resolveu o contrato de empreitada celebrado em 11-03-2011.
Pedem que o tribunal declare a ilegalidade e ilicitude desse (alegado) acto administrativo do Presidente do Conselho de Administração da Parque Escolar, de resolução do contrato de empreitada; que condene a Ré a: reconhecer-lhes o direito à prorrogação legal do prazo da empreitada na Escola de (...) em 707 dias e na Escola de (...) em 911 dias; ao pagamento à Autora Sá Machado da quantia de 981.454,07€ e à Autora F. da quantia de 582.149.27€, referente a valores de trabalhos facturados; a pagar-lhes, na proporção do consórcio, da quantia de 45.214,56€, acrescido de IVA, referente à revisão de preços da empreitada; a reconhecer-lhes o direito à quantia de 780.251,09€, acrescida de IVA, na proporção do consórcio, referente aos trabalhos realizados, mas cujo preço as partes não chegaram a acordo; à redução das garantias bancárias prestadas, ao valor de 5% dos trabalhos efectivamente realizados; a reconhecer-lhes o direito ao reequilíbrio financeiro do contrato de empreitada e consequentemente condenar a Ré ao pagamento dos danos sofridos, na proporção do consórcio, que perfaz a quantia global de 14.858.007,95€; a pagar-lhes, na proporção do consórcio, a quantia de 2.203.330,42€, referente a lucos cessantes; a pagar-lhes, na proporção do consórcio, da quantia de 1.000.000.00€, a título de Indemnização por danos não patrimoniais sofridos devido à Resolução contratual ilícita e, por último, no pagamento dos Juros de mora à taxa legal sobre todos os valores peticionados.

Segundo a Ré, existe incompetência material deste TAF por preterição do Tribunal Arbitral convencionado.

Vejamos, pois:

Comece-se por afirmar que não está aqui em causa, embora tal excurso tenha quase sempre utilidade para a compreensão do sentido e alcance dos institutos em apreço, fazer um resumo histórico da evolução entre nós do regime da arbitragem voluntária.
Remete-se quanto a este ponto para dois importantes artigos: o primeiro, de JOSÉ DUARTE NOGUEIRA, «A arbitragem na história do direito português» Revista Jurídica da AAFDL, 20: 9-35; o segundo de FRANCISCO CORTEZ, «A arbitragem voluntária em Portugal, Dos «ricos homens» aos tribunais privados», O Direito 124.º ano, III: 365-404, e IV: 541-587.
Ainda assim lembre-se que o CPC de 1939, ainda hoje, em vigor, era composto, na sua versão original por 4 Livros: Livro I — Da Acção; Livro II — Da competência e das garantias de imparcialidade; Livro III — Do processo; Livro IV — Do Tribunal Arbitral.
O artigo 1561.º do CPC39 dispunha: «É admissível o compromisso pelo qual um determinado litígio, ainda que afecto ao tribunal, deva ser decidido por um ou mais árbitros».
Por sua vez, o artigo 1565.º, sob a epígrafe «cláusula compromissória», preceituava «É também válida a cláusula pela qual devam ser decididas por árbitros questões que venham a suscitar-se entre as partes, contanto que se especifique o acto jurídico de que as questões possam emergir».

A consagração da «cláusula compromissória», nos termos em que a fez o Código de 39, já foi considerada «a alteração verdadeiramente revolucionária relativamente ao regime legal português anterior» [cfr. FRANCISCO CORTEZ, art. cit:385].

Refere, a propósito do novo regime, ALBERTO DOS REIS: «Em face do regime jurídico até aqui existente, estipulada a cláusula compromissória só mais tarde, quando surgisse o litígio, se alguma das partes se recusava a nomear o seu árbitro e a lavrar o compromisso, a outra parte não podia compeli-la, restando-lhe unicamente o direito de pedir indemnização de perdas e danos por falta de cumprimento da estipulação; e como a liquidação desta indemnização era difícil, demorada e dispendiosa, a consequência prática era a que cada passo se violava impunemente a cláusula compromissória.
Por isso se julgou conveniente alterar o statu quo, permitindo o cumprimento específico da cláusula mediante a substituição da actividade do juiz à actividade da parte remissa» [Código de Processo Civil, Explicado, Coimbra, 1939; p. 875/876].

Saltando eventual excogitação sobre a Reforma de 1961 e o DL n.º 243/84, de 17 de Julho, cujas normas foram julgadas inconstitucionais por Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 230/86 (DR, l.ª série, n.º 210, de 12 de Setembro de 1986), chegamos à Lei da Arbitragem Voluntária [Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro], adiante abreviadamente designada por LAV, em vigor actualmente entre nós.

A LAV reafirmou a concepção dualista da convenção de arbitragem: compromisso arbitral e cláusula compromissória.
A convenção de arbitragem reveste a 1ª modalidade quando tem por objecto um litígio actual, ainda que se encontre afecto a tribunal judicial; reveste a 2ª quando tem por objecto litígios eventuais emergentes de uma determinada relação jurídica contratual ou extracontratual.

A convenção de arbitragem é um negócio jurídico bilateral, no sentido corrente que, para a sua formação, concorrem concordantemente duas vontades.
Da convenção de arbitragem nasce um direito potestativo para cada uma das partes, cujo conteúdo consiste na faculdade de fazer constituir um tribunal arbitral para julgamento de certo litigio, que à data da convenção, tanto pode ser actual como futuro. Correlativamente, cada uma das partes fica sujeita a uma vinculação.

A criação desses direitos potestativos é permitida pelas leis que admitem os tribunais arbitrais.

Essas mesmas leis criam o efeito negativo ou reflexo — exclusão da competência dos tribunais estaduais para o conhecimento do mesmo litígio.
A excepção de convenção de arbitragem — ou no nosso CPC, de preterição do tribunal arbitral -, arguida contra a parte na dita convenção que proponha a acção no tribunal estadual, não sanciona o incumprimento de uma obrigação do demandante, antes efectiva o direito potestativo do demandado [“Convenção de Arbitragem”, RCA, ano 46.º (1986): II: 301].

O artigo 99.º, n.º 1, CPC permite a celebração de pactos privativos e atributivos de jurisdição e, por sua vez, o artigo 100.º permite também que as partes, por convenção expressa, afastem a aplicação das regras sobre competência territorial.
Em qualquer dos casos, por via da convenção podemos estar perante competências concorrentes ou exclusivas [artigos 99.º, n.º 2, e 100.º, n.º 3, CPC].

Derivado da convenção de arbitragem deve considerar-se corolário daquele princípio um efeito negativo ou reflexo qual seja o «de impor à jurisdição pública o dever de se abster de se pronunciar sobre as matérias cujo conhecimento a lei comete ao árbitro, em qualquer causa que lhe seja submetida e em que discutam aquelas questões, antes que o árbitro tenha tido oportunidade de o fazer.
Isto é, do aludido princípio não decorre apenas que o árbitro tem competência para conhecer da sua própria competência; decorre também que tal competência lhe cabe a ele, antes de poder ser deferida a um tribunal judicial» [JOÃO LUÍS LOPES DOS REIS, «A excepção da preterição do tribunal arbitral», RCA, ano 58.º (1998): 1122].
Este efeito negativo da convenção da arbitragem é reconhecido, segundo julgamos, pelo menos, por uma parte significativa da doutrina, não constituindo propriamente uma originalidade (ou bizarria) deste último autor.

Assim, por exemplo, RAUL VENTURA refere que além do efeito positivo de uma convenção de arbitragem, que consiste «em facultar a qualquer das partes a constituição de um tribunal arbitral competente para o julgamento de litígios nela previstos» [op. cit: 379, existe um efeito negativo a que poderia chamar-se reflexo, pois constitui a outra face do efeito positivo.
E, no desenvolvimento do seu raciocínio, acrescenta: «Uma vez que com o beneplácito de Estado, os interessados criam, pela sua convenção, um tribunal para conhecimento de um certo ou de eventuais litígios, segue-se, como consequência natural, que os tribunais do Estado devem ficar excluídos, temporariamente ou definitivamente, do conhecimento do mesmo litigio» [op. cit 380).

Ora, como é geralmente expresso nas leis, o aludido efeito negativo da convenção de arbitragem é normalmente feito actuar através da admissibilidade da defesa do réu, em acção proposta no tribunal estadual, baseada na existência de válida convenção de arbitragem que sujeita a decisão arbitral o litígio sub judice (ibidem).

Discute-se quais são os requisitos de que depende a procedência da excepção dilatória de preterição do tribunal arbitral e quais são os poderes do juiz a esse respeito.

Esta matéria é abordada com clareza, e de forma correcta, por LOPES DOS REIS, que no estudo citado conclui que «para que se verifique a excepção dilatória de preterição do tribunal arbitral basta que se alegue e prove no tribunal judicial a existência de convenção de arbitragem que não seja manifestamente nula ou ineficaz e que seja apenas Susceptível de vincular as partes no litígio e de conter tal litígio no seu objecto.
Nada mais é necessário.
Pode até que se venha depois a concluir pela invalidade ou pela ineficácia da convenção de arbitragem, ou mesmo pela sua inaplicabilidade em relação a alguma das partes do litigio, ou a este mesmo. Tal conclusão, porém, tem de ser obtida perante o tribunal arbitral ou em decisão judicial que conheça da impugnação da decisão dos árbitros. E, se assim for, o tribunal judicial verá ser-lhe reconhecida a sua jurisdição e será normalmente competente» [op. cit: 1131].
Conforme se deu como provado acima, em 11-03-2011 foi celebrado contrato entre as Autoras e a Ré (“contrato de empreitada”) onde, na sua Cláusula 16ª, sob a epígrafe „Tribunal Arbitral”, se dispôs que:
“1. Todos os litígios emergentes do presente Contrato, nomeadamente os que resultem da sua interpretação, aplicação ou integração, serão em primeira instância resolvidos através de reunião conciliatória a ter lugar entre as Administrações da Parque Escolar e do Empreiteiro, agendada pela parte interessada com 15 (quinze) dias úteis de antecedência relativamente à data da mesma e da qual será lavrada acta.
2. Se tal diligência de conciliação se não puder efectuar dentro do referido prazo ou se se frustrar, a questão será definitivamente submetida a um Tribunal Arbitral que funcionará em Lisboa, e será constituído por 3 (três) árbitros, nomeando cada uma das partes um deles, sendo o terceiro, que presidirá, escolhido por acordo de todos, ou na sua falta, pelo Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa.
3. A decisão do Tribunal Arbitral deverá ser proferida no prazo máximo de 6 (seis) meses, podendo os juízes julgar segundo a equidade.”;

Esta cláusula é uma convenção de arbitragem, na modalidade de cláusula compromissória.
Nela as partes manifestam a vontade de constituir um tribunal arbitral para decidir eventuais litígios futuros emergentes do contrato, vontade essa que é actual, conforme aliás decorre da estipulação expressa de regras atinentes à constituição do tribunal arbitral, incluindo a remissão para a LAV.
A referida cláusula contém a necessária e suficiente explicitação do objecto da arbitragem: esta incidirá sobre “Todos os litígios emergentes do (...) Contrato, nomeadamente os que resultem da sua interpretação aplicação ou integração (...)“, o que basta, perante a nossa lei.

As partes não questionam a realidade em apreço.
Isto posto:
O art. 5º no 1 da Lei nº 63/2011, de 14.12, supra referida dispõe que “o tribunal estadual no qual seja proposta acção relativa a uma questão abrangida por uma convenção de arbitragem deve, a requerimento do réu deduzido até ao momento em que este apresentar o seu primeiro articulado sobre o fundo da causa, absolvê-lo da instância, a menos que verifique que, manifestamente, a convenção de arbitragem é nula, é ou se tornou ineficaz ou é inexequível”.
Conforme resulta da matéria assente e constante supra, bem como resulta das alegações das partes, não houve modificação, revogação nem caducidade da convenção estipulada por estas.
Assim, de acordo com o nº1 do art. 5º da Lei nº 63/2011, de 14.12, cumpre absolver o Réu da instância por verificação da incompetência material deste TAF de Braga para conhecimento da presente acção administrativa especial.»

3.3. As apelantes criticam a decisão assim proferida, começando por alegar que o Tribunal a quo devia ter levado aos factos assentes a difícil situação económica das recorrentes bem como a sua apresentação a um “Plano Especial de Revitalização (ver conclusões II e III).

O segundo fundamento do recurso invocado contra a decisão recorrida tem a ver com o facto de estando em causa na ação a impugnação do ato administrativo que determinou a resolução do contrato de empreitada que celebraram com a Ré, com fundamento na sua ilegalidade, as Recorrentes considerarem que a sua apreciação está subtraída aos tribunais arbitrais, razão pela qual o tribunal a quo devia ter decidido pela improcedência da referida exceção ( ver conclusões IV a VI).

O terceiro fundamento de recurso invocado contra a decisão sob sindicância consiste na alegação da inexequibilidade da convenção arbitral, decorrente da comprovada situação económica difícil das Recorrentes que as impossibilita de suportarem os custos do processo em tribunal arbitral, que a decisão recorrida não julgou verificada , quando na linha da jurisprudência que decorre do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 311/2008 e do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/01/00 ( ver conclusões VII a XXII), devia ter julgado verificada. E, para o caso de assim se não entender, advogam que o artigo 5.º da LAV é inconstitucional, por configurar denegação no acesso à justiça, que é constitucionalmente garantida pelo art.º 20.º ( ver conclusões XXII a XXIX).

Vejamos.

Quanto ao erro de julgamento sobre a matéria de facto, considerando que o mesmo, a verificar-se, apenas assume relevância caso se conclua que a tese defendida pelas Recorrentes quanto à relevância da sua situação económica difícil constitui efetivamente fundamento possível para determinar a inexequibilidade da convenção de arbitragem a que as mesmas se vincularam aquando da outorga do contrato de empreitada, relegamos o seu conhecimento para o momento em que se cuidará de aferir do bem fundado dessa tese, evitando-se a pratica de atos eventualmente inúteis.
*
b.1. Da insusceptibilidade de sujeição a tribunal arbitral do conhecimento da ilegalidade do ato administrativo que determinou a resolução do contrato de empreitada celebrado entre as Autoras e a Ré.

3.4. Seguindo, com a assinalada ressalva, a cronologia dos erros de julgamento invocados pelas Recorrentes, vejamos da bondade ou não do fundamento de recurso invocado nas conclusões IV a VI das conclusões de recurso.

As recorrentes aduzem que no domínio do contencioso administrativo, permite-se a jurisdição arbitral, no entanto, com limitações, nomeadamente referente a atos administrativos cuja invalidade esteja em causa, segundo o disposto na alínea c) do art.º 180.º do CPTA ( na versão aplicável aos autos). As Autoras sustentam que, constando de entre os pedidos formulados na ação, o de declaração de nulidade ou de anulação ato administrativo prolatado pelo Presidente do Conselho Administrativo da Parque Escolar, por via do qual operou a resolução do contrato de empreitada de obra pública celebrado, está em causa conhecer da ilegalidade de um ato administrativo, e, sendo assim, só o tribunal estadual detém a necessária competência para a apreciação e decisão desse pedido, pelo que, a presente ação, não é da competência do tribunal arbitral, diversamente do que foi decidido pelo Tribunal a quo.

Mas sem razão, como desde já adiantamos.

Pese embora a legalidade administrativa seja de ordem pública e, como tal, as questões que se coloquem a propósito da validade ou invalidade dos atos administrativos sejam indisponíveis, tal não significa que as mesmas não possam ser julgadas por árbitros. O que não podem é ser julgadas de acordo com a equidade.

É certo que até à entrada em vigor do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22/02, se entendia que as questões atinentes à legalidade dos atos administrativos por serem indisponíveis não podiam ser apreciadas por árbitros, pelo que no quadro normativo anterior ao CPTA a possibilidade da existência de arbitragem de Direito Administrativo só se verificava « em dois domínios muito específicos – o dos litígios sobre contratos administrativos e o da responsabilidade civil da Administração – e, ainda aí, só na medida em que a resolução desses litígios não envolvesse a apreciação de pedidos de impugnação de atos administrativos, que exprimissem o exercício de poderes públicos de autoridade» ( cfr. artigo de Mário Aroso de Almeida, “Arbitragem de Direito Administrativo: Que lições retirar do CPTA?” in “ A Arbitragem Administrativa em Debate: Problemas Gerais e Arbitragem no Âmbito do Código dos Contratos Públicos”, Coord. por Carla Amado Gomes e Ricardo Pedro, 2018, AAFDL Editora, pág. 14).

Conforme afirma o ilustre professor Mário Aroso Almeida, no citado artigo, entretanto «as coisas mudaram, na medida em que o CPTA passou a admitir, na alínea a) do n.º 1 do artigo 180.º, que a arbitragem sobre questões respeitantes a contratos pudesse compreender a apreciação dos eventuais atos administrativos praticados no âmbito da sua execução (…). E, por outro lado, o Código dos Contratos Públicos veio consagrar, no artigo 307.º, um regime que, alterando de modo significativo o quadro normativo anterior, veio generalizar a pratica de atos administrativos no âmbito das relações contratuais administrativas, tornando, nesse contexto, omnipresente a figura do ato administrativo, inclusivamente no domínio das empreitadas de obras públicas» ( ob. Cit., pág. 16). E prossegue o mesmo autor, concluindo que o «CPTA deu, desse modo, um importante passo no sentido de ultrapassar o preconceito segundo o qual tribunais arbitrais não podiam proceder à fiscalização da legalidade de atos administrativos- passo que entretanto veio a ser aprofundado e consolidado, na recente revisão do CPTA, com a consagração nos mais amplos termos, na alínea c) do n.º1 do artigo 180.º, da previsão genérica da possibilidade de arbitragem sobre a legalidade de atos administrativos”. ( ob. Cit., pág.17).

É apodítico que as Recorrentes não têm razão quando pretendem que por estar em causa a impugnação da legalidade do ato administrativo que determinou a resolução do contrato de empreitada de obras publicas que celebraram com a Ré, o tribunal arbitral esteja impedido de conhecer do mesmo.

Aquando da celebração da convenção de arbitragem, já estava em vigor o CPTA, aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22/02, na redação conferida pela Lei n.º 4-A/2003, de 19.02 , e pela Lei n.º 59/2008, de 11/09, em cujo artigo 180.º, n.º1, alínea a) se estabelece que pode ser constituído tribunal arbitral para o julgamento de «Questões respeitantes a contratos, incluindo a apreciação de atos administrativos relativos à execução do contrato», sendo no âmbito desta alínea que se insere a questão em análise.

O legislador do CPTA introduziu assim uma relevante inovação face ao regime anteriormente vigente, em que o contencioso da legalidade dos atos de autoridade da Administração Pública em matéria de execução dos contratos, estava subtraída aos tribunais arbitrais, viabilizando a possibilidade de, num mesmo processo, ser «apreciada a globalidade da relação jurídica controvertida, nos diferentes planos e dimensões em que ela se desdobra».

Com as alterações aprovadas pelo CPTA, apenas se impõe aos árbitros que apliquem os regimes de ordem pública, na apreciação da legalidade dos atos administrativos, assistindo-lhe o poder (jurisdicional) de julgar a sua conformidade ou desconformidade para com o quadro legal. Conforme refere António Sampaio Caramelo “o árbitro a quem é cometida a função (jurisdicional) de dirimir um litígio de acordo com o direito aplicável, tem o dever de aplicar as regras imperativas e, em especial, as que sejam expressão de ordem públicas” ( cfr. in “Critérios de arbitrabilidade dos litígios, pág. 23).

Termos em que improcede o invocado fundamento de recurso.

b.2. Da Inexequibilidade da Convenção de Arbitragem por motivo de insuficiência económica de uma das partes suportar os custos do processo no tribunal arbitral.

3.5.Nas concussões VII a XXI as Recorrentes sustentam que, nos termos do disposto no art.º 5.º n.º 1 da LAV, a cláusula arbitral não é aplicável se se verificar que “(...) manifestamente, a convenção de arbitragem é nula, é ou se tornou ineficaz ou é inexequível”, pelo que, no caso, resultando dos autos factos suficientes que permitiam ao Tribunal a quo dar por verificada a situação de impossibilidade económica e financeira superveniente das recorrentes em suportar os encargos resultantes do recurso ao tribunal arbitral, devia o mesmo ter julgado a convenção arbitral inexequível. Advogam que a convenção de arbitragem não é aplicável nos casos em que uma das partes do contrato demonstra notória incapacidade económica e financeira de suportar os encargos resultantes do recurso a um tribunal arbitral, devendo neste caso ser considerado que é causa legítima de incumprimento da convenção de arbitragem. E referem que este tem sido o posicionamento da jurisprudência, nomeadamente, acórdão do Tribunal Constitucional n.º 311/08 proferido no processo n.º 753/07 e, o acórdão do STJ de 18.01.2000, ambos in www.dgsi.pt.

Observam ainda que sem prejuízo de, em face das alterações ao Código de Processo Civil, ter desaparecido a previsão que constava no anterior Código na al. j) do art.º 494 do CPC, o certo é que se poderá aplicar este mesmo pensamento ao disposto no art.º 5.º n.º 1 do LAV, uma vez que a questão que se discute está relacionada com a inconstitucionalidade da absolvição da instância, no caso da parte a quem se pretende que seja oponível esteja em insuficiência económica superveniente à convenção de arbitragem.

O que dizer?

O Tribunal Constitucional, no citado acórdão n.º 311/08 já se pronunciou no sentido de não se deverem mostrar desprotegidos no seu direito de acesso à justiça aqueles que, por insuficiência económica, não possam cumprir com a convenção de arbitragem em face dos encargos devidos, mesmo tendo estes sido estabelecidos por acordo. Isso mesmo se depreende das seguintes passagens que se retiram do aludido acórdão do TC:
«(…)No caso sub judice, foi dada como comprovada a impossibilidade de o recorrido arcar com as custas judiciais, por insuficiência de meios económicos. Para efetivação do direito de acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses (artigo 20.º, n.º 1, da CRP), estava, pois, em condições de beneficiar de apoio judiciário que, efetivamente, lhe foi concedido, na modalidade de apoio total, na ação por ele instaurada no tribunal judicial. A competência deste tribunal foi, todavia, impugnada pelo recorrente, réu nessa ação, com base na prévia estipulação de uma cláusula compromissória, que pretende ver integralmente executada.
Não estando prevista a atribuição de apoio judiciário nos tribunais arbitrais, o cumprimento estrito desse acordo coloca o recorrido numa situação de indefesa. A situação conflituante nasce, precisamente, da impossibilidade de satisfação simultânea dos direitos pertinentemente invocados, ambos com tutela constitucional: o de liberdade negocial, como expressão da autodeterminação, a qual impõe a observância dos efeitos vinculativos do seu exercício sem vícios; o de tutela jurisdicional efetiva, que, nas circunstâncias concretas, aponta no sentido da inexigibilidade da sujeição a esses efeitos.
E o modo como o problema se apresenta não permite uma solução que passe pela conciliação ou harmonização dos dois direitos em conflito, em termos de uma cedência recíproca deixar assegurada uma satisfação bastante de ambos. A concreta configuração dilemática deste conflito de direitos só admite uma solução optativa, de preferência absoluta de um, com sacrifício total do outro: ou se cumpre a convenção de arbitragem, o que importará a denegação de justiça a uma das partes, por entraves de capacidade económica; ou, como único meio de garantir a este contraente o acesso à tutela jurisdicional efetiva, se dá como competente o tribunal judicial, o que significa negar eficácia ao livremente acordado na convenção de arbitragem. Em configurações deste tipo, o atendimento mínimo do interesse sacrificado só pode alcançar-se através da definição rigorosa dos pressupostos casuísticos que conferem "razões de prevalência" ao interesse tutelado.
Os fatores de ponderação atendíveis apontam, todos eles, no sentido do segundo termo da alternativa acima enunciada. Na verdade, não está em causa, na estipulação de uma convenção de arbitragem, um aspeto nuclear da autodeterminação, uma sua manifestação primária diretamente presa ao seu étimo fundante, mas um seu modo de exercício muito específico, atinente à indicação convencional da competência decisória de um tribunal, situado fora da orgânica judiciária. Não poderá dizer-se que este modo concreto de exercício da liberdade negocial seja postulado pela realização do indivíduo como pessoa. Não estamos, pois, dentro do domínio de 'proteção máxima' da autodeterminação (cf., quanto a este tópico e aos fatores de ponderação, em geral, Vieira de Andrade, Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 3.ª ed., Coimbra, 2007, 320 s.).
Em segundo lugar, o interesse sacrificado com a preterição do tribunal arbitral é de ordem puramente instrumental, tem a ver apenas com o afastamento de uma via preferencial de apreciação e solução do litígio. Não é afetada, ainda que indiretamente, nenhuma posição material atinente à destinação dos bens. As possibilidades de realização do interesse final do recorrente, quanto ao objeto do litígio, mantêm-se intactas.
Sendo assim, o sacrifício que a solução representa, para o interessado na via arbitral, afigura-se necessário e perfeitamente proporcionado à salvaguarda do bem protegido com a garantia da tutela jurisdicional. Satisfaz, pois, o critério da proporcionalidade, aqui aplicável, uma vez que, como se afirma no Acórdão n.º 254/99, 'em geral, sempre que a solução de um conflito de direitos ou interesses constitucionalmente protegidos se faça pela proibição do exercício de um direito em certas circunstâncias, seja a proibição explícita, implícita ou obtida por remissão, têm justificação as cautelas constitucionais contra as leis restritivas'.
A solução contrária, acarretando, pela perda de apoio judiciário, a perda definitiva e total do direito de levar à apreciação de um tribunal uma pretensão jurídica, é que redundaria na desproteção absoluta da posição jurídica reivindicada, com lesão frontal e particularmente intensa de um valor primariamente constituinte do Estado de direito [...]»
E, mais à frente:
«[...] De resto, o poder de decisão do tribunal arbitral, mesmo quando assenta na vontade das partes, tem uma óbvia dimensão institucional, sujeita a condicionamentos e restrições decorrentes da regulação estadual. A liberdade de celebração de uma convenção de arbitragem, que se traduz na atribuição de competência a um tribunal arbitral, não é auto- realizável, ficando a eficácia do seu exercício dependente de uma atividade de administração da justiça estritamente conformada, de modo a oferecer garantias equivalentes às de um tribunal judicial. Ao admitir um poder de julgar paralelo ao dos tribunais integrados na organização judiciária, o Estado não se demite do seu papel de garante último da realização da justiça. Daí, além do mais, a observância imperativa, na tramitação a decorrer nos tribunais arbitrais, dos princípios fundamentais do processo (artigo 16.º da Lei n.º 31/86, de 29 de agosto), cuja violação é fundamento de anulação da decisão [alínea c) do n.º 1 do artigo 27.º do referido diploma], e a proibição absoluta, em contratos de adesão, de cláusulas que '[...] prevejam modalidades de arbitragem que não assegurem as garantias de procedimento estabelecidas na lei' [alínea h) do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro].
O Estado não abre, designadamente, mão da garantia, a todos assegurada, do acesso à justiça. Quando a efetivação dessa garantia requer a prestação de apoio judiciário, não prevista no âmbito dos tribunais arbitrais, o único meio de evitar o resultado, constitucionalmente inaceitável, de denegação da justiça, é o reassumir de competência do tribunal judicial. Não pode invocar-se, em contrário, a tutela constitucional do livre desenvolvimento da personalidade, pois ela não dá cobertura a um ato de autonomia privada, quando a sua execução nos termos acordados deixa inteiramente desprotegido o direito fundamental de acesso à justiça [...].»

Por seu turno, no Acórdão do STJ de 18/01/00, proferido no processo 99A1015, citado pelas Recorrentes, o aí autor/recorrente alegava que, posteriormente aos contratos celebrados, as circunstâncias com base nos quais as partes convencionaram o recurso à arbitragem se haviam alterado por culpa exclusiva dos Réus, aí recorridos, e, em consequência de os não terem cumprido, ficou numa situação de carência económica que o impossibilita de fazer face aos elevados custos inerentes à constituição e funcionamento do tribunal arbitral, garantindo a Constituição da República que o acesso ao direito não pode ser denegado por insuficiência de meios económicos, mas sendo o benefício do apoio judiciário limitado aos tribunais estaduais, só a estes pode recorrer para fazer valer o seu direito. Por esta razão, na sua ótica, tem de se considerar como competente o tribunal judicial, sob pena de efetiva denegação de justiça por razões de insuficiência económica.
Nesse aresto, o STJ sumariou a seguinte jurisprudência: «V- Se, posteriormente à celebração da convenção arbitral, a parte se viu, sem culpa sua, na impossibilidade de custear as despesas da arbitragem a que se comprometeu submeter o caso, pode recorrer, sem lhe ser oponível a excepção dilatória, aos tribunais estaduais.» (negrito nosso).
Pode ler-se nesse aresto do STJ, com relevo para estes autos:
« (…)a existência de tribunais arbitrais voluntários - e é disso que se trata quando existe uma convenção arbitral - está prevista na própria Constituição, no artigo 209 n.º 2 (Podem existir tribunais marítimos, tribunais arbitrais e julgados de paz), que deixa às partes a possibilidade de submeter os litígios que as oponham à decisão de árbitros. E em execução dessa abertura constitucional a Lei 31/89, de 29 de Agosto, veio posteriormente regular, como se referiu, a arbitragem voluntária, dispondo que quando o litígio respeite a direitos disponíveis, as partes podem convencionar que ele seja decidido por árbitros, desde que, claro é, o mesmo não esteja, por força de lei especial, submetido a tribunal judicial ou a tribunal arbitral necessário.
É, pois, a vontade das partes que determina o recurso à arbitragem, num domínio em que, a liberdade das pessoas tem uma enorme força conformadora - domínio que é dos direitos disponíveis.
Ora, se o recurso à arbitragem se encontra, por força da própria lei, na dependência da vontade das partes, não pode pretender-se que a previsão de uma excepção dilatória traduzida na violação dessa expressão de vontade das parte, importe violação, ou sequer, restrição do direito de acesso aos tribunais.
A norma constante da última parte da alínea j) do n. 1 do artigo 494 do CPC, na actual redacção, antiga alínea h), não é, pois, inconstitucional: ele não viola o n. 1 do artigo 20 da Constituição, nem qualquer outra norma ou princípio constitucional.
7- Da Impossibilidade Superveniente de Custear as Despesas da Arbitragem:

Com o que se disse não fica, porém, toda a questão resolvida.
Na verdade, importa ainda saber se, quando exista uma convenção de arbitragem, a superveniência de uma situação de insuficiência económica que impossibilite uma das partes dessa convenção de suportar as despesas com a constituição e funcionamento da arbitragem constitui ou não causa legítima de incumprimento dessa convenção, isto é, se nesse caso, a parte que se viu impossibilitada de custear as despesas de arbitragem pode ou não deixar de a ela recorrer e submeter o litígio que a oponha à outra parte aos tribunais estaduais.
Esta questão não encontra resposta directa na lei. A lei contém, tão só no domínio das obrigações, uma norma - n.º 1 do artigo 790 do CCIV - que estabelece que a obrigação se extingue quando se torna impossível por causa não imputável ao devedor.

No caso, porém, não se está no domínio das obrigações em sentido técnico, mas de uma vinculação, e a "prestação", ou seja, a obrigação de recorrer a tribunal arbitral, não se tornou impossível. O que se tornou impossível foi o pagamento das despesas da arbitragem, que o mesmo é dizer, de uma "obrigação" acessória da "obrigação" principal.
O que então pode perguntar-se é se esta ideia da extinção da obrigação fundada na impossibilidade do seu incumprimento por causa não imputável ao devedor, não deverá valer aqui também. Se uma tal ideia for transponível para o domínio da convenção arbitral, então haverá que concluir que, não podendo uma das partes custear as respectivas despesas, deve ela ficar desonerada da obrigação de recorrer à arbitragem, podendo, em tal caso, dirigir-se aos tribunais estaduais, não obstante a convenção que subscreveu e, nesse caso, não lhe será oponível a excepção dilatória de violação da convenção de arbitragem.
Podendo, embora, julgar-se que se trata de uma solução duvidosa, existe, no entanto, um tópico interpretativo que aponta no sentido de permitir o recurso aos tribunais estaduais, não obstante a existência de uma convenção arbitral, sempre que - mas só quando -, por culpa não imputável à parte, esta se veja colocada, supervenientemente, na impossibilidade de custear as despesas da arbitragem a que se comprometeu submeter o caso. E este tópico, é o de que, se assim for, face à impossibilidade de custear tais despesas, essa parte estará impossibilitada de obter justiça para o seu caso, isto é, ver-se-á impedida de ver satisfeito o seu direito de acesso à justiça para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos; melhor dizendo, num tal caso, a parte veria ser-lhe denegada justiça por insuficiência de meios económicos.
Ora, este é um resultado que a Constituição não aceita - cfr. citado n. 1 do artigo 20.
Mas, se assim é, então é razoável concluir que a força expansiva dos direitos - ou melhor, do direito de acesso aos tribunais - impõe que, na hipótese que se figurou de a parte na convenção arbitral que, posteriormente à celebração desta, se viu, sem culpa sua, arrastada para uma situação de insuficiência económica que a impossibilitam de custear as despesas dessa arbitragem, possa deixar de cumprir tal convenção e recorrer aos tribunais estaduais, pedindo a resolução do caso, sem que seja possível opor-lhe a competente excepção dilatória.
No caso dos autos o Autor alegou, precisamente, que posteriormente aos contratos celebrados, as circunstâncias com base nas quais as partes convencionaram o recurso à arbitragem se haviam alterado por culpa exclusiva dos Réus, ora recorridos, e, em consequência de os não terem cumprido, ficou numa situação de carência económica que o impossibilita de fazer face aos elevados custos inerentes à constituição e funcionamento do tribunal arbitral (designadamente artigos 296 a 310 da petição inicial).

Este aspecto não consta da matéria de facto fixada pela Relação, nem foi considerado no Acórdão recorrido; há que ampliar a matéria de facto e, sendo caso disso, seleccionar factos para constarem de base instrutória e sobre eles fazer recair prova.
Por este motivo, e para tal finalidade, devem os autos baixar à Relação».

Pode ainda ler-se no Acórdão do STJ, de 09.10.03, processo P 03B1604, com pertinência para o caso em analise: « (…)ao acordar com a aqui recorrida a sujeição a um tribunal arbitral, e a um tribunal arbitral na Holanda, as recorrentes sabiam que os tribunais arbitrais implicam encargos e despesas, e para o respectivo aprovisionamento se deveriam ter prevenido.
Não o fizeram. Sibi imputat!
Poder-se-ia dizer que uma coisa é ter pensado ter assegurado um tal aprovisionamento no momento em que subscreve o acordo (e, portanto, admitir sair do guarda-chuva protector dos tribunais estaduais aceitando a intervenção futura de um tribunal arbitral, estrangeiro e regulando-se pela lei estrangeira); outra coisa é ter caído posteriormente, sem culpa, numa situação de insuficiência económica que de todo em todo torna impossível o seu acesso à justiça, se acaso persistir a obrigação de se sujeitar ao tribunal arbitral.
Acontece é que a consideração desta segunda hipótese não dispensaria a alegação de factos que tornassem conclusiva a ideia de que essa obrigação se teria extinguido por ter-se tornado impossível, por causa não imputável ao devedor, o seu cumprimento - veja-se a este propósito o Ac. STJ de 18 de Janeiro de 2000, CJSTJ, T1, pág.28.
E essa alegação não vem feita. As recorrentes limitam-se a dizer na sua contestação que «por fax de 23 de Dezembro de 1993, (...) comunicaram ao Tribunal a sua impossibilidade de efectuar o depósito solicitado, pois a sua situação económica e financeira impedia-as de dispor daquele montante».
A situação em que as recorrentes se colocaram no âmbito do processo em que foi proferida a sentença arbitral cujo reconhecimento vem pedido, e em que foram colocadas pelo tribunal arbitral holandês donde a sentença provem, não importa pois ofensa à ordem pública internacional do estado português (nem era suposto que importasse, sabido como é que Portugal e Holanda fazem parte do mesmo espaço comunitário das democracias europeias): a própria lei de arbitragem voluntária portuguesa, a Lei nº. 31/86, de 29 de Agosto, estabelece a remuneração dos árbitros e os mais encargos da arbitragem a cargo das partes; as recorrentes foram chamadas ao processo e nele puderam exprimir-se em defesa dos seus interesses e direitos, dentro dos limites em que o seu cumprimento dos encargos necessários à arbitragem o permitiu; respeitaram-se assim, aliás, os princípios da igualdade e do contraditório (que as recorrentes pretendiam ter sido ofendidos), sendo além do mais certo que não vem alegada qualquer discriminação, seja de que tipo for, em relação às recorrentes, resultante do normativo próprio da lei holandesa a que se acolheram (que designadamente, em posição idêntica e simétrica, tratasse de modo diferente a recorrida em prejuízo das recorrentes).»

Na situação vertente, tal como nos arestos mencionados, está em causa a existência de uma eventual colisão de direitos: colisão entre o direito de acesso aos tribunais consagrado no artigo 20.º a CRP e o princípio do pacta sund servanda, no caso, traduzido no respeito pelo compromisso contratual da escolha da arbitragem como forma de resolução de conflitos.

Em tais casos, como bem adverte António Menezes Cordeiro in “Tratado de Direito Civil Português I Parte Geral” Tomo IV, Edição Livraria Almedina, 2005: “Resulta (...) que (...) para dirimir as colisões de direitos, se imponha sempre uma prévia sindicância do conflito, à luz do sistema.
Deverá ser desamparada a posição da pessoa que, censuravelmente se veio a colocar em situação de colisão. O Direito não obriga as pessoas a, em momento prévio, abdicar de direitos só para prevenir colisões. Mas irá desamparar aquele que o faça censuravelmente, isto é:
- violando regras de conduta;
- ignorando princípios que ao caso caibam.

Significa tal que, em casos como o que temos entre mãos, o Tribunal não pode decidir com base em meras afirmações sem provas da parte interessada, competindo o ónus da prova ás Recorrentes, ou seja, às sociedades que invocam a difficultas praestandi, e não à parte contrária.
Relembrando o Acórdão STJ de 18 de Janeiro de 2000, nele o Senhor relator Aragão Seia, adverte para a necessidade da culpa não ser imputável à parte que pretende afastar a arbitragem.
Assim, para que o direito de acesso aos Tribunais consagrado no artigo 20.º da CRP se sobreponha ao compromisso da sujeição do presente litígio a tribunal arbitral é necessário que as Recorrentes tenham alegado e provados factos dos quais se extraia que:
(i)As Recorrentes estão numa situação de insuficiência económica que as impeça de suportar os custos da sujeição do litígio a tribunal arbitral;
(ii) Se essa situação de insuficiência económica não foi causada por culpa imputável às Recorrentes;
(iii) Se o não cumprimento por parte da Ré de obrigações contratuais é causa suficiente para aferir da situação de insuficiência económica, não bastando a mera alegação.

Caso as Recorrentes provem a situação de insuficiência económica nos termos referidos, a mesma constitui uma alteração das circunstâncias em que contrataram a convenção arbitral, possibilitando-lhes, só por si, recorrer ao tribunal estadual, tal como resulta da jurisprudência fixada nos referidos arestos do STJ.

Aqui chegados, importa verificar se as Recorrentes alegaram factos suscetíveis de, uma vez provados, demonstrarem que se encontravam numa situação de insuficiência económica não causada por culpa das mesmas, que as impedia de assumir os encargos relativos à sujeição do presente litígio a tribunal arbitral.
Ora, compulsada a p.i. apresentada pelas autoras, ora recorrentes, tal como bem notou a Ré na sua contestação, nos seus 349 artigos, as recorrentes não lograram mencionar a existência da convenção arbitral que subscreveram no âmbito do contrato de empreitada de obras públicas que outorgaram com a Ré.
Apenas em sede de réplica, em resposta à exceção da preterição de tribunal arbitral suscitada pela Ré, é que aquelas admitiram a celebração de uma convenção arbitral, nos termos dados como provados na fundamentação de facto da decisão recorrida e nessa sede, pela primeira vez, alegam a sua situação de insuficiência económica para suportar os encargos da sujeição do litígio em causa nestes autos a tribunal arbitral.
Concretamente, alegam, em síntese, nos pontos 27 e seguintes da réplica:
- “28…é manifesto que ambas as autoras encontram-se numa situação económica l que as impossibilitou de suportar as despesas de um tribunal arbitral” (28);
- “30.A A. S., SA, apresentou-se a um processo especial de revitalização, o qual foi admitido por despacho judicial, que corria termos com o n.º 743/12.6TBVVD, no Tribunal Judicial de Vila Verde, que face às alterações legislativas atualmente encontra-se no Tribunal Judicial de Famalicão- Doc. 3 “;
-“31. Isto porque, a autora S. SA encontra-se a atravessar uma situação económica difícil, nos termos em que a mesma vem definida no art.º 17.º-B do CIRE, por se debater com dificuldades sérias para cumprir pontualmente as suas obrigações, quer por falta de liquidez, quer por não conseguir obter credito junto das instituições financeiras»;
-“32. Sendo que, os motivos desta insuficiência não derivam de culpa sua e são relacionados com a queda abrupta do volume de obras existentes no Mercado, a extinção dos mecanismos financeiros proporcionados pela banca devido à falta de liquidez e à debilidade dos operadores, a falta de capacidade dos clientes particulares em cumprir com os compromissos devido à impossibilidade de venderem o seu produto por falta de financiamento aos seus clientes, a falta de capacidade dos clientes públicos em cumprirem com os seus compromissos por falta de tesouraria pública devido ao catastrófico estado da economia Portuguesa, que se deteriorou drasticamente no último ano e tem tendência para piorar”;
-“33. A tudo isto, acresce que, a Ré ilicitamente, efetuou a compensação da quantia de 500.579,77€ à S. SA e da quantia de 51.208,92€ à F. SA”;
-“34. E deixou de efetuar quaisquer pagamentos, encontrando-se em débito para com as autoras nas quantias referidas na PI, que são muito elevadas”;
-“35. Créditos que dizem respeito a trabalhos executados e portanto cujos custos as Autoras já suportaram, vendo-se desprovidas na sua tesouraria desse montante, o qual é substancial”;
-“ 36. Toda esta situação a que a Ré deu causa, veio em muito contribuir para a extrema dificuldade verificada por ambas as autoras”;
-“37. Conforme já se referiu também a A. F., está também a atravessar um momento difícil, tendo-se apresentado em Espanha a um processo de recuperação muito semelhante com o regime português (Doc.3)”;
-“38. Acresce que o valor desta ação é de 26.520.000,00€, o que implica custos elevadíssimos com o Tribunal Arbitral”;
-“39. Valores que, tanto as Autoras S. como a F. não têm para puderem suportar estas despesas».
Dir-se-á que a mencionada alegação que é feita pelas autoras constitui exceção à exceção dilatória invocada pela Ré na contestação decorrente da preterição do Tribunal Arbitral, uma vez que se destina a impedir a procedência dessa exceção dilatória com a consequente absolvição da Ré da instância, e, como tal, era na réplica que perante a invocação pela Ré da identificada exceção dilatória que cumpria às Autoras alegar, conforme fizeram, os factos impeditivos de procedência dessa exceção dilatória ( não na petição inicial).

Acontece que para prova desses factos impeditivos que alegaram em sede de replica nela as Autoras limitaram-se a juntar aos autos documentos (3) que comprovam terem instaurado PER. Dir-se-á que a simples instauração de um PER não comprova de per se que as Autoras se encontrem numa situação económica difícil ou numa situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, embora estes requisitos sejam pressupostos fundamentadores da instauração de PER- artigo 17.º-A, n.º 1 do CIRE.
Com efeito, como é do conhecimento geral, uma coisa é a alegação dos factos base de uma determinada ação pela parte que a ela recorre e outra bem diversa é a verificação (prova) desses mesmos pressupostos e não é pela circunstância de no PER se exigir que a petição inicial seja acompanhada de declaração de um dos credores da requerente da revitalização manifestando a sua disponibilidade em entrar em negociações com vista à revitalização do requerente do PER que se pode concluir que esse requerente se encontre efetivamente em circunstâncias que lhe permitem recorrer a PER. Para que assim seja, é necessário que se junte aos presentes autos o resultado final com que culminou esse processo de PER, designadamente, se o mesmo foi encerrado em virtude de não ter sido possível alcançar acordo de revitalização entre os credores dentro do prazo legal fixado para as negociações, razões desse não acordo, designadamente, por se ter concluído que a requerente não se encontra em situação que necessite de aplicação àquela de plano de revitalização ou, necessitando, a mesma não se encontre numa situação de insolvência ou porque não foi possível chegar a acordo com os credores, precisamente, por a situação da requerente já ser de insolvência, que culminou com parecer emitido pelo Administrador Provisório no sentido de a requerente do PER se encontrar insolvente, e requerendo a declaração da insolvência desta, o que nos termos do artigo 17.º-G, n,º4 do CIRE implica a extinção do PER , com a extração de certidão do parecer do Administrador para ser instaurada a ação de insolvência do requerente. Aliás, nos termos do n.º 5 do citado art.º 17.º-G do CIRE, o devedor requerente do PER, pode pôr termo às negociações a todo o tempo.

Decorre do que se vem dizendo que não é pela simples circunstância de as aqui apelantes terem instaurado PER e do juiz ter nomeado àquelas Administrador Judicial Provisório, o que implica o prosseguimento desse processo de revitalização para negociações, que se pode concluir que as mesmas se encontrem numa situação de efetiva dificuldade económica que reclame a respetiva revitalização e muito menos que essa eventual situação económica difícil em que se encontrem seja superveniente à celebração do compromisso arbitral e muito menos que sendo superveniente, não lhes seja imputável.

Para que se conclua pela verificação dessas circunstâncias, na ausência de indicação de outros elementos de prova pelas autoras em sede de réplica para, além da prova documental, da qual resulta apenas a pendência de PER importará que sejam juntos aos autos petição inicial apresentada pelas autoras com que intentaram a ação de revitalização, com os documentos que fizeram instruir as respetivas petições, lista provisória de créditos apresentada no PER pelo Administrador Judicial Provisório, reclamações que tenham sido apresentadas no âmbito desse processo a essa lista, e, decisão que recaiu sobre essas eventuais reclamações, plano de revitalização com as eventuais alterações que acabaram por ser aprovadas no âmbito desses processos com a sentença homologatória desse plano, com menção do respetivo trânsito em julgado, ou no caso de não aprovação de qualquer plano, de eventuais pareceres que tenham sido apresentados pelo Administrador Judicial Provisório no âmbito de tais processos e eventual despacho final de encerramento desses processos, e no que concerne à autora F., tudo com a devida tradução legal para a língua portuguesa.
Apenas pela análise dessa prova documental poderá o Tribunal concluir pela verificação ou não da facticidade alegada nos pontos 27.º a 39.º da réplica, atinente à invocada situação económica difícil em que se encontrarão as apelantes por alegados factos supervenientes à celebração da convenção de arbitragem atributiva de competência ao Tribunal Arbitral para conhecer do objeto da presente ação, por razões não imputáveis àquelas.
Acontece que esses elementos de prova não se encontram juntos aos autos, impedindo, por isso, que este TCAN exerça os seus poderes de substituição e supra o vício da deficiência em que incorreu a 1.ª Instância ao não julgar como provada sequer como não provada a facticidade alegada pelos apelantes nos pontos 27:º a 39.º da réplica, impondo-se, por isso, nos termos do art.º 662.º, n.º1, al. c) do CPC anular a decisão recorrida e determinar a ampliação do julgamento da matéria de facto em relação à facticidade dos referidos pontos da réplica, devendo para o efeito a 1.ª Instância notificar as autoras, em prazo a determinar pela mesma, para juntar aos autos certidão das documentos acima identificados, devendo após essa junção com a pertinente observância do princípio do contraditório, proferir nova decisão em que julgue como provada ou não provada essa facticidade, com a pertinente fundamentação, seguindo-se nova decisão de direito.
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IV – DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal, em conceder provimento ao presente recurso jurisdicional, e em consequência:
a- revogam a decisão recorrida;
b- determinam a baixa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, para efeitos de ampliação do julgamento da matéria de facto em relação à facticidade dos pontos 27.º a 39.º da réplica, devendo para o efeito a 1.ª Instância notificar as autoras, em prazo a determinar pelo tribunal, para que juntem aos autos certidão das documentos acima identificados, devendo, após essa junção, com a pertinente observância do princípio do contraditório, proferir nova decisão em que julgue como provada ou não provada essa facticidade, com a pertinente fundamentação, seguindo-se nova decisão de direito.
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Custas pelo vencido a final.
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Notifique.

Porto, 05 de fevereiro de 2021.

Helena Ribeiro
Conceição Silvestre
Alexandra Alendouro