Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02606/11.3BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/08/2012
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Anabela Ferreira Alves Russo
Descritores:GARANTIA
SUBSTITUIÇÃO
ART. 199º DO CPPT
ART. 52º, N.º 5 DA LGT
Sumário:I – A substituição da garantia prestada pelo Executado para suspensão do processo executivo depende da alegação e prova por parte daquele de que tem um interesse legitimo nessa substituição e que a garantia que oferece em substituição é também ela idónea a garantir a totalidade da dívida exequenda controvertida e acrescido;
II – Por sua vez, o indeferimento desse pedido por parte da Administração Tributária está dependente de a Exequente demonstrar que dessa substituição resulta para si prejuízo, por a garantia oferecida não ser idónea à salvaguarda do seu crédito.
III – Não tendo o legislador no art. 52º, n.º 5 da LGT efectuado qualquer restrição quanto ao tipo de garantia que pode ser oferecida em substituição, esta poderá abranger qualquer uma das garantias previstas no art. 199º do CPPT.
IV – E, nessa medida, não pode a Administração Fiscal, com fundamento exclusivo no teor de um em «ofício-circulado» que assume aquela restrição, indeferir o pedido de substituição da garantia formulado.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:O..., S.A.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
I - Relatório
A Fazenda Pública não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a reclamação do despacho proferido a 21-7-2011, pelo Chefe de Finanças do Serviço de Finanças da Maia no âmbito do processo de execução fiscal n.º 1805200201180932 pelo qual foi indeferido o pedido de substituição de garantia bancária por fiança de igual valor para efeitos de suspensão da execução formulado pela O... S.A., dela veio interpor o presente recurso.
A culminar as alegações apresentadas, formulou as seguintes conclusões:
«A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a reclamação de actos do órgão de execução fiscal interposta, nos termos do disposto no Art.º 276º do CPPT, do despacho proferido em 21/072011, pelo Chefe do SF da Maia, no âmbito do PEF nº 1805200701180932, que corre termos naquele SF e que indeferiu a o pedido de substituição de garantia bancária por fiança de igual valor, para efeito de suspensão da execução.
B. No dito PEF, instaurado contra O... – TELECOMUNICAÇÕES, SA, encontram-se em cobrança coerciva dívidas relativas a IRC e Imposto de Selo do exercício de 2006, no valor total de €1.004.004,32., tendo a executada sido notificada para prestar garantia, no montante de €1.280.386,86, para os efeitos do disposto no Art.º 169º, nº 1 do CPPT.
C. Perante tal notificação, a reclamante apresentou, em 04/03/2008, a garantia bancária 9140033760993, emitida pela Caixa Geral de Depósitos (doravante CGD), no montante de €1.280.386,86, pelo prazo de um ano.
D. Em 26/11/2008, a reclamante apresentou aditamento àquela garantia, constante de fls. 28 dos autos, passando a garantia bancária, que apenas tinha prazo de um ano, a não ter prazo limite, facto que não consta dos factos provados.
E. Trata-se de matéria relevante para a boa decisão da causa, visto que se está a discutir a substituição de garantia prestada, urgindo caracterizar com rigor a garantia existente à data do requerimento, de cujo indeferimento se reclama.
F. Em 12/07/2011, veio a aqui reclamante, solicitar autorização para substituir a garantia bancária por fiança a emitir pela S..., SGPS, SA, nos mesmos termos e valor, uma vez que os custos inerentes são menos gravosos (representando poupanças de 8.500€ por ano) e a Fazenda Pública não será minimamente prejudicada., nos termos do dito requerimento.
G. O despacho reclamado, proferido em 21/07/2011, concluiu pelo indeferimento de tal pedido, por considerar que a substituição da garantia causa prejuízo à execução.
H. Vindo alegados como fundamento da presente reclamação o vício do despacho reclamado, por falta de fundamentação e o vício de violação de lei, peticionando, a final, a revogação do despacho reclamado e a substituição da garantia, por entender que o despacho reclamado padece de ilegalidade.
I. Para concluir pela procedência, a Mma juíza a quo sustentou-se nas considerações constantes da transcrição de extracto do douto acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte no processo 0539/11, de 30/11/2011, por julgar tratar-se de situações idênticas.
J. E, conclui a douta sentença do Tribunal a quo, que “Assim, e atendendo ao supra descrito, conclui-se pela ilegalidade do despacho reclamado por violação de lei.”.
K. Ressalvado o devido respeito com o que desta forma foi decidido, não se conforma a Fazenda Pública, sendo outro o seu entendimento, já que considera que a douta sentença sob recurso padece de erro de julgamento de facto e erro de julgamento de direito, como a seguir se argumentará e concluirá.
L. Contrariamente ao sentenciado, perfilha a Fazenda Pública o entendimento de que não é de proceder a pretensão formulada na presente reclamação, porquanto não padece o acto controvertido de qualquer ilegalidade.
M. Acontece que, a douta sentença sob recurso decidiu no sentido de que a fiança ora em apreço não podia deixar de ser considerada idónea, devendo, como tal, ser aceite como garantia da dívida exequenda.
N. E, para dar como certa tal conclusão, baseia-se tão só o Tribunal a quo no conteúdo do douto acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte no processo 0539/11, de 30/11/2011, cuja argumentação, a nosso ver, não é pertinente para a matéria em discussão nos presentes autos.
O. Isto é, naquele douto aresto discutia-se a admissão ab initio da fiança como garantia, enquanto aqui está em causa a substituição de garantia bancária por fiança.
P. Ora, daqui resulta que quer a matéria de facto, quer o enquadramento legal são diferentes, pelo que não pode a Fazenda Pública conformar-se com a afirmação contida na douta sentença de que se trata de “situação em tudo idêntica à que é discutida nestes autos.”.
Q. No que respeita ao enquadramento legal, estamos no âmbito do disposto no Art.º 52, n.º 5 da LGT, que não foi objecto de menção expressa ou tácita ao longo da sentença, embora no respectivo intróito se identifique de forma precisa que está em causa o indeferimento do “pedido de substituição de garantia bancária por fiança de igual valor”.
R. A própria evolução legislativa realça a importância da ponderação de prejuízo para o credor tributário, que foi realizada no douto despacho e informação que o sustenta,
S. Concluindo-se que “A substituição da garantia causa prejuízo à execução.”
T. A nosso ver, só após análise fundamentada do n.º 5 do Art.º 52º da LGT é que a douta sentença poderia concluir pela violação de lei por parte do despacho sob apreciação, o que não sucedeu.
U. Além do estrito juízo de legalidade, a doutrina sobre esta matéria suporta a manutenção do despacho reclamado, colocando os autores a tónica na excepcionalidade da substituição, que não vem invocada no requerimento nem foi objecto de análise na douta sentença,
V. Quanto ao interesse legítimo do executado, sempre se diga que os encargos de €8.500,00 não poderão preencher, a nosso ver, o pressuposto legal, dado que, a respectiva poupança, considerado em concreto o reclamante, jamais poderia fundar interesse legítimo (ou mesmo prejuízo irreparável),
W. Sendo certo que, nos termos do Art.º 171º do CPPT, verificados os seus pressupostos, a reclamante teria direito à competente indemnização.
X. Por outro lado, não foram identificadas circunstâncias anormais ou imprevisíveis que justificassem a substituição de garantia.
Y. Quanto ao interesse da Administração Tributária na conservação da garantia torna-se relevante aquilatar da idoneidade das garantias aqui em causa, com vista a testar a sua fungibilidade, o que ocorreu.
Z. Acresce que, o valor da dívida exequenda aqui em causa não é de €3.310,42, mas de €1.004.004,32, diferença substancial que não foi devidamente ponderada.
AA. Ademais, no que concerne ao poder discricionário de «escolher», efectivamente, o que resulta do despacho controvertido, de cuja fundamentação resulta que a AT não optou, sem mais, por recusar a substituição da garantia, resultando do nº 5 do Art.º 52º da LGT necessariamente uma ponderação de interesses, que foi levada a cabo.
BB. O chefe do SF considerou que a fiança em causa não consubstancia garantia idónea para a suspensão da execução, nos escassos termos em que foi proposta, dado o valor em dívida, o conhecimento que tem da executada e da fiadora – designadamente pela informação disponível no sistema informático da DGCI, de que não existem imóveis averbados e nome da reclamante e da proposta fiadora - e ponderado o objectivo e princípios que regem a cobrança coerciva da receita tributária, e concluiu que “A substituição causa prejuízo à execução.”.
CC. Embora o requerimento de 12/07/2011 invoque que a Fazenda Pública não será minimamente prejudicada., trata-se de um mero juízo conclusivo da reclamante, sem qualquer substância.
DD. Obviamente esse juízo teria de ser promovido (como foi no despacho recorrido) pela Administração Tributária, dentro de uma margem de discricionariedade, que se reconduz à ponderação de interesses já identificados, sendo que a densificação do interesse da AT na conservação da garantia se fez, nomeadamente, por recurso ao conteúdo do Oficio-Circulado citado.
EE. Os estritos termos e exigências reveladas pelo teor dos preceitos presentes na decisão reflecte o princípio da vinculação à lei na actividade administrativa tributária, a indisponibilidade dos créditos fiscais e a proibição da concessão de moratórias no seu pagamento, mormente se estiverem vencidos, assumindo que a suspensão tem um carácter verdadeiramente excepcional, sendo que é proibida nos casos não previstos da lei (cfr. Art.º 36º, n.º 3 da LGT).
FF. A arrecadação da receita fiscal, já em fase de cobrança coerciva, implica a realização, no processo de execução fiscal, do princípio da efectividade da tutela judicial do direito do credor do imposto, que preside àquele processo judicial tributário, e necessariamente aos meios admissíveis de garantir a cobrança coerciva da dívida tributária em vista da suspensão da execução.
GG. O escopo do processo judicial tributário de execução é sempre de assegurar a efectiva cobrança da dívida, designadamente no que às garantias a prestar para suspensão da sua tramitação respeita, isto é, a lei aponta preferencialmente para certos tipos de garantia, dos quais se evidencia a vinculação de um concreto bem ou valor à segura realização da dívida exequenda, precavendo a indiferenciação ou depreciação inerente a outros modos de garantir e, dentre os valores concretos, aqueles que pela sua natureza financeira tenham imediata ou mais rápida conversão em receita, como a garantia bancária, caução ou seguro-caução.
HH. A idoneidade da garantia reporta-se, assim, à sua susceptibilidade para determinar o pagamento da dívida a curto prazo (em tempo útil), após citação para o efeito (nº 2 do Art.º 200º do CPPT), entendendo-se como pagamento da dívida a entrega do correspondente montante em dinheiro ou equivalente.
II. Embora o douto acórdão citado afirme que Não faria sentido, de resto, que se privilegiasse a garantia bancária, entende a Fazenda Pública, salvo o devido respeito, que é muito, que quando já existe uma garantia bancária, sem limite temporal, emitida por uma entidade a que o Estado, por várias vezes já concedeu garantia pessoal, facto público e notório
JJ. A idoneidade, intimamente relacionada com o juízo de fungibilidade, da garantia bancária prestada pela CGD, pelo montante necessário e sem limite temporal deve ser apreciada em concreto, e sobrepõe-se à da fiança por SGPS do mesmo grupo económico.
KK. Por outro lado, a fiança representa uma garantia pessoal dada por um terceiro - o fiador – com o conteúdo da obrigação principal – cfr. Art.ºs 627º e seg.s do CPC, sendo que, no plano cível, prevalece a noção de que a fiança - negócio jurídico pelo qual o fiador se compromete, pessoalmente, a pagar uma dívida de outrem -, não é prestada no interesse do devedor, mas sim no do credor, que tem a faculdade de aceitar as que lhe sejam oferecidas, nomeadamente segundo um juízo casuístico de conveniência, pois que o credor não pode ser constrangido a receber de terceiro a prestação se a substituição o prejudicar (Art.º 767º, nº 2 do CC).
LL. Por via da prestação da fiança é, pois, suposto o credor passar a ter como garantia de cumprimento da obrigação dois patrimónios - o do devedor que responde por uma dívida própria e o do fiador que responde por uma dívida alheia (cfr. Art.º 627º do CC), o credor tem de concorrer com os restantes credores, sem que, para segurança da mesma dívida, haja garantia real constituída.
MM. Pois, embora se trate de uma garantia especial das obrigações, a fiança, quando constituída, concede ao credor apenas uma garantia geral sobre o património de terceiro, sem qualquer situação de privilégio, o que, por si só, pode significar que a massa patrimonial do fiador é insuficiente para o cumprimento das sua obrigações, desconhecendo-se os restantes credores detentores de garantia geral sobre esse mesmo património.
NN. Constata-se, assim, ser sempre necessário efectuar uma análise detalhada, designadamente, das obrigações assumidas pelo fiador, não podendo a avaliação do património do fiador estar ancorada na sua conhecida robustez económica, mas sim na sua capacidade financeira de cumprimento a curto prazo, razões que têm ainda maior acuidade para efeitos de avaliar a prestação de garantia tendente a suspender um processo de execução fiscal, atendendo à índole pública e indisponível da obrigação de imposto legalmente liquidado.
OO. In casu, cumpre salientar que está em causa a segurança do pagamento de dívida tributária vencida, de avultado montante, legitimadora da actuação do órgão da execução fiscal, seguindo exigências maiores na assunção das soluções adequadas à salvaguarda do interesse público no recebimento das quantias que lhe são devidas, especialmente no tipo de garantia a aceitar.
PP. Deste modo, do disposto no Art.º 52°, n.º 5 da LGT, decorre que a Administração Tributária, avaliando a fungibilidade/idoneidade das garantias concretamente disponíveis, tem o dever de não aceitar a sua substituição, uma vez que nos termos supra enunciados a garantia bancária constitui uma garantia mais sólida de pagamento do que a proposta fiança, dado que, não foi provada situação excepcional, em que exista interesse legítimo da reclamante que se sobreponha ao interesse da AT na conservação da garantia por si reputada de a mais idónea.
QQ. Pois, figurando como fiadora uma sociedade gestora de participações sociais (SGPS), cujo objecto social, nos termos do Dec.-Lei nº 495/88, de 30/12 (com as alterações introduzidas pelos Dec.-Lei nºs 318/94, de 24/12, e nº 378/98, de 27/11 e pela Lei nº 109-B/2001, de 27/12) é a gestão de participações sociais de outras sociedades, o seu activo – regra geral – é constituído por participações financeiras e créditos sobre empresas participadas.
RR. E, é sabido que estas sociedades não detêm, muitas vezes, outro património que não seja as participações sociais nas sociedades participadas, as quais constituem um tipo de activos altamente volátil, não só devido à sua oscilação em termos de valor de mercado, mas também devido à sua possibilidade de liquidação quase instantânea.
SS. Ou seja, em regra, as SGPS não apresentam estrutura física ou humana inerente, o que as torna sociedades meramente “virtuais”, isto é, sem substância física e que devem a sua existência à legislação vigente, auferindo apenas rendimentos de natureza passiva (lucros e juros).
TT. E, tendo a SGPS por activo patrimonial relevante partes sociais noutras sociedades, inscrito por valores escriturais estáticos que apenas revelariam a verdadeira realidade se conjugados com os balanços de cada uma das sociedades participadas, não se mostram por si só capaz de demonstrar da suficiência ou insuficiência do património da fiadora para garantir os créditos da reclamante,
UU. E, porque o fiador se apresenta como um verdadeiro devedor do credor, de acordo com o Art.º 627º, nº1, do Código Civil, obrigando-se a pagar a dívida de terceiro e respondendo pessoalmente, com o seu património, certo é que em nenhum momento anterior ao despacho reclamado o património do proposto fiador foi determinado rigorosamente pela garante ou pela afiançada reclamante, sem prejuízo do consabido risco financeiro normalmente atribuído à determinação do valor de participações sociais, sejam elas cotadas em bolsa ou não, e da transmissibilidade inerente à actividade da sociedade que as detém, que em abstracto poria sempre em causa a sua idoneidade.
VV. A esta observação não se opõe a notoriedade da fiadora ou do grupo económico em que se insere, pois que tal notoriedade pouco ou nada adianta sobre a real situação financeira desta.
WW. Acresce ainda que, atendendo a que pela fiança, é suposto o credor passar a ter como garantia de cumprimento da obrigação dois patrimónios e que nos termos do Art.º 169° do CPPT a suspensão do processo de execução fiscal se mantém até à decisão do contencioso tributário, a admissibilidade da garantia oferecida (fiança) implicaria um acompanhamento permanente da situação patrimonial do fiador, encargo que representaria um esforço administrativo irrazoável para o órgão da execução fiscal,
XX. Tanto mais que, o património do fiador pode ter sofrido oscilações importantes desde o momento da constituição da garantia, não apenas devidas às oscilações do mercado, mas também por determinações resultantes de meras decisões de gestão do grupo económico em que aquele se insere.
YY. E não podemos anuir a que a obrigação prevista no n.º 9 do Art.º 199º do CPPT é solução no presente caso porque, a garantia bancária que se pretende substituir não carece de avaliação naqueles termos.
ZZ. Acresce que, até pela circunstância de, dentro do mesmo grupo em que se insere a reclamante, diversas holdings terem sido propostas como garantes de avultadas dívidas tributárias de participadas em cobrança coerciva nos correspondentes PEF, o que, em vista da frequência de operações de fusão-concentração, fusão-incorporação ou cisão, verificadas nesse grupo económico em que se integram e de acordo com os seus interesses, como sucedeu já in casu, tem por efeito diluir a responsabilização assumida e aumentar o risco de futura litigiosidade aquando de eventual efectivação dessa responsabilidade e, em todo o caso, de real incobrabilidade.
AAA. Releve-se que, a extinção deste tipo de empresas afigura-se extremamente simples e rápida, o que se torna mais importante se atentarmos no facto de a existência de dívidas tributárias em cobrança coerciva não obstar à liquidação de uma sociedade, por serem consideradas “passivo contingente”, não registado no balanço a título de passivo.
BBB. Todas estas questões se tornam mais relevantes se considerarmos que em causa nos autos se encontra uma estrutura empresarial complexa (grupo económico S.../Efanor), constituído por SGPS sucessivas, em níveis hierárquicos diferentes, a maioria das quais em níveis intermédios.
CCC. Releve-se que a “S...”, enquanto património único, não existe, encontrando-se distribuído por um elevado número de empresas, numa complexa estrutura empresarial, cada uma delas constituindo um património empresarial per si e não enquanto parte do grupo empresarial que integra, pelo que, no caso limite de necessidade de execução da fiança, apenas o património da empresa garante constitui garantia dos créditos tributários.
DDD. A tudo o que vem dito acresce ainda o facto de, apenas as sociedades-mãe de cada grupo económico se encontram cotadas em bolsa, pelo que, a maioria das participações sociais detidas pela sociedade que ora se oferece como fiadora, não é de imediata transformação em liquidez, facto que vem reforçar a maior probabilidade de incumprir com a obrigação de pagamento em tempo útil.
EEE. Ora, todos estes factos não foram tidos em conta, nem foram devidamente valorados, pela douta sentença recorrida.
FFF. Saliente-se, que a característica da liquidez em tempo útil é intrínseca à fungibilidade que interessa aquilatar, por este facto servir de medida à maior ou menor segurança, certeza e celeridade que a garantia oferece para o credor.
GGG. Aliás, para aferir da suficiência (ou não) da robustez económica do fiador para assegurar o cumprimento da dívida, torna-se necessário analisar o valor da fiança e decidiu o douto Acórdão do TCAS, de 2000/06/20, processo nº 2986/99, que “a idoneidade se reporta ou é aferida não pelos valores morais ou sociais do fiador mas pelo valor do seu património” e que, “a avaliação da capacidade económica ou do valor do património do fiador constitui ónus do requerente”.
HHH. Deve, pois, quanto à fiança estar demonstrada a capacidade sustentada de pagar o montante a garantir, demonstração de que a garantia bancária da CGD não carece.
III. E, é o executado quem deve demonstrar a suficiência da fiança, designadamente pela demonstração do activo, do passivo e das obrigações entretanto assumidas pela sociedade garante.
JJJ. Porém, in casu, a reclamante não demonstrou oportunamente, para efeitos da decisão de aceitação da fiança, que esta constituía uma garantia susceptível de assegurar os créditos exequendos e que tinha subjacente um lastro patrimonial indiciador da sua idoneidade.
KKK. Entende, pois a Fazenda Pública, com a ressalva do devido respeito, que a douta sentença sob recurso enferma de erro de julgamento da matéria de facto, porquanto errou na selecção dos factos dados como provados, não considerando provados factos que deveriam ter sido devidamente apreciados e valorados,
LLL. Errando ainda na valoração dos factos que considerou como provados e no juízo sobre os mesmos, retirando conclusões sem que estabelecesse as premissas que conduziram às mesmas e considerando idênticas situações que são díspares.
MMM. Padece ainda a douta sentença sob recurso de erro de julgamento da matéria de direito, porquanto fez errónea interpretação e aplicação do disposto nas normas legais aplicáveis in casu, mais concretamente o n.º 5 do Art.º 52º da LGT.
Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso revogando-se a douta decisão recorrida, com as legais consequências. ».
A Recorrida apresentou contra-alegações, aí concluindo da seguinte forma:
«i. Para concluir pelo erro de julgamento, invoca a Recorrente, em suma, que o Tribunal a quo baseia-se apenas no conteúdo do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, no processo n.º 0539/11, de 30.11.2011, e que a argumentação constante desse acórdão não é pertinente para a matéria em discussão nos autos, uma vez que ali se discutia a admissão ab initio da fiança como garantia, enquanto que no caso dos autos está em causa a substituição da garantia bancária por fiança.
ii. O referido aresto versa sobre a “doutrina administrativa” vertida no Oficio - Circulado n.º 60.076, e que, como resulta dos autos, também o indeferimento da substituição da garantia em causa foi efectuado com base na mesmíssima “doutrina administrativa” - pelo que aquela decisão judicial mantém todo o interesse e acuidade para o caso dos autos.
iii. Foi decidido no despacho em causa nos autos:
«Pelo exposto e, em obediência aos princípios plasmados no referido ofício, sou de opinião que não poderá ser aceite a garantia oferecida, em virtude de não pertencer ao elenco das garantias prioritariamente aceites.»
iv. A Recorrente pretende, em sede recursiva, aditar novos fundamentos ao despacho reclamado, nomeadamente factos novos que não podem ser considerados em sede de recurso porque não estiveram na base da decisão impugnada, e, como tal, não estavam sujeitos ao crivo do Tribunal a quo - de que são exemplo os factos vertidos nas conclusões V, W, X, CC, JJ, KK, LL, MM, QQ RR, SS, TT, UU, VV, WW, XX, ZZ, AAA, BBS, CCC, DDD, das alegações de recurso.
v. Ora «Uma fundamentação a posteriori consubstancia gritante ilegalidade, em virtude de, no contencioso de mera legalidade, onde nos encontramos, o tribunal se ter de limitar a ajuizar da legalidade do acto sindicado nos estritos moldes em que este ocorreu, ou seja, apreciando a respectivo conformidade legal em face da fundamentação contextual, contemporânea e integrante do própria acto.» (Sic Ac. do TCAS de 10.05.2011, Proc. 03716/10, in www.dgsi.pt, destaque nosso).
vi. Apenas em sede de recurso vem a Fazenda Pugnar pela manutenção do despacho em causa, com fundamento na alegada falta de capacidade económica da fiadora como se denota do teor das conclusões HHH, III, JJJ que nunca constou da decisão administrativa proferida pelo órgão de execução fiscal e, por isso, que não foi passível de contra-prova ou pronúncia por parte da Recorrida, nem podia ter sido apreciado pelo Tribunal o quo.
vii. Em sede de recurso apenas podem ser considerado factos novos notórios ou de conhecimento oficioso - o que não é o caso, e é mais do que suficiente para fazer improceder a pretensão da Recorrente (artigo 514.º n.º 1 e 2 CPC, ex vi artigo 2.º e) do CPPT).
viii. Lido e relido o despacho em causa nos autos, constata-se que ao contrário do que pretende a Recorrente, o órgão de execução fiscal nunca coloca em causa a capacidade financeira da executada ou da fiadora para solver ou garantir o pagamento da dívida - limitando-se a concluir que, porque a fiança não constava do “elenco” de garantias constantes de ofício circulado, a mesma não era idónea para efeito de substituição.
ix. A Administração Fiscal tem conhecimento oficioso da capacidade económica da fiadora - através das declarações “Modelo 22”, dossiers fiscais, Informação Empresarial Simplificada, etc - sendo que, caso tivesse faltado qualquer informação para decidir pela suficiência ou insuficiência da fiança proposta, colocando em causa a capacidade económica da fiadora - o que não foi o caso - deveria solicitar a Informação considerada em falta, como lhe impunha o principio da colaboração e do inquisitório (arts. 55.º e 58ºda LGT)
x. Para sustentar o pretenso erro de julgamento, a Fazenda Pública não se coíbe de invocar factos cuja falta de adesão com a realidade não pode ignorar, recriando-se com ínvios processos de intenção acerca das Sociedades Gestoras de Participações Sociais (Cfr. pontos 70 a 94 das alegações) - sendo que nenhum desses factos foi invocado, ou sequer, ponderado pelo órgão de execução fiscal para indeferir a substituição da garantia.
xi. A Recorrente conclui que existe erro de julgamento da matéria de facto sem identificar os concretos pontos da matéria de facto dada como provada que, em seu entender, não deveria ter sido dados como provados, ou a indicar os elementos constantes dos autos que impunham um diferente decisão sobre a matéria de facto.
xii. Existe abundante matéria de facto, alegada pela Recorrida na petição inicial de reclamação, que não foi levada à matéria assente, nem tida em consideração, expressamente, na decisão recorrida - pelo que, caso se entendesse que competia ao Tribunal o quo aferir da capacidade da fiadora para garantir o pagamento da dívida {o que não se concede e apenas se admite como mera hipótese) tal matéria de facto afigurar-se-ia da maior relevância para a completa análise da questão sub judice, e para seu enquadramento nas várias soluções jurídicas possíveis.
xiii. No entender da Recorrida estão nesta situação os seguintes factos, invocados na reclamação:
- Que a Reclamante é detida a 100% pela fiadora, S... SGPS - que, como é de conhecimento público, é uma sociedade cotada em bolsa;
- Que no primeiro trimestre de 2011, por exemplo, a S... SGPS tinha capitais próprios de €988 milhões de euros, teve um volume de negócios de 215,8 milhões euros e um EBITDA de 50 milhões euros;
- Que esse dados são de conhecimento público, uma vez que se trata de informação disponível para consulta pública na Internet em http://www.S....com/investido res2finformacao-financeira /principais-kp 1sf;
- Que para além de uma panóplia de informação que, nos termos da lei, a S... SGPS fornece à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, a AT tem conhecimento oficioso da situação patrimonial não só da S... SGPS, mas de todas as em presas que compõem o grupo S... - nomeadamente através da informação constante das obrigações declarativas, dossiers fiscais, informação empresarial simplificada, etc.
xiv. A baixa do processo ao Tribunal o quo para ampliação da matéria de facto é condicionada pela necessidade da existência de factos alegados pelas partes, que não tenham sido consideradas e que tenham interesse para a decisão da causa, na sua adequação ao direito aplicável (Art. 712.º do C.P.C.).
xv. como resulta dos autos, a Recorrida apresentou garantia bancária, e posteriormente, requereu à AF a sua substituição por uma fiança nos mesmos termos e valor, invocando que, com a prestação de garantia através de fiança, suportaria significativamente menos encargos e a AF não seria prejudicada com a substituição, uma vez que, sendo igualmente suficiente para assegurar o pagamento da dívida exequenda, a garantia idónea já prestada seria substituída por outra garantia, igualmente idónea.
xvi. ln casu, estavam verificados os pressupostos legais para a substituição da garantia prestada, sendo certo que o órgão de execução fiscal nunca colocou em causa o interesse legítimo da executada, nem demonstrou a existência do prejuízo para o crédito tributário, mas apenas concluiu que “(...) não poderá ser aceite o garantia oferecido, em virtude de não pertencer ao elenco das garantias prioritariamente aceites.”.
xvii. Por esse motivo, para a prolação da decisão recorrida, bem andou o Tribunal a quo ao invocar a Jurisprudência firmada por este TCAN, sobre a idoneidade da fiança como garantia e sobre a inexistência de um elenco administrativo de garantias idóneas.
TERMOS EM QUE, com a improcedência do presente recurso, deve a Douta sentença recorrida manter-se nos seus precisos termos, assim se cumprindo a Lei e se fazendo
Justiça!».
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal Central emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso pelas razões de direito constantes de recentes acórdãos proferidos neste Tribunal em sede factual idêntica, para os quais remeteu expressamente.
Dada a natureza urgente do processo, há dispensa de visto prévios [artigo 36º, n.º 2 do Código de processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) ex vi artigo 2º, n.º 2, alínea c) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT], cumprindo desde já decidir, uma vez que a isso nada obsta.
II – O Objecto do Recurso
Como é sabido, sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 690º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.
Assim, e pese embora na falta de especificação no requerimento de interposição se deva entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 684º, nº 2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 3 do mesmo art. 684º), razão pela qual todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.
Acresce que, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo o já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.
Assim, atento o exposto e as conclusões da alegação de recurso apresentadas, temos por seguro que, in casu, o objecto do presente recurso está circunscrito às seguintes questões:
(i) Saber se na sentença recorrida foi cometido erro de julgamento relativo à matéria de facto por não terem sido seleccionados como assentes factos relevantes para a questão jurídica em apreço;
(ii) Saber se a sentença em recurso enferma de erro de julgamento de direito por, ao ter decidido pela procedência da reclamação e, consequentemente, pela anulação do despacho objecto desta reclamação, ter violado o disposto no n.º 5 do art. 52º do CPPT.
III – Os Factos
O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto fixou como relevante para apreciação do mérito dos autos a factualidade que infra e ipsis verbis se reproduz:
1 - Em nome da ora reclamante, foi em 26.12.2007, instaurada a execução fiscal n° 1805200701180932 para cobrança da dívida exequenda de IRC e Imposto de Selo do ano de 2005, no valor total de € 1.004.004,32, cfr. fls. 1 e 2 destes autos e que aqui se dão por reproduzidas.
2 - Com data de 25.01.2008 a reclamante requereu ao Exmo. Chefe do Serviço de Finanças da Maia 1, a fixação do montante da garantia a prestar para efeitos de suspensão da execução identificada em 1), nos termos constantes de fls. 5 destes autos e que aqui se dá por reproduzida.
3 - Em 04 de Fevereiro de 2008 e no âmbito do pedido formulado pela reclamante e identificado em 2), foi proferido pelo Exmo. Chefe do Serviço de Finanças o seguinte despacho
“(…) Em face da informação supra e dos demais elementos constantes do processo e por força do estipulado no art° 199° n° 1 do CPPT, determino a suspensão do presente processo, condicionado à apresentação, no prazo de 15 dias a contar da notificação, de garantia bancária no montante de I.280.38ó,8ó,€ ou outro tipo de garantia no valor de 1.292.936,91€.(...)” , cfr. fls. 11 destes autos.
4 - Por carta datada de 08.02.2008 foi remetido o despacho referido em 3).
5 - Em 04 de Março de 2008, por requerimento dirigido ao Exmo. Chefe do Serviço de Finanças da Maia, a reclamante apresenta a garantia bancária n° 9140033760993 nos termos constantes de fls. 20 e 22 destes autos e que aqui se dão por integralmente reproduzidas.
6 - Em 13.03.2008 foi pelo Exmo. Chefe do Serviço de Finanças da Maia, 1, proferido o seguinte despacho: “(...) Constituída que se encontra a garantia, suspenda-se a Execução, até decisão do pleito, nos termos do art° 169° do CPPT(...)”, cfr. fls. 26 destes autos.
7 - Em 12.07.2011, e por requerimento dirigido ao Serviço de Finanças da Maia, a reclamante, vem ao abrigo do artigo 52° n° 5 da LGT solicitar a autorização para substituir a garantia bancária, por uma fiança, a emitir pela S..., SGPS, SA., cfr. fls. 40 destes autos que aqui se dá por reproduzida.
8 - Em 21.07.2011 pelo Exmo. Chefe do Serviço de Finanças da Maia foi proferido despacho de indeferimento do pedido identificado em 7), com o seguinte teor: “(...) A matéria aqui em análise, vem regulada nos artigos 52° da LGT e 199° do CPPT(...) Foram divulgadas instruções aos Serviços, através do ofício-circulado 60.076 de 2010/07/29, com vista a ‘harmonizar os procedimentos e práticas dos Serviços da DGCI à face da lei vigente em matéria de prestação de garantias em execução fiscal (...) E nessa conformidade, os Serviços deverão dar preferência à constituição daquelas garantias que apresentem maior grau de liquidez, entendendo-se por tal aquelas cujo valor monetário subjacente seja realizável de forma mais certa, directa e imediata, em sede da respectiva execução”, dando pois “preferência à constituição de garantia bancária, caução, ou seguro-caução.(...)Vem ainda o referido ofício-circulado concretizar a razão da preferência, referindo que “o artigo 199° do CPPT, no seu n° 1, revela preferência pela constituição destes tipos de garantia, distinguindo-as positivamente das que constam do n° 2 do mesmo artigo, ou seja, do penhor e da hipoteca voluntária, e tal deve-se ao facto de estas últimas garantias incidirem sobre bens cujo valor pecuniário é de mais incerta ou indirecta realização ou execução”.(...) Dispondo-se, assim, uma ordem de preferência na constituição de garantias que começa pela garantia bancária, caução ou seguro-caução e, “quando não seja possível a constituição das garantias referidas no n° 1 do art° 199° do CPPT, deve dar-se preferência à constituição de garantias sobre bens imóveis, sob a forma de hipoteca voluntária’.(...) O referido ofício circulado dispõe ainda que: (...) Apenas em caso de absoluta impossibilidade de constituição de garantia bancária, caução, seguro-caução ou, secundariamente, de hipoteca, é que se deverá admitir a constituição de garantia sobre bens móveis, como seja o caso do penhor”.(...) As referidas instruções não se referem nunca à fiança.(...) A substituição da garantia causa prejuízo à execução. (…) Pelo exposto e, em obediência aos princípios plasmados no referido ofício, sou de opinião que não poderá ser aceite a garantia oferecida, em virtude de não pertencer ao elenco das garantias prioritariamente aceites.(...) Nestes termos, indefiro o pedido de substituição da garantia bancária por Fiança de igual valor.(...) Notifique-se.(…)”. (ACTO RECLAMADO)
9 - O despacho referido em 8) foi notificado à reclamante por carta datada de 21.07.2011, cfr. fls. 50 destes autos.
10 - Em 22.08.2011 foi apresentada a petição de reclamação nos termos do art° 276° do CPPT, cfr. fls. 53 a 82 destes autos.
11- Por despacho proferido em 26.08.2011 foi mantido o acto reclamado, cfr. fls. 94 destes autos e que aqui se dá por reproduzido.
IV – O Direito
Como vimos, a Recorrente não se conforma com a anulação do despacho objecto de reclamação quer porque, em seu entender, o Tribunal a quo, para assim decidir, errou na selecção dos factos dados como provados - não considerando provados factos que deveriam ter sido devidamente apreciados e valorados por serem determinantes para a questão jurídica dos autos -, quer porque, ao ter decido pela anulação em causa, fez errónea interpretação e aplicação do disposto n.º 5 do Art.º 52º da LGT.
Em suma, constitui pretensão da Recorrente neste recurso a revogação da sentença proferida pelo Tribuna a quo por padecer a mesma de erro de julgamento em matéria de facto e erro de julgamento em matéria de direito.
Vejamos.
4.1. Do erro de julgamento de facto
Começa a Recorrente por imputar erro de julgamento à matéria de facto por não terem sido seleccionados como assentes factos relevantes para a questão jurídica em apreço.
Tendo presente que, nos termos do art. 685º-B, do Código de Processo Civil, quando é impugnada a decisão sobre a matéria de facto o Recorrente tem obrigatoriamente de especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos que considera incorrectamente julgados e indicar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto em questão (als. a) e b) do referido preceito) e as conclusões produzidas, não temos dúvidas em afirmar que a impugnação da matéria de facto aqui admitida está circunscrita a um único facto, que o Tribunal omitiu: que em 26/11/2008, a reclamante apresentou um aditamento àquela garantia, passando a garantia bancária, que apenas tinha prazo de um ano, a não ter prazo limite.
Matéria, em seu entender, assente, por força do teor do documento de fls. 28 e matéria relevante para a boa decisão da causa, visto que se está a discutir a substituição de garantia prestada, urgindo caracterizar com rigor a garantia existente à data do requerimento, de cujo indeferimento se reclama.
No mais, isto é, relativamente à impugnação de facto traduzida nos demais factos invocados neste recurso e vertidos nas conclusões - relativamente aos quais a Recorrente singelamente conclui «EEE. Ora, todos estes factos não foram tidos em conta, nem foram devidamente valorados, pela douta sentença recorrida.» - por se reportarem a factos que, manifestamente, não constam do requerimento de reclamação, não constam da decisão dessa reclamação, não emergem de quaisquer elementos documentais dos autos (também não identificados) e não são de conhecimento oficioso, não pode a mesma ser admitida.
Temos, pois, por seguro que, no que respeita à impugnação factual admitida, a Recorrente, pelo menos formalmente, cumpriu as obrigações que sobre se recaíam por força da impugnação de facto pretendida realizar.
E, diga-se desde já que, do ponto de vista substantivo também se lhe tem que reconhecer ter razão.
Efectivamente, constituindo objecto de reclamação o despacho proferido pelo Chefe de Finanças sobre um pedido de substituição de garantia, e tendo em consideração os pressupostos legais de admissibilidade dessa substituição, a definição exacta daquela garantia prestada, tal como da que se pretendia vir, em substituição, a prestar, não podem deixar de entender-se como fundamentais em termos de matéria de facto e como ponto de partida da análise jurídica a realizar, independentemente, sublinhe-se, da maior ou menor relevância que, em sede de direito, tal facto possa vir a assumir ou das conclusões que, com base nele, possam vir a ser extraídas.
Assim, julgando procedente o recurso nesta parte, acorda-se, ao abrigo do disposto no art. 712º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil, em aditar à matéria de facto, um novo número («12.»), com a seguinte redacção:
«12. Por requerimento datado de 26 de Novembro de 2008, a Reclamante entregou no Serviço de Finanças da Maia – 1, um «ADITAMENTO À GARANTIA BANCÁRIA EMITIDA EM 27 DE FEVEREIRO DE 2008» no qual a Caixa Geral de Depósitos fez constar que «Pelo presente instrumento escrito, que constitui para todos os efeitos legais um aditamento à referida garantia, informamos que deve ser considerada a seguinte alteração na 14ª linha:
Onde se lê: “PRAZO: - 1 (um) ano”
Deve passar a ler-se: “PRAZO: - Sem prazo”.» (cfr. documento de fls. 28, cujo teor, no mais, aqui se dá por integralmente reproduzido).
4.2. Do erro de julgamento de direito
Sedimentada a matéria de facto relevante, importa agora analisar os concretos pontos em que a Recorrente assenta a sua insatisfação no que tange à decisão jurídica proferida.
Antes, porém, de fazermos tal apreciação, não podemos deixar de consignar que só o facto de entendermos que os Tribunais devem configurar o direito ao recurso – aqui incluída a sua fundamentação ou os argumentos aduzidos tendo em vista a procedência da sua pretensão anulatória ou revogatória - de forma ampla, nos leva a qualificar as alegações apresentadas pela Recorrente apenas como ousadas.
Efectivamente, de todo o acervo das alegações - e como igualmente resulta das conclusões em que aquelas foram resumidas - resulta claramente, que a Recorrente, só por lapso, ou, repita-se, por ousadia, assenta o seu pedido revogatório da decisão jurídica em factos que, de todo, não constam do processo, o que, de resto, muito bem sabe ou, no mínimo, não devia ignorar.
Porém, independentemente do que vimos dizendo, o certo é que, parcialmente, e mesmo perante os factos constantes do probatório, a argumentação jurídica expendida assume pertinência, motivo pelo qual se revela necessário, antes de mais, fazer uma distinção, separando claramente os factos que suportaram o pedido de substituição de garantia, os factos que estão subjacentes ao indeferimento desse pedido de substituição e os factos que suportaram a decisão, em ordem a ajuizarmos do acerto jurídico da sentença.
Nesse sentido, comecemos por recordar que, como resulta dos autos e se mostra apurado na sentença recorrida, à Impugnante foi emitida liquidação adicional relativa a IRC e Imposto de Selo do exercício de 2005, no montante de € 1.004.004,32, tendo - após ter sido citada no âmbito do processo de execução fiscal instaurado para efeitos de cobrança daquele valor, (PEF n° 1805200701180932) - requerido ao Chefe de Finanças do Serviço de Finanças da Maia – 1, que fosse fixado o montante da garantia a prestar para efeitos de suspensão daquela mesma execução (cfr. factualidade vertida nos pontos e1 e 2 dos factos assentes).
O que veio a ser deferido, após o que, a Impugnante, procedeu à prestação da garantia, através de garantia bancária, no valor adiantado pelos Serviços de Finanças, isto é, tendo a Impugnante prestado garantia bancária no valor de € 1. 280 386,86 (cfr. factos apurados em 3., 4. e 5., do ponto III supra).
Foi com base nessa concreta garantia bancária prestada a 27 de Fevereiro de 2008, que o Chefe do Serviço de Finanças da Maia – 1, (rectificada pelo requerimento emitido pela Caixa Geral de Depósitos alterando a “Finalidade” de “Reembolso do Imposto sobre o Valor Acrescentado correspondente ao processo executivo n.º 1805200701180932” para “Garantir o processo executivo 1805200701180932 que se encontra sob impugnação judicial/reclamação graciosa” que o processo executivo foi suspenso [(“Constituída que se encontra a garantia, suspenda-se a Execução, até decisão do pleito, nos termos do art° 169° do CPPT(...)”]., garantia bancária essa que viria a sofrer alteração num dos seus elementos constitutivos (prazo de garantia), por iniciativa da Impugnante, que a 20 de Novembro de 2008, fez entrega nos Serviços de Finanças de um «ADITAMENTO À GARANTIA BANCÁRIA EMITIDA EM 27 DE FEVEREIRO DE 2008» no qual a Caixa Geral de Depósitos fez constar que «Pelo presente instrumento escrito, que constitui para todos os efeitos legais um aditamento à referida garantia, informamos que deve ser considerada a seguinte alteração na 14ª linha:
Onde se lê: “PRAZO: - 1 (um) ano”
Deve passar a ler-se: “PRAZO: - Sem prazo”.» (cfr. factualidade apurada de 6 a 12. do ponto III supra).
Posteriormente, a Impugnante, requereu ao abrigo do artigo 52° n° 5 da LGT, autorização para substituir a garantia bancária, por uma fiança, a emitir pela S..., SGPS, SA., pedido esse que veio a ser indeferido pelo Chefe de Finanças do Serviço de Finanças da Maia – 1.
É este despacho de indeferimento de substituição de garantia prestada para suspender os termos do processo de execução que veio a ser objecto da presente reclamação e que, anulado pela Tribunal, constitui objecto do presente recurso.
Assim, para bem decidirmos do acerto da decisão jurídica, importa que confrontemos, antes de mais, o teor do requerimento em que foi pedida a substituição, o teor do despacho que a indeferiu e o teor da sentença que anulou este despacho.
E isto porque, como bem refere a Recorrente, em abstracto (pese embora esta o não invoque em abstracto mas direccionado ao caso concreto, o que, como veremos, no caso dos autos assume toda a diferença), o condicionalismo de facto e de direito relevante para aquilatar da verificação dos pressupostos de tal alteração ou substituição de garantia não são exactamente os mesmos que se têm por presentes para deferir a sua prestação ab initio, ainda que em ambas as situações se tenha sempre em vista uma e a mesma finalidade: que esteja, fique ou continue assegurado, garantido, o pagamento da quantia exequenda e os acréscimos legais devidos.
Confrontemos, então, os factos em referência.
Assim, o requerimento em que a Impugnante solicitou a autorização de substituição de garantia - e que no facto n.º 7 é dado integralmente por reproduzido - tem o seguinte teor:
«(…)
- A empresa O... – Telecomunicações, S.A., NIF 503 922 692, foi incorporada via Fusão na entidade O... Comunicações, SA NIF 502 604 751, com efeito contabilístico a partir das 0H00 do dia 1/11/2007, assumindo esta última a partir dessa data todos os direitos e obrigações inerentes à O... – Telecomunicações SA, assim:
A O... – Comunicações SA, Pessoa Colectiva n.º 502 604 751, com sede em Lugar Espido – Via Norte – Maia, vem, ao abrigo do artigo 52º n.º 5 da LGT, solicitar a V. Exa. autorização para substituir a garantia bancária (em anexo – Doc 1) prestada neste processo executivo por uma Fiança, a emitir pela S..., SGPS, SA, nos mesmos termos e valor, uma vez que os custos inerentes são menos gravosos (representando poupanças de aproximadamente 8,500 € por ano) e a Fazenda Pública não será minimamente prejudicada.». (sublinhado de nossa autoria).
Por sua vez, o despacho que indeferiu aquele pedido de substituição da garantia prestada encontra-se integralmente transcrito no facto n.º 8 do ponto III e que aqui, por comodidade de exposição de raciocínio, se transcreve de novo:
(...) A matéria aqui em análise, vem regulada nos artigos 52° da LGT e 199° do CPPT(...)
1. Foram divulgadas instruções aos Serviços, através do ofício-circulado 60.076 de 2010/07/29, com vista a ‘harmonizar os procedimentos e práticas dos Serviços da DGCI à face da lei vigente em matéria de prestação de garantias em execução fiscal.
2. E nessa conformidade, os Serviços deverão dar preferência à constituição daquelas garantias que apresentem maior grau de liquidez, entendendo-se por tal aquelas cujo valor monetário subjacente seja realizável de forma mais certa, directa e imediata, em sede da respectiva execução”, dando pois “preferência à constituição de garantia bancária, caução, ou seguro-caução.
3. Vem ainda o referido ofício-circulado concretizar a razão da preferência, referindo que “o artigo 199° do CPPT, no seu n° 1, revela preferência pela constituição destes tipos de garantia, distinguindo-as positivamente das que constam do n° 2 do mesmo artigo, ou seja, do penhor e da hipoteca voluntária, e tal deve-se ao facto de estas últimas garantias incidirem sobre bens cujo valor pecuniário é de mais incerta ou indirecta realização ou execução”.
4. Dispondo-se, assim, uma ordem de preferência na constituição de garantias que começa pela garantia bancária, caução ou seguro-caução e, “quando não seja possível a constituição das garantias referidas no n° 1 do art° 199° do CPPT, deve dar-se preferência à constituição de garantias sobre bens imóveis, sob a forma de hipoteca voluntária.
5. O referido ofício circulado dispõe ainda que:
a) “Apenas em caso de absoluta impossibilidade de constituição de garantia bancária, caução, seguro-caução ou, secundariamente, de hipoteca, é que se deverá admitir a constituição de garantia sobre bens móveis, como seja o caso do penhor”.
6. As referidas instruções não se referem nunca à fiança.
7. A substituição da garantia causa prejuízo à execução.
8. Pelo exposto e, em obediência aos princípios plasmados no referido ofício, sou de opinião que não poderá ser aceite a garantia oferecida, em virtude de não pertencer ao elenco das garantias prioritariamente aceites.
Nestes termos, indefiro o pedido de substituição da garantia bancária por Fiança de igual valor.
Notifique-se”».
Em suma, resulta inequivocamente dos documentos transcritos que:
- A Impugnante requereu a autorização de substituição da garantia prestada ao abrigo do n.º 5 do art. 52º da LGT, por outra (Fiança) alegando que os custos inerentes a esta última lhe seriam menos gravosos, representando uma poupança na ordem dos 8,500 € por ano e que e a Fazenda Pública não seria minimamente prejudicada já que seria prestada nos mesmos termos e valor;
- A Fazenda Pública indeferiu esse pedido com fundamento em o ofício-circulado 60.076 de 2010/07/29, emitido com o objectivo de harmonizar os procedimentos e práticas dos Serviços da DGSI à face da lei vigente em matéria de prestação de garantias em execução fiscal, não se referir nunca às fianças e a substituição da garantia causa prejuízo à execução.
Perante estes factos, o Tribunal a quo decidiu anular o despacho de indeferimento. E fê-lo, aderindo à doutrina emanada de um Acórdão deste Tribunal Central, que aqui julgou aplicável e que transcreveu nesta parte:
«A propósito desta matéria e numa situação em tudo idêntica à que é discutida nestes autos, recentemente foi pelo Tribunal Central Administrativo Norte, proferido o acórdão no processo n°0539/11 com data de 30.11.2011.
Ora, atendendo a que se concorda na íntegra com os fundamentos lá aduzidos, seguidamente, e com o devido respeito, se transcreve extractos do mesmo: “(...)A Fazenda Pública não contesta que o Órgão de Execução Fiscal não tem poder discricionário de ((escolher)) a garantia mais idónea, contesta apenas o entendimento segundo o qual os referidos dispositivos legais suportam a prestação de quaisquer meios que possam enquadrar-se no conceito de garantia idónea. Fundamentalmente porque o artigo 199°, n.° 1, ao especificar que a garantia idónea ((consistirá em garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente)), ((aponta preferencialmente para certos tipos de garantia)) (alínea “BB” das conclusões do recurso), isto é, para a prestação de garantia mediante garantia bancária, caução e seguro-caução porque este artigo 199°, n.° 1, deve ser interpretado conjugadamente com o artigo 219.°, n.° 1. do mesmo código, donde decorre que «a exigência de idoneidade para garantia da dívida e acrescido terá que ser colocada em busca da mais fácil e imediata realização do crédito e de ser directamente proporcional ao quantitativo em causa)) (alínea “JJ” das conclusões do recurso).Este Tribunal não acompanha o entendimento da Recorrente, Que não tem do seu lado nem o conteúdo literal do preceito nem o comparativo com outros lugares do sistema. Não tem do seu lado o conteúdo literal do preceito porque a referência a ((garantia bancária», ((caução» e ((seguro-caução)) é ali efectuada em absoluta paridade com a alusão a «qualquer outro meio susceptível de assegurar os créditos do exequente», como decorre da utilização da conjunção alternativa «ou». Não tem do seu lado o comparativo com outros lugares do sistema porque quando o legislador pretendeu ser mais restritivo não deixou de enumerar claramente as garantias especiais admitidas, como sucede no artigo 193.° do código Aduaneiro comunitário, Sendo que, mesmo em tais situações em que o legislador pretendeu ser mais restritivo, não deixou de admitir expressamente a fiança como forma de prestação de garantia. Não faria sentido, de resto, que se privilegiasse a garantia bancária, a caução ou o seguro-caução de entidade bancária, instituição financeira de crédito, sociedade financeira, seguradora ou outra legalmente habilitada a exercer a actividade de concessão de garantias, que se encontrasse em situação de grandes dificuldades financeiras, sobre uma fiança prestada por pessoa de reconhecida solvabilidade e grande robustez económica, apenas porque dali se oferece uma forma de caução e aqui temos uma fiança. O que vale por dizer que não é a forma abstracta da prestação da garantia ou a actividade prosseguida por quem a presta que, por si só, atesta a sua idoneidade. A alusão ((garantia bancária)), «caução)) e ((seguro-caução)) não se destinou, por isso, a privilegiar estas formas de prestação de garantia mas a enunciar, de forma exemplificativa, algumas formas possíveis de prestação de garantia, porventura as mais comuns.
Sendo que também não se nos afigura adequado importar do artigo 219.°, n.° 1, do C.P.P.T. o critério ali estabelecido para a ordem dos bens a penhorar.
Porque não existe a pretendida paridade de situações: é que, enquanto no artigo 199.°, n.° 7, a garantia é oferecida pelo executado, destinando-se o normativo a formular o leque de opções que se apresentam, no artigo 219°, n.° 7, a penhora é oficiosamente ordenada, destinando-se o normativo respectivo a escalonar a ordem a observar na sua execução. Ali alude-se a uma faculdade do devedor, que utilizará ou não de acordo com a sua vontade ou conveniência; aqui define-se o conteúdo (vinculado) de um dever do órgão de execução. Também não se vê qualquer préstimo para o caso na alusão ao artigo 767°, n.° 2, do código civil (cfr. alínea “cc” das doutas conclusões do recurso). De um lado, não está em causa o cumprimento de uma obrigação de garantir (mas um ónus de garantir o cumprimento de uma obrigação, caso se pretenda a suspensão da execução); de outro lado. a actuação do credor fiscal é, ao contrário do que ali sucede, uma actuação vinculada e subordinada ao interesse público, não fazendo sentido equipará-la ao credor comum nem encarar como um constrangimento as opções legislativas; de outro lado, ainda, a substituição do devedor por terceiro só prejudica o credor quando a prestação depende das qualidades pessoais do devedor, o que não sucede nas obrigações fiscais de conteúdo pecuniário. Mas mesmo que se entendesse, com a Recorrente, que o legislador, instituiu uma preferência por determinadas formas de garantia e que a opção pela fiança seria inversamente proporcional ao valor da garantia a prestar, nem assim a razão estaria do lado da Recorrente porque, ao contrário do que (incompreensivelmente) alega na alínea “GG” das doutas conclusões do recurso, a dívida exequenda de € 3.310,42 jamais poderia ser considerada de «avultado montante)), não se justificando por isso e no caso uma especial restrição nas formas de garantia a admitir. No mais, a Recorrente lembra a necessidade de efectuar uma análise detalhada das obrigações assumidas pelo fiador (FF7, acena com os fiscos financeiros associados à aceitação de SGPS’s como fiadoras (“LL”), objecta com a necessidade de «acompanhamento permanente da situação patrimonial do fiador, encargo que representaria um esforço administrativo irrazoável para o órgão de execução fiscal» (“RR’j e remata dizendo que recairia sobre o executado o ónus de demonstrar a capacidade de pagar do fiador (“KKK”). No entanto, a garantia não foi rejeitada pelo Órgão de Execução Fiscal, por não ter sido possível aceder às obrigações assumidas pelo fiador ou porque a Executada não tivesse fornecido os elementos que permitissem aferir a capacidade de pagar daquele: foi rejeitada porque a fiança não favorecia a realização do respectivo valor monetário «de forma mais certa, directa e imediata, em sede da respectiva execução)) e porque ((esta firma tem várias alternativas para poder constituir outras garantias». Dando, assim, ((preferência à constituição daquelas garantias que apresentem maior grau de liquidez». Ou seja, assumindo precisamente a interpretação do preceito que acima rejeitamos e pelas razões que seria ocioso estar agora a repetir. Por outro lado, o ónus de demonstrar a solvabilidade do fiador não desonera o Órgão de Execução Fiscal de a confirmar através dos elementos de que disponha e que serão, em princípio, muito superiores aos que acede o credor privado, dado o extenso conjunto de obrigações acessórias que impendem sobre os sujeitos passivos e que asseguram o acesso a informação económico-financeira privilegiada. Pelo que a rejeição de fiança com base na insuficiência de dados que atestem a idoneidade do fiador não dispensaria uma referência aos dados de que própria Administração Tributária dispõe. E o princípio da colaboração sempre reclamaria que o Órgão de Execução Fiscal solicitasse os elementos relevantes antes de rejeitar a garantia com tal fundamento.
Finalmente, também não julgamos consistente a argumentação segundo a qual a aceitação da garantia implicaria um esforço administrativo irrazoável para o Órgão de Execução Fiscal. De um lado, resulta do artigo 199.°, n.° 9, do C.P.P.T. que o Órgão de Execução Fiscal está genericamente obrigado a acompanhar as flutuações dos valores das garantias prestadas e de se manter vigilante sobre a necessidade de exigir o seu reforço. De outro lado, não estão densificados os meios excepcionais a alocar ao acompanhamento da situação patrimonial deste fiador. De outro lado, ainda, as razões de eficiência fiscal não podem servir para se sobrepor ou subverter direitos dos contribuintes que, na esmagadora maioria dos casos, dispõem de meios muito mais reduzidos para responder às crescentes obrigações acessórias que lhes são impostas pelo Estado. Finalmente, a introdução de critérios de razoabilidade para aferir em cada caso as garantias que o Órgão de Execução Fiscal significa, na prática, conceder a este Órgão o poder discricionário de aceitar o rejeitar as garantias de acordo com critérios de funcionalidade interna, justamente o poder que a Recorrente teve o cuidado de enjeitar.(...)”.
É certo que a situação em apreço nos nossos autos não é uma «situação em tudo idêntica» à que foi discutida no processo n.º 539/11 e posteriormente objecto de Acórdão deste Tribunal a 30-11-2011: nestes autos estamos perante um pedido de substituição da garantia prestada e naqueloutro questionava-se a prestação ab initio da garantia sob a forma de fiança.
Também é certo que a decisão posta em crise neste recurso se encontra arredada de qualquer concretização jurídica, mormente de qualquer apreciação, valoração e subsunção desses factos apurados ao disposto no art. 52º, n.º 5 da LGT, quadro legal em que, à priori, se deveria mover.
Acontece porém que, e salvo o devido respeito, essa falha ou desmérito é, no caso concreto, absolutamente irrelevante e foi, seguramente, condicionada pelo próprio despacho em sindicância. Aliás, podemos mesmo afirmar que o desacerto (ainda que parcial) do enquadramento jurídico realizado pelo Tribunal a quo, é equivalente ao desacerto jurídico da decisão da Administração Tributária ao ter fundado o indeferimento do pedido de substituição da garantia prestada não numa materialidade subsumível aos citados artigos 199º do CPPT e 52º da LGT mas no apregoado ofício -circulado.
E, à luz desse ofício-circulado - pela ilegal interpretação que veicula em matéria de prestação de garantias, mormente da sua tipicidade - o despacho objecto desta reclamação, pelas razões constantes do Ac. deste Tribunal Administrativo Central citado, transcrito e acolhido na sentença em causa, tinha que ser anulado, já que as considerações jurídicas aí expendidas a propósito da constituição ab initio de determinadas garantias são mutatis mutandis aplicáveis à situação de substituição de garantias prestadas se o fundamento invocado é também ele, apenas, o teor do mesmo ofício e as instruções deste emergentes.
A única questão que se pode colocar, face ao teor do despacho impugnado, é a de saber se, constando do mesmo despacho uma referência ao art. 52º, n.º 5 da LGT e que a «A substituição da garantia causa prejuízo à execução.», ainda se poderia considerar juridicamente válido o indeferimento da pretensão, como pretende a Recorrente.
Porém, a resposta a tal questão é, ainda assim, negativa.
É que o preceito em que a Recorrente fundamenta a sua pretensão de substituição e em que a Recorrida assenta juridicamente o seu indeferimento dispõe que «A garantia pode, uma vez prestada, ser excepcionalmente substituída, em caso de o executado provar interesse legítimo na substituição e daí não resulte prejuízo para o credor tributário» (cfr. art. 52º, nº 5 da LGT, na redacção que lhe foi conferida pela lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro).
Decorre, pois, deste normativo, que o Executado que pretenda ver deferida a substituição da garantia terá, por um lado, que alegar e provar que possui um interesse legítimo na substituição e, por outro, que oferecer, em substituição, garantia que cubra a totalidade do crédito exequendo e acrescido, atenta a previsível duração do processo, pois apenas a garantia da totalidade da dívida exequenda controvertida e acrescido garantem a suspensão da execução até à decisão do pleito, constituindo esta exigência uma emanação do principio geral de equivalência da caução, penhora e outras garantias idóneas, uma vez que, na presença de qualquer uma delas, a execução se suspende até à decisão da oposição deduzida (Neste sentido, vide, o recente Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 7/12/2011, proferido no âmbito do proc nº 1006/11 e RUI DUARTE MORAIS, A Execução Fiscal, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 2006, p.78.).
Em contraposição, tal pedido ou substituição pode ser indeferido se a Exequente demonstrar que dessa substituição resulta para si prejuízo.
Ora, que o Impugnante alegou esse interesse legitimo, afigura-se-nos obvio, já que subjacente a este pedido está, como alegado, a concretização de um objectivo de poupança de cerca de € 8.500 por ano em custos que suporta com a garantia bancária e que deixará de suportar se lhe for permitido prestar a Fiança em sua substituição.
Custos que a Recorrente nem em recurso questionou, tendo-se, nesta sede, limitado a avançar que a Executada sempre poderá vir a ser indemnizada em caso de procedência da impugnação judicial, nos termos do art. 171º do CPPT [conclusão v) e W)].
Porém, para além de tal argumentação não reunir força bastante para pôr em causa o interesse legitimo invocado pela Executada para a substituição (muito menos se tal é realizado apenas em sede de recurso jurisdicional), importa também ter em consideração, o que aparentemente a Administração optou por desvalorizar, que não só essa indemnização nunca abrangerá os três primeiros anos de custos suportados com a prestação da garantia bancária como, que tais poupanças, na actual conjuntura económica, por menores que possam parecer em determinados contextos empresariais ou considerada a grandeza do volume de negócio de certas empresas, assumem cada vez mais relevância e, por essa razão, não podem deixar de ser considerados interesses legítimos para efeito de preenchimento do pressuposto legal em referência
Daí que, a resposta positiva à questão supra colocada só poderia decorrer de ter sido invocado e comprovado o prejuízo para o credor decorrente da substituição, designadamente, e para o que no caso concreto interessa, pondo em causa a capacidade da executada ou da fiadora para solver ou garantir o pagamento da divida, o valor da fiança a prestar ou a idoneidade da garantia prestada.
O que a Executada e ora Recorrida se não comprovou, pelo menos alegou, mas apenas em sede de recurso, como se pode apreender do vertido nas conclusões [cfr., a titulo meramente exemplificativo, as conclusões V), W), X), Z), AA), BB), CC) DD) EE), JJ), KK), LL), MM), OO), QQ) RR) SS), TT), UU), VV), WW), AAA), BBB), CCC) E DDD)], sem, contudo, no despacho sindicado, as ter minimamente externado.
Tudo, numa tentativa de sustentar, a posteriori, em sede de recurso jurisdicional, de facto e direito, uma decisão que no momento em que foi proferida assentou exclusivamente no ofício-circulado n.º 60.076, de 29-7-2010 e nas instruções daí decorrentes.
O que, obviamente, é absolutamente insuficiente, para não dizer inócuo, para fundamentar e legitimar, à luz do art. 52º da LGT, o indeferimento do pedido de substituição, como pretendido uma vez que, como é sabido, e a Recorrente seguramente o não ignora, o juízo de validade ou invalidade a emitir é-o sobre o acto proferido num determinado momento, isto é, nos termos concretos em que na data em que foi proferido se exteriorizou e não por referência a argumentações, seja qual for a sua natureza, que no acto se não mostrem integradas.
Donde, ainda que com fundamentação parcialmente distinta, entendemos ser de confirmar a sentença recorrida.
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes que integram a Secção de Contencioso do Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em:
Negar provimento ao recurso.
Custas, em ambas as instâncias, pela Recorrente.
Registe e notifique.
Porto, 8-3-2012
Ass. Anabela Russo
Ass. Catarina Almeida e Sousa
Ass. Nuno Bastos