Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00927/15.5BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/13/2018
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Mário Rebelo
Descritores:TRANSAÇÕES INTRACOMUNITÁRIAS DE BENS. PROVA DE QUE OS BENS FORAM EXPEDIDOS PARA OUTRO ESTADO MEMBRO.
Sumário:
1. Para beneficiar da isenção de IVA nas transmissões intracomunitárias a Recorrida tem o ónus de provar que esse bem foi expedido ou transportado para outro Estado-Membro.
2. O ónus da prova da expedição ou transporte do bem recai sobre o fornecedor.
3. A prova pode ser efetuada por qualquer meio legal admissível. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:MJVM
Votação:Unanimidade
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu esclarecido parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

RECORRENTE: Autoridade Tributária e Aduaneira
RECORRIDO: MJVM
OBJECTO DO RECURSO: Sentença proferida pela MMª juiz do TAF de Penafiel que julgou procedente a impugnação deduzida contra a liquidação de IVA efetuada à devedora originária “EEISC, Lda”
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CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES:
A. A Fazenda Pública não pode conformar-se com o doutamente decidido, porquanto entende, que houve erro de julgamento, quanto à matéria de facto e quanto ao direito, tendo o tribunal a quo errado na correlação entre a selecção e valoração da prova e a respectiva interpretação.
B. Assim, entende a Fazenda Pública que o tribunal recorrido levou indevidamente factos ao probatório que conduziram a que a decisão a proferir fosse no sentido da procedência do pedido, quando se fossem correctamente valorados, conduziriam, pelo contrário à sua improcedência.
C. Acresce que, os Serviços de Inspecção notificaram a sociedade, na pessoa da gerente, ora impugnante, para apresentar os elementos comprovativos da saída do território dos bens que constam das facturas, ou seja, das transmissões intracomunitárias mencionadas no campo 7 das declarações de IVA de alguns períodos do ano de 2007.
D. Tais elementos comprovativos nunca foram apresentados, quer em sede de acção inspectiva, quer posteriormente, designadamente no âmbito dos presentes autos, resultando apenas do depoimento da testemunha MD, ex-marido da impugnante, que as vendas foram feitas pelo telefone porque não havia a prática de visitas de clientes, mas que nos caso concreto e ao contrário dessa prática o cliente foi ao armazém levantar a encomenda, transportando-a numa carrinha com matrícula espanhola, não resultando provado qual o destino da mesma.
E. O tribunal a quo concluiu, apenas com base no depoimento desta testemunha, "gerente da sociedade à data", que "o adquirente veio buscar a mercadoria, numa carrinha e que foram levados até Espanha pelo adquirente" e que desta forma ocorreu a declarada transmissão intracomunitária, desvalorizando a inexistência de documento de transporte como prova da saída da mercadoria do território nacional, para de seguida valorar a existência de uma guia de transporte (n.° 35210) como prova da troca de parte da mercadoria e envio dos produtos substituídos para Espanha.
F. A Administração Tributária concluiu, pela enunciação de indícios sólidos, objetivos e consistentes, de que as faturas em causa não poderiam corresponder a transmissões intracomunitárias de bens isentas nos termos do artigo 14.° do RITI, uma vez que o fornecedor nacional não apresentou (porque não possui) qualquer documento comprovativo da saída dos bens de território nacional e só aparentemente a mercadoria teve como destino uma sociedade sedeada em Espanha.
G. O douto tribunal recorrido errou no seu julgamento pois não aferiu corretamente da credibilidade da prova testemunhal produzida pela impugnante, pois desta prova não resultaram depoimentos sérios e credíveis,
H. depoimentos que, conjuntamente analisados e apreciados, não serviram para demonstrar que os bens transaccionados deixaram efectivamente o território nacional com destino a Espanha.
I. Veja-se que da prova documental a impugnante apenas apresenta, em relação a duas das vendas, cópias de facturas com a aposição "Recebi o material constante neste documento" e uma rubrica parcialmente legível "J…".
J. Donde, estando em causa a correcção de liquidação de IVA pela não verificação dos pressupostos da isenção prevista no artigo 14.° do RITI, estando, pois, verificados os pressupostos legais que legitimaram a actuação da Administração Tributária, que ocorreu na situação em análise,
K. demonstração que não foi abalada pela prova trazida pela impugnante/recorrida.
L. A Administração Tributária demonstrou os factos constitutivos do seu direito à liquidação impugnada, pautando a sua actuação pela conformidade à lei, razão pela qual serão de manter as correcções efectuadas, por se encontrar demonstrada a sua validade e justeza,
M. incorrendo a douta sentença em erro de julgamento, violando as seguintes normas legais: artigo 14.° do RITI, n.° 1 do artigo 74.°, e n.° 1 do artigo 76.° da Lei Geral Tributária; n.° 1 do artigo 342.° do Código Civil, ex vi alínea e) do artigo 2. ° do CPPT.
Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida.
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CONTRA ALEGAÇÕES.
A recorrida conta alegou e concluiu:
I. A Recorrente não cumpriu o ónus imposto pelo art. 640° do CPC, isto é, não elencou os concretos pontos de facto que considera erradamente julgados (pontos 1, 2 e 9), muito menos indicou com exactidão as passagens da gravação .. quando invoca depoimentos prestados e gravados na audiência final de julgamento.
II. O art. 640°/1 e 2/a é claro: deverá ser IMEDIATAMENTE REJEITADO o recurso da matéria de facto que não cumpra estes ónus.
III. Não havendo alteração da matéria de facto (não pode haver porque na impugnação não foi cumprido o ónus prevista no art. 640°/CPC), também não pode haver alteração à matéria de direito.
IV. Andou bem o tribunal recorrido ao decidir nos termos em que o fez, não tendo violado as normas jurídicas invocadas.
V. Nestes termos, e nos demais de direito que V. Exas. mui douta e sabiamente suprirão, deve o recurso ser julgado improcedente, por provado, com as legais consequências.
Decidindo assim, V. Exas. farão, como sempre, Justiça!
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PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.
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II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou, no julgamento de facto e de direito ao julgar procedente a impugnação, por considerar que a Impugnante demonstrou que as mercadorias faturadas foram vendidas e transportadas para outro Estado Membro.
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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.
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III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:
1. A sociedade "EEISC, Ld.a", foi criada em 06/01/1992, com o objeto social de comercialização de equipamentos informáticos e prestação de serviços, tendo sido nomeada gerente MJV. — cfr. doc. de fls. 20 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
2. Pela "EEISC, Ld.a", foram vendidas ao cliente "CFC de CAFR ", as mercadorias tituladas pelas seguintes faturas:
Fatura n.°DescritivoValor (E)Data
703168Toner HPE 45.438,7028/08/2007
703930Tinteiro HPE 7452,0022/10/2007
703931Tinteiro HPE 5502,0022/10/2007
703932Toner HPE 37218,3322/10/2007
— cfr. docs. 1, 2, 3, 4, juntos à petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
3. A "CFC de CAFR ", tem estabelecimento na Avenida V… — C…, , Espanha e o n.° de contribuinte X…J.
4. Os bens foram pagos pelo adquirente através de transferências bancárias, efetuadas no Banco Millennium bcp, nos seguintes termos:
Montante da Transferência Ordenante da45438,70 EUR CFC
Transferência Descritivo daCONSUMÍVEIS 700168 TFR
Transferência na Conta Referência doDE CFC
Ordenante Data do Movimento700168 CFC
DataValor da Operação700168 2007/08/28
2007/08/28
Montante da Transferência Ordenante da7452,00 EUR CFC PAG F.
Transferência Descritivo daPROF 700176 TFR DE
Transferência na Conta Referência doCFC PAG F. PROF
Ordenante Data do Movimento700176 CFC PAG F
DataValor da OperaçãoPROF 700176 2007/10/19
2007/10/19
Montante da Transferência5502,00 EUR CFC PAG F
Ordenante da TransferênciaPROF 700175 TFR DE
Descritivo da Transferência naCFC PAG F. PROF
Conta Referência do Ordenante 700175 CFC PAG F
Data do Movimento PROF 700175 2007/10/19
DataValor da Operação 2007/10/19

Montante da Transferência 37218,33 EUR
Ordenante da Transferência CFC PAG F. PROF 700177
Descritivo da Transferência na Conta TFR CFC PAG F. PROF 700177
Referência do Ordenante CFC PAG F. PROF 700177
Data do Movimento 2007/10/19
DataValor da Operação 2007/10/19
— cfr. docs. 5, 6, 7 e 8, juntos à petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
5. Os bens vendidos foram transportados pela adquirente e carregados numa carrinha com matrícula espanhola - depoimento de testemunha.
6. Parte do material constante das faturas juntas com o documento 1 a 4, teve de ser substituído por se encontrar fora do prazo de validade. — depoimento de testemunha.
7. O material substituído foi remetido ao cliente, para Espanha, pelos correios, em 25/10/2007, dada a pequena quantidade. — depoimento de testemunha; cfr. fls. 133 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
8. Em virtude do negócio a que alude o n.° anterior, em 25/10/2007, foi emitida pela EEISC" guia de transporte n.° 35210, com o seguinte teor:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

— cfr. fls. 133 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
9 Por ordem de serviço 01201102332, foi determinada uma ação de inspeção interna à sociedade EEISC, , LD.a, NIPC 502672714, por existir dúvidas quanto à veracidade das operações declaradas pela sociedade como transmissões intracomunitárias de bens.
10. Por ofício 34723/0507 de 06/06/2011, foi notificada a sociedade, na pessoa da gerente, ora Impugnante, para exibir comprovativos da saída do território nacional dos bens constantes das faturas de transmissões intracomunitárias declaradas em sede de IVA, no ano de 2007.
11. No âmbito do procedimento inspetivo, foi emitido "Relatório de Inspeção Tributária", do qual consta, designadamente, o seguinte:
(…)

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

…)
— cfr. fls. 10, 11 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
12. Em resultado o procedimento inspetivo levado a cabo, foram emitidas as seguintes liquidações
N° LiquidaçãoPeríodoValorData limite de pagamento
111503020708€ 9 542,1931/12/2011
11150303 (JC)€ 1 514,2031/12/2011
111503040710€ 10 536,1231/12/2011
11150305 (JC)€ 1 601,4931/12/2011
— cfr. fls. 6 e 15 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
13. Não tendo sido efetuado o pagamento das quantias a que se refere o n.° anterior, contra a EEISC, , LD.a, NIPC 5…14, foi instaurado o processo de execução fiscal com o n.° 1848201201008706, para cobrança de dívidas de IVA do ano de 2007, com data limite de pagamento em 31/12/2011, no montante total de 23.193,90€.
— cfr. fls. 49 dos autos, processo administrativo apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
14. Em 11/02/2015, foi proferido despacho de reversão contra MJVM, no montante de € 23.194,00 — cfr. fls. 45 verso e 46 dos autos, processo administrativo apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
15. Após citação, MJVM apresentou, em 23/03/2015, oposição à execução fiscal, a qual foi remetida a este Tribunal e convolada em impugnação judicial.

FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provaram outros factos com relevo para a decisão em causa.

A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos e do processo administrativo constam, e ainda da prova testemunhal produzida, tudo conforme referido a propósito de cada um dos pontos do probatório.

MJTD, Sócio Gerente da "PDLDI ", foi casado com a Impugnante e trabalhou na EEISC de 1998 a 2008. Em 2007 era gerente, diretor comercial, diretor de compras.
Foi confrontado com documentos 1 a 4 — Faturas e transferências. Referiu que o cliente em causa era espanhol e não se tratava de um cliente habitual. Estava sedeado na zona de Vigo.
Referiu, em suma:
Relativamente às vendas, referiu que foram feitas pelo telefone, pois que era essa a prática. Não havia a prática de visitas de clientes.
Especificou que, no caso, foram enviados e-mails para informar o cliente dos preços/ cotações. Houve transferências de dinheiro antecipadas à entrega (cfr. docs.), porque não se conhecia o cliente.
O cliente foi ao armazém levantar a encomenda e fizeram um desconto ao preço, porque a empresa não alugou transportadora.
Mencionou ainda que o cliente tinha um furgão branco, veículo próprio. Os contactos com o cliente, a formalização do negócio foi através do CR, português que vivia em Espanha, dono e gerente da empresa espanhola. Foi ele que assinou a fatura. A mercadoria foi transportada em viatura própria.
Um dia depois do segundo negócio, o cliente ligou a dizer que os tinteiros tinham prazo de validade esgotado. Pelo que a empresa se prontificou a trocar os produtos vendidos por outros que estivessem dentro do prazo de validade. Assim, o fizeram, enviando novos produtos, pela troca. O envio foi feito pelo correio para as instalações do cliente, em Espanha.
Confrontado com documento junto aos autos na decorrência da audiência de julgamento, guia de transporte de equipamento trocado, esclareceu que tal guia de transporte foi emitida porque houve lugar à troca do equipamento que tinha sido previamente entregue e que estava fora do prazo de validade. Os bens foram remetidos pelos CTT.
--- O seu depoimento foi claro e conciso quanto à matéria questionada, revelando ter conhecimento dos termos em que o negócio se realizou. Logrou convencer o Tribunal quando referiu que, num primeiro momento, a encomenda foi levantada pelo cliente espanhol e que, posteriormente, tiveram de efetuar a troca dos bens, com defeito, tendo enviado novo produto pelo correio.
JAOS, casado, sócio-gerente da empresa "PLDDI ", referiu conhecer a "EEISC" desde 1992 e a ora Impugnante desde 1999.
Quanto ao negócio em concreto, não mostrou deter qualquer conhecimento concreto e relevante.
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IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
MJVM, na qualidade de revertida por dívidas da devedora originária “EEISC, Lda”, deduziu oposição judicial contra a execução fiscal para a qual foi citada, alegando, em síntese, que as (4) facturas em relação às quais a AT considerou que a devedora principal não demonstrou inequivocamente que os bens transacionados deixaram o território nacional, alegou que tais mercadorias foram pagas, transportadas pelo adquirente, o que pode ser provado por qualquer meio de prova, incluindo a testemunhal.
Notificado, o Exmo. Representante da Fazenda Pública contestou por exceção alegando erro na forma de processo.
A exceção foi julgada procedente, e após trânsito do despacho que ordenou a convolação da oposição em ação de impugnação foi o Exmo. Representante da Fazenda Pública notificado para contestar, o que fez por impugnação, alegando, em síntese, que a devedora originária não comprovou inequivocamente que os bens transacionados deixaram fisicamente o território nacional, uma vez que a suposta saída de mercadorias suportada por facturas, para além de uma rubrica não identificativa das pessoas que rececionaram os bens, mais nada é evidenciado que comprove a efetiva saída da mercadoria.
Produzida a prova e demais tramitação processual, foi proferida sentença que concluiu pela procedência da impugnação, com a seguinte fundamentação:
“O artigo 14.° do RITI dispõe que estão isentas de imposto "as transmissões de bens, efetuadas por um sujeito passivo dos referidos na alínea a) do n° 1 do artigo 2.°, expedidos ou transportados pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, a partir do território nacional, para outro Estado membro com destino ao adquirente, quando este seja pessoa singular ou coletiva registada para efeitos de imposto sobre o valor acrescentado em outro Estado membro, que tenha utilizado o respetivo número de identificação para efetuar a aquisição e aí se encontre abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens".
Atendendo ao teor da norma, há que notar que a tributação será efetuada no Estado do adquirente pelo que os elementos essenciais para efeitos de isenção do imposto serão aqueles que contendem com a qualidade dos sujeitos intervenientes, em especial a do adquirente e a demonstração da efetiva ocorrência das transações comerciais.
Ou dito de outro modo, de acordo com este princípio estão isentas de imposto, no país de origem, por forma a evitar a sua dupla tributação e a garantir a respetiva neutralidade fiscal. Trata-se de uma isenção completa na medida que permite o direito à dedução do IVA suportado a montante.
Os pressupostos da isenção são: que a transmissão seja onerosa; que seja efetuada por um sujeito passivo de IVA dos referidos na alínea a) do n.° 1 do artigo 2.° do RITI, isto é, que seja uma pessoa singular ou coletiva que efetue operações que conferem, total ou parcialmente, o direito à dedução do IVA; os bens têm que ser expedidos pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta deste; a partir do território nacional para outro Estado-membro com destino ao adquirente; o adquirente tem que ser igualmente um sujeito passivo registado para efeitos de IVA no Estado-membro de destino; o adquirente tem que ter utilizado o respetivo n.° de identificação para efetuar a aquisição; e tem que se encontrar abrangido no estado de destino por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens.
Dos preceitos acima transcritos, resulta que as operações realizadas nos termos do RITI abrangem as trocas comerciais efetuadas entre sujeitos passivos registados para efeitos do
IVA em diferentes Estados Membro, abrangidos pelo regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens, inscritos no Sistema de Intercâmbio de Informações sobre o IVA (VIES).
Segundo o TJUE, é condição essencial a transferência de bens para um Estado-Membro diferente do Estado de início da expedição ou do transporte do bem. Condição, essa, que "estabelece a diferença entre uma operação intracomunitária e a que se realiza no interior do país, salvaguardando-se, assim, o princípio da tributação no destino, Estado-Membro onde ocorre o consumo final, aplicável ao comércio intracomunitário".
O conceito de expedição não está legalmente definido, remetendo o artigo 12.° do RITI para a noção de "colocação dos bens à disposição do adquirente" constante do artigo 7.° do CIVA.
O TJUE tem entendido, a este propósito, que este conceito deve ser interpretado no sentido de a isenção em apreço só ser aplicável quando o direito de dispor de um bem como proprietário tenha sido transferido para o adquirente, o fornecedor prove que esse bem foi expedido ou transportado para outro Estado-membro e que, na sequência dessa expedição ou transporte, o bem saiu fisicamente do território do Estado de entrega.
A prova da expedição do bem é, assim, essencial para determinar a aplicação da isenção em apreço, incumbindo essa prova ao transmitente do bem. O TJUE já defendeu ser admissível, para este efeito, qualquer meio de prova, para além da apresentação do respetivo documento de transporte, como seja a declaração de expedição no transporte rodoviário.
No que respeita à condição relativa à prova, refere-se o acordão Euro Tyre Holding BV, processo C 430/09, de 16 de dezembro de 2010, segundo o qual "a isenção da entrega intracomunitária só é aplicável quando o direito de dispor do bem como proprietário tenha sido transferido para o adquirente, quando o fornecedor demonstre que esse bem foi expedido ou transferido para outro Estado-Membro e quando, na sequência dessa expedição ou desse transporte o referido bem tenha saído fisicamente do território do Estado Membro de entrega". Ainda conforme jurisprudência do Tribunal de Justiça "no caso do adquirente obter o poder de dispor do bem como proprietário no Estado Membro de entrega e se encarregar de o transportar para o Estado Membro de destino, como acontece nas entregas que têm como condição o levantamento das mercadorias no armazém do fornecedor, devem ser tidas em conta, na medida do possível, as intenções do comprador no momento da aquisição, desde que estas se baseiem em elementos objetivos."
O sujeito passivo vendedor deve, assim, ser capaz de comprovar todos os elementos exigidos no artigo 14.° do RITI, designadamente o transporte de bens para outro Estado-Membro, sob pena da operação ser considerada localizada em território nacional e como tal sujeita a imposto.
Para justificar a não liquidação do IVA, por aplicação do regime previsto na alínea a) do artigo 14.° do RITI, é, pois, admissível que a prova da transferência dos bens do território nacional para outro Estado Membro possa efetuar-se com recurso aos meios gerais de prova, nomeadamente através das seguintes possibilidades alternativas: — os documentos comprovativos do transporte, os quais, consoante o mesmo seja rodoviário, aéreo ou marítimo, podem ser, respetivamente, a declaração de expedição (CMR), a carta de porte ("Airwaybil I"-AWB) ou o conhecimento de embarque ("Bill of landing"-B/L); — os contratos de transporte celebrados; — as faturas das empresas transportadoras; — as guias de remessa; — a declaração, no Estado-Membro de destino dos bens, por parte do respetivo adquirente, de aí ter efetuado a correspondente aquisição intracomunitária. [cfr. anotação ao artigo 14.° do Código do IVA e RITI, Notas e Comentários, Coordenação e Organização: Clotilde Celorico Palma, António Carlos dos Santos, Almedina 2014].
Sobre esse assunto, refere-se o Oficio-Circulado n.° 30009, de 10 de fevereiro de 1999, elaborado na Direção de Serviços do Imposto sobre o Valor Acrescentado, divulgado no Portal das Finanças.
Realça-se, no entanto, que nada obsta a que sejam utilizados outros meios alternativos de prova que não os elencados no referido Ofício Circulado.
Quando se está perante uma liquidação fundada no não reconhecimento pela AT de uma isenção que o contribuinte invocou para não liquidar o imposto devido, cabe a ela (AT) o ónus de demonstrar que se verificam os pressupostos de facto que integram o fundamento previsto na lei para a sujeição ao imposto que o contribuinte deixou de liquidar, cabendo, por seu turno, ao contribuinte provar a existência dos requisitos que afirma em suporte da invocada isenção de imposto.
No caso concreto, estão em causa as transações comerciais corporizadas na faturação da sociedade devedora originária Impugnante efetuadas em 2007.
Relativamente a elas, a impugnante não liquidou o IVA por considerar estarem as mesmas isentas desse imposto, por se mostrarem reunidos os pressupostos do artigo 14.° do Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias (RITI).
A administração fiscal não partilhou do mesmo entendimento e, considerando ser indispensável a prova, por parte do sujeito passivo, do transporte das mercadorias para Espanha (que o contribuinte não possuía), efetuou a liquidação do imposto.
Assim, resulta das posições assumidas nos autos que as partes não questionam quaisquer dos outros pressupostos a que alude o artigo 14.°, designadamente os relativos à qualidade dos sujeitos passivos intervenientes nas transações.
A divergência de posições cinge-se à prova da saída da mercadoria do território nacional e à (in)exigibilidade de documento de transporte.
Ora, quanto à sociedade vendedora, não restam dúvidas que se trata de um sujeito passivo de IVA de acordo com o artigo 2.° al. a) do RITI e do CIVA; o mesmo se diga quanto ao adquirente dos bens.
Relativamente às faturas, é a própria AT que refere que "atendendo apenas ao aspeto formal da operação titulada pelas faturas emitidas, aparentemente a mercadoria teve como destino as sociedades sedeadas em Espanha".
Como se disse, no caso em apreço, a AT pôs em causa a existência de transmissões intracomunitárias e, por inerência, da isenção prevista no citado artigo 14°, por força da inexistência de prova da expedição ou transporte da mercadoria para o território espanhol e da sua entrada aí, já que os elementos documentais existentes na escrita do Impugnante (faturas) eram insuficientes.
Com efeito, do teor do suporte formal fundamentador do ato impugnado resulta que a AT aceita que as mercadorias se destinavam à empresa "CFC de CAFR ", sediada em Espanha.
Todavia, porque apurou, na escrita da devedora originária, qualquer outra prova da sua saída do território nacional, desqualificou essas vendas como transmissões intracomunitárias e tributou-as em IVA.
Sucede que a materialidade fáctica apurada nestes autos permite fazer outro enquadramento da situação.
Por um lado, a testemunha ouvida, gerente da sociedade à data, descreveu, de forma credível, o modo como a venda e o transporte se efetuaram: disse que o adquirente veio buscar a mercadoria, numa carrinha e que foram levados até Espanha pelo adquirente. A acrescer à descrição, em sede de audiência de inquirição das testemunhas, foi junto aos autos documento de transporte emitido na sequência da deteção de defeito em parte da mercadoria enviada. Com efeito, foi dito que o cliente, apercebendo-se de irregularidades com os consumíveis, solicitou a troca de parte deles, tendo havido substituição e envio para Espanha dos produtos substituídos, através dos correios, conforme se atesta pela guia de transporte n.° 35210.
Foram igualmente comprovadas as transferências bancárias para a CFC, nos termos constantes das faturas.
Todos estes elementos, conjugados entre si, criaram a convicção no Tribunal, de que os bens vendidos deixaram o território nacional, rumo a Espanha.
Deste modo, pode concluir-se que não se encontram provados os pressupostos de facto, afirmados no relatório de inspeção, subjacentes aos atos de liquidação, tendo sido demonstrado pela ora Oponente que se verificam todos os requisitos estabelecidos na lei para o reconhecimento da invocada isenção de imposto, isto é, que ocorreu a declarada transmissão intracomunitária.
Como se disse, o contribuinte não tem qualquer obrigação legal de provar a expedição ou transporte para outro Estado-Membro especificamente através dos meios de prova documentais fixados pela AT no ofício-circulado, pois a lei não o prevê, e aquele ofício-circulado constitui uma orientação administrativa que apenas vincula a AT, e não os contribuintes, nem os tribunais.
A maior ou menor exigência quanto à idoneidade e adequação do meio de prova, bem como a valoração da prova produzida pela Oponente deve ser efetuada partindo dos meios de prova apresentados por esta, mas atendendo também a todos os indícios recolhidos pela AT e se estes aparentam evasão ou fraude fiscal. E, neste último caso, é convicção do Tribunal que tal evasão não se verificou.
Pelo que procede a ação, anulando-se as liquidações impugnadas”
O Exmo. Representante da Fazenda Pública discorda da decisão. Sustenta que a sentença incorreu em erro de julgamento, pois o tribunal "a quo" apenas com base no depoimento da testemunha MD, ex-marido da impugnante, e ex gerente da sociedade à data, concluiu que “o adquirente veio buscar a mercadoria, numa carrinha e que foram levados até Espanha pelo adquirente” e que desta forma ocorreu a declarada transmissão intracomunitária de bens, desvalorizando a inexistência de documento de transporte como prova de saída da mercadoria do território nacional, para de seguida valorar a existência de uma guia de transporte como prova da troca de parte da mercadoria e envio dos produtos substituídos para Espanha.
Mas sdr, o Exmo. Representante da Fazenda Pública não tem razão.
Não tem razão desde logo porque, pretendendo impugnar o julgamento da matéria de facto, não deu cumprimento ao disposto no art. 640º do CPC, designadamente omite quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
E também não tem razão porque ao contrário do que afirma, a prova de que os bens facturados pela “EEISC” (devedora originária) à adquirente “CFC de CAFR” foram transportados para outro Estado Membro não se baseou apenas no depoimento da testemunha MD.
Embora não o tenha referido na parte da sentença reservada à motivação da decisão de facto, a MMª esclareceu (fls. 15 da sentença) que foi da conjugação entre o depoimento da testemunha, o documento de transporte na sequência da deteção de defeito na mercadoria enviada, bem como as transferências bancárias da “CFC” para a “EEISC”1) que resultou a prova de que os bens tinha sido adquiridos e transportados pelo adquirente para outro Estado Membro.
Ora, como se refere no ac. do TCAS n.º 07450/14, de 13/10/2016, o ónus da prova da expedição ou transporte do bem é do fornecedor, aqui EEISC.
Segundo jurisprudência uniforme do TJ a isenção da entrega intracomunitária de um bem só é aplicável quando o direito de dispor do bem como proprietário tenha sido transferido para o adquirente e o fornecedor prove que esse bem foi expedido ou transportado para outro Estado-Membro (v. acórdãos Teleos e o., C-409/04; Twoh International, C-184/05, R., C-285/09, Euro Tyre Holding, C-430/09, TJ C-492/13, de 9 de Outubro de 2014 [Traum EOOD])2)
Com efeito, o TJ declarou que, embora a entrega intracomunitária de bens esteja sujeita à condição objectiva de ocorrer uma transferência física dos bens para fora do Estado-Membro de entrega, desde a abolição do controlo nas fronteiras entre Estados-Membros, é difícil para a Administração Fiscal verificar se as mercadorias saíram ou não fisicamente do território do referido Estado-Membro. Por este motivo, é principalmente com base nas provas fornecidas pelos sujeitos passivos e nas suas declarações que as autoridades fiscais procedem a essa verificação (acórdãos, já referidos, Teleos e o., e R.).
Por outro lado, na falta de uma disposição concreta na Sexta Directiva (actualmente Directiva IVA) quanto às provas que os sujeitos passivos devem fornecer para efeitos de beneficiar da isenção de IVA, o TJ tem afirmado que compete aos Estados-Membros fixar as condições em que isentam as entregas intracomunitárias para garantir a aplicação correta e simples das ditas isenções e prevenir eventuais fraudes, evasões e abusos, devendo, porém, respeitar os princípios gerais de direito que fazem parte da ordem jurídica da União, entre os quais figuram, designadamente, os princípios da segurança jurídica e da proporcionalidade (v., neste sentido, acórdãos de 27 de Setembro de 2007, Collée, C-146/05, Twoh International,; e R.).
O direito interno português não previa obrigações concretas para efeitos da aplicação da isenção a uma entrega intracomunitária. Mas no ofício-circulado n.º 30.009, de 10 de Dezembro de 1999 a AT estabeleceu uma lista de documentos aptos a fazer essa prova, de cariz não taxativo, mas em que também expressamente admite o recurso aos meios gerais de prova.
A existência deste ofício circulado vincula a Autoridade Tributária e Aduaneira ao reconhecimento dos requisitos de isenção de uma transmissão intracomunitária de um contribuinte que tenha documentado a transmissão nesses termos, conferindo, assim, segurança jurídica às transacções, tal como exige a jurisprudência do TJ, dando concretização ao princípio da protecção da confiança legítima. Nessa medida, as regras administrativas não merecem qualquer censura, bem pelo contrário, pois o contribuinte poderá adoptar os procedimentos previstos naquele ofício circulado assegurando-se, assim, que não serão levantadas questões de prova pela AT relacionadas com a expedição ou transporte para outro Estado-Membro, o que confere segurança às transacções das empresas.
Porém, o contribuinte não tem qualquer obrigação legal de provar a expedição ou transporte para outro Estado-Membro especificamente através dos meios de prova documentais fixados pela Autoridade Tributária e Aduaneira, pois como referimos, a lei não o prevê, e aquele ofício- circulado constitui uma orientação administrativa que apenas vincula a AT, e não os contribuintes, nem os tribunais.
Em suma, para a Recorrida poder beneficiar da isenção de IVA nas transmissões intracomunitárias tem efectivamente de provar que esse bem foi expedido ou transportado para outro Estado-Membro, pressuposto que decorre do art. 14.º do RITI e que tem vindo a ser sancionado pela jurisprudência do TJ.
Mas tem de o fazer, não necessariamente, através da declaração de expedição internacional - “CMR”, podendo antes usar de todos os meios de prova admitidos em direito (o que é diferente de dizer que têm todos o mesmo valor probatório).
A maior ou menor exigência quanto à idoneidade e adequação do meio de prova, bem como a valoração da prova produzida pela Recorrida deve ser efectuada partindo dos meios de prova apresentados, mas atendendo também a todos os indícios recolhidos pela AT e se estes aparentam evasão ou fraude fiscal.
É da ponderação de todos os indícios recolhidos pela AT em confronto com a prova que a Recorrida vem a produzir que podemos valorar convenientemente a prova produzida e formar uma convicção sobre a efectiva satisfação do ónus da prova que recai sobre o Recorrida.
Ora a AT limitou-se a sustentar que a aposição de carimbo nas cópias das facturas com a menção “Recebi o material constante neste Documento” e uma rubrica parcialmente legível (J…?...) no local da assinatura não comprovava inequivocamente que os bens transacionados deixaram fisicamente o território nacional.
E também nos parece certo que não comprovavam.
Mas com a prova realizada, e sua devida conjugação, não restam dúvidas de que a Recorrida provou a transação, por um lado, e por outro que os bens deixaram o território nacional com destino a outro Estado Membro.
Por conseguinte, a Impugnante cumpriu integralmente os pressupostos de isenção de imposto previsto no art. 14º/a) do RITI. E assim sendo, a sentença não nos merece qualquer censura.
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V DECISÃO.
Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela AT.
Porto, 13 de dezembro de 2018.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina da Nova
Ass. Bárbara Tavares Teles
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1) No texto diz-se que as transferências bancárias foram para a CFC. Mas trata-se de mero lapso de escrita, uma vez que as transferências bancárias foram efetivamente da CFC (adquirente) para a “EEISC” (fornecedora), como aliás bem resulta dos factos provados n.º 4.

2) Seguimos de perto a doutrina do ac. do TCAS n.º 07450/14 de 13-10-2016 Relator: CRISTINA FLORA