Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00548/11.1BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/06/2014
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:João Beato Oliveira Sousa
Descritores:PROCESSO DISCIPLINAR.
Sumário:1. A expressão “artigos de acusação” está concretizada no artigo 48º/3 do ED, compreendendo os factos estritamente constitutivos da infracção (“factos integrantes da mesma”, em consonância com o nº1 do mesmo artigo 48º em que se prevê a hipótese inversa de os factos constantes dos autos não constituirem infracção disciplinar), assim como as circunstâncias que balizam externamente a infracção em termos de “tempo, modo e lugar”.
2. Mas a narrativa responsabilizante não se basta com factos, estes têm ainda que ser ligados com o “cimento” das conclusões, juízos de valor, opiniões, sobre a ilicitude e censurabilidade desses factos ou a sua aptidão para revelarem a violação de um qualquer dever funcional.
3. As expressões “Ora, contrariamente ao alegado na defesa (…) o comportamento da arguida poderá ter a ver com aversões da própria à família do aluno em causa” e “a defesa da arguida é demonstrativa da falta de arrependimento da mesma”, são juízos conclusivos extraídos da defesa e não “factos novos” em sentido técnico/jurídico, não ocorrendo por isso a violação do artigo 37º/1 ED.*
*Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Ministério da Educação
Recorrido 1:MFCB...
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes da 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
Ministério da Educação e Ciência veio interpor recurso do acórdão do TAF de Coimbra que, julgando procedente a presente acção administrativa especial intentada por MFCB, anulou o acto de 02/05/2011, pelo qual a Directora Regional de Educação do Centro aplicou a esta professora a pena disciplinar de multa no montante de 250,00€.
*
Em alegações o Recorrente formulou as seguintes conclusões:
I – Considerando o disposto nos arts. 660º, nº 2, 664º, 668, nº 3 e 4 e 685º-A, todos do CPA, ex vi do artº 140º do CPTA e, ainda, o artº 149º do mesmo diploma legal, o Tribunal de recurso não se limita a analisar a decisão judicial recorrida, uma vez que, ainda que a declare nula, decide «…sempre o objeto da causa conhecendo de facto e de direito…» o que se requer.
II – Toda a matéria relevante para a consideração da legalidade da aplicação da sanção disciplinar de 250 € de multa esgota-se no ocorrido em 13 de maio de 2010, durante o teste de Inglês, conduta punível com pena de multa ou de repreensão escrita.
III - Em antinomia com a tese dos decisores jurisdicionais, na decisão administrativa não foram tidos em linha de conta quaisquer factos novos, mas apenas os constantes dos autos, descritos na nota de culpa e na respetiva resposta.
IV - Tal como resulta dos autos, as asseverações de que a arguida não se demonstrou arrependida e o facto de ter agido motivada por uma aversão que tinha à família do aluno, não constituem factos novos, resultando antes, dos autos, dos depoimentos, da defesa apresentada pela arguida e da análise dessa defesa.
V – A matéria que a decisão impugnada cognomina de factos novos (referidos na defesa) constitui parte integrante da análise/resposta à defesa oferecida, materializando a refutação dos factos aduzidos pela Arguida, o que sucedeu a instâncias da análise do processo nos termos e para os efeitos constantes do nº 1, do artº 55º, do ED.
VI – É a Recorrida quem no artº 18º da defesa faz alusão expressa a uma eventual animosidade do A... contra a Arguida, deixando perceber que haverá “mais qualquer coisa” por detrás desta animosidade, o que pode ter a ver com aversões da sua família relativamente à arguida.
VII – A Arguida, a instâncias da defesa, pugnou pela suspensão de execução da pena disciplinar.
VIII - O MEC, no âmbito da análise do processo para efeitos de decisão final – nº 1, do artº 55º do ED – não aquiesceu que a simples censura do comportamento e a ameaça da pena (suspensão de execução da pena disciplinar) realizassem adequada e suficientemente as finalidades da punição, fundamentando:
a) - Que a defesa da arguida é demonstrativa da falta de arrependimento da mesma,
b) – Que a arguida, na defesa, voltou a tecer comentários sobre a família do aluno,
c) – Que no artº 18º da defesa a Arguida traz à colação uma eventual animosidade do A... contra a sua pessoa, deixando perceber que haverá “mais qualquer coisa” por detrás desta animosidade, o que pode ter a ver com aversões da sua família relativamente à arguida
IX - Quem prepara os fundamentos da decisão e, procedendo à análise da defesa, alega que da mesma se pode presumir que a Arguida não está arrependida e que o seu agir se motivou por aversão à família do aluno, está a formular conclusões e a fundamentar a sua decisão em factos constantes dos autos e da defesa e, de outra parte, a rebater os factos aduzidos na defesa.
X - A entidade decisora administrativa, ao fundamentar a sua decisão e pela forma como o fez, não está a alegar factos novos mas, apenas, a encarar as razões de facto alegadas pela arguida na sua defesa como motivos incipientes para suspender a execução da pena tal como fora solicitada.
XI – A vingar a tese dos decisores jurisdicionais, o processo disciplinar seria um constante e “animado” ping-pong, passando-se de análise para a análise de sucessivas defesas, com novas possibilidades de defesa ad eternum … até à prescrição, bastando que para tanto o arguido invocasse, na(s) sua(s) defesa(s), “novos factos”, não obstante até já constarem dos autos, mormente dos depoimentos.
XII – Seria caricato admitir-se à Administração a obrigação de solicitar a pronúncia da Arguida, relativamente a tudo quanto alega no texto da defesa oferecida, para o exercício do direito ao contraditório, ou seja, para contraditar e ser ouvida em tudo o que concerne àquilo que, afinal, alegou!
XIII - A decisão judicial dispersou-se «…pelo acessório, em prejuízo do essencial…» ao sustentar “uma tese” sobre pedagogia, tentando delimitar o cerne da relação pedagógica docente/discente, assunto para a qual o poder administrativo é o único detentor da respetiva razão de ciência, incorrendo em manifesta violação do princípio da separação tripartida dos poderes. Na verdade;
XIV – Os factos ocorreram no decorrer da realização de uma prova, sendo despropositado que a Recorrida:
a) - comente, perante a turma, que caso a recompensa se traduzisse em dar uma volta no M... do avô, ele próprio facultar-lhe-ia as respostas;
b) - transmita aos discentes o sentido de desrespeito pelos valores e a ideia de que a recompensa (o meio) justificaria esse desrespeito (o fim).
c) - interrompa a realização da prova, coartando a concentração assim como a linha de raciocínio dos demais discentes, na execução do trabalho avaliativo.
XV - Com o seu procedimento, a Recorrida não tratou com o devido respeito quer o aluno visado, humilhando-o ante a turma quer, ainda, os demais discentes, interrompendo a realização das respetivas provas, incorrendo em responsabilidade disciplinar.
XVI – A arguida não só não demonstrou arrependimento como negou os factos dados como provados e admitidos pela decisão judicial, a saber:
a) -que tivesse lido o papel em voz alta perante a turma e,
b) - que tivesse comentado que, caso a recompensa a que o aluno se referia fosse dar uma volta no M... do avô, ela lhe diria as respostas.
XVII – A pena aplicada à Recorrida, ao arrepio do sustentado pelos decisores jurisdicionais, é adequada e proporcional ao factos dados como provados, pelo que a entidade administrativa não violou quaisquer dos princípios aludidos na decisão jurisdicional.
XVIII - «…Na determinação da medida da pena, a Administração, embora tenha de respeitar os parâmetros legais, goza de uma certa liberdade que não é sindicável pelo Tribunal, salvo erro grosseiro ou palmar…» e, apenas «… Há erro grosseiro ou palmar na fixação da medida da pena quando esta é manifestamente injusta ou manifestamente desproporcionada…» (Acórdão do STA – processo nº nº 037476 de 18/02/1999) - o que não se verificou nos presentes autos.
XIX – Com a sua conduta a Recorrida não tratou com o devido respeito quer o aluno visado quer, ainda, os demais discentes, incorrendo em responsabilidade disciplinar, que demanda a aplicação da pena de multa – artº 16º do ED.
Normas jurídicas violadas:

Considerando o alegado precedente, em nosso entendimento, o tribunal recorrido postergou, designadamente, os seguintes preceitos legais a saber:
- Artº 2º e 203º da CRP;
- Arts. 3º, nº 10; 10º, nº 3; 16º, 21º al) d); 55º nº 1; e nº 5 todos do Estatuto Disciplinar aprovado pela Lei nº 58/2008;
- art. 10º A, alíneas a), b), g) do ECD.
- Artº 5º do CPA

TERMOS EM QUE, ATENDENDO ÀS RAZÕES DE FACTO E DE DIREITO SUPRACITADAS:
Deve ser concedido provimento ao presente Recurso e, consequentemente, revogada a sentença e substituída por outra que mantenha plenamente eficaz o despacho impugnado.
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Contra-alegando concluiu a Recorrida:
1. Não foram violados com o douto acórdão quaisquer normas jurídicas do ordenamento jurídico;
2. muito menos as referidas na conclusões do recorrente, ou seja, o artigo 2º (não se entende de todo onde tal norma foi violada) e 203º (muito menos que a douto decisão proferida tenha violado o princípio da independência) da CRP;
3. ou qualquer norma no Estatuto Disciplinar e o artigo 10º A alíneas a 9º b) e g) do ECD ou o principio da proporcionalidade consagrado no artigo 5º do CPA.
4. A recorrida tratou o aluno com todo o respeito, o que não quer dizer que não tenha para com ele, devido, precisamente, às funções que desempenha, de o corrigir quando este tem comportamentos incorrectos, violando os deveres como aluno.
5. Era exigida à recorrida que se tivesse comportado como comportou perante a tentativa por parte do aluno de copiar durante um teste.
6. Repreensão que decorre do dever de educar, função que a recorrida exerce há mais de vinte anos, não só para com o aluno que violou os seus deveres como aluno, mas, também, para com os restantes alunos presentes na sala de aula, para que estes tivessem percepção da conduta errada do seus colega.
7. A douta decisão julgou, e muito bem, que a decisão disciplinar tinha violado, entre outros, o princípio da proporcionalidade, princípio in dubio pro reo e do direito de audiência (uma vez que a decisão se baseia em factos que não constam da acusação, não tendo, por isso a recorrente. tido possibilidade de se defender).
8. E o princípio da proporcionalidade ao aplicar uma pena de multa no montante de 250,00€ perante a matéria dada como provada e de que a recorrida foi acusada.
9. Não deve pois, face ao que foi alegado, o presente recurso ser procedente, e, consequentemente, não deve ser revogado o douto acórdão.
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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
No acórdão recorrido estão assentes os seguintes factos
1 - A Requerente era docente de inglês no Agrupamento de escolas de Mi...e, nessa qualidade, era professora da turma D do oitavo ano de escolaridade de uma escola deste agrupamento, turma de que fazia parte o aluno AMOP.
2 - Por despacho datado de 23/7/2010 da Exmª Srª Directora Regional de Educação do Centro foi ordenada a abertura de um processo disciplinar contra a Requerida.
3 - Tal processo disciplinar teve origem numa exposição do encarregado de educação do aluno AMOP, RMOP.
4 - No referido processo foi deduzida pela instrutora nomeada a seguinte acusação:
1. No dia 15 de Março de 2010, durante o teste de Inglês, na sala B1, das 15h55 às 16h40, a arguida viu que o aluno n.º 2, AP.., tinha por baixo do enunciado, um papel que pretendia passar para uma das colegas de trás, RC.. ou DP.., a pedir ajuda.
2. A arguida retirou-lhe, então, tal papel, leu-o em voz alta perante a turma e comentou que se a recompensa a que o aluno se referia fosse dar uma volta no M... do avô, ela lhe diria as respostas.
3. Por fim, colocou-o em cima da sua secretária, possibilitando que fosse lido por alguns alunos, com estas condutas humilhando o aluno, envergonhando-o desnecessariamente quer pela excessiva exposição perante os outros colegas, quer pelo comentário em relação ao automóvel do avô.
4. No dia 3 de Maio de 2010, pouco depois das 17h, a arguida dirigiu-se a uma aula de apoio individual de Ciências Físico-Químicas que decorria das 16h50 às 17h35, no bloco A, na biblioteca, e, pedindo autorização ao professor CS.., Professor de Fisica-Quimica do quadro desta escola, perguntando ao AMOP onde e em que contexto ela lhe tinha chamado zarolho”.
5. No dia 4 de Maio de 2010, pelas 10h15, a arguida dirigiu-se à sala C10 onde decorria a aula de Estudo Acompanhado da turma D do 8° ano e, pedindo autorização à professora LMLC, professora de Português, perguntou então a cada aluno se ela tinha insultado algum aluno da turma e, se sim, qual o insulto e em que contexto o fez; questionando ainda o AMOP pelo facto de não aparecer nas aulas de apoio de Inglês.
6. Ao querer clarificar a situação perante a turma, a arguida humilhou mais uma vez o aluno.
7. Apesar de não se apurar que tivesse consciência e vontade de faltar ao respeito devido ao aluno em causa nem faltar à urbanidade com que deveria tratar todos os alunos que estavam sob a sua tutela educativa, a arguida fê-lo, apesar de poder e dever evitar tais comportamentos.
8. A arguida não tem antecedentes disciplinares.
9. Ao praticar os factos acima explanados a arguida violou repetidamente o dever geral de correcção previsto na al. h) do n.º 2 e no n.º 10 do art. 3° do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 58/2008 punível com pena de multa ou de repreensão escrita previstas nas als. b) e a) do art. 9.° do E.D.

5 - A aqui Requerente apresentou, no processo disciplinar, a sua defesa, na sequência do que a mesma instrutora emitiu relatório final que na informação que serve de fundamentação ao despacho impugnado é resumido do seguinte modo:
1. O comportamento da arguida de ler em voz alta perante a turma o papel “a pedir ajuda à colega (demonstrativo da intenção de copiar) e ter comentado que, se a recompensa a que o aluno se referia fosse dar uma volta no M... do avô, ela lhe diria as respostas, bem como o de possibilitar ainda a leitura do mesmo papel aos restantes alunos mostra, da parte da docente, alguma incorrecção e indelicadeza.
2. Na verdade, pese embora a atitude reprovável do aluno, a arguida deveria abster-se de “publicitar” de uma forma desadequada e desproporcionada a falha de “honestidade” do aluno e de fazer a referência jocosa aos pertences de um familiar do mesmo, referência esta que se revelou desenquadrada de qualquer objectivo pedagógico.
3. Mas se as referidas atitudes da docente do dia 15 de Março de 2010 podem ainda obter alguma explicação numa momentânea irreflexão ocasionada pela infracção (ou tentativa de infracção) cometida pelo aluno, o mesmo se não pode dizer já das interrupções de aulas dirigidas por outros docentes ocorridas nos dias 3 e 4 de Maio de 2010.
4. Estas posteriores reacções da arguida merecem censura, por um lado, pela forma inoportuna como desrespeitou a autonomia dos colegas docentes e, por outro, pela posição necessariamente constrangedora em que colocou todos os alunos da turma e, particularmente, o aluno AP...
5. Com estas atitudes inquisitórias e prepotentes da arguida — ainda que eventualmente impensadas por quanto às suas reais implicações — violaram o dever geral de correcção, nos seus corolários de desrespeito pela autonomia e dignidade alheias e de falta de delicadeza para com os docentes e discentes envolvidos.
6. Não se verifica no caso em apreciação, circunstâncias dirimentes da responsabilidade disciplinar previstas no art. 21, designadamente nas respectivas aI. d) e e), eram exigíveis à docente condutas diversas daquelas que pela mesma foram tomadas e não agiu a mesma no exercido de um direito ou cumprimento de um dever superior ao dever violado.
7. Já quanto às restantes circunstâncias das condutas infraccionais, há de realçar várias com pendor francamente atenuativo:
a) A inexistência de antecedentes disciplinares
b) Ter sido a arguida, ao longo de mais de 22 anos de carreira docente, dedicada ao ensino, cumpridora dos seus deveres funcionais, do bom relacionamento com os seus superiores hierárquicos, colegas, comunidade escolar, alunos, encarregados de educação e público em geral.
c) Ter sido docente competente e empenhada em valorizar-se profissionalmente, como consta do registo biográfico e da nota biográfica junta com a sua defesa.
8. Trata-se, na verdade de infracções que, tudo ponderado, se revelam leves.
9. Entende-se, assim, como adequada — porque necessária e suficiente para atingir os fins preventivos e de reabilitação prosseguidos pelas sanções disciplinares — a pena de repreensão escrita.
10. Por outro lado, a pena em questão é abstractamente passível de suspensão nos termos do art. 25° do E.D. e tem condição para o ser no caso concreto, por tudo o que anteriormente foi exposto e porque a simples censura do comportamento e a ameaça da pena realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
11. Por todo o exposto, propõe a Sr.ª Instrutora que seja aplicada á arguida a pena disciplinar de repreensão escrita suspensa pelo período de 6 meses.

6 - Em face do sobredito relatório final foi elaborada por uma técnica superior do departamento jurídico da Direcção Regional de Educação do Centro (DREC) a informação cuja cópia está junta a fs. 140 e sgs do processo cautelar, que, após transcrever a acusação e resumir o relatório final como ficou supra transcrito, concluía assim:
VI. Conclusão/Proposta
A) Factos provados
1. Relativamente aos factos da arguida ter interrompido as aulas de dia 03 e 04 de Maio de 2010, tais factos não foram objecto de despacho de instauração de Processo Disciplinar, pelo que se consideram não escritos na acusação.
2. Relativamente ao facto da arguida ter lido o papel de pedido de ajuda em voz alta perante a turma:
a) Os alunos AM..., CC..., DF..., GF..., PC..., RC.. confirmam que a arguida leu em voz alta o papel de pedido de ajuda perante a turma.
b) Apenas, as alunas BL..., CG..., RM...e MO... não confirmaram tal facto porque, respectivamente, no teste de inglês em que foi encontrado o “copianço” eu já tinha saído quando a professora o encontrou e por isso não sei o que se passou” (fi. 114), “Não estive no teste de inglês porque tive um encontro de moral” (fls. 120), “Não me lembro se leu ou não, porque estávamos a fazer teste e continuámos concentrados no que estávamos a fazer. Não vi o papel nem dei conta de nada, até porque estava longe da mesa do AP..” (fi. 121), “Se a professora chamou burro ao A..., terá sido na aula em que faltei, pois ouvi os meus colegas a falarem sobre isso. Era dia de teste e o que foi dito veio na sequência, pois parece que o A... foi apanhado a tentar copiar” (fl. 128).
c) Ou seja, todos os alunos inquiridos que estavam presentes no teste e que não estavam demasiado concentrados confirmam tal facto.
d) Assim sendo, salvo o devido respeito por opinião diferente e mais qualificada, não restam também dúvidas que a arguida leu o papel de pedido de ajuda em voz alta perante a turma.
e) Até porque, salvo o devido respeito por opinião diferente e mais qualificada, somos de opinião que não colhe o argumento da defesa segundo o qual o referido pedido de ajuda era ilegível razão pela qual era impossível o ler em voz alta, porque, por um lado, a arguida, na qualidade de docente do aluno em causa, conhecia, sem dúvida, a caligrafia do aluno em causa e porque o texto: “Dix m a gramática A; B; C SF anda lá dpoix recompenso dixm’, é um texto muito curto, pelo que, até sem conhecer a caligrafia do aluno, não é necessário mais de um minuto para o ler varias vezes.
f) E ainda porque, contrariamente ao referido na defesa, onde a arguida alega que “não leu em voz alta (nem em voz baixa... pois os dizeres constantes do mesmo são ilegíveis e desconexos; apenas virando-se para o aluno disse-lhe “mas que é isto?” ao que ele nada respondeu, resulta do depoimento da própria arguida (a ti. 133) que “tive que ler o papel várias vezes para perceber a caligrafia. De forma alguma o li em voz alta como se tivesse a ler um aviso. Contudo com o silêncio inerente ao teste, a tentativa de fraude descoberta e a minha intervenção terão chamado a atenção dos restantes. Depois, disse ao aluno que considerava inadmissível.”
g) Pelo que resulta claro desse depoimento da própria arguida que a mesma leu o papel, pelo menos, em voz baixa, mas, contudo, em voz suficientemente alta para chamar a atenção dos restantes alunos.
3. Relativamente ao comentário, alegadamente proferido pela arguida, que se a recompensa a que o aluno se referia fosse dar uma volta no M... do avô, ela lhe diria a resposta.
a) Na defesa a arguida alega que “relativamente ao assunto do M... da Avó, é falso que o tenha referido”.
b) Contudo, resulta dos depoimentos do aluno AM...: “leu-o para toda a turma e disse que se a recompensa fosse o M... do avô, lhe dizia o teste todo e lhe dava cinco no final do período. Na altura não percebi muito bem o que a professora queria dizer”, do aluno GF...: “a professora apanhou a folha, leu-a e disse a brincar que se a recompensa fosse dar uma volta no carro do avô, ela dizia-lhe todas as respostas da parte gramatical’, do aluno PC... resulta “a propósito da recompensa, a professora perguntou ao A... se a recompensa seria o M... do avô. Ele ficou atrapalhado e não disse nada. Ela também costumava referir muito ao facto de o avô negociar em batatas. (...) como eles não tinham grandes notas, a professora falava da possibilidade de o A... acabar nas batatas, como o avô” e, finalmente, do depoimento da aluna RC..: “o mais grave foi ter lido em voz alta. Nessa altura, num tom irónico, a propósito do conteúdo e da recompensa prometida a professora Fátima referiu-se ao M... do avô do A... propondo-se dar-lhe “cinco’ ou “cem por cento’ se a recompensa fosse essa”.
c) Finalmente, da participação apresentada pela própria arguida, a fl. 2, e do seu depoimento de fl. 133 resulta que “sou amiga pessoal do avô paterno, politico, empresário e benemérito que muito prezo e que “tinha uma boa relação com o aluno, até porque era neto de um grande amigo.”
d) Pelo que se pode também concluir, desse facto, que a arguida devia conhecer a marca do carro do avô do aluno, ou seja, “um M...”.
e) Assim sendo, salvo o devido respeito por opinião diferente e mais qualificada, não resta também dúvidas que a arguida fez o referido comentário relativamente á recompensa referida no pedido de ajuda.
4. Relativamente ao facto da arguida, alegadamente, ter colocado o referido papel em cima da sua secretária possibilitando que fosse lido por alguns alunos:
a) Por um lado, a arguida no seu depoimento, a fl. 134, refere que “quanto ao facto de ter colocado o “copianço” em cima da secretaria, fi-lo com toda a naturalidade, colocando-o junto de todos os meus documentos, sem qualquer intenção de o divulgar e muito menos de assim expor o aluno.”
b) Contudo, resulta do depoimento do aluno CC... “lembro-me de que a professora apanhou o pedido de ajuda, leu-o para toda a turma e deixou-o na secretária, caso algum de nós o quisesse ler no final da aula”, do aluno DF...:”lembro-me de que a professora leu o papel que o A... tinha escrito e no fim queria que nós o assinássemos, mas ninguém assinou, do aluno GF...: “tenho a certeza que a professora não pediu para nós assinarmos o papel do A...; do aluno PC...: “nessa altura, a professora chamou-lhe burro por ele ter deixado o papel à mostra e se ter deixado apanhar. Depois pediu para todos lermos no final” e, finalmente, a aluna RC.. refere ainda que “a professora interrompeu o teste, leu o papel em voz alta, para todos ouvirmos, penso eu. Depois deixou o papel em cima da mesa virado para cima, permitindo que quem quisesse o pudesse ler.
c) Pelo que se conclui que, não obstante algumas contradições próprias da idade das testemunhas, ficou provado que a arguida colocou o referido papel em cima da sua secretária possibilitando que fosse lido por alguns alunos.
d) Por outro lado, a arguida, alega na sua defesa que “como quer que seja, tal escrito é praticamente ilegível, não possibilitando alguma leitura de uma forma fugaz ou repentina, como seria o caso se algum se abeirasse da secretaria.”
e) Contudo, como supra se referiu, o texto era tão curto que, rapidamente, qualquer aluno conseguiria perceber a caligrafia do aluno, principalmente depois da arguida já o ter lido em voz alta.
f) Por conseguinte, conclui-se, mais uma vez, que não colhe o argumento da defesa segundo o qual o referido pedido de ajuda era ilegível.
g) Pelo que se conclui que ficou provado que a arguida colocou o referido papel em cima da sua secretária possibilitando que fosse lido por alguns alunos, principalmente, porque, por um lado, o texto sendo muito curto e já tendo sido lido em voz alta, era muito fácil de ser lido a partir do momento em que era colocado em cima da mesa virado para cima,
h) Por outro lado, porque, como resulta dos depoimentos supra transcritos, os alunos ficaram com a certeza que o referido papel tinha sido colocado na mesa para eles lerem, pelo que não se justificava uma leitura de uma forma fugaz ou repentina a que se refere a defesa.
i) Nesta sequência, salvo o devido respeito por opinião diferente e mais qualificada, mais uma vez se conclui que não resta dúvidas que a arguida colocou o referido papel em cima da sua secretária possibilitando que fosse lido por alguns alunos.
B) Conclusão
1. Salvo o devido respeito por opinião diferente e mais qualificada, somos de opinião que, não obstante o facto do aluno ter sido apanhar a tentar copiar, o comportamento da arguida foi de todo desproporcional, desnecessário, e sem qualquer fim pedagógico, principalmente, o comentário que a arguida teceu relativamente ao avô do aluno em causa.
1.1. De facto, como refere a própria arguida na sua defesa, para qualquer aluno, o simples facto de ter sido “apanhado a copiar”, só por si, é uma vergonha, vexame e humilhação.
1.2. Pelo que, era de todo anti-pedagógico, principalmente quando para tal era necessário interromper um teste de inglês que estava a decorrer, e desnecessário, a não ser que a intenção fosse, de facto, humilhar ainda mais o aluno perante a turma, ler o conteúdo do referido “copianço” em voz alta perante toda a turma que estava a realizar o teste de inglês, deixando ainda o referido papel em cima da mesa, para poder ser lido depois do teste pelos alunos da turma, e principalmente, tecer comentários referentes ao avô do aluno o qual não tinha qualquer relação com a situação e por conseguinte, não tinha de ser invocado em contexto de sala de aula.
2. Nesta sequência, parece ainda relevante referir que, embora a arguida tenha referido, na sua participação de fl. 2 dos autos e no seu depoimento de fl. 133, que é “amiga pessoal do avô paterno, politico, empresário e benemérito que muito prezo” e que “tinha uma boa relação com o aluno, até porque era neto de um grande amigo”, veio a mesma alegar na sua defesa, sem, no entanto, excepcionar o avô do aluno e, principalmente, sem provar tal facto, que é “de realçar a animosidade do A... contra a arguida, deixando perceber que haverá “mais qualquer coisa” por detrás desta animosidade, o que pode ter a ver com aversões da sua família relativamente à arguida”.
3. Ora, contrariamente ao alegado na defesa, salvo o devido respeito por opinião diferente e mais qualificada, somos de opinião que o referido comentário tecido pela arguida, relativamente ao carro do avô, prova o contrário, ou seja, que o comportamento da arguida poderá ter a ver com aversões da própria relativamente à família do aluno em causa.
3.1. Aversões que, aliás, ressaltam dos depoimentos do aluno CC...: “a professora gostava de mandar piadas a propósito do avô do AP.. mas para a turma se rir”, do aluno DF...: “goza com o A... falando do avô, da sua empresa, dos seus carros (…). Por vezes, o A... respondia-lhe, pois não gostava, mas a professora continuava. Em conversa com os colegas, o A... dizia que lhe custava que a professora fizesse o que fazia”, bem como, do aluno PC...: (....) Ela também costumava referir muito ao facto de o avô negociar em batatas. (...) Como eles não tinham grandes notas, a professora falava da possibilidade de o A... acabar nas batatas como o avô.”
3.2. Bem como, da defesa da arguida onde a mesma volta a tecer comentários sobre a família do aluno nomeadamente, ao remeter (para provar as aversões da família do aluno relativamente à arguida) para o depoimento da mãe da BC... do qual resulta que “considerava a família envolvida algo especial, isto é, sente-se um pouco acima do resto das pessoas. Devido a posição socioeconómica que ocupam, estão habituados a mandar e a ser obedecidos e reagem mal quando contraria as suas expectativas (...) e ao alegar que ao longo do processo, verifica-se um comportamento verdadeiramente anómalo por parte do encarregado de educação do A... (fls. 143 e 147) denotando uma inversão de valores: dá a impressão de que nem lhe passa pela cabeça que o “copianço” do seu filho é um acto censurável...”
4. Pelo que se conclui que o comprovado comportamento da arguida, de ler em voz alta perante a turma o papel a pedir ajuda á colega e de comentar que, se a recompensa a que o aluno se referia fosse dar uma volta no M... do avô, ela lhe diria as respostas, bem como, o de possibilitar ainda a leitura do mesmo papel aos restantes alunos, demonstra da parte da docente uma perfeita falta de correcção para o seu aluno AMOP, submetendo-o a uma humilhação, desadequada e desproporcionada em frente a toda a turma, motivada por uma certa aversão da arguida relativamente à família do mesmo.
5. Sendo certo que era exigível à Docente conduta diversa, até porque bem sabia a arguida que devia abster-se de humilhar qualquer aluno, principalmente, usando para tal factos que não tinham qualquer relação com ambiente escolar dos quais tornou conhecimento fora do seu local de trabalho e que se incluíam na domínio da vida privada do aluno e dos seus familiares.
6. Nesta sequência, posteriormente á defesa apresentada pela arguida, já não se pode concordar com a Sr. Instrutora quando a mesma refere que tal comportamento pode “obter alguma explicação numa momentânea irreflexão ocasionada pela infracção (ou tentativa de infracção) cometida pelo aluno”.
7. Quanto à circunstância atenuante especial da confissão espontânea:
7.1. Por um lado, como resulta do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 041907 de 05-05-98, “a atenuante especial da confissão espontânea da infracção da al. b) do art. 29º do ED só pode relevar se a confissão é efectuada na fase de apuramento dos factos e contribuir com utilidade para o esclarecimento da verdade. E irrelevante a confissão na peça de defesa do arguido em processo disciplinar, quando todos os factos da acusação estavam apurados e provados.”
7.2. Por outro lado, embora resulta do art. 31° da defesa que “a arguida confessa a prática dos factos, dando-lhes, porém, versão diversa do constante na N.C”, o certo é que do corpo da defesa resulta, nomeadamente, que a arguida “impugna o alegado no art. 2º da Nota de Culpa (N.C) por não corresponder à verdade”, “Não o leu em voz alta (nem em voz baixa) pois os dizeres constantes do mesmo são ilegíveis e desconexos (...), “relativamente ao assunto do M... da Avó, é falso que o tenha referido”. “como quer que seja, tal escrito é praticamente ilegível, não possibilitando alguma leitura de uma forma fugaz, corno seria o caso se algum aluno se abeirasse da secretaria.’
7.3. Pelo que se conclui que, na realidade, a arguida impugnou todos os factos objectos do presente processo disciplinar.
8. Tão pouco, se verifica a existência da prestação de mais de 10 anos de serviço com exemplar comportamento e zelo:
8.1. De facto, como resulta do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n°01225/OS, de 27Abril2006 ela “só pode ser aplicada aos funcionários cujo desempenho e comportamento constituem um exemplo para os demais e não aos funcionários que, ainda que de forma séria, empenhada e educada, cumpram com normalidade o seu dever funcional. A referida atenuante está reservada para funcionários que, pela qualidade do seu trabalho e do seu comportamento, se destaquem dos demais e que, por isso, são apontados como exemplo a seguir.” Por conseguinte, é necessário que esse comportamento e zelo se prolonguem por mais de 10 anos, e possam ser considerados um modelo para os restantes funcionários” (cfr. ainda, Ac. do STA de 28.10.97,23.06.98 e 14.03.01).
8.2. Facto que não se verifica no caso concreto, ou pelo menos, não foi devidamente provado pela arguida.
8.3. Até porque, não se pode considerar como prova a nota biográfica, junta com a defesa, por se encontrar desacompanhada de qualquer documento comprovativo.
8.4. Contudo, considera-se provado que a arguida é dedicada ao ensino, cumpridora dos seus deveres funcionais, do bom relacionamento com os elementos da comunidade escolar, empenhada em valorizar-se profissionalmente.
9. Nos termos do n.º 1 do art. 3° do E.D., “considera-se infracção disciplinar o comportamento do trabalhador, por acção ou omissão, ainda que meramente culposo que viole deveres gerais ou especiais inerentes à função que exerce”, ou seja, é suficiente um comportamento negligente.
10. Pelo que, salvo o devido respeito por opinião diferente e mais qualificada, a conduta supra referida faz incorrer a arguida em infracção disciplinar, por violação dos deveres de correcção, à qual corresponde a pena de Multa por força do art. 16° do E.D. aplicável aos casos de negligência ou má compreensão dos deveres funcionais:
10.1. De facto, salvo o devido respeito por opinião diferente e mais qualificada, tendo em consideração a situação supra descrita, principalmente o comentário relacionado com o avô do aluno em causa, ao qual não é possível atribuir qualquer objectivo pedagógico e que parece não ter outro objectivo a não ser humilhar o aluno e demonstrar, em contexto de sala de aula, mais concretamente, em contexto de teste de Inglês, a sua clara aversão á família do aluno, somos de opinião que a conduta da arguida não pode ser considerada, nos termos do art. 15° do E.D., uma infracção leve de serviço.
10.2. Razão pela qual, principalmente depois das conclusões que se extraíram da defesa, já não se pode concordar com a proposta de aplicação da pena de repreensão escrita no caso concreto.
10.3.0 Agrupamento de Escolas de Mi...informou esta DRE que a arguida aufere uma remuneração base diária de 68,17€.
10.4. Pelo que, no caso concreto, a pena de multa não pode exceder o valor de 409,O2 Euros (6x68, 17) nos termos do n.º 2 do art. 10° do E.D.
11.Por outro lado, tendo em conta o referido supra, também não se concorda que, no caso concreto, a simples censura do comportamento e a ameaça da pena realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição:
11.1. Principalmente, porque a defesa da arguida é demonstrativa da falta de arrependimento da mesma, voltando a tecer comentários sobre a família do aluno, tentando pôr as culpas na mesma, nomeadamente quando:
a) Refere, sem provar tal facto, que é “de realçar a animosidade do A... contra a arguida, deixando perceber que haverá “mais qualquer coisa” por detrás desta animosidade, o que pode ter a ver com aversões da sua família relativamente à arguida...”
b) Remetendo para o depoimento da mãe da BC..., que nada tem a ver com o assunto, no qual é referido que “considerava a família envolvida algo especial, isto é sente-se um pouco acima do resto das pessoas. Devido à posição socioeconómica que ocupam, estão habituados a mandar e a ser obedecidos e reagem mal quando contrariam as suas expectativas (...).”
c) E finalmente, alegando que ao longo do processo verifica-se um comportamento verdadeiramente anómalo por parte do encarregado de educação do A... (fis. 143 e 147) denotando uma inversão de valores: dá a impressão de que nem lhe passa pela cabeça que o “copianço’ do seu filho é um acto censurável...
11.2. Factos que apenas permitem demonstrar que, por um lado, a sua aversão à família do aluno, que a terá motivado a “publicar”, de uma forma desadequada e desproporcionada, a falha de “honestidade’ do aluno e a fazer a referência jocosa e desenquadrada de qualquer objectivo pedagógico aos pertences de um familiar do mesmo, continua viva.
11.3. E que, por outro lado, a arguida continua a considerar que tinha o direito de actuar da forma supra descrita.
11.4. Razões pelas quais, somos de opinião que, no caso concreto, nenhum dos elementos previstos no art. 25° do E.D. ou seja, nomeadamente, a personalidade da arguida, as condições da sua vida, a sua conduta anterior ou posterior à infracção e as circunstâncias desta, permitem concluir que a simples censura do comportamento e a ameaça da pena realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
C) Proposta:
Pelo que se propõe aplicar à arguida, MFCB, Docente, nos termos do art. 16º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro, a pena de multa, prevista na al. b), do n.º 1 do art. 9° E.D., quantificada em 250 € (duzentos e cinquenta Euros).
Contudo colocamos o assunto à consideração de V. Ex.
A Técnica Superior
Em 13-04-11
7 - Esta informação foi presente a um superior hierárquico da sua subscritora, que exarou nela o seguinte parecer em 20/4/2011:
PARECER(ES):
Face aos fundamentos de facto e de direito constantes da presente informação e com os quais concordo, julgo ser de aplicar à Docente e Arguida, MFCB, nos termos do art. I5º. do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n. 5812008, de 9 de Setembro, a pena de multa, prevista na al. b), do nº 1 do art. 9º do E.D., quantificada em 250 € (duzentos e cinquenta Euros).
À Consideração de V Ex.ª
8 - Presente a informação supra referida, com o parecer que antecede, à Exmª Senhora Directora Regional da Educação, esta exarou sobre aquela o seguinte despacho, em 2/5/2011:
Aplico a medida proposta com os fundamentos constantes na presente informação.”
*

DE DIREITO

As críticas da Recorrente ao acórdão do TAF podem agregar-se em duas questões fundamentais:
1ª - Conclusões I a XII - o TAF errou ao entender que na decisão punitiva foram indevidamente levados em conta factos novos não constantes da acusação e, portanto, que não se verificou a situação reputada pelo TAF como geradora da nulidade insuprível do processo disciplinar, nos termos do artigo 37º/1 do ED aprovado pela Lei 58/2008, de 9/9.
2ª - Conclusões XIII a XIX - e errou ao entender que a pena aplicada foi excessiva e não adequada nem proporcional aos factos dados como provados.

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Apreciando:
Os factos
É útil transcreve os passos fundamentais do acórdão recorrido nesta matéria:
«Vejamos se no procedimento disciplinar ocorreu a violação do princípio do contraditório, isto é, da obrigatoriedade da audiência do arguido em artigos de acusação (artº 37º nº 1, primeira parte, do ED).
Não me parece que a acusação seja falha de factos concretos, como alega a Autora, a ponto de se ter de concluir que não foi possível à arguida defender-se dela, Se é verdade que a acusação contém juízos e expressões de conteúdo indeterminado, também o é que contém factos concretos perfeitamente determinados, situados no tempo e imputados à arguida. É sobre estes factos aliás, que os juízos incidem, com vista ao juízo de valor, inevitável, sobre se com tais factos foi ou não violado o dever de correcção.

Por outro lado, a mera culpa consiste não num facto mas num juízo do aplicador da sanção, um juízo de censura ao arguido por, embora não deliberadamente, ter deixado que o facto ocorresse, quando devia e podia evitá-lo. Por isso basta, para cumprimento do princípio da Audiência, que a acusação contenha os actos objectivos que não deviam ter sido praticados, o que, como se viu, a acusação fez.

Assim, não é por via dos termos da acusação que vem violado o princípio da audiência do arguido, pelo que improcede a arguição, com tal fundamento, da nulidade procedimental prevista no art. 37º nº 1 do ED.

Foi, contudo, violado tal princípio pela decisão impugnada.

Basta confrontar a acusação, não com o relatório final, pois não foi homologado, mas com a informação homologada pela decisão disciplinar, para vermos que houve factos que foram mencionados como fundamento da aplicação da pena de multa e não constavam da acusação, pelo que não puderam ser objecto do direito de audiência da arguida.

Esse confronto mostra, com efeito, que relevaram expressamente, para a escolha e medida da pena, factos novos que, no entender do decisor, ocorreram, mas sobre os quais a arguida não pôde defender-se em face de artigos de acusação. Pode-se resumir tais factos em não estar a arguida arrependida da sua conduta, na parte em que a admite (essencialmente tudo menos a leitura em voz alta do “copianço” e o chiste sobre o M... do avô do aluno) e no facto de ter agido motivada por uma aversão que tinha à família do aluno.

Só que seja por este motivo, já o pedido de anulação da decisão disciplinar tem que proceder.

Não se pense, como parece pensar o Réu, que ao cumprimento do artigo 37º 1 do ED basta que na acusação estejam factos integrantes compatíveis com a pena aplicada. Não havendo no procedimento disciplinar, ao modo do processo penal, uma audiência em que todos os factos que concorrem para a escolha e a medida da pena possam ser contraditados, o único modo de se respeitar o princípio do contraditório e o direito fundamental de defesa do arguido é mesmo este de ele ter de ser ouvido em artigos de acusação sobre todos os factos pressuposto da aplicação de determinada pena; quer dizer, a acusação tem de conter todos os factos que contribuem para a escolha e a medida da pena, sob pena de nulidade procedimental, conforme artigo 37º nº 1 do ED.»

*
A Recorrente critica a decisão do TAF nesta questão com base numa tese que está adequadamente sintetizada nas suas conclusões supra transcritas, destacando-se IV, IX e X, ou seja:
«Tal como resulta dos autos, as asseverações de que a arguida não se demonstrou arrependida e o facto de ter agido motivada por uma aversão que tinha à família do aluno, não constituem factos novos, resultando antes, dos autos, dos depoimentos, da defesa apresentada pela arguida e da análise dessa defesa.

Quem prepara os fundamentos da decisão e, procedendo à análise da defesa, alega que da mesma se pode presumir que a Arguida não está arrependida e que o seu agir se motivou por aversão à família do aluno, está a formular conclusões e a fundamentar a sua decisão em factos constantes dos autos e da defesa e, de outra parte, a rebater os factos aduzidos na defesa.

A entidade decisora administrativa, ao fundamentar a sua decisão e pela forma como o fez, não está a alegar factos novos mas, apenas, a encarar as razões de facto alegadas pela arguida na sua defesa como motivos incipientes para suspender a execução da pena tal como fora solicitada.»

*
As normas do ED aptas para a solução deste diferendo são as seguintes:
Artigo 37.º
Nulidades
1 - É insuprível a nulidade resultante da falta de audiência do arguido em artigos de acusação, bem como a que resulte de omissão de quaisquer diligências essenciais para a descoberta da verdade.

Artigo 48.º
Termo da instrução
(…)
3 - A acusação contém a indicação dos factos integrantes da mesma, bem como das circunstâncias de tempo, modo e lugar da prática da infracção e das que integram atenuantes e agravantes, acrescentando sempre a referência aos preceitos legais respectivos e às penas aplicáveis.

Artigo 55.º
Decisão
(…)
5 - Na decisão não podem ser invocados factos não constantes da acusação nem referidos na resposta do arguido, excepto quando excluam, dirimam ou atenuem a sua responsabilidade disciplinar.

A expressão “artigos de acusação” está concretizada no artigo 48º/3, compreendendo além dos factos estritamente constitutivos da infracção (“factos integrantes da mesma”, em consonância com o nº1 do mesmo artigo 48º em que se prevê a hipótese inversa de os factos constantes dos autos não constituirem infracção disciplinar), as “circunstâncias” que balizam externamente a mesma infracção em termos de “tempo, modo e lugar”.

Nos termos do artigo 55º esses factos e circunstâncias só podem constituir fundamento da decisão punitiva se constarem da acusação ou da reposta do arguido (por exemplo, é admissível considerar a confissão do arguido, ou seja, a admissão por este de factos que lhe são desfavoráveis).

Fora disso só serão atendíveis quando excluam, dirimam ou atenuem a responsabilidade disciplinar.

Mas a narrativa responsabilizante não se basta com factos, estes têm ainda que ser ligados com o “cimento” das conclusões, juízos de valor, opiniões, sobre a ilicitude e censurabilidade desses factos ou sobre a sua aptidão para revelarem a violação de um qualquer dever funcional.

Sucede que na Informação que serve de fundamentação ao acto punitivo (transcrita em “6” da matéria de facto) houve o cuidado de distinguir com apreciável rigor a matéria de facto, sob a epígrafe “VI Conclusão/Proposta”, “A) Factos provados”, da matéria conclusiva/opinativa/valorativa, sob a epígrafe “B) Conclusão”.

E, na realidade, aqueles elementos que no acórdão recorrido são qualificados como “factos novos” surgem tratados na dita Informação sob a epígrafe “B) conclusão” e em termos que denotam o seu teor conclusivo, por exemplo “Ora, contrariamente ao alegado na defesa (…) o comportamento da arguida poderá ter a ver com aversões da própria à família do aluno em causa” e “a defesa da arguida é demonstrativa da falta de arrependimento da mesma”. Ou seja, tanto em termos sistemáticos como dogmáticos são juízos conclusivos extraídos de factos e não factos.

Isto não significa que o juízo feito pelo TAF seja destituído de lógica, na medida em que perante conclusões desajustadas das premissas, o sofisma tanto pode residir na conclusão como na má formulação, ou deturpação, das premissas.

Numa certa perspectiva lógica a formulação daqueles juízos conclusivos só seria possível perante a postulação de factos implícitos, subjacentes ao raciocínio da Administração, correspondentes a afirmar que “a arguida tem aversão à família do aluno” e que “a arguida não está arrependida da sua conduta”.

Seguindo na mesma via lógica, a refutação desses factos equivaleria à alegação de erro sobre os pressupostos de facto.

Porém o nosso ordenamento procedimental e processual não permite adoptar essa perspectiva, admitindo apenas “factos” explicitamente estabelecidos, o que significa que o desajustamento entre a conclusão e as premissas (o mesmo é dizer, entre os factos e o julgamento) se resolverá sempre como erro de julgamento.

Por vir a talhe de foice, diga-se que as ditas conclusões se afiguram realmente exorbitantes, ou excessivas, porque dizer-se vítima de aversão não demonstra que se seja avesso ao denunciado nem alegar inocência significa falta de arrependimento, mas simplesmente, nas mais das vezes, a convicção que não se fez mal.

O que não exclui a possibilidade de estes erros de julgamento virem a ter relevância em sede de apreciação sobre a existência de infracção, ou sobre a adequação e proporcionalidade da pena aplicada.

Assim, neste campo é procedente a tese do Recorrente constatando-se que o procedimento não padece da nulidade insuprível por falta de audiência do arguido, prevista no artigo 37º/1 ED, nem consequentemente o acto punitivo será anulável por esta via.
*
A punição
Sobre este tema ponderou-se no acórdão do TAF:
«Abstraindo desta questão, uma outra ilegalidade alegada pela Autora parece, em todo o caso, ocorrer.

Tal é a da violação do princípio da proporcionalidade.
Saber se os factos objectos da sanção disciplinar aplicada pelo acto que vai ser impugnado não envolvem uma violação do dever de correcção de um professor em relação a um seu aluno, é susceptível de discussão, desde logo porque a natureza aberta do conceito se presta iminentemente a isso.
Porém, em matéria de preencher os conceitos indeterminados que indicam o que é e não é infracção disciplinar, não está o Tribunal inibido de apreciar e julgar. Aqui, contra o que é a regra no tocante ao uso de conceitos abertos pela legislação administrativa, o Direito de Defesa de todo o arguido em processo sancionatório impõe-se à reserva da Administração, conferindo ao tribunal a atribuição de julgar em pleníssima jurisdição, a ponto de sindicar o juízo da Administração sobre se houve ou não violação do dever disciplinar, sobre a proporcionalidade da escolha da pena e da sua medida.

Posto isto, continuemos.
A relação entre professor e aluno, sobretudo no ensino básico – como é o caso – não pode ser assimilada à de um qualquer trabalhador de um serviço público com o respectivo utente. O professor convive quotidianamente com o aluno menor, desempenhando continuadamente, sobretudo no ensino básico, uma função análoga ou substitutiva da parental, está sujeito em permanência à necessidade de ter de interagir e de reagir com imediação às mais diversas situações que suscitam o acto pedagógico. Neste contexto de proximidade pessoal, de alguma espontaneidade, mas também de autoridade para-perantal relativamente ao menor, por um lado há actos e ditos do docente que, se em abstracto e descircunstanciados poderiam sugerir falta de correcção, em concreto e de professor para aluno não são qualificáveis como tal. Por outro lado não é exigível ao professor que todas e cada uma das suas reacções a comportamentos desviantes dos seus alunos sejam as idealmente perfeitas ou indicadas num qualquer manual de procedimentos. Há uma margem de discricionariedade, também, no modo do professor reagir ao mau comportamento de um aluno menor, indefectivelmente orientada, como toda a discricionariedade, pela prossecução do interesse público que é o sucesso da educação na escola pública. Mas não se pode exigir ao professor que tenha sempre a reacção racionalmente preferível ou impecável: há também uma margem de inexigibilidade. Não significa isto, claro, que o professor possa dizer ou fazer tudo o que lhe vier à cabeça: apenas que tem de haver uma certa margem de insignificância disciplinar no procedimento de um docente relativamente ao aluno menor, onde caibam actos ou ditos apenas ligeiramente inadequados ao fim pedagógico, sob pena de por tudo e por nada qualquer encarregado de educação poder perseguir e cercear com participações disciplinares a autonomia profissional dos docentes, mantendo-os assustados e, quiçá, menos interessados em exercerem as suas prerrogativas mas também os seus deveres profissionais para com o educando, com grave prejuízo para o sucesso da Escola Pública e para a manutenção, nos alunos menores, de um sentido de autoridade do professor, hoje tão carecido de alguma retoma.
Vistas as coisas de um ponto de vista mais positivístico, nem por isso falta sustentáculo legal a este entendimento. Refiro-me, desde logo, ao princípio da proporcionalidade (artigo 5º do CPA) mas também ao disposto no artigo 21º alª d) do ED, que consagra expressamente a inexigibilidade de outra conduta como circunstância dirimente da responsabilidade disciplinar. Com efeito, face ao que vai exposto supra, não se considera proporcional atribuir relevância disciplinar a tudo o que de menos correcto ou oportuno for dito pelo professor do ensino básico em reacção a um comportamento incorrecto de um aluno, nem exigível ao mesmo professor que logre evitar, na sua reacção ao mau comportamento de um aluno, todos e quaisquer desvios ao pedagogicamente mais adequado, mesmo aqueles ligeiros desvios que só a posteriori, fora do “stress” e da imediação do momento se lhes possa apontar…

Este é um pressuposto que se pensa dever relevar na apreciação da factualidade objecto da sanção impugnada.
Sem embargo, parece-me que no que toca à leitura do “copianço” em voz alta e à sua colocação, aberto, em cima da secretária, reparo algum merece a atitude imputada à Requerente. Esta atitude não passa do exercício, que não se vê porque inadequado, da margem de discricionariedade que assiste ao professor na escolha imediata do modo como reagir pedagogicamente ao facto de determinado aluno do ensino básico ter sido surpreendido a tentar copiar num teste. Proceder como sugere o Réu – decisão disciplinar, fundamentada e registada no processo individual do Aluno, etc. – não parece que fosse melhor para este…
No que concerne ao momento menos feliz dos actos alegadamente ocorridos ainda em 15/3, a saber, a ironia com alusão ao Automóvel do avô do A..., entendemos que ele não atinge gravidade que integre a violação do dever de correcção do professor para com um aluno menor, atentas as circunstâncias. Vistas as coisas de outra perspectiva, não considero, atento o supra pressuposto, que fosse realmente exigível à docente evitá-lo, pelo que ocorre a circunstância dirimente da responsabilidade disciplinar a que alude o artigo 21º alª d) do ED.

Deste modo, a decisão impugnada, se já é anulável por violação do artigo 37º 1 do ED sempre o será também por violação do princípio da proporcionalidade e bem assim do artigo 21º alª d) do mesmo ED.

O que tem vindo a ser exposto pode não ser um entendimento consensual em toda a comunidade jurisdicional.

Mas mesmo quem pugnar pela relevância disciplinar dos factos de 15 de Março, como violação do dever de correcção, haverá de convir em que os mesmos sempre terão de caber no conceito de “infracção leve de serviço” para efeitos do artigo nº 15º do ED, segundo o qual “a pena de repreensão escrita é (a) aplicável por infracções leves de serviço”, de modo que, mesmo assim, ao aplicar a pena de multa à Requerente, e em valor perto do máximo admissível de 409,02 € em face da remuneração auferida pela arguida (cf. artº 6 da matéria de facto, designadamente o ponto 10.4 da informação homologada), passando a aplicar o artº 16º do Estatuto Disciplinar em vez do artº 3º conforme fora proposto no relatório final, o acto recorrido sempre violaria o princípio da proporcionalidade e até o artº 20º do próprio ED, que impõe que na aplicação das penas – portanto quer na escolha quer na medida – se tenha em conta, entre outros factores, o grau de culpa do agente.»

*
Ora bem, nesta questão confirma-se o julgamento feito pelo TAF, tanto no âmbito da fundamentação técnico/normativa, como no da ponderação dos interesses contrapostos.
Algo mais se dirá.

Em primeiro lugar que é manifestamente errada - e de certo modo hiperbólica - a imputação ao Tribunal de violação do princípio da separação tripartida dos poderes plasmado no artigo 2º CRP.

Não é assim.

O Tribunal não desprezou a fundamentação decisória adoptada pela autoridade administrativa dotada de poder disciplinar, que avaliou e ponderou em face da legislação aplicável, nem, muito menos, pretendeu “instruir” o Ministério da Educação sobre as concepções pedagógicas a adoptar na relação entre professores e alunos nos estabelecimentos de ensino.

Limitou-se a dirimir um casuístico conflito de interesses públicos e privados, no exercício típico da função jurisdicional que lhe cumpre por força do artigo 212º/3 da mesma CRP, ele próprio corolário do princípio do Estado de Direito Democrático previsto no dito artigo 2º CRP, aplicando para o efeito as normas legais aplicáveis, designadamente do ED, aos factos apurados, tendo em conta a prova documental constante do processo disciplinar.

O TAF sustentou que “no tocante ao uso de conceitos abertos pela legislação administrativa, o Direito de Defesa de todo o arguido em processo sancionatório impõe-se à reserva da Administração, conferindo ao tribunal a atribuição de julgar em pleníssima jurisdição”.

Mas não seria necessário subir a esse plano tão abstracto e polissémico, sob pena de divagar num debate académico estéril.

É preferível utilizar as palavras da lei que, neste campo, remetem para o conceito de “tutela jurisdicional efectiva” consagrado no artigo 2º do CPTA, em transposição e densificação da correspectiva garantia constitucional prevista no artigo 268/4 CRP.

Na abalizada opinião de Mário Aroso de Almeida e C. A. Cadilha (Comentário ao CPTA, 3ª ed., pág. 30), falando sobre a jurisdição administrativa:

«Compreende-se, por isso, que o CPTA dê especial atenção à dimensão subjectiva, de protecção dos direitos e interesses individuais, do contencioso administrativo. Trata-se nessa parte, de dar cumprimento a uma imposição constitucional - que, aliás, tardou muitos anos em ser cumprida».

Mas é de elementar justiça limitar esta crítica sobre o tardio cumprimento do desígnio constitucional ao plano legislativo ordinário, porque as potencialidades do princípio já vinham de há muito sendo desenvolvidas e aplicadas pelos Tribunais Administrativos, sob a liderança do STA, em plena vigência da LPTA e no domínio do “recurso contencioso”, como se constatava em 1998 num relatório sobre a justiça administrativa portuguesa da autoria do Sr. Conselheiro Azevedo Moreira, VICE-PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO, perante o III CONGRESSO INTERNACIONAL DO CENTRO LATINO-AMERICANO DA ADMINISTRAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO:

«Finalmente, no direito sancionatório (particularmente no direito disciplinar), o tribunal controla não apenas a interpretação dos conceitos de direito e a existência material dos factos, mas ainda a adequação destes últimos às categorias legais ainda que inprecisamente definidos (p.ex. se determinada infracção constitui ou não “falta grave”). Fora desse controlo fica, naturalmente, a determinação concreta da pena dentro da moldura legal e a apreciação da oportunidade da sua aplicação.»
(http://www.stadministrativo.pt/lportuguesa/relint/relatorios/CLAD/relatorios_clad1998.html).

Se já era assim no domínio da LPTA, agora aquela amplitude do poder jurisdicional nem merece discussão.

Em segundo lugar dizer que a questão pedagógica nem sequer é o cerne do problema, visto que a Recorrida foi punida pela violação do dever de correcção e não pela violação do dever de zelo (onde tipicamente cabem as faltas de respeito pelas regras profissionais e boas práticas do serviço) como se vê do artigo 3º/7 do ED:

«O dever de zelo consiste em conhecer e aplicar as normas legais e regulamentares e as ordens e instruções dos superiores hierárquicos, bem como exercer as funções de acordo com os objectivos que tenham sido fixados e utilizando as competências que tenham sido consideradas adequadas».

O dever de correcção tem apenas a ver com o respeito e urbanidade no relacionamento interpessoal. Veja-se o artigo 7º/10 do ED:

«O dever de correcção consiste em tratar com respeito os utentes dos órgãos ou serviços e os restantes trabalhadores e superiores hierárquicos».

Ao tratar separadamente estes deveres a Lei vincula a entidade disciplinarmente responsável e o Tribunal a fazê-lo também, sendo por isso imperioso admitir a possibilidade de um docente ter uma atitude correcta sob o ponto de vista do relacionamento interpessoal com défice de zelo no serviço, ou vice-versa, sem embargo de se admitir algum cruzamento entre esses valores, pois sem respeito pelos alunos um professor nunca teria uma atitude pedagógica perfeita.

Todavia, aprofundar mais este tema já extravasaria do “thema decidendum”, e o Tribunal fica-se por aqui, considerando que a conduta da arguida, mesmo que possa não ter sido concebivelmente a mais correcta, também não atingiu um limiar de indignidade disciplinarmente reprovável.

Em suma, tudo ponderado, entende-se que procedem as conclusões I a XII da Recorrente e improcedem as restantes.

Deste modo, confirma-se o acórdão recorrido na parte em que determina a anulação da decisão punitiva por os factos provados não constituírem infracção disciplinar, devendo por isso ser arquivado o processo disciplinar.

*
DECISÃO
Pelo exposto acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelo Recorrente.
Porto, 6 de Novembro de 2014
Ass.: João Beato Sousa
Ass.: Luís Migueis Garcia
Ass.: Hélder Vieira