Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 01975/15.0BEPRT |
Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
Data do Acordão: | 04/08/2016 |
Tribunal: | TAF do Porto |
Relator: | Alexandra Alendouro |
Descritores: | PROCEDIMENTO PRÉ-CONTRATUAL POR AJUSTE DIRECTO; DOCUMENTOS EXIGIDOS PELO CONVITE/PROGRAMA APENAS AO ADJUDICATÁRIO; EXCLUSÃO DE PROPOSTAS; ALTERAÇÃO MATÉRIA DE FACTO |
Sumário: | I – Carece de base legal a exclusão de propostas apresentadas a procedimento pré-contratual, por ajuste directo, com vista à celebração de contrato de prestação de serviços “de amarração de navios”, que não se fizeram acompanhar com documentos, considerados pelo respectivo convite ou programa do procedimento (artigo 115º, n.º 1, do CCP) de apresentação obrigatória apenas pelo adjudicatário, na fase de habilitação procedimental. II – Falham os pressupostos de alteração da matéria de facto seleccionada na decisão recorrida, previstos no artigo 662.º do CPC, quando o facto cuja fixação foi requerida se extrai já da decisão da matéria de facto em conjugação com a respectiva “Motivação”.* * Sumário elaborado pelo Relator. |
Recorrente: | N..., Unipessoal, Lda. |
Recorrido 1: | APDL- Administração dos Portos do Douro; Leixões e Viana do Castelo, SA e Outro(s)... |
Votação: | Unanimidade |
Meio Processual: | Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I – RELATÓRIO N..., UNIPESSOAL, LDª, veio interpor recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) do Porto, proferida na acção de contencioso pré-contratual proposta por si contra a APDL – ADMINISTRAÇÃO DOS PORTOS DO DOURO, LEIXÕES E VIANA DO CASTELO, S.A. e em que são contra-interessadas A... - Serviços Marítimos, Ldª e S... - Serviços Prestados a Empresas, Ldª, mediante a qual foi julgada totalmente improcedente a acção e, consequentemente, absolvida a Entidade Demandada: 1) da instância por ilegitimidade da Contra-interessada S... quanto aos pedidos de anulação do procedimento de ajuste directo e de condenação na exclusão da proposta da A... e de adjudicação do ajuste directo, identificados pelas alíneas a), b), c) e e) da contestação da S...; 2) da instância por caducidade do direito de acção quanto aos pedidos de anulação do procedimento de ajuste directo e de condenação na exclusão da proposta da A... e de adjudicação do ajuste directo, formulados pela A. e Contra-interessada S...; 3) dos pedidos anulatório e condenatório contra ela formulados pela A. * A Recorrente termina as suas alegações, formulando as seguintes conclusões:“1. Nos termos do art. 662º, nº 1, do CPC, aplicável por força do art. 140º do CPTA, na redacção aplicável, pode a decisão sobre a matéria de facto ser alterada pela Relação – ou pelo seu equivalente Tribunal Central Administrativo Norte – quando a prova produzida impuser decisão diferente. 2. No caso, todas as partes estão de acordo, isso mesmo consta do p.a., e, designadamente, se refere no relatório final de apreciação de propostas que constitui o doc. nº 8 junto com a petição inicial, que, com a sua proposta, a Contra-interessada A... apresentou o relatório de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho referente ao ano de 2013. 3. Sempre se entendeu no âmbito do art. 653º do anterior CPC que as respostas aos quesitos não tinham que ser apenas as de provado ou não provado, podendo ser explicativas ou restritivas, o que acontece agora, por maioria de razão, com os temas de prova a que se refere o art. 596º do NCPC. 4. Neste contexto, tendo a Autora alegado que, com a sua proposta, a Contra-interessada A... não apresentou o Relatório de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho, mas tendo-se demonstrado que apresentou esse relatório referente ao ano de 2013, não pode dar-se como não provada a alegação da Autora. 5. Tem, antes, que considerar-se provado que a Contra-interessada A... apresentou com a sua proposta o Relatório de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho referente ao ano de 2013. 6. Alteração essa que pode – e deve – esse Venerando Tribunal fazer, ao abrigo do normativo legal que se começou por invocar, sob pena de manter a violação, que se cometeu, do art. 607º, nº 3, do CPC, aplicável por força do art. 1º do CPTA. 7. A aqui Recorrente não se pronunciou sobre a questão da caducidade da impugnação relativamente aos vícios da decisão de adopção do procedimento de ajuste directo, mas isso não quer dizer que tenha aceite tal interpretação. 8. Até porque pode bem ser, como aconteceu, que não se tenha pronunciado apenas por ter confiado que as demais questões por si suscitadas conduziriam à procedência da acção, no sentido da exclusão das propostas das duas Contra-interessadas e de que a adjudicação fosse feita, a si, Autora. E, por isso, tornar-se-ia inútil a discussão daquela questão. 9. Na verdade, a decisão da Administração de optar pelo ajuste directo não lesa, só por si, os interesses da Autora. 10. E, por isso, era, na altura em que foi conhecida, inimpugnável contenciosamente, nos termos do art. 51º do CPTA. 11. O que lesa os interesses da Autora é a forma como, posteriormente a essa decisão, veio o procedimento a ser conduzido, e, então, sendo ilegal essa condução, torna-se lesivo o acto consistente na opção infundamentada pelo procedimento de ajuste directo. 12. Opção que, nessas condições, sendo ilegal, inquina todo o procedimento. 13. E é por isso que se escreve no art. 51º, nº 3, do CPTA, tal como vigorava ao tempo da interposição da acção, que “salvo quando o acto em causa tenha determinado a exclusão do interessado do procedimento e sem prejuízo do disposto em lei especial, a circunstância de não ter impugnado qualquer acto procedimental não impede o interessado de impugnar o acto final com fundamento em ilegalidades cometidas ao longo do procedimento”. 14. Assim, mesmo que se entendesse, como o Meritíssimo Juiz a quo, que, ao tempo da interposição da acção, havia caducado o direito da Autora de impugnar autonomamente a decisão da Ré de opção pelo procedimento de ajuste directo, nada impedia a Autora de, como fez, utilizar como fundamento a ilegalidade de qualquer acto do procedimento. Como fez. 15. Sendo que não sofre dúvida que o art. 115º, nº 1, al. c), do CCP impõe que, optando-se pelo ajuste directo, não pode deixar de se fazer constar do convite para apresentação de propostas o fundamento que presidiu a essa opção, quando essa seja feita, designadamente, ao abrigo do art. 24º do CCP. 16. O que é, com toda a probabilidade, o caso do fundamento aplicável no caso, que, efectivamente, não será o da al. a) do nº 1 do referido art. 24º, como erradamente disse a Autora, mas, antes e aparentemente, o da al. b) do mesmo normativo, como bem chama a atenção a Ré. 17. Simplesmente, não basta que o fundamento exista. 18. É obrigatório que conste do convite para apresentação de propostas. 19. Pelo que só por aqui é ilegal o procedimento de ajuste directo. 20. E, sendo ilegal, deve o mesmo ser anulado, nos termos do actual art. 163º, nº 1, do CPA. 21. Como se disse na petição inicial, como decorre do caderno de encargos, devem ser excluídas as propostas que não contenham o Plano de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho. 22. Como se considerou no procedimento concursal que antecedeu o procedimento de ajuste directo, com o mesmo objecto, os mesmos candidatos e com o mesmo júri, precisamente, relativamente à proposta da aqui Autora, nos então invocados termos do art. 146º, nº 2, al. d), do CCP, como se vê do doc. nº 2 junto com a petição inicial. 23. Ora, não obstante o convite para a apresentação de propostas referir o Relatório de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho entre os documentos de habilitação, o facto é que, contrariamente, o caderno de encargos, como se alegou e se pode confirmar pelo doc. nº 4 junto com a petição inicial, o refere como documento a apresentar com a proposta. 24. O que o faz incorrer na previsão do art. 146º, nº 2, al. d) do CCP, por remissão para o art. 57º, nº 1, al. b), do mesmo diploma. 25. Como bem viu o Júri do concurso – que é o mesmo do procedimento de ajuste directo. 26. Pelo que, ao considerar agora diferentemente, violou o Júri a disposição legal por si próprio antes invocada. 27. Como, mais importante e como se disse na petição inicial, violou o princípio da igualdade previsto no art. 6º do actual CPA. E, mais importante ainda, violou o art. 13º da nossa Lei Fundamental. 28. Pois indubitavelmente, tratou diferentemente situações iguais. 29. Pelo que é, até, inconstitucional, o acto impugnado e, naturalmente, a sentença que o sanciona. 30. Assim, ilegal e inconstitucional que é, não pode, também por aqui, deixar de anular-se o acto impugnado, nos termos do art. 163º, nº 1, do CPA. 31. Ou, quando assim se não entenda, não pode deixar de ser excluída do procedimento de ajuste directo a proposta da Contra-interessadas A.... 32. Como se disse na petição inicial, o art. 115º, nº 1, al. j) do CCP, impõe que, no convite para apresentação de propostas, se assim se quiser fazer, se estabeleça o prazo para a junção dos documentos de habilitação. 33. Nada na Lei consente a interpretação no sentido de que, não se estabelecendo tal prazo, o mesmo seja o da celebração do contrato ou o estabelecido posteriormente. 34. Pelo contrário, o art. 86º, nº 1, do CCP, confirma a obrigatoriedade de que esse prazo conste do convite para a apresentação de propostas. 35. Ora, no caso, não consta. 36. Pelo que a única interpretação possível é aquela que fez a Autora: A de que, não sendo estabelecido tal prazo, tais documentos teriam que ser juntos com a apresentação da proposta. 37. É o que decorre da obrigatoriedade de estabelecimento de prazo no convite para a apresentação de propostas e, além do mais, é o que decorre do art. 57º, nº 1, al. c), do CCP. 38. Pelo que, não tendo a contra-interessada S... junto a declaração de que os seus gerentes, naturalmente – e obrigatoriamente por lei, cfr. arts 252º e 259º do CSC - envolvidos em todas as decisões que se venham a tomar no âmbito do contrato a celebrar, não estivessem aposentados – como estão – teria a sua proposta, necessariamente, que ser excluída do concurso. 39. Ao não o ter sido, foi violado o art. 146º, nº 2, al. d), do CCP, como os arts. 57º, nº 1, al. c) e o art. 115º, nº 1, al. j) do mesmo diploma. 40. Pelo que, ainda por aqui, não pode deixar de anular-se o acto impugnado, nos termos do art. 163º, nº 1, do CPA. 41. Ou, quando assim se não entenda, não pode deixar de ser excluída do procedimento de ajuste directo a proposta da contra-interessada S.... 42. Com a consequente adjudicação à única convidada sobrante – a Autora. 43. Violou a sentença recorrida o disposto no art. 607º, nº 3, do CPC, aplicável por força do art. 1º do CPTA, o art. 51º, nºs 1 e 3 do CPTA, os arts. 57º, nº 1, al. c), 115º, nº 1, als. c) e j) e 146º, nº 2, al. d), do CCP, os arts. 6º e 163º, nº 1, do CPA e o art. 13º da CRP. Termina pedindo que seja concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e ordenando-se a sua substituição por outra que anule todo o procedimento de ajuste directo e, designadamente, o relatório final ordenador das propostas apresentadas, ou, quando assim se não entenda, determine a exclusão das propostas das contra-interessadas A... – Serviços Marítimos, Ldª e S... – Serviços Prestados a Empresas, Ldª, e a adjudicação à autora da empreitada de prestação de serviços de amarração de navios nos portos do douro e leixões e terminal de petroleiros, com custas a cargo da ré ou, quando assim se não entenda, das contra-interessadas, como o impõe o direito e a Justiça. * Por seu turno a Recorrida APDL contra alegou, concluindo: A. “A sentença proferida pela Meritíssima Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em 13/01/2016, no âmbito do processo n.º 1975/15.0BEPRT, que julgou improcedente a acção instaurada pela Autora/Recorrente não merece qualquer censura ou reparo devendo, ser mantida, na íntegra, na ordem jurídica. B. A Recorrente entende ser ilegal a decisão recorrida na parte em que concluiu pela caducidade do direito de impugnar a deliberação de abertura do procedimento e do convite para apresentação de propostas, insistindo ainda pela ilegalidade do procedimento por o fundamento de escolha do ajuste directo não constar expressamente do Convite, mas sem razão. C. A ilegalidade que a Recorrente aponta à deliberação de abertura do procedimento e ao convite para apresentação de propostas contende com o próprio procedimento em si, não sendo apontadas ilegalidades que a tenham prejudicado por causa e em função da modalidade de procedimento escolhida; nenhum dos vícios apontados quanto à abertura do procedimento e ao Convite teve influência no resultado final, isto é, nos fundamentos e decisão final constante do Relatório Final, que é aquilo que verdadeiramente preocupa a Recorrente – tendo já caducado o seu direito de acção quanto à impugnação da deliberação e do Convite. D. Pela presente acção, a Recorrente só (pode) impugna(r) o Relatório Final. E. A Entidade Demandada APDL tinha fundamento (material) para escolher o ajuste directo, nos termos em que o fez: nomeadamente, todas as propostas apresentadas no 1.º procedimento foram excluídas e o caderno de encargos não foi substancialmente alterado (cfr. artigo 24.º/1/b) do CCP). F. Esta falta de indicação expressa no Convite do fundamento de escolha do ajuste directo não acarreta a invalidade do procedimento pré-contratual, porquanto se afiguram diversas as consequências das irregularidades de que eventualmente possa padecer o Convite. G. Mesmo que se pudesse admitir, por hipótese de fantasia, que o Convite padecia de uma irregularidade, essa irregularidade não teria qualquer relevo na sanidade e utilidade do procedimento, mas apenas num eventual plano de responsabilidade disciplinar dos titulares do órgão (ou deste mesmo) ou da responsabilidade institucional da entidade adjudicante (neste sentido, Mário Esteves de Oliveira e Rodrigues Esteves de Oliveira, in “Concursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública”, Almedina, 2011, pág. 348). H. Além de que, dispondo a Recorrida APDL de fundamento material para se socorrer do ajuste directo (nos termos do artigo 24.º/1/b) do CCP), a falta de menção expressa a esse fundamento também não levaria a que se produzisse o efeito anulatório, pela aplicação da Teoria do Aproveitamento do Acto Administrativo, ínsita hoje em dia no artigo 163.º/5/b) e c) do CPA/2015. I. Não só o fim visado pela exigência formal pretendida foi alcançado por outra via, como não há margem para dúvidas que, mesmo sem o vício, o acto teria sido praticado com o mesmo conteúdo, isto é, a Recorrida APDL teria lançado mão de um ajuste directo e enviado o Convite à Recorrente e às duas Contra-Interessadas, sem que a falta de indicação expressa do fundamento tenha tido qualquer influência no desenrolar do procedimento que levou à celebração do contrato. J. A Recorrente entende ser ilegal a decisão na parte em que concluiu que não havia vício capaz de conduzir à anulação do procedimento por a proposta da A... não se encontrar instruída com o Relatório Anual de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho, mas sem razão. K. A Entidade Demandada não praticou qualquer acto violador do princípio da igualdade previsto no artigo 6.º do CPA, nem no artigo 13.º da CRP. L. Constando do Convite - elemento que regula o procedimento estabelecido pela entidade demandada - que a apresentação do Relatório Anual de Segurança, Higiene e Saúde era um “documento de habilitação” e que, por isso, devia ser apresentado apenas pelo adjudicatário e na fase de habilitação, não havia por que excluir a proposta da Contra-Interessada A.... M. A Recorrente entende ser ilegal a decisão na parte em que concluiu que não havia vício capaz de conduzir à anulação do procedimento por o convite não estabelecer prazo para a junção dos documentos de habilitação e, além disso, que a ausência da indicação de prazo teria como “única interpretação possível a que fez a Autora: de que, não sendo estabelecido prazo, tais documentos teriam que ser juntos com a apresentação da proposta”, mas sem razão. N. Muito embora não tenha sido indicado no convite qualquer prazo para a apresentação dos documentos de habilitação, nada impede que, com a decisão de adjudicação, a entidade adjudicante possa determinar um prazo para que o adjudicatário proceda à apresentação dos documentos de habilitação, informando-o, inclusivamente, da cominação em que incorre pelo incumprimento do mesmo, sem que se possa assacar qualquer ilegalidade à actuação da Entidade Demandada. O. A Recorrente entende ser ilegal a decisão na parte em que concluiu que não havia vício capaz de conduzir à anulação do procedimento por a proposta da S... não se encontrar acompanhada pela “Declaração de que os seus gerentes não se encontravam aposentados pela CGA”, mas sem razão. P. Constando do Convite - elemento que regula o procedimento estabelecido pela entidade demandada - que a apresentação da “Declaração, sob compromisso de honra, de que da equipa a afectar ao serviço não faz parte qualquer aposentado da CGA ou beneficiário de pensão de reforma da segurança social ou de pensão paga por entidade gestora de fundos de pensões ou plano de pensões” e que, por isso, devia ser apresentado apenas pelo adjudicatário e na fase de habilitação, não havia por que excluir a proposta da Contra-Interessada S.... Q. Por conseguinte, bem andou a douta sentença recorrida ao ter decidido no sentido de que não assiste qualquer razão à Recorrente nas ilegalidades apontadas, devendo, por isso, ser julgado totalmente improcedente o presente recurso e mantida, na íntegra, a sentença recorrida, que não merece qualquer reparo. Termos em que a sentença proferida pelo Tribunal a quo não merece qualquer censura, não cabendo conceder provimento ao presente recurso.” * O Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal foi notificado nos termos e para os efeitos do artigo 146.º n.º 1 do CPTA. ** II – QUESTÕES DECIDENDAS: As questões colocadas pela Recorrente, nos limites das conclusões expressas nas alegações, nos termos dos artigos 5.º, 608.º, nº 2, 635.º, nº 3 e 4, do CPC: (i) erro de julgamento em matéria de facto no sentido da sua incorrecção e insuficiência, em violação do disposto no artigo 607.º, n.º 3, do CPC, cabendo nela incluir facto identificado pela Recorrente, e (ii) erro de julgamento em matéria de direito quanto à solução dada pelo tribunal a quo às questões de mérito submetidas à sua jurisdição, mormente relativas à validade das decisões de admissão das Contra-interessadas proferidas no procedimento de ajuste directo em causa, com reflexos na graduação das propostas e acto de adjudicação, em violação do disposto nos artigos 51.º, n.ºs 1 e 3 do CPTA, 57.º, n.º 1, al. c), 115.º, n.º 1, als. c) e j) e 146.º, n.º 2, al. d), do CCP, 6.º e 163.º, nº 1, do CPA e 13.º da CRP. *** III – FUNDAMENTAÇÃO 1. OS FACTOS 1.1. DA PRETENSÃO DE ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO FIXADA EM 1ª INSTÂNCIA: A Recorrente sustenta que tendo alegado na Petição inicial a não apresentação do Relatório de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho pela Contra-interessada A..., com a sua proposta, mas tendo-se demonstrado – como consta do p. a. e se refere no relatório final de apreciação de propostas que constitui o doc. nº 8 junto com a Petição inicial – que a mesma apresentou esse relatório referente ao ano de 2013, o tribunal a quo não devia ter dado como não provada a alegação da Autora. Antes devia ter fixado que a “Contra-interessada A... apresentou com a sua proposta o Relatório de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho referente ao ano de 2013.”. O que requer agora, ao abrigo do disposto nos artigos 662º, nº 1, e 607º, nº 3, do CPC, aplicáveis por força do artigo 1º do CPTA. Ora, diga-se já que tal pretensão não pode proceder. Na verdade, como se depreende da factualidade assente e não assente bem como da motivação/fundamentação da mesma, o facto cuja fixação a Recorrente requer retira-se já da decisão da matéria de facto, ainda que não exactamente do modo como pretende, tendo, consequentemente, sido assimilado pelo juiz a quo. Para tanto, basta atentar no disposto na parte final da fundamentação de facto da sentença recorrida onde se lê “considera-se não provado o seguinte facto: § A proposta apresentada pela A... – Serviços Marítimos, Lda. não continha o relatório de segurança, higiene e saúde no trabalho”, com a seguinte justificação “No que contende com o facto não provado, o mesmo resulta também da análise do processo administrativo, do qual foi possível extrair que a Contra-interessada A... apresentou, juntamente com a sua proposta, um documento intitulado “ANEXO D – Relatório Anual da Actividade do Serviço de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho”, referente ao ano de 2013 (cfr. documento de fls. 22 a 35 do processo administrativo apenso aos autos). Perante tal constatação, nada mais resta do que considerar não provado tal facto, caindo assim por terra a alegada falta de apresentação daquele documento.”. Termos em que seria não se justifica a formulação de um facto assente com o teor pretendido. * 1.1.2. Improcedendo este segmento de contestação da decisão recorrida, mantêm-se os factos fixados em 1ª instância “com relevância para a decisão a proferir”, “constantes dos autos e articulados pelas partes em juízo”, que a seguir se reproduzem: “Por deliberação do Conselho de Administração da APDL de 04/06/2015, foi aberto o procedimento de ajuste directo com vista à celebração de um contrato para a prestação de serviços de amarração de navios denominado AD_076/2015 (cfr. documento de fls. 1 do processo administrativo apenso aos autos); 1. Por convite de 05/06/2015 a A. e as Contra-interessadas A... e S... foram convidadas pela APDL a apresentar propostas no âmbito do procedimento referido no ponto anterior (cfr. docs. de fls. 1 a 7 do processo administrativo apenso aos autos); 2. Do convite referido no ponto anterior consta, além do mais o seguinte: “(…) 3. A proposta deverá ser constituída por: 3. Do caderno de encargos do procedimento referido no ponto 1., que ora se dá por integralmente reproduzido, consta, além do mais, o seguinte: “(…) 5. A Contra-interessada S... não apresentou com a sua proposta uma declaração, sob compromisso de honra, de que da equipa a afectar ao serviço não faz parte qualquer aposentado da CGA (cfr. documento de fls. 36 a 46 do processo administrativo apenso aos autos); 6. Em 19/06/2015 foi elaborado relatório preliminar de apreciação das propostas apresentadas, tendo sido proposto pelo júri do procedimento a admissão de todas as propostas apresentadas e a sua ordenação da seguinte forma: em primeiro lugar a A..., em segundo lugar a S... e em terceiro lugar a N... (cfr. documento de fls. 65 e 66 do processo administrativo apenso aos autos); 7. Do relatório referido no ponto anterior consta, além do mais, o seguinte: “(…) 8. Em 01/07/2015 foi elaborado relatório final de apreciação das propostas, pelo qual o júri do procedimento deliberou por unanimidade manter a classificação e a ordenação das propostas já proposta no relatório preliminar (cfr. documento de fls. 76 a 78 do processo administrativo apenso aos autos); 9. Por deliberação do Conselho de Administração da APDL de 02/07/2015 foi adjudicado o contrato de prestação de serviços de amarração de navios à A... – Serviços Marítimos, Lda. (cfr. documento de fls. 87 a 88 do processo administrativo apenso aos autos). * § A proposta apresentada pela A... – Serviços Marítimos, Lda. não continha o relatório de segurança, higiene e saúde no trabalho. * Motivação da matéria de facto Para o elenco da factualidade relevante ora reunida e considerada como provada, tomou o Tribunal em consideração a alegação das partes, vertida nos articulados e a inexistência de desacordo ou confronto factual quanto à matéria assente. A formação da convicção do Tribunal baseou-se ainda no teor dos documentos que integram o processo administrativo que se encontra apenso aos presentes autos, bem como no teor daqueles que as partes juntaram a estes. Tais documentos não foram impugnados e encontram-se especificados em cada um dos pontos do probatório. No que contende com o facto não provado, o mesmo resulta também da análise do processo administrativo, do qual foi possível extrair que a Contra-interessada A... apresentou, juntamente com a sua proposta, um documento intitulado “ANEXO D – Relatório Anual da Actividade do Serviço de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho”, referente ao ano de 2013 (cfr. documento de fls. 22 a 35 do processo administrativo apenso aos autos). Perante tal constatação, nada mais resta do que considerar não provado tal facto, caindo assim por terra a alegada falta de apresentação daquele documento. * DE DIREITODefinida a factualidade assente e assimilada pela decisão recorrida, com interesse para os presentes autos, cumpre agora proceder à aplicação do direito aos factos, analisando as demais ilegalidades alegadas pela Recorrente Vejamos então. A Recorrente considera ilegal a decisão recorrida, na parte em que concluiu pela caducidade do direito de impugnar a deliberação de abertura do procedimento e do convite para apresentação de propostas, insistindo na ilegalidade do procedimento por o fundamento de escolha do ajuste directo não constar expressamente do Convite. Contudo, não lhe assiste razão. Como se lê na sentença recorrida “(…) a decisão de abertura de procedimento de ajuste directo consubstancia um verdadeiro acto administrativo. E, bem assim, o convite para apresentação de propostas configura-se como um acto de execução daquela decisão. (…) a ilegalidade que a A. aponta à deliberação de abertura do procedimento e ao convite para apresentação de propostas contende com o próprio procedimento, nomeadamente a escolha do mesmo. Pelo que, impunha-se a sua impugnação autónoma e não juntamente com o acto final do procedimento. Assim, conjugando tais circunstâncias com o facto de que a A. afirma ter recebido convite para o procedimento de ajuste directo por comunicação de 05/06/2015 [cfr. ponto 11 da petição inicial] e de que a A. tem conhecimento do referido procedimento, pelo menos, desde 09/06/2015 – data em que apresentou a sua proposta –, com o facto de que a presente acção foi proposta em 28/07/2015, mostra-se evidente que ocorre caducidade do direito de acção no que se refere aos citados actos, em conformidade com o disposto no art. 101º do CPTA. (…) Pelo que, no que concerne ao pedido de anulação do procedimento com fundamento na ilegalidade do acto de abertura do procedimento e do convite para apresentação de propostas, verifica-se a caducidade do direito de acção da A., impondo-se a absolvição da Entidade Demandada da presente instância quanto a este pedido.”. Ou seja, a ilegalidade que a Recorrente assacou à deliberação de abertura do procedimento e ao convite para apresentação de propostas contende com o próprio procedimento em si, não ocorrendo nenhum prejuízo para a mesma, em função da modalidade de procedimento escolhida. Na verdade, nenhum dos vícios apontados à abertura do procedimento e ao Convite teve influência nos fundamentos e decisão final constantes do Relatório Final que graduou, em primeiro lugar, a Contra-interessada A..., face ao critério adjudicatório do preço mais baixo. Pelo que se impunha a impugnação autónoma da deliberação de abertura do procedimento e do inerente Convite, no prazo legal, e não juntamente com o acto final do procedimento. O que não sucedeu, caducando o direito de acção quanto à impugnação de tais actos, com consequente limitação da Recorrente à impugnação do Relatório Final. Acresce que, ainda que se deva admitir a invocabilidade da ilegalidade da falta de indicação expressa, no Convite do procedimento pré-contratual por ajuste directo, do fundamento de escolha dessa modalidade, como fundamento para impugnar o acto final, a mesma não procede, considerando que, como bem o refere a Entidade Demandada, foi observado um dos fundamentos legalmente previstos para a escolha do ajuste directo: a circunstância de todas as propostas apresentadas no 1.º procedimento terem sido excluídas e o caderno de encargos não ter sido substancialmente alterado – Vide probatório e o disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) do CCP. Sendo que a alegada falta constitui, quando muito, uma mera irregularidade, sem relevo na validade e utilidade do procedimento adjudicatório e, consequentemente do acto final, já que as partes deste procedimento são as mesmas do anterior, tendo sido, dessa forma, alcançado o fim essencial visado pela exigência da formalidade em causa. Sem prejuízo de tal “falta” poder relevar em sede de responsabilidade disciplinar dos titulares do órgão (ou deste mesmo) ou da responsabilidade institucional da entidade adjudicante – v., Mário Esteves de Oliveira e Rodrigues Esteves de Oliveira in Concursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública, Almedina, 2011, p. 348. * Improcedem assim as conclusões alegatórias quanto a este segmento de ataque da decisão a quo. * Mais sustenta a Recorrente, com os fundamentos constantes das conclusões 21.º a 37.º das suas alegações, para os quais remetemos, que a decisão impugnada padece de erro de julgamento, no segmento em que concluiu que o facto da proposta da adjudicatária A... não se encontrar instruída com o Relatório Anual de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho (no caso, com o relativo ao ano de 2014), não constitui motivo da respectiva exclusão do procedimento em causa, não relevando em sede de anulação do acto adjudicatório. Ora, a sentença recorrida apreciou correctamente esta questão indicando os factos e o direito relevantes para o efeito, com reporte a cada um dos fundamentos invocados na 1.ª instância, e agora repetidos na presente, os quais aqui se afirmam, na sua totalidade: “No que concerne a esta proposta [apresentada pela Contra-interessada A...], alega a A. que a mesma não contém o obrigatório relatório de segurança, higiene e saúde no trabalho. Entende a A. que o caderno de encargos estipula que tal documento devia acompanhar a proposta, pelo que a sua não apresentação juntamente com esta implica a não admissão da proposta. E, ainda que assim não fosse, ou seja, ainda que se entendesse que tal documento revestia a natureza de documento de habilitação, entende ainda a A. que, ainda assim, deveria ser apresentado juntamente com a proposta pelo facto de a Entidade Demandada não ter indicado no convite o prazo em que os documentos de habilitação deveriam ser apresentados pelo adjudicatário. * Improcedem assim todos os fundamentos de impugnação da decisão recorrida apresentados, nesta sede, pela Recorrente.* Analisado o Convite regulador do procedimento aberto pela Entidade Recorrida, dele se extrai que a “Declaração, sob compromisso de honra, de que da equipa a afectar ao serviço não faz parte qualquer aposentado da CGA ou beneficiário de pensão de reforma da segurança social ou de pensão paga por entidade gestora de fundos de pensões ou plano de pensões” devia ser apresentada apenas pelo adjudicatário na inerente fase de habilitação. Com efeito, e como igualmente o demonstra a decisão recorrida “resulta do probatório [ponto 3.] e mais concretamente do ponto 6, alínea c) do convite para apresentação de propostas, que, tal como se verificava com o documento (…) referente à proposta apresentada pela Contra-interessada A..., também a “declaração, sob compromisso de honra, de que da equipa a afectar ao serviço não faz parte qualquer aposentado da CGA ou beneficiário de pensão de reforma da segurança social ou de pensão paga por entidade gestora de fundos de pensões ou planos de pensões de entidades públicas, ao abrigo do disposto no n.º 7 do artigo 78º do Estatuto da Aposentação e da extensão de regime operada pelo artigo 202º da Lei n.º 60-B/2011, de 31 de Dezembro” foi qualificada no convite como um documento de habilitação, que seria exigido ao adjudicatário na fase de habilitação do procedimento.”. Sendo que o caderno de encargos omite totalmente a referência ao referido documento, não subsistindo assim qualquer dúvida da qualificação atribuída ao mesmo pelas peças do procedimento elaboradas pela entidade adjudicante. * Pelo que, sem necessidade de mais considerações, improcedem, também nesta parte, os fundamentos de impugnação da decisão recorrida. * A decisão a quo não merece, pois, a censura que lhe foi dirigida, não tendo violado o disposto nos artigos 607.º, n.º 3, do CPC, 51.º, n.ºs 1 e 3 do CPTA, 57.º, n.º 1, al. c), 115.º, n.º 1, als. c) e j) e 146.º, nº 2, al. d), do CCP, 6º e 163º, nº 1, do CPA e 13º da CRP, improcedendo o presente recurso. **** IV – DECISÃOPelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo em negar provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo a decisão recorrida. Custas pela Recorrente. Notifique. DN. Porto, 8 de Abril de 2016 |