Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01571/22.6BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/21/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR; PERICULUM IN MORA;
ENCERRAMENTO DE ALOJAMENTO;
FUMUS BONI IURIS;
Sumário:I- Para aferir se uma providência deve ser decretada, há que determinar, cumulativamente, (i) se há um fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que a Requerente visa assegurar no processo principal [periculum in mora], (ii) se é provável que a pretensão formulada no processo principal pela Requerente seja julgada procedente [fumus boni iuris] (n.º 1), e, caso a resposta seja positiva, (iii) devem ser ponderados os interesses em presença quanto aos danos que resultariam do decretamento da providência e do seu não decretamento [n.º 2].

II- O encerramento do alojamento de uma associação sem fins lucrativos, que não dispõe de outro local para exercer a sua atividade, determinará, com elevado grau de probabilidade, a cessação da atividade desta associação.

III- Esta cessação de atividade, em si, representa uma situação de difícil restauração natural, na medida em que se afigura razoável que a rutura do desenvolvimento da atividade possa, fundadamente, comprometer um seu reatamento tardio.

IV- Donde há que concluir que, in casu, a execução do ato suspendendo põe em causa a utilidade da sentença a proferir no processo principal, e, qua tale, pela verificação do periculum in mora.

V- Legitimando os autos a aquisição de que, ainda que se verificassem os vícios assacados ao ato suspendendo no requerimento inicial, sempre a eventual suspensão de eficácia [ou desintegração jurídica] do ato suspendendo poderia deixar de ser decretada, visto que a solução assumida se apresentava à luz da lei e do interesse público como a única alternativa decisória, absolutamente inevitável e incapaz de ser influenciada pelo contributo da Recorrente, não existe justificação racional para, nestas condições de inoperância, conferir eficácia invalidante ao ato suspendendo com base nos invocados vícios pela Recorrente.

Fracassando a demonstração da provável procedência da ação principal, não se logra verificar o requisito de fumus boni iuris, impondo-se julgar improcedente a providência cautelar de suspensão da eficácia de ato.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

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I – RELATÓRIO
1. “ASSOCIAÇÃO DE PROTECÇÃO DOS ANIMAIS ...”, melhor identificada nos autos à margem referenciados de PROVIDÊNCIA CAUTELAR DE SUSPENSÃO DE EFICÁCIA, nos quais é Requerido/Recorrido o INSTITUTO DA CONSERVAÇÃO DA NATUREZA E DAS FLORESTAS, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença promanada nos autos, que julgou improcedente a presente providência cautelar, e, consequentemente, absolveu o Requerido do pedido.
2. Em alegações, a Recorrente formula as conclusões que ora se reproduzem, que delimitam o objeto do recurso:“(…)
I- O presente recurso versa sobre matéria de facto e de direito vertida na sentença proferida a 13/02/2023, onde o Tribunal de primeira instância sufragou que, por inexistência de periculum in mora, o peticionado pela Requerente/Apelante teria que improceder e, por conseguinte, deveria o Requerido/Apelado sair absolvido do pedido;
II - A propósito do requisito do fumus boni iuris, a Apelante, no item 20.°, 21.°, 22.°, 23.°, 24.°. 25.°,26.° do Requerimento Inicial, defendeu, pelos fundamentos neles apostos, que foi violado o direito que lhe assistia a ser ouvida em sede de audiência prévia, nomeadamente em cumprimento do art. 3.° - G, n.°s 2, 3 e 4 do DL. n.° 276/2001, de 17 de outubro e que a sua preterição comportaria a anulabilidade do ato; outrossim, nos itens 40.°, 41.°, 42.°, 43.° e 44.° do Requerimento Inicial, estribando-se no preceituado no art. 161.° n.° 2 al. b) do CPA, a Requerente propugnou pelo reconhecimento da incompetência material do Recorrido para proferir a decisão de encerramento; Sobre nenhuma delas o Tribunal recorrido teceu algum comentário ou se pronunciou, pelo que. salvo melhor opinião em sentido invés, a decisão recorrida enferma manifestamente de nulidade por omissão de pronúncia - art. 615.° n.° 1 al. d) do CPC ex vi art. 1.° do CPTA.
III - Da fundamentação da sentença recorrida não se compreende a opção do Tribunal de primeira instância em dar maior credibilidade aos documentos ... e ... juntos com a oposição (fls. 57) apresentada pelo Apelado (os quais foram impugnados pela Apelante tal como se colhe do item 32.° do articulado de resposta submetido a 22/08/2022, fls. 128); os ditos documentos serviram para provar os factos I) e J) do segmento da sentença que elenca os factos dados como demonstrados. Mas por que deu o Tribunal recorrido maior credibilidade a tais documentos impugnados?!
IV - De facto, e salvo melhor opinião, não revestindo os documentos ... e ... juntos com a oposição (fls. 57) natureza autêntica nos termos e para os efeitos dos art. 369.° do Código Civil, nem sendo documentos particulares com força probatória plena (art. 376.° do mesmo Código), impunha-se ao julgador que, na sentença, explicasse, ainda que sinteticamente, a maior credibilidade dada à tese do Apelado e aos seus documentos).
V - O exame crítico das provas corresponde à indicação das razões pelas quais e em que medida o tribunal valorou determinados meios de prova como idóneos e credíveis e entendeu que outros em sentido diverso não eram atendíveis, explicitando os critérios lógicos e racionais que utilizou na sua apreciação valorativa, e que permite, assim, aferir a concreta utilização que o julgador fez do princípio da livre apreciação da prova.
VI - É precisamente este o entendimento preconizado por este Venerando Tribunal Central Administrativo do Norte, o qual logramos transcrever: “[a] nulidade da sentença por falta de fundamentação não ocorre apenas quando esta é totalmente omissa, pois quando a fundamentação não for minimamente elucidativa das razões que levaram a decidir como se decidiu deverá entender-se que se está perante uma nulidade por falta de fundamentação enferma também a sentença em nulidade por falta de fundamentação - art. 615.º n.° 1 al. b) do CPC ex vi art. 1.° do CPTA,
VII - Resulta do depoimento da testemunha arrolada pelo Requerido AA (gravação da audiência 10 02 2023 min. 2:03:20 a min. 2:10:00 ) que não fora respeitado o princípio da legalidade, nomeadamente o procedimento imposto pelo art. 3.°- G do DL. N.° 276/2001, de 17 de outubro, pelo que deve ser aditado, na matéria dada como indiciariamente demonstrada, os seguintes pontos (que foram alegados no requerimento inicial itens 20.° e 27.° do Requerimento Inicial; “1. [n]ão foi dada a oportunidade à Requerente de ser ouvida em sede de audiência prévia; 2. A decisão de encerramento não contemplou o procedimento vertido no art. 3,° - G n.°s 2.3 e 4 do D.L Nº. 276/2001, de 17 de outubro.
VIII - O ponto L) dos factos provados deve ser alterado para a seguinte redação: “O alojamento detém, neste momento, dois extintores”, atendendo ao depoimento de BB, representante legal da Apelante (gravação da audiência 10 02 2023 min. 17:20 - min. 18:00). o qual, como refere o Tribunal a quo na motivação, se assumiu como um depoimento pautado pela sinceridade e honestidade.
IX - Atenta a confissão do Requerido/Apelado, pois tal facto não foi impugnado, deve, igualmente. ser aditado o seguinte ponto à matéria de facto dada como provada: “[a] requerente exerce a sua atividade no local do alojamento desde 18/01/2018 - facto alegado no item 10.° do Requerimento Inicial.
X - Ora, tal como sabiamente decidira este douto Tribunal Central Administrativo do Norte - na decisão sobre o recurso que nestes autos antecedeu – “[d]e facto se é aceitável conjeturar que o encerramento de estabelecimento comercial pode não inviabilizar a prossecução da atividade comercial noutro local, já não é admissível transportar tal construção para o caso versado em face da alegação da “falta de local para onerar” atravessada no artigo 18." do requerimento inicial”.
XI - Como decorre do ponto K) da matéria de facto dada como indiciariamente demonstrada, “[a] requerente não dispõe de outro local para operar a sua atividade.”
XII - Salvo o devido e necessário respeito, não nos parece defensável o entendimento vertido na sentença ora posta em crise de que o requisito do periculum in mora não se verifica.
XIII Efetivamente o encerramento do alojamento, tal como demonstrado no ponto k) da matéria indiciariamente provada, inviabilizará a continuidade da própria atividade da Apelante,
XIV - Afigura-se-nos, pois, que a ser executado o acto administrativo em causa, resulta para a recorrente um prejuízo real de ver a sua atividade cessada, pois, que, caso venha a ter ganho de causa não poderá jamais recuperar o que perderá com o encerramento.
XV - Neste sentido, caminha a jurisprudência deste douto Tribunal: “[a]s providências cautelares visam impedir que, durante a pendência de qualquer accão, ocorram prejuízos ou que a situação de facto se altere de modo a que a sentença nela proferida, sendo favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela - “periculum in mora” (o prejuízo, o perigo da demora inevitável do processo)”.
XVI - Não se olvide, ademais, que a presente providência cautelar não é a ação principal, pois, tal como sufragado por este Venerando Tribunal Central Administrativo: “[n]o âmbito do artigo 120.° n. 1 do CPTA a atribuição das providências cautelares depende de um juízo perfunctório sobre a possibilidade de a ação principal poder vir a ser procedente. Esta avaliação não deve ultrapassar os limites próprios da tutela cautelar sob pena de passarmos a antecipar a decisão de fundo sobre o mérito da questão que apenas caberá tomar quando da análise do processo principal. O requisito do periculum in mora encontrar-se-á preenchido sempre que exista fundado receio da constituição de urna situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo Principal.”
XVII - Sem prejuízo da impugnação da matéria de facto aposta na sentença que aqui se ataca, a verdade é que, já em sede da presente providência cautelar, a Requerente conseguiu contradizer alguns factos conducentes à decisão de encerramento, designadamente a circunstância de os animais possuírem água potável, tal como decorre do facto N) do respetivo segmento da sentença.
XVIII - A Requerente/Apelante. nos autos principais, propugna a impugnação do ato administrativo de encerramento com fundamentos que estão longe, cremos humildemente, de não ter provimento: (a inobservância do direito a ser ouvida em sede de audiência previa; a incompetência material do Requerido para proferir a decisão a violação do princípio da legalidade, nomeadamente por não terem sido respeitado o procedimento fixado no D.L. Nº. 276/2001, de 17 de outubro: e o desfasamento da realidade das imputações conducentes decisão de encerramento, etç..
XIX - Concluindo-se que existe um prejuízo a ser acautelado (encerramento do único local em que a Requerente/Apelante pode operar, temos para nós que há agora .que saber se 0 interesse da Apelante se sobreporá ou não ao interesse que o Apelado pretende defender, nos termos do disposto no nº. 2 do art. 120.° do CPTA.
XX - Na verdade o interesse público que o recorrido defende nestes autos (vida animal - item 47.° da Oposição) não se afigura superior ao interesse da recorrente que, tal como decorre do seu objeto social, parte exatamente do mesmo.
XXI - É que, tendo a Apelante exercido a sua actividade desde 18/01/2018, com conhecimento do recorrido, não se nos afigura que seja pela manutenção do seu espaço aberto nos mesmos moldes durante a tramitação do processo principal que o interesse público (que de resto é o mesmo que o da recorrente) saia beliscado.
XXII - Ora tendo presente a decisão judicial em crise, os considerandos atrás expendidos e a factualidade apurada nos autos, não se vislumbram, “in casu", razões que apontem no sentido de se alterar a jurisprudência uniforme deste Tribunal supra aludida e reproduzida, jurisprudência essa que cremos dever ser reiterada e secundada.
XXIII - Com, efeito, no caso vertente estão reunidos os requisitos ou pressupostos enunciados na al, b) do nº. 1 do art. 120." do CPTA visto se verificar o requisito da aparência do bom direito (“fumus boni iuris”} na sua vertente de não ser manifesta a falta de fundamento ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito e o requisito do periculum in mora" (ponto K) dos factos dados como demonstrados), porquanto existe, nos termos atrás explicitados, risco de constituição duma situação de facto consumado ou de produção de prejuízos de difícil reparação decorrente da não concessão da providência cautelar até à prolação da decisão final nos autos principais (…)”.
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3. Notificado que foi para o efeito, o Recorrido Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas apresentou contra-alegações, que rematou da seguinte forma: “(…)
A. Não se justifica a aplicação de efeito suspensivo, mas antes meramente devolutivo nos termos do artigo 143.° do CPTA. O que se requer.
B. Entende-se ainda que não merece deferimento o pedido de junção de documento apresentado na interposição de recurso de apelação, ora por não ser o momento para vir juntar nova factualidade ao presente processo cautelar, ora por se desconhecer a sua veracidade, sendo certo que de qualquer modo sempre aquele seria irrelevante, uma vez que a doação de extintores não torna aquele concreto alojamento viável (ou passível de legalização), nem sequer protege suficientemente a vida dos animais ali alojados contra incêndios.
C. A recorrente circunscreve o objeto do presente recurso às matérias de facto e de direito vertidas na Sentença da Unidade Orgânica 1 do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, declarando-se contra o conteúdo vertido na mesma, por alegada insuficiência de pronúncia, falta de fundamentação, e errada apreciação da prova.
D. No entanto, na acção em apreço importava à Requerente provar o preenchimento de uma serie de requisitos cumulativos para que pudesse vir a ser decretada a providência cautelar requerida. Mas, de facto, na Sentença de que recorre está perfeitamente explanado o raciocínio que levou ao indeferimento daquela, pelo não preenchimento de um dos pressupostos que torna inútil a verificação dos restantes - não sendo responsabilidade do tribunal comentar cada um dos documentos excessivos e de dúbia significância apresentados pela recorrente.
E. Temos então como cumpridos todos os requisitos de fundamentação e de pronúncia na douta sentença recorrida. Contudo, a admitir incorreção ou omissão de uma qualquer formalidade, de boa-fé sempre se diria que no máximo terá existido mero lapso, passível de esclarecimento, devendo antes a recorrente ter solicitado a sua retificação nos termos do disposto no n°1 do artigo 614.° do CPC.
F. Depois, a Recorrente acaba por reconhecer a existência fundamentação, insurgindo-se contra a apreciação da prova carreada para os autos, alegando ter conduzido a uma “errada fixação da matéria de facto”.
G. Para justificar esta posição, apresenta inqualificáveis alegações, que não correspondem à verdade, e das quais retira conclusões também elas erradas, requerendo depois ainda infundadas e injustificadas alterações e/ou adições à matéria factual dada como provada. (…)”.
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4. O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida, tendo ainda sustentado a inexistência de qualquer nulidade de sentença.
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5. O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior não exerceu a competência prevista no nº.1 do artigo 146º do C.P.T.A.
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6. Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
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II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
7. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
8. Neste pressuposto, as questões essenciais a dirimir consistem em saber se a sentença recorrida enferma de (i) nulidade[s] da sentença, por (i.1) omissão de pronúncia e (i.2) falta de fundamentação; (ii) de erro[s] de julgamento de facto; (iii) e ainda de erro de julgamento de direito, designadamente, por violação do disposto no nº.1 do artigo 120º do C.P.T.A.
9. É na resolução de tais questões que se consubstancia a matéria que a este Tribunal Superior cumpre solucionar.
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III- DO MÉRITO DA INSTÂNCIA DE RECURSO
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10. As questões decidendas, como se colhe inequivocamente do ponto II) do presente aresto, traduzem-se em saber se saber se a sentença recorrida enferma de (i) nulidade[s] da sentença, por (i.1) omissão de pronúncia e (i.2) falta de fundamentação; (ii) de erro[s] de julgamento de facto; (iii) e ainda de erro de julgamento de direito, designadamente, por violação do disposto no nº.1 do artigo 120º do C.P.T.A.
11. Vejamos estas questões especificadamente.
12. Assim, e quanto ao primeiro grupo de razões, refira-se que a nulidade de sentença, por omissão de pronúncia [art. 615º nº 1 d) do CPC], é um vício que ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre questões com relevância para a decisão de mérito, e não todos e cada um dos argumentos/fundamentos apresentados pelas partes, e excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
13. A Requerente, aqui Recorrente, por intermédio da presente providência cautelar, visa[va] a suspensão de eficácia do “(…) do Despacho de Encerramento Definitivo do alojamento denominado “ASSOCIAÇÃO DE PROTECÇÃO DOS ANIMAIS ...” proferido a 13/06/2022 pela Diretora Regional de Conservação da Natureza e Florestas do Norte (…)”.
14. Assim, para que procedesse a pretensão cautelar da Requerente, era necessário a verificação cumulativa dos seguintes legais pressupostos de que depende a concessão das providências cautelares, a saber: o (i) periculum in mora; o (ii) fumus boni iuris; e a (iii) ponderação de interesses [cfr. artigo 120º, nº.1 e 2 do CPTA].
15. Não basta, portanto, a verificação de (i) perigo na demora da decisão judicial, tornando-se ainda necessário a (ii) aparência do bom direito e a (iii) majoração acrescida do interesse particular face ao interesse público.
16. No quadro que se vem de assinalar, assoma evidente que a inverificação do requisito de periculum in mora determina a prejudicialidade do conhecimento dos demais legais requisitos de que depende a concessão da tutela cautelar.
17. Ora, tendo o Tribunal a quo considerado que “(…) não está preenchido in casu o requisito do periculum in mora, (…)”, e, nessa medida, concluído “(…) a improcedência do presente processo cautelar (…)”, resulta evidente que não se verifica qualquer omissão de pronúncia, uma vez que esta não se abrange as questões submetidas pelas partes cujo conhecimento resulte prejudicado pela solução dada a outras, como sucede no caso dos autos.
18. Não se divisa, portanto, a existência de qualquer nulidade de sentença com base neste último fundamento.
19. Idêntica asserção é atingível, desta feita, no tocante ao fundamento da falta de fundamentação.
20. De facto, “(…) os documentos particulares que tenham sido impugnados deixam de fazer prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, nos termos previstos no art. 376° do CC, mas podem ser utilizados como meios de prova, apreciados livremente pelo tribunal (…)” [cfr. aresto do Tribunal da Relação de Lisboa, tirado no processo 4013/15...., em 11/07/2019].
21. Pelo que nada obstava à sua apreciação e utilização pelo Tribunal como elemento de prova, de acordo com a liberdade de julgamento que lhe consente o princípio da livre apreciação da prova.
22. Por sua vez, saliente-se que as exigências de fundamentação da decisão tomada acerca da matéria de facto não são sempre as mesmas em todos os casos.
23. Com efeito, como se ponderou no teor da jurisprudência firmada pelo Tribunal Constitucional promanado no aresto nº. nº. 303/2003: «A fundamentação de julgamento de facto é uma justificação racional ex post destinada a permitir o controlo da racionalidade da respetiva decisão, necessário face à liberdade do juiz na avaliação da prova, que deve assim explicitar, com argumentação justificativa, a razão que o levou a atribuir eficácia aos meios de prova (M. Taruffo, La prova dei fatti giuridici, pp. 108 e 109). Nestes termos, a simples menção de meios concretos de prova testemunhal não satisfaz cabalmente aquela exigência de controlo. Diferentemente quanto à prova documental, onde normalmente a racionalidade da fundamentação se satisfaz com a menção de os factos resultarem da prova que os documentos fazem, o que permite na perspetiva endoprocessual da função da fundamentação: a) às partes o exercício mais fácil do direito de impugnação; b) ao Tribunal de recurso o controlo da respetiva decisão (M. Taruffo, La senteza In Europa, p. 187)».
24. Assim, a fundamentação da prova por documentos basta-se com a menção dos documentos em que se baseia a convicção do Tribunal, não sendo exigível uma análise crítica da mesma, até porque não se afigura que haja muito mais a dizer ou a justificar face ao alegado e ao material probatório disponível.
25. Concludentemente, improcedem todas as conclusões de recurso no domínio da nulidade em torno da falta ou insuficiência de fundamentação.
26. O que nos transporta para a segunda questão suscitada pela Recorrente, e que se prende com o eventual erro de julgamento de facto da sentença recorrida, nos termos e com o alcance explicitados sob os pontos VII) a IX) das conclusões de recurso.
27. Realmente, a Recorrente clama que, por incorretamente julgado face ao teor da prova produzida nos autos, devem ser aditados os seguintes pontos à matéria de facto coligida nos autos: (i) “Não foi dada a oportunidade à Requerente de ser ouvida em sede de audiência prévia”; (ii) “A decisão de encerramento não contemplou o procedimento vertido no art. 3,°- G n.°s 2.3 e 4 do D.L Nº. 276/2001, de 17 de outubro”; (iii)A requerente exerce a sua atividade no local do alojamento desde 18/01/2018”.
28. Apregoa ainda, pelo mesmo fundamento, que “(…) o ponto L) dos factos provados deve ser alterado para a seguinte redação: “[o] alojamento detém, neste momento, dois extintores (…)”.
29. Adiante-se, desde já, que este fundamento do recurso não vingará.
30. Na verdade, a matéria de facto a coligir no probatório reporta-se exclusivamente à verificação de “eventos históricos” e não à qualificação subjetiva de tais eventos e/ou representações pessoais e/ou jurídicas.
31. Com efeito, os juízos conclusivos e/ou de direito não têm lugar no domínio da fixação da matéria de facto.
32. Assim, sendo essa a natureza substancial do alegado nos pontos (i) e (ii) do parágrafo 27) supra, a mesma não deve integrar o probatório reunido nos autos, sob pena de se incorrer em violação das regras que devem presidir à fixação da matéria pertinente à boa decisão da causa.
33. Por sua vez, e com reporte ao sobredito ponto (iii), cabe notar que a alegação contida no artigo 10º do requerimento inicial foi expressamente impugnada pelo Requerida [cfr. ponto 12º da oposição], desembocando em matéria controvertida, cujo ónus de prova impendia sobre a Requerente, e que esta não logrou demonstrar.
34. Donde se capta a falta de sustentáculo do alegado na conclusão IX) do presente recurso.
35. Derradeiramente, saliente-se que não antolha a existência de qualquer fio condutor lógico jurídico que justifique a reversão da materialidade identificada sob a alínea L) dos “factos assentes”.
36. De facto, a aquisição processual desta factualidade por parte do Tribunal a quo mostra-se estribada na inconsistência das declarações de parte da representante legal da Requerente prestadas neste domínio por contraponto à clareza e credibilidade dos depoimentos das testemunhas CC e AA, inequívocas em reconhecer a inexistência do sistema de proteção de incêndios por parte da Requerente.
37. Para alterar a convicção assim formada, necessário se tornava que a Recorrente indicasse fundamentos e/ou meios probatórios que impusessem decisão diversa [cfr. artigo 662º, nº.1 do CPC].
38. Para justificar a sua pretensão de reversão da materialidade identificada sob a alínea L) dos “factos assentes”, a Recorrente limita-se a invocar a “sinceridade e honestidade “do depoimento prestado pela representante legal da Requerente, o que é de todo insuficiente para atingir o desiderato pretendido.
39. Efetivamente, a existência de depoimentos contrários no domínio em análise aporta um grau de incerteza incompatível com o caráter impositivo previsto no artigo 662º do C.P.C..
40. Por conseguinte, em consonância com a lógica que se vem supra de expor, falece inteiramente o invocado erro de julgamento de facto.
41. Ponderado o acabado de julgar e o que demais se mostra fixado na decisão judicial recorrida temos, então, como assente o seguinte quadro factual: “(…)
A. Em 13.06.2022 , pela Diretora Regional de Conservação da Natureza e Florestas do Norte foi proferido despacho de encerramento definitivo do alojamento denominado “ASSOCIAÇÃO DE PROTECÇÃO DOS ANIMAIS ...” – cfr. doc. ... junto com o r.i..
B. Tal decisão assentou na verificação das seguintes “irregularidades” – cfr. doc. ... junto com o r.i.:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
C. O referido despacho foi notificado à requerente por ofício com o seguinte teor – cfr. doc. ... junto com o r.i.:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
D. A requerente é uma associação sem fins lucrativos que tem como fim a criação de condições de abrigo a animais abandonados e desprotegidos, nomeadamente a recolha, alimentação adequada, assistência à sua saúde e sua integração junto da comunidade; promover o combate à degrada ção ambiental inerente ao bem-estar animal; sensibilização da comunidade, divulgação das leis que protegem os animais, organização de encontros, colóquios, exposições, espetáculos, bem como editar publicações, para atingir os fins da associação; colaborar com órgãos, associações públicas e outras entidades na promoção de melhorias das condições ambientais e de vida dos animais silvestres, cativos ou domésticos, e integra três associados – cfr. DD, 9 e 10 juntos com o r.i. e doc. junto a fls. 150 do SI TAF (estatutos da requerente) .
E. O alojamento em causa funciona sem ter sido precedido de comunicação prévia – confissão.
F. A água que abastece o alojamento provém de um poço (existente no prédio onde se encontra instalado o alojamento), cuja última análise remonta a 2019 –confissão.
G. Foram feitas várias denúncias relativamente à atividade desenvolvida pela requerente, pondo em causa, não só o bem - estar animal, mas também a sua segurança decorrente do risco de incêndio – cfr. fls. 1 do PA e doc. ... junto com a oposição.
H. Na sequência de nova denúncia anónima via SOS Ambiente Território feita ao NPA do Destacamento Territorial de ... da GNR (registado com o n.º ISC00047/22....00), aquela autoridade, a autoridade veterinária do Município ... e elementos do ICNF, I.P., deslocaram - se ao local no dia 13 .04.2022, onde foram recebidos pela Sr.ª EE (representante da aqui requerente), com o objectivo de determinar a identificação eletrónica de cada animal, consultar a documentação inerente e verificar em pormenor as condições do alojamento, tendo verificado diversas infrações ao referido diploma – cfr. fls. 12 e ss. do PA, constante de fls. 82 e ss. do SITAF.
I. Previamente à emissão da decisão suspendenda, foi proposta à requerente a entrega dos animais alojados no seu alojamento a diversas instituições, o que a mesma recusou – cfr. docs. ... e ... juntos com a oposição.
J. Previamente à emissão da decisão suspendenda, a requerente publicitou o seu conhecimento da iminência da decisão de encerramento – cfr. doc. ... junto com a oposição.
K. A requerente não dispõe de outro local para operar a sua actividade – cfr. declarações de parte da representante legal da requerente e depoimento da testemunha CC.
L. O alojamento não possui um sistema de protecção contra incêndios – cfr. declarações de parte da representante legal da requerente e depoimentos das testemunhas CC e AA.
M. Existem cabos de fornecimento de eletricidade pelo interior dos eucaliptos - cfr. declarações de parte da representante legal da requerente e depoimentos das testemunhas CC e AA.
N. A água que abastece o alojamento dos animais é potável – cfr. fls. 150 e ss. do SITAF (…)”.
42. Assente a realidade que antecede, vejamos agora se assiste razão ao Recorrente quanto ao invocado erro de julgamento de direito, designadamente, por violação do disposto no nº.1 do artigo 120º do CPTA.
43. Para facilidade de análise, convoquemos, no que ao particular conspecto concerne, o que se discorreu na 1ª instância: “(…)
Volvendo ao caso em apreço, comecemos por aferir da verificação do periculum in mora.
A este propósito, alega a requerente que o encerramento do alojamento por si explorado trará consequências nefastas e de impossível reparação/restituição, sobretudo porque conduzirá ao abate (ou abandono) de todos os animais albergados pela associação e levará, ainda, à extinção da própria requerente porquanto deixará de ter um local onde operar e, também, à saída abrupta dos seus sócios.
A requerente é uma associação sem fins lucrativos que tem como fim a criação de condições de abrigo a animais abandonados e desprotegidos, nomeadamente a recolha, alimentação adequada, assistência à sua saúde e sua integração junto da comunidade; promover o combate à degradação ambiental inerente ao bem-estar animal; sensibilização da comunidade, divulgação das leis que protegem os animais, organização de encontros, colóquios, exposições, espetáculos, bem como editar publicações, para atingir os fins da associação; colaborar com órgãos, associações públicas e outras entidades na promoção de melhorias das condições ambientais e de vida dos animais silvestres, cativos ou domésticos, e integra três associados. Ora, se o acto que determina o encerramento do alojamento de animais em causa não vir a sua eficácia suspensa, a consequência será a possibilidade de se concretizar o seu encerramento. Todavia, o encerramento do alojamento de animais, só por si, não determina a cessação da actividade da requerente, a qual, desde logo, poderá abrir outro alojamento com vista à prossecução do seu objecto enquanto associação que visa fim a criação de condições de abrigo a animais abandonados e desprotegidos. Isto independentemente de a mesma dispor - ou não - de outro espaço para operar. Efetivamente, embora se tenha provado que, presentemente, a mesma não dispõe de outro local para operar, tal não significa nem obsta a que a que a mesma diligencie por obter outro espaço destinado à prossecução do seu objecto. Por conseguinte, não é o encerramento do alojamento que, ipso facto, levará à saída dos associados da associação, podendo os mesmos prosseguir com a actividade da mesma. Por outro lado, a alegação da requerente no sentido em que o encerramento do alojamento conduzirá ao abate (ou abandono) de todos os animais albergados pela associação surge desprovida de qualquer sustento, não alegando a requerente qualquer facto do qual resulte esse desfecho, sendo certo que um dos fundamentos para o encerramento é, precisamente, a falta de condições adequadas ao abrigo dos animais. Acresce que a defesa dos interesses dos animais, para além de não integrar o objecto da requerente - que, diferentemente, visa apenas criação de condições de abrigo a animais abandonados e desprotegidos -, não se confunde com a defesa dos seus próprios interesses, sendo certo que a presente acção não é uma acção popular, que vise a defesa de interesses difusos, antes uma acção que visa a defesa dos interesses particulares da requerente.
Pelo exposto, não está preenchido in casu o requisito do periculum in mora, o que determina a improcedência do presente processo cautelar, na medida em que os requisitos são de verificação cumulativa (…)”.
44. Conforme emerge grandemente do que se vem de transcrever, o juízo de improcedência da presente cautelar fundou-se na inverificação do requisito de periculum in mora, o que se estribou na convicção de que o encerramento do alojamento não determina a cessação de utilização da atividade da Requerente, pois que esta poderá abrir outro alojamento com vista à prossecução do seu objeto, não sendo plausível que tal encerramento conduza ao abate de todos os animais albergados pela Requerente.
45. A Recorrente insurge-se contra o assim decidido, por manter a firme convicção de que o encerramento do alojamento inviabilizará a continuação da sua atividade, ademais e especialmente, em face das suas particularidades intrínsecas.
46. E, efetivamente, neste particular conspecto, insurge-se bem.
47. De facto, não obstante a sua coerência lógica, é nosso entendimento que o juízo firmado pelo Tribunal a quo não é harmonizável com a circunstância da requerente revestir a natureza de uma associação sem fins lucrativos, aliás, bem patente no contrato de comodato celebrado a propósito do alojamento visado nos autos.
48. De facto, não é crível, segundo as regras de racionalidade e de experiência de vida, que uma associação sem receitas e que operava logisticamente de forma gratuita possa de um momento para o outro “replicar” as circunstâncias operacionais detidas até à prática do ato suspendendo.
49. Neste enquadramento, e sopesando que se mostra provado que a requerente não dispõe de outro local para operar a sua actividade [cfr. alínea k) do probatório], não sentimos hesitação em assumir que o encerramento do alojamento denominado “ASSOCIAÇÃO DE PROTECÇÃO DOS ANIMAIS ...” determinará, com elevado grau de probabilidade, a cessação da atividade desta associação.
50. Esta cessação de atividade, em si, representa uma situação de difícil restauração natural, na medida em que se afigura razoável que a rutura do desenvolvimento da atividade possa, fundadamente, comprometer um seu reatamento tardio.
51. Donde há que concluir que, in casu, a execução do ato suspendendo põe em causa a utilidade da sentença a proferir no processo principal.
52. Destarte, considera-se verificado o requisito do periculum in mora.
53. Apurada a inconsistência do juízo decisório firmado pelo Tribunal a quo no domínio em análise, cumpre agora, nos termos do artigo 149º n.º 3 do CPTA, conhecer o requisito relativo ao fumus boni iuris e, caso o mesmo se mostre preenchido, também haverá que conhecer do requisito relativo à proporcionalidade, por a sua apreciação ter ficado prejudicada pela solução que deu ao litígio.
54. Como ressalta cristalinamente dos artigos 3º, nº.1, alínea b), 3º-A, 8º, nº. 4, e 11º do DL n.º 276/2001, de 17 de outubro - que estabelece as normas legais tendentes a pôr em aplicação em Portugal a Convenção Europeia para a Proteção dos Animais de Companhia e um regime especial para a detenção de animais potencialmente perigosos -, (i) é condição sine qua non para o inicio de atividade por parte dos alojamentos para hospedagem de animais de companhia a comunicação prévia a efetuar junto da DRAV [artigos 3º, nº.1, alínea b) e 3º-A], (ii) não podendo as estruturas físicas das instalações, todo o equipamento nelas introduzido e a vegetação representar nenhum tipo de ameaça ao bem-estar dos animais, designadamente não podem possuir objetos ou equipamentos perigosos para os animais [artigo 8º, nº. 4]; e (iii) devendo dispor de um sistema de proteção contra incêndios [artigo 11º].
55. No caso concreto, o tecido fáctico coligido nos autos é inequívoco na afirmação de que alojamento em causa funciona sem ter sido precedido de comunicação prévia [cfr. alínea E)].
56. É também perentório no reconhecimento que o estabelecimento da Recorrente ostenta falhas de segurança das instalações, não possuindo, inclusive, um sistema de proteção contra incêndios [cfr. alíneas L) e M)].
57. Sendo este os contornos fácticos imutáveis do caso a decidir, dos quais este Tribunal Superior não se pode desviar, é nosso entendimento que a decisão suspendenda encontra-se perfeitamente legitimada à luz do bloco legal aplicável.
58. De facto, se outros requisitos não se mostrassem incumpridos, só as circunstâncias de (i) laborar ilegitimamente [sem comunicação prévia] e (ii) desprovido de um sistema de proteção de incêndios, determinaria o “encerramento” do alojamento da Requerente, sob pena de se sedimentar um clima de impunidade permissiva contrário ao Estado de Direito.
59. O que serve para concluir que, ainda que se verificassem os vícios assacados ao ato suspendendo no requerimento inicial, mormente, os de (i) preterição da audiência prévia, e (ii) ofensa do procedimento previsto no art. 3.º-G, n.ºs. 2, 3 e 4 do DL. n.º 276/2001, de 17 de outubro, sempre a eventual suspensão de eficácia [ou desintegração jurídica] do ato suspendendo poderia deixar de ser decretada, visto que a solução assumida se apresentava à luz da lei e do interesse público como a única alternativa decisória, absolutamente inevitável e incapaz de ser influenciada pelo contributo da Recorrente.
60. Nestas condições, não existe justificação racional para, nestas condições de inoperância, conferir eficácia invalidante ao ato suspendendo com base nos invocados vícios pela Recorrente.
61. Tem aqui expressão máxima o princípio geral de direito que se exprime pela fórmula latina “utile per inutile non vitiatur”, que habilita o julgador, mormente, o juiz administrativo a poder negar relevância anulatória ao erro da Administração [seja por ilegalidades formais ou materiais], mesmo no domínio dos atos proferidos no exercício de um poder discricionário, quando, pelo conteúdo do ato e pela incidência da sindicação que foi chamado a fazer, possa afirmar, com inteira segurança, que a representação errónea dos factos ou do direito aplicável não interferiu com o conteúdo da decisão administrativa, nomeadamente, ou porque não afetou as ponderações ou as opções compreendidas (efetuadas ou potenciais) nesse espaço discricionário, ou porque subsistem fundamentos exatos bastantes para suportar a validade do ato [v.g., derivados da natureza vinculada dos atos praticados conforme à lei], ou seja ainda porque inexiste em concreto utilidade prática e efetiva para o impugnante do operar daquela anulação visto os vícios existentes não inquinarem a substância do conteúdo da decisão administrativa em questão não possuindo a anulação qualquer sentido ou alcance [cfr. aresto produzido por este Tribunal Central Administrativo Norte, de 22.06.2011, no processo nº. 462/2000 – Coimbra].
62. Desta feita, por inultrapassável inverificação do requisito relativo ao fumus bonis iuris, a presente providência não pode ser decretada.
63. Deve, portanto, ser negado provimento ao recurso jurisdicional, e mantida a sentença recorrida, com a atual fundamentação.
64. Ao que se provirá no dispositivo.
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IV – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em NEGAR PROVIMENTO ao recurso jurisdicional “sub judice”, e, ainda que com fundamentação diferente, manter a sentença recorrida
Custas pela Recorrente.
Registe e Notifique-se.
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Porto, 21 de abril de 2023,


Ricardo de Oliveira e Sousa
Rogério Martins
Luís Migueis Garcia