Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02077/12.7BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/21/2013
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Catarina Almeida e Sousa
Descritores:DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA; REQUISITOS; ÓNUS DA PROVA; COMPETÊNCIA PARA CONHECER DO PEDIDO DE DISPENSA DE GARANTIA; EXECUÇÃO DO JULGADO
Sumário:I. Nos termos do artigo 52º, nº 4 da LGT, a Administração Tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou de manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado.
II. O benefício da isenção fica assim dependente de dois pressupostos alternativos: ou a (i) existência de prejuízo irreparável decorrente da prestação da garantia ou (ii) a falta de meios económicos para a prestar. Porém, tal dispensa não depende apenas da verificação de um destes dois pressupostos, sendo necessário o preenchimento de um outro pressuposto cumulativo: que a insuficiência ou inexistência dos bens não seja da responsabilidade do executado que pretende a isenção.
III. De acordo com o disposto nos artigos 342º do CC, 74º, nº 1 da LGT e170º, nº 3 do CPPT, o ónus da prova dos pressupostos para a dispensa da prestação de garantia incumbe ao executado, uma vez que se trata de factos constitutivos do direito que este pretende ver reconhecido.
IV. No caso do despacho reclamado, tendo a Administração Tributária considerado não estar provado qualquer um dos requisitos alternativos - existência de prejuízo irreparável decorrente da prestação da garantia ou a falta de meios económicos para a prestar - indeferindo o pedido sem cuidar da verificação, in casu, do requisito cumulativo respeitante à responsabilidade do executado na insuficiência dos bens, o Tribunal só pode sindicar o acto tal como resulta do seu teor expresso.
V. Assim, não era legalmente admissível, nesta sede, ao Mmo. Juiz a quo analisar o acerto, ou desacerto, do despacho de indeferimento do pedido de isenção de garantia com base na análise da verificação de um requisito que a Administração jamais analisou – a (ir)responsabilidade do executado na insuficiência ou inexistência dos bens, pois, como é sabido, o tribunal não pode substituir-se à AT, na medida em que tal representaria a prática de administração activa, o que, naturalmente, lhe está vedado.
VI. A competência para conhecer do pedido de dispensa de garantia é sempre e exclusivamente do órgão de execução fiscal, como se conclui do disposto no n.º 4 do artigo 52º da LGT. Assim, “se o tribunal não pode conhecer do pedido de dispensa de prestação da garantia, mas apenas sindicar a legalidade da decisão do mesmo, também não faz sentido que avance no conhecimento de requisitos dessa dispensa que não tenham sido objecto de conhecimento pelo órgão de execução fiscal”.
VII. Na sequência da anulação da decisão de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia, o órgão de execução fiscal terá de proferir uma nova decisão em que aprecie o pedido formulado, na qual, em obediência ao disposto no artigo 100.º da LGT, proceda à «imediata e plena reconstituição da legalidade do acto». Tal despacho poderá até ser de sentido idêntico ao anterior, desde que não repita os vícios que determinaram a anulação da decisão reclamada, uma vez que a eficácia do caso julgado limita-se aos vícios que determinaram a anulação.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:G..., Lda.
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. Relatório

A Fazenda Pública (doravante, Recorrente), não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a reclamação apresentada, ao abrigo do disposto no artigo 276.º e ss do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), contra o despacho do Chefe do Serviço de Finanças do Porto 1, de 26 de Outubro de 2009, que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia apresentado no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3174200901013629, anulando-o, interpôs o presente recurso formulando as seguintes conclusões:

A. Na apreciação dos factos em ordem à boa decisão da causa a douta sentença recorrida refere “A suspensão da execução, nos termos do art.º 52º nº 1 da LGT “depende da prestação de garantia idónea nos termos das leis tributarias”(cfr. nº 2 do citado preceito). Pode, todavia, a Administração Tributária isentar (dispensar) da prestação da garantia, a requerimento do executado, nos termos do art.º 52º nº 4 da LGT, desde que se mostrem preenchidos os respectivos pressupostos essenciais, a saber:

- que a prestação da garantia cause ao impetrante prejuízo irreparável; ou

- Ocorra manifesta falta de meios económicos para pagamento da divida exequenda e acrescido; desde que

- a insuficiência ou inexistência de bens penhoráveis não provenha de culpa sua.

Saliente-se que a prova da verificação dos aludidos pressupostos recai sobre a reclamante, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova (cfr. artigos 342ª nº 1 do Código Civil e 74º nº 1 da LGT), uma vez que à reclamante incumbe alegar e provar os factos constitutivos do seu direito, reservando à reclamada o ónus probandi dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito da contraparte.

(…)

B. A douta sentença considerou que a reclamante não alegou nem comprovou, quais os prejuízos irreparáveis que, em concreto, adviriam da prestação de garantia e nesta conformidade, decidiu improceder a pretensão da reclamante com fundamento na ocorrência de prejuízo irreparável causado pela prestação da garantia.

C. Considerando todavia, que os pressupostos “prejuízo irreparável” e “manifesta falta de meios económicos” são pressupostos alternativos, o meritíssimo juiz considerou que a reclamante apresentou prova documental suficiente de que a sua situação económico-financeira a tornava incapaz de suportar a prestação de garantia idónea à suspensão do processo de execução fiscal.

D. Neste ensejo a douta sentença concluiu pela procedência da reclamação e anulou o despacho reclamado.

E. Ressalvado o devido respeito, a Fazenda Publica entende que a douta sentença cometeu erro sobre os pressupostos de facto e de direito porquanto

F. O meritíssimo juiz a quo decidiu-se pela procedência da reclamação com base na verificação de um único pressuposto, concretamente na constatação da incapacidade económica da reclamante para prestar a garantia solicitada pelo Serviço de Finanças.

G. Simplesmente, a isenção não depende, apenas, da constatação do prejuízo irreparável, em resultado da prestação de garantia (que o tribunal julgou como não provado) ou da evidenciação de o executado não possuir bens, ou os possuir em medida inferior à necessária para prestar a garantia (que a Tribunal entendeu provado).

H. A redacção do art.º 52º da LGT não deixa margem para dúvidas – impõe-se como condição para o pleno funcionamento daqueles requisitos que, relativamente a qualquer deles, a insuficiência ou inexistência dos bens não seja da responsabilidade do executado que pretende a isenção.

I. A douta decisão recorrida em sede de fundamentação não apreciou nem se pronunciou sobre o terceiro requisito, cumulativo com o pressuposto da insuficiência de meios económicos para prestação da garantia.

J. Ao executado que se encontre em alguma das situações subsumíveis à citada norma do art.º 52.º n.º4 da LGT e que pretenda obter dispensa de prestação de garantia, a lei permite que a requeira junto do órgão da execução fiscal, invocando os correspondentes factos e o direito aplicável ao caso, mas desde que em qualquer dos casos, a insuficiência ou inexistência de bens não seja da sua responsabilidade.

K. Irresponsabilidade que lhe cabe desde logo alegar como parte do direito que pretende ver reconhecido bem como a prova dos factos, que sendo factos pessoais ninguém melhor do que a requerente se encontrará em condições de os conhecer e de os provar.

L. Ora nada disso sucedeu no caso, pois não resulta do probatório que a executada tenha sequer alegado a sua irresponsabilidade, a sua falta de culpa na inexistência ou insuficiência de meios para prestação da garantia solicitada pelo órgão de execução fiscal.

M. E salvo o devido respeito, esta lacuna probatória deveria ter sido considerada pelo meritíssimo juiz a quo na sentença recorrida e desta omissão ter extraído a conclusão pertinente, de que não se encontravam provados os requisitos da dispensa de garantia.

N. Ao não analisar e não conceder a devida relevância à falta de prova da irresponsabilidade da executada aqui recorrida na insuficiência de meios para prestação de garantia, a douta sentença faz deficiente valoração da prova.

O. O que acarretou que a decisão tenha assumido como preenchidos os requisitos plasmados no art.º 52º da LGT, quando manifestamente tal não sucedia.

P. Recordando as conclusões do douto acórdão deste TCA de 23-11-2012, no processo 01158/12.1 “Quer a dispensa da prestação de garantia assente na ocorrência de prejuízo irreparável, quer na manifesta falta de meios económicos do executado, é sobre o requerente que recai o ónus de alegar e provar os pressupostos para tal dispensa, incluindo a prova de que não houve dissipação de bens com intuito de diminuir a garantia dos credores, de acordo com os princípios do ónus da prova (artigo 342º do CC e artigo 74º, nº 1 da LGT e, bem assim, do artigo 170º, nº 3 do CPPT).”

Termos em que,

Deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida.


*

Não foram apresentadas contra-alegações.

*

A Exma. Magistrada do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso. Em síntese, defende a Ilustre Magistrada que “daqui decorre que não tendo provado a verificação de todos os pressupostos (mormente do pressuposto cumulativo da falta de culpa na insuficiência dos bens) mal andou o Tribunal ao julgar procedente a reclamação, pelo que, deve a mesma ser revogada, dando-se provimento ao recurso.”

*

Com dispensa dos vistos legais, atenta a natureza urgente do processo [artigo 707º, nº 4 do Código de Processo Civil (CPC) e artigo 278º, nº 5 do CPPT], cumpre agora apreciar e decidir, visto que nada a tal obsta.



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Questão a decidir:

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Importa assim, antes do mais, que nos detenhamos sobre o teor das conclusões do recurso interposto, a fim de partirmos de um pressuposto seguro quanto à(s) questão(ões) a decidir, nesta sede, até porque, in casu, o discurso utilizado não é o mais cristalino, podendo, numa primeira leitura, suscitar dúvidas interpretativas que urge clarificar.

Se por um lado, a Recorrente refere que “a douta decisão … não apreciou nem se pronunciou sobre o terceiro requisito”, parecendo com isso pretender apontar uma omissão de pronúncia à sentença, a verdade é que, por outro lado, jamais se refere expressamente à nulidade da sentença, nem tão-pouco invoca qualquer preceito legal atinente às nulidades da sentença.

Dir-se-á, porém, que o Tribunal não está vinculado à qualificação jurídica que as partes façam relativamente às questões a apreciar e que, deste modo, podia, ainda assim, o Tribunal configurar como omissão de pronúncia e apreciar, enquanto tal, a questão assim colocada, caso entendesse que essa era a qualificação adequada no caso. Contudo, não o entendemos assim.

Enfrentando directamente a questão, lendo e relendo conjugadamente as alegações e conclusões de recurso, a interpretação que fazemos quanto à (para nós), única questão a apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento. E dizemo-lo porque é, afinal, no erro de julgamento que se apoia toda a retórica recursiva: saber se a sentença recorrida errou ao considerar ilegal o despacho reclamado, anulando-o, com base na verificação de um único pressuposto legal da concessão da dispensa da garantia bancária ou, como também refere a Recorrente, saber se a sentença errou ao ter assumido como preenchidos os requisitos plasmados do art.º 52º da LGT, quando manifestamente tal não sucedia.

Por conseguinte, é na apreciação sobre o apontado erro de julgamento da sentença que se vai decidir a sorte do presente recurso.


*

2. Fundamentação

2.1. De facto

O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto deu como provados os seguintes factos:

1. Em 25.03.2009, foi instaurado e autuado o processo de execução fiscal n.° 3174200901013629, movido contra “G… e C.ª, Lda.”, por dívidas de Imposto sobre o Valor Acrescentado e juros compensatórios, referente ao ano de 2004 e aos 2.º, 3.° e 4,° trimestres do ano de 2006, no montante global de € 22,420,62, o qual corre termos no Serviço de Finanças de Porto-1.

Cfr. fls. 1 a 14 dos autos

2. No âmbito do PEF referido em 1., em 28.04.2009, deu entrada junto do Serviço de Finanças de Porto-1, sob o registo 005954, requerimento apresentado pela ora Reclamante no qual solicitava o pagamento em prestações da referida dívida fiscal.

Cfr. fls. 19 a 25 dos autos

3. Com o pedido de pagamento em prestações, a Reclamante juntou, além do mais, os seguintes elementos:

• Cópia de documento denominado “EXTRACTO DE MOVIMENTOS” referente à conta n.º 127.10.001009-0, cujo 1.º titular é a ora Reclamante, constando movimentos entre 11.02.2009 e 25.02.2009, apresentando, à data de 25.02.2009, o saldo credor de € 43,58;

• Cópia de documento denominado “BALANCETE GERAL (Período [Dezembro - Dezembro] e Acumulado) — 2008, referente à ora Reclamante, reportado à data de 31.12.2008;

• Cópia de comprovativo de entrega da Declaração Modelo 22, correspondente ao exercício do ano de 2007, recepcionada em 20.05.2008, sob o n.° 3174-C0718-3, da qual consta como “Prejuízo para efeitos fiscais” o montante de €45.196,35;

• Cópia de comprovativo de entrega da Declaração IES/DA, correspondente ao exercício do ano de 2007, recepcionada em 23.06.2008, sob o n.° 3174-10580-71, da qual consta como “Resultado líquido do exercício” o montante de € “-45.435,78”,

Cfr. fls. 44 a 79 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais

4. Sobre o pedido mencionado em 2, recaiu despacho, datado de 15.05.2009, a deferir o pagamento em 12 prestações, “sob condição de ser prestada garantia idónea no valor e no prazo constantes da liquidação a ser emitida.”

Cfr. fls. 62 dos autos

5. A Reclamante foi notificada do despacho que antecede mediante o envio, sob registo, do Ofício n.° 5068/NG, datado de 18.05.2Ó09,

cfr. fls. 84 e 84 v dos autos

6. Em 08.06.2009, a Reclamante expediu requerimento dirigido ao Serviço de Finanças de Porto-1, o qual deu entrada em 09.06.2009, registado sob o nº 008085, solicitando a fixação do valor da garantia a prestar.

cfr. fls. 84 a 88 dos autos

7. Em 20.08.2009, a ora Reclamante expediu, sob registo, requerimento dirigido ao Serviço de Finanças de Porto-1, o qual deu entrada em 21.08.2009, registado sob o n.° 011493, renovando o pedido de fixação do valor da garantia a prestar e informando que deduziu reclamação graciosa contra a dívida mencionada em 1., pelo que “o processo de execução fiscal tem de ficar suspenso, nos termos do artigo 169° do CPPT, o que se requer”.

Cfr. fls. 97 a 102 dos autos

8. Em 02.09.2009, foi proferido despacho com o seguinte teor:

“Face ao informado, proceda-se à notificação, na pessoa do mandatário, do montante da garantia a prestar no valor de 29.182,41 €, a qual deve ser apresentada no prazo de 15 dias a contar da notificação, sob pena de os autos prosseguirem até à penhora.”

Cfr. fls. 106 dos autos

9. A Reclamante foi notificada do despacho que antecede, mediante o envio, sob registo, em 15.09.2009, do Oficio n.° 10270/NG, datado de 14.09.2009.

Cfr. fls. 107 e 108 dos autos

10. Em 02.10.2009, a Reclamante apresentou requerimento junto do Serviço de Finanças de Porto-1, o qual foi registado sob o n.° 013309, no qual requeria isenção de prestação de garantia “Por manifesta falta de meios económicos e por a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 52° da Lei Geral Tributária (LGT) e do artigo 170° do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT)”.

cfr. fls. 112 a 134 dos autos

11. Com o pedido de isenção de prestação de garantia, a Reclamante juntou, além do mais, os seguintes elementos:

• Cópia de documento denominado “EXTRACTO DE MOVIMENTOS” referente à conta n.° 127.10.001009-0, cujo 1.º titular é a ora Reclamante, constando movimentos entre 22.05.2009 e 30,06,2009, apresentando, à data de 30.06.2009, um saldo credor de € 148,47;

• Cópia de documento denominado “MAPA DE REINTEGRAÇÕES E AMORTIZAÇÕES”, referente ao exercício de 2008.

Cfr. fls. 127 a 132 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

12. Em 26.10.2009, foi proferido DESPACHO com o seguinte teor:

“De acordo com o estabelecido no art.º 52, n° 4 da Lei Geral Tributária, “a Administração Tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos em que a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para pagamento da divida exequenda e acrescido…”

O pedido de dispensa da prestação da garantia deve conter a indicação das razões de facto e de direito em que se baseia a pretensão (art° 170, n.° 3 CPPT).

Por sua vez, o artigo 199° do CPPT, no seu n° 3, prescreva que “se o executado considerar existirem os pressupostos da isenção de garantia, deverá invocá-los e prová-los na petição”.

Analisando o caso em apreciação, verifico que a requerente não juntou qualquer prova documental da sua incapacidade financeira/ económica, não cumprindo o n° 3 do art° 199° do CPPT, conjugado com o n.° 3 do art° 170° do mesmo diploma, e o n.° 4 do art° 52° da LGT, de modo a poder aferir-se da falta de meios económicos.

Não foi provado o prejuízo irreparável que poderá causar ou vir a causar à empresa, designadamente em que á que ele se concretiza, de acordo com o previsto no n.° 4 do art.° 52° da LGT, uma vez que apenas foi “invocado” prejuízo irreparável.

Assim, face ao exposto e tendo em consideração a informação que antecede, INDEFIRO o pedido de dispensa de prestação da garantia.

Notifique-se.”

Cfr. fls. 138 dos autos

13. A ora Reclamante foi notificada do teor do despacho antecedente, mediante o envio em 29.10.2009, sob registo, do Ofício n.° 12345/NG datado de 28.10.2009.

Cfr. fls. 139, 139v e 445 dos autos

14. Em 12.11.2009, a ora Reclamante apresentou, no Serviço de Finanças do Porto-1, a reclamação em causa nestes autos.

Cfr. fls. 192 a 227 dos autos

Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa.

O Tribunal alicerçou a sua convicção com base no exame crítico dos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados.”


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2.2. De direito

Em causa no presente recurso jurisdicional está a sentença do TAF do Porto que, julgando procedente a reclamação apresentada ao abrigo do artigo 276º do CPPT, anulou o despacho proferido, em 26 de Outubro de 2009, pelo Chefe do Serviço de Finanças do Porto 1, que havia indeferido o pedido de dispensa de prestação de garantia formulado pelo ora Recorrido no processo de execução fiscal nº3174200901013629.

A questão que se coloca é a de saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao ter concluído pela anulação do acto reclamado, pois que, como defende a Fazenda Pública, o meritíssimo juiz a quo decidiu-se pela procedência da reclamação com base na verificação de um único pressuposto, concretamente na constatação da incapacidade económica da Reclamante para prestar a garantia solicitada pelo Serviço de Finanças, sendo certo que a isenção não depende, apenas, da constatação do prejuízo irreparável, (…) ou da evidenciação de o executado não possuir bens, ou os possuir em medida inferior à necessária para prestar a garantia, já que, prossegue, impõe-se como condição para o pleno funcionamento daqueles requisitos que, relativamente a qualquer deles, a insuficiência ou inexistência dos bens não seja da responsabilidade do executado que pretende a isenção.

Com efeito, para a Recorrente a sentença proferida pelo TAF Porto mostra-se errada no julgamento efectuado, na medida em que considerou ilegal o despacho reclamado, anulando-o, com base na verificação de um único pressuposto legal da concessão da dispensa da garantia bancária [sem curar de apreciar sobre a (ir)responsabilidade do executado na insuficiência ou inexistência dos bens] ou, como também refere a Recorrente, a sentença errou ao ter assumido como preenchidos os requisitos plasmados do artigo 52º da LGT, quando manifestamente tal não sucedia.

Vejamos por partes.

Assim, começaremos por deixar devidamente delineado o quadro legal aplicável à situação em análise, faremos uma breve análise sobre o procedimento que culminou com o acto reclamado e, por fim, centrar-nos-emos no acto administrativo reclamado e na sentença que sobre ele recaiu.

Ora, nos termos do artigo 52º, nº 4 da LGT, a Administração Tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado.

Quer isto dizer que o benefício da isenção fica assim dependente de dois pressupostos alternativos: ou a (i) existência de prejuízo irreparável decorrente da prestação da garantia ou (ii) a falta de meios económicos para a prestar. Porém, tal dispensa não depende apenas da verificação de um destes dois pressupostos, sendo necessário o preenchimento de um outro pressuposto cumulativo: que a insuficiência ou inexistência dos bens não seja da responsabilidade do executado que pretende a isenção.

Como é sabido, o executado que pretenda ser dispensado de prestar garantia deve dirigir o pedido ao órgão da execução fiscal, devidamente fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária (artigo 170º, nºs 1 e 3 do CPPT). Com efeito, do regime geral de repartição do ónus da prova (artigo 342º do CC e artigo 74º, nº 1 da LGT) e, bem assim, do referido artigo 170º, nº 3 do CPPT, resulta que a prova dos pressupostos para a dispensa da prestação de garantia incumbe ao executado, uma vez que se trata de factos constitutivos do direito que este pretende ver reconhecido. Em suma, quer a dispensa da prestação de garantia assente na ocorrência de prejuízo irreparável, quer na manifesta falta de meios económicos do executado, é sobre o requerente que recai o ónus de alegar e provar os pressupostos para tal dispensa, incluindo a prova de que não houve dissipação de bens com intuito de diminuir a garantia dos credores. Neste sentido, e em concreto sobre o ónus da prova dos mencionados requisitos, vejam-se, entre outros, os acórdãos do STA de 17/12/08 e de 02/02/11, proferidos nos processos nºs 327-08-50 e 16/11-30, respectivamente, os acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 05/07/12 e de 17/10/12, proferidos nos processos nºs 286/12 e 414/12, respectivamente.

Exposto o quadro legal aplicável, façamos uma breve incursão pelo procedimento que resultou no despacho reclamado – o indeferimento do pedido de dispensa de garantia.

Como consta do ponto 10 dos factos provados, em 02/10/2009, a Reclamante apresentou um requerimento junto do Serviço de Finanças de Porto-1, no qual requeria isenção de prestação de garantia “Por manifesta falta de meios económicos e por a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 52° da Lei Geral Tributária (LGT) e do artigo 170° do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT)”.

Para além da invocação de tais requisitos, pode ler-se no requerimento aludido, concretamente no seu ponto B), sob a epígrafe Da não responsabilidade da executada na sua situação financeira, que “do exposto, entende a ora Requerente demonstrado que a insuficiência ou inexistência de bens não é responsabilidade sua” e, ainda, que a Requerente nada fez “para se colocar nesta situação”.

Tal requerimento foi instruído com diversa prova documental a que o Mmo. Juiz a quo não deixou fazer devida referência (cfr. ponto 11 dos factos provados).

Ora, em 26/10/2009, foi proferido despacho de indeferimento do pedido de dispensa de garantia (o despacho que é objecto da reclamação) cujo teor consta do ponto 12 da matéria de facto e para o qual remetemos. No essencial, em tal despacho a Administração Tributária, após traçar o quadro legal enformador da dispensa da prestação da garantia, designadamente quanto ao modo como tal pedido deve ser instruído (“se o executado considerar existirem os pressupostos da isenção da garantia, deverá invocá-los e prová-los da petição”, lê-se no despacho), indeferiu o requerido pelas seguintes razões: (i) inexistência de prova documental da incapacidade financeira/económica da requerente; (ii) falta de prova do prejuízo irreparável.

Portanto, interpretando o teor do despacho reclamado, a única leitura possível do mesmo é esta: uma vez que a Administração Tributária considerou não estar provado qualquer um dos apontados requisitos alternativos - existência de prejuízo irreparável decorrente da prestação da garantia ou a falta de meios económicos para a prestar - tanto bastou para indeferir o requerido. Por outras palavras, não estando, na óptica da Administração, provado qualquer um daqueles requisitos alternativos, tornava-se inútil apreciar e decidir sobre o requisito cumulativo, ou seja, a insuficiência ou inexistência dos bens não ser da responsabilidade do executado que pretende a isenção. A análise deste último pressuposto (repita-se, cumulativo com qualquer um dos dois requisitos alternativos) tornou-se, pois, na economia do despacho proferido, absolutamente inútil e, como tal, prejudicada (embora a Administração Tributária não o tenha dito expressamente).

Centremo-nos, agora, no teor do acto reclamado e na sentença que sobre ele versou.

Acompanhando o teor do decidido no despacho reclamado quanto ao requisito alternativo consistente na existência de prejuízo irreparável decorrente da prestação da garantia, a sentença recorrida considerou, em resumo útil, que a Reclamante não alega nem comprova, quais os prejuízos que, em concreto, advirão da prestação da garantia.

Portanto, e até aqui, temos que, quanto ao apontado requisito alternativo, a sentença confirmou aquilo que havia sido decidido pelo Chefe do Serviço de Finanças.

Porém, quanto ao outro requisito alternativo, respeitante à falta de meios económicos para prestar a garantia, já o Tribunal a quo divergiu do decidido em sede administrativa, pois que, contrariamente, veio a concluir que o mesmo se mostrava verificado, considerando, no que para aqui importa e em síntese, que a Reclamante apresentou prova documental suficiente que evidenciasse a sua situação económica-financeira, revelando incapacidade para suportar garantia idónea à suspensão da execução fiscal.

Por conseguinte, temos que o despacho recorrido, na análise efectuada, considerou que um dos requisitos alternativos estava comprovado e, por isso, face ao que havia sido decidido no despacho reclamado (quanto à não verificação de qualquer um dos apontados requisitos alternativos), concluiu que o referido despacho padecia de ilegalidade, devendo, por isso, ser anulado, o que, de resto, veio a decidir.

O assim decidido, concretamente quanto à verificação do requisito correspondente à falta de meios económicos para prestar a garantia, não vem atacado em sede de recurso jurisdicional. Com efeito, lendo as alegações e conclusões de recurso, dir-se-á que a Fazenda Pública se conformou com o juízo efectuado sobre aquele requisito alternativo, não o questionando. Portanto, temos que esta questão, a verificação de tal pressuposto, se mostra assente e decidida.

Na verdade, aquilo que move a Fazenda Pública neste recurso, ou seja, a sua verdadeira discordância com a sentença recorrida, não é o facto de a mesma ter decidido (contrariamente ao que fez a Administração Tributária) que estava verificado o requisito relativo à falta de meios económicos para prestar a garantia.

O que leva realmente a Recorrente a insurgir-se contra a sentença sindicada é, já o dissemos, por um lado, a circunstância de o Mmo. Juiz a quo não ter apreciado o requisito cumulativo – ou seja, que a insuficiência ou inexistência dos bens não era da responsabilidade do executado que pretendia a isenção – pois que, se o tivesse feito, teria concluído pela não demonstração do mesmo e, por outro, o facto de o despacho contestado ter sido considerado ilegal e anulado com base na verificação de um único pressuposto legal da concessão da dispensa da garantia, tendo, ademais, a sentença assumido como preenchidos os requisitos plasmados do art.º 52º da LGT, quando manifestamente tal não sucedia.

Diga-se, desde já, que nenhuma razão assiste à Recorrente, Fazenda Pública.

Não obstante o respeito que nos merece a posição esgrimida pela Recorrente, há que dizer que a mesma revela uma clara confusão entre a anulação do despacho reclamado – anulação esta que, efectivamente, corresponde ao decidido e ao pedido pelo Reclamante (“Termos em que, e com o mui douto suprimento de V. Exa., requer a aceitação desta reclamação e, uma vez provada a ilegalidade da decisão proferida, a sua revogação, como é de inteira justiça”) – e a efectiva concessão da isenção da garantia.

A sentença recorrida limitou-se, e bem, a anular o despacho sindicado, por verificar que o indeferimento aí decidido padecia de vício de violação de lei, concretamente na parte em que aí veio a considerar não verificado o requisito alternativo respeitante à falta de meios económicos para prestar a garantia. Por outras palavras, e contrariamente ao que sustenta a Recorrente, a sentença recorrida não assumiu como preenchidos os requisitos plasmados no art.º 52º da LGT (nem, muito menos, claro está, concedeu a isenção solicitada).

Ao actuar como actuou, o Mmo. Juiz a quo procedeu correctamente e fez o que tinha (e o que podia) a fazer. Não era legalmente admissível, nesta sede, ao Mmo. Juiz analisar o acerto, ou desacerto, do despacho de indeferimento do pedido de isenção de garantia com base na análise da verificação de um requisito que a Administração jamais analisou – no caso, repete-se, nunca o órgão da execução fiscal apreciou e decidiu sobre a (ir)responsabilidade do executado na insuficiência ou inexistência dos bens. Para mais, e ao contrário daquilo que a Fazenda Pública parece fazer crer (veja-se a conclusão L), e tal como afirmámos supra, no requerimento de isenção de prestação de garantia, o executado, sob a epígrafe “Da não responsabilidade da executada na sua situação financeira” não deixou de afirmar que “do exposto, entende a ora Requerente demonstrado que a insuficiência ou inexistência de bens não é responsabilidade sua” e, ainda, que a Requerente nada fez “para se colocar nesta situação” (isto, claro está, sem cuidar de saber se o assim alegado foi efectivamente provado, aspecto que aqui não nos ocupa).

Afinal, com este recurso jurisdicional, tal como ele se nos apresenta, o que ressalta é que a Fazenda Pública pretendia que o Tribunal a quo (ou que, agora, pela via do recurso, este TCA) se tivesse substituído à Administração Tributária e analisasse um pressuposto legal da dispensa de garantia que a autoridade administrativa competente nunca apreciou.

Vejamos com mais detalhe este aspecto.

Importa não perder de vista, que a competência para conhecer do pedido de dispensa de garantia é sempre e exclusivamente do órgão de execução fiscal, como se conclui do disposto no n.º 4 do artigo 52º da LGT, motivo por que «não pode ser exercido pelo tribunal em substituição daquela, tendo a actividade deste de resumir-se à verificação da ofensa ou não dos princípios jurídicos que condicionam toda a actividade administrativa e será um controle pela negativa, não podendo o tribunal substituir-se à Administração na ponderação das valorações que integram nessa margem [de livre apreciação]» - Cfr. DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Encontro da Escrita, 4.ª edição, anotação 11 ao art. 52.º, pág. 429.

Nesta linha de entendimento que sufragamos, e como de forma muito clara se expõe no acórdão do STA, de 19/12/12 (proc. nº 1320/12), em que foi Relator o Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Francisco Rothes, “se o tribunal não pode conhecer do pedido de dispensa de prestação da garantia, mas apenas sindicar a legalidade da decisão do mesmo, também não faz sentido que avance no conhecimento de requisitos dessa dispensa que não tenham sido objecto de conhecimento pelo órgão de execução fiscal”.

Por ser assim, de resto, mesmo que se tivesse concebido que tinha sido invocada, em sede de recurso, a omissão de pronúncia (e já deixámos esclarecidas as razões pelas quais não entendemos que tal questão tenha sido autonomizada e colocada a este Tribunal de recurso), a verdade é que tal questão sempre estaria votada ao insucesso, precisamente porque o Tribunal não tinha, nos termos acabados de expor, o dever de decidir sobre um pressuposto que não foi objecto de qualquer apreciação pela entidade com competência para tal.

Para o caso será indiferente que, como sustenta a Fazenda, o Requerente não tenha sequer alegado a sua irresponsabilidade (o que, aliás, já vimos não ser inteiramente correcto) ou, como também aponta, que seja patente a falta de prova dessa irresponsabilidade, pois que, repete-se, essa será uma questão a apreciar em sede própria, que o Tribunal não pode sindicar por nunca ter sido apreciada pela entidade com competência para tal.

Ora, não tendo sido posta em causa, como não foi, a decisão na parte em que aí se considerou verificado um dos requisitos alternativos da concessão da dispensa de garantia, não faz sentido o apontado erro de julgamento quanto à errada valoração da prova relativamente ao requisito cumulativo e, consequentemente, contra a decisão sindicada que, nas palavras da Recorrente, assumiu como preenchidos os requisitos plasmados no art.º 52º da LGT, quando manifestamente tal não sucede.

Com efeito, aquilo que entendemos é que na sequência da anulação da decisão de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia, o órgão de execução fiscal terá de proferir uma nova decisão em que aprecie o pedido formulado, na qual, em obediência ao disposto no artigo 100.º da LGT («A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».), proceda à «imediata e plena reconstituição da legalidade do acto». Tal despacho poderá até ser de sentido idêntico ao anterior, desde que não repita os vícios que determinaram a anulação da decisão reclamada, uma vez que a eficácia do caso julgado limita-se aos vícios que determinaram a anulação. Neste sentido, o já citado acórdão do STA, de 19/12/12 (proc. 1320/12).

A não se entender assim, e ao proceder como aqui pretende a Recorrente, mais não teríamos que o Tribunal a substituir-se à Administração Fiscal, a praticar administração activa, a decidir, pela primeira vez, sobre um requisito da dispensa de garantia, o que, de todo, não é aceitável.

Improcedem, pois, todas as conclusões da alegação do recurso, mantendo-se a sentença recorrida, nos exactos termos em que foi proferida.

3. Decisão

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TACN em negar provimento ao presente recurso jurisdicional e, consequentemente, em manter a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Porto, 21 de Março de 2013

Ass. Catarina Almeida e Sousa

Ass. Nuno Bastos

Ass. Irene Neves